Resumo: Discorre sobre a importância do consumo sustentável para o planeta, enfocando principalmente a responsabilidade do consumidor frente ao grande desafio da humanidade, observando a força e a influência da publicidade no cotidiano da sociedade
I – Consumo Sustentável e o Meio Ambiente
Nos primórdios da humanidade, o ser humano dependia quase que exclusivamente dos determinismos genético e geográfico, a natureza era soberana e todos eram nômades, os recursos naturais estavam em constante renovação. Porem, com o surgimento do Homo Habilis e sua capacidade de construir instrumentos, iniciou se um processo de transformação do meio natural, o homem passou a ser um verdadeiro demiurgo, embora produto e elemento integrante da biosfera, ele tornou se capaz de interferir na geração e sobrevivência de todas as espécies vivas dessa mesma biosfera.
Descartes já observava em seu Discurso sobre o método, que nós homens “ao conhecermos a força e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e todos os outros corpos que nos cercam, tão distintamente quanto conhecemos os diversos ofícios dos artesãos, poderíamos empregá-los do mesmo modo a todos os usos aos quais eles são apropriados, tornando-nos assim senhores e possuidores da natureza” [1]
A validade dessa citação se fez evidente, uma vez que, o avanço acelerado do saber tecnológico e científico permitiu ao homem interagir e interferir de forma contínua, tanto positivamente quanto negativamente no meio-ambiente, ou seja, transformando tudo a seu redor, deixando de ser apenas um produto do meio em que vive.
Ademais, outros fatores contribuíram para o desgaste natural, principalmente o crescimento populacional, o aumento exponencial das indústrias e a intensificação do processo de urbanização, com isso a interferência do homem nos sistemas naturais passou a acontecer de forma mais acelerada e numa proporção infinitamente maior. Deste modo, o aumento da população significou o crescimento do consumo dos recursos da natureza, alguns renováveis e outros não.
Portanto, uma nova questão assolava a humanidade, teria a biosfera condições de nos sustentar indefinidamente? Esta foi a indagação que serviu de estopim, para Robert Malthus, no final do século XVIII, elaborar sua teoria pessimista porem realista, sobre o crescimento da população e a escassez de recursos naturais, segundo ele, o numero de pessoas aumentava em ritmo de progressão geométrica enquanto os recursos naturais obedeciam um avanço aritmético.[2]
Contrariando todas as previsões catastróficas e apocalípticas, o homem permaneceu com seu estilo de vida, abusando de forma sistemática da natureza, sem dar importância para os sinais de alerta, que o planeta insistentemente reiterava através dos fenômenos naturais; efeito estufa, ilhas de calor, inversão térmica, chuva ácida e o tão famigerado aquecimento global, que recentemente tornou-se tema do filme estrelado pelo ex vice-presidente americano Al Gore, sob o titulo “An Inconvenient Truth”. Ademais, surgia um novo problema inconveniente, a escassez de água potável, que agora não era preocupação exclusiva das regiões áridas, mas sim, de todo o planeta.
Somente no final deste ultimo milênio, o ser humano reconheceu a importância da ecologia[3], uma revalorização da natureza e nas palavras de Nalini, “finalmente a natureza foi erigida à condição de sujeito de direito.” [4]. Houve uma reconciliação do homem com o sistema da vida, deixando de considerar-se um elemento diferente e destacado.
No ano de 1962, a escritora e cientista Raquel Carson publicou o livro Primavera Silenciosa, considerado um marco no movimento ecológico moderno. Adiante, em 1972 foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre o Homem e o Meio Ambiente, em Estocolmo (Suécia), as primeiras metas foram traçadas e esse evento foi tido como a tomada de consciência, o mundo vinha de uma recente crise, detonada em parte pelo choque do petróleo, que serviu de alerta para o fato que os recursos naturais são esgotáveis. Na década de 80, o tema ganhou uma nova dimensão, ele passou a ser encarado com mais seriedade e sob uma nova perspectiva, o assunto não era mais exclusivo das reuniões de Chefe de Estados, a sociedade civil agora possuía um importante papel, diversas organizações não governamentais (ONGs) foram criadas no intuito de preservar, informar e exigir medidas sociais em relação ao meio ambiente, nesse rol de organizações destacaram se o Greenpeace e a WWF[5], que contavam com um voluntariado multifário global.
No ano de 1992, o Brasil foi sede da Conferência da ONU, o evento ficou conhecido como ECO-92, o dilema a ser resolvido era: como construir uma sociedade bem ordenada e justa, garantindo o equilíbrio entre a natureza e produtos tecnocientificos? Como ficariam as futuras Gerações? Segundo o relatório da CMMAD, “O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades”.[6]
Durante esse encontro ficou convencionado a Agenda 21, que ao lado da Carta da Terra, tornaram se as primeiras diretrizes para um desenvolvimento sustentável, que garantiria uma sobre vida para o orbe terrestre.
Portanto, ficou acordado que para um desenvolvimento sustentável é importante que se pense sempre pelo primado da natureza, evitando assim algumas praticas sociais já intimamente associadas, dentre elas o consumismo desenfreado.
Uma das principais soluções evidenciadas é a do Consumo Sustentável, que apesar de parecer um novo conceito, já era praticado por nossos ancestrais, em algumas sociedades antigas era comum consumir apenas o que precisavam, tanto na agricultura quanto na pesca e na caça, essa filosofia se baseia em usar menos recursos naturais e causar menos poluição, se faz imprescindível ainda à adoção de paradigmas de consumo e de produção sustentável, uma nova alternativa para a humanidade.
Nesse sentido, os países desenvolvidos devem prontamente estabelecer metas, como exemplo, procurar fontes de energia alternativa menos poluidoras, controlar o desperdício de água e luz, diminuir a quantidade de lixo e reciclar o máximo possível, e ainda, fiscalizar a qualidade dos produtos, criando selos e certificados, em prol do bem-estar mundial. Os paises em desenvolvimento devem evitar os erros cometidos pelos paises desenvolvidos, planejar um crescimento ordenado e investir em informação, de maneira nenhuma perpetuar o binômio crescimento econômico/degradação ambiental.
Na outra face da moeda está o consumidor consciente e com ele um incrível poder de escolha, que deve ser compreendido como verdadeiro dever social, porem para a maioria das pessoas, o ato de consumir tornou-se uma atividade cotidiana largando a idéia inicial de satisfazer necessidades e passando a ser uma prática impulsiva, quase que inconsciente. Existe uma complexidade muito grande em relacionar nossos hábitos de consumo aos problemas ambientais, esse ideário deve ser modificado, substituído por uma nova “consciência coletiva ou comum”[7], e é pensando nisto que trabalham os responsáveis pela entidade AKATU[8], uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, que visa à orientação e a mobilização do cidadão brasileiro, apelando para a importância do seu papel em relação à sustentabilidade da vida no planeta, através do consumo consciente, com isso, evitando o desperdício de energia, da água e de alimentos, em busca de uma ordem social mais justa.
II – O Consumidor Consciente e a Sociedade
As expressões “sociedade de consumo” ou “civilização de consumo” evoluíram para outro patamar, deixaram de habitar somente os livros de noções abstratas de economia e passaram a ocupar um espaço na linguagem cotidiana, quase sempre de forma pejorativa. O homem nos dias atuais, principalmente nas sociedades industriais ocidentais, porem não exclusivamente nelas, considera-se na obrigação de consumir algo, a verdadeira necessidade não é mais fator primordial no ato de consumo, as mercadorias duráveis foram transformadas em perecíveis, sua vida útil diminuída propositalmente, os produtos passaram a ser substituídos periodicamente, pelo incitamento à novidade, pelo temor causado por uma possível perda de status social. O desenvolvimento como mimetismo do American Way of Life é na verdade, uma ilusão que aumenta a desigualdade social e a degradação ambiental.
Segundo Nalini, o consumismo é “o grande pecado ético desta era: acumular bens, substituí-los sem necessidade, navegar na ilusão de que a multiplicação da posse e propriedade de objetos desnecessários constitui remédio para o vazio existencial e para angustia da morte”[9].
Não é possível equacionar o atendimento às necessidades básicas da população, protegendo a qualidade ambiental, se o paradigma de desenvolvimento for à reprodução do atual modelo de consumo dos países ricos, que se trata principalmente de aspirações de ordem material, um exemplo disso é o automóvel, que não é mais somente um veiculo de locomoção, passou a ser um símbolo de riqueza e de qualidade de vida.
Esse padrão esta tão presente em nossa sociedade contemporânea, que se faz imprescindível notar, que até alguns indicadores sociais, utilizados para a avaliação da qualidade de vida populacional, se baseiam na diversidade e quantidade de bens de consumo que uma família possui.
No mesmo sentido que o ser humano faz parte da natureza, ele também é parte integrante da Sociedade, fora dela não se pode compreendê-lo, como bem disse Aristóteles “o homem é um animal político” [10] e fora da sociedade “ele é um selvagem ou um deus” [11], portanto, cabe também a ele, uma mudança ou uma transformação de um antigo modelo de sociedade para um novo, que substitua antigos valores e comportamentos dos consumidores por uma nova base de consumo consciente, enfocando, a já mencionada, sustentabilidade do meio ambiente, equilíbrio da prosperidade econômica e a justiça social. Alem disso, o cidadão, deve abandonar a velha idéia de que complexos problemas devem ser solucionados por órgãos dos Estados ou agências multilaterais, permanecendo inerte e esquivando-se de sua responsabilidade perante a sociedade, abdicando de seus direitos, se omitindo dos deveres, sem perceber que o poder de transformação lhe é pertencente.
Esse poder se concretiza na escolha do consumidor consciente, nesse ato ele determina quais empresas são desejadas em nossa sociedade, aquelas que só visam o lucro em detrimento da comunidade, perderam seu espaço no mercado, os consumidores conscientes como formadores de opinião, ditam o comportamento a ser seguido por outros, criam tendências e costumes saudáveis para uma sociedade mais justa como um todo.
As empresas se sentem pressionadas de uma forma geral, sua responsabilidade social não decorre somente de uma norma, o clamor da sociedade é cada vez mais latente, a fiscalização e a troca de informação dos consumidores é evidentemente mais exigente e efetiva, a contratação de deficientes físicos, o cumprimento da legislação trabalhista, o respeito pela dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza, do preconceito e da discriminação, tornaram se um diferencial na hora da opção do cidadão. Esse anseio pode ser observado, no aumento providencial nos sistemas de atendimento ao consumidor (SACS) e ouvidorias, criado pela maioria das grandes empresas. Essa preocupação também pode ser notada, com a criação de novas agências reguladoras, visando um equilíbrio na relação de consumo. A preocupação desse novo consumidor vai alem do produto ou serviço adquirido, tem também por objetivo a realização da Justiça Social.
III – A Influência da Publicidade no Consumo
Outra relevante questão a ser discutida no âmbito social é a influência da Publicidade nas relações de consumo, seu real reflexo na vida do consumidor, ou seja, como isso afeta sua satisfação e sua consagrada busca pela felicidade.
A constante evolução dos meios de comunicação permitiu a mensagem publicitária, percorrer de forma mais ampla e célere na esfera social, alcançando uma nova dimensão e atuando intensamente nos costumes e padrões do seu destinatário, apresentando o produto e sua finalidade.
Portanto, podemos constatar que a Publicidade é o link entre a produção e o consumo, nesse sentido ela age de modo informativo e de maneira persuasiva, criando um paralelo entre a abundância dos bens de consumo com o bem-estar e a auto-realizacao. A promoção dos produtos, agora, se confunde com a divulgação de valores, de culturas e de ideologias. Nessa corrente percebemos que, “o mundo virtual da publicidade interfere no mundo real das pessoas como um vírus que ataca os computadores e faz deletar propostas inteiras de vida e olvidar valores hauridos desde o limiar da existência”.[12]
Se pensarmos nos países pobres ou aqueles que possuem uma maioria de excluídos, percebemos que essa prática é infinitamente mais prejudicial do que o parâmetro normal, seus efeitos são verdadeiramente devastadores, funcionam como uma bomba de efeito moral, desencadeiam uma perseguição desenfreada ao sonho de consumo e ainda favorecem uma possível conduta criminosa, principalmente nos jovens desiludidos, desempregados e desafortunados, que por fim procuram um meio de compensação para esses desejos não satisfeitos, nesse rol alternativo temos as drogas, as gangues, a rebeldia, a violência, o baixo aproveitamento escolar, dentre outros fatores que oneram o futuro coletivo social.
O Brasil pode facilmente ser enquadrado no exemplo acima citado, não bastasse toda essa complexidade, ainda enfrentamos outros dilemas, como por exemplo modelos diversos do nosso plano cultural e étnico, muito comum percebermos nos veículos de venda tipos físicos extremamente fantasiosos para nosso mercado, muito mais condizente com a realidade do velho continente, como se habitássemos países nórdicos e fossemos todos contemplados com atributos de Apolo, nesse sentido, etnias e crenças são desprezadas e folclorizadas. O que parece ser uma questão banal, ao contrario, torna se um problema de imagem e de identidade, tendo em vista uma sociedade diversificada por raças e etnias. Não menos grave é a exploração da figura da mulher, usada de forma apelativa no intento de vincular a imagem corporal feminina ao produto, em detrimento ao intelecto da modelo, fato que gera novas complicações sociais, como a prostituição, a pedofilia e violência doméstica, afora o preconceito.
Conclui-se que provavelmente o consumismo não existiria sem sua ferramenta principal, a notória Publicidade, e é por seu intermédio que se desenvolvem novos padrões de consumo, surgem novos estilos de vida e conseqüentemente afloram-se novas necessidades, não somente físicas e psicológicas, mas principalmente psicossociais. Com propriedade Nalini afirma que “atuando a serviço da sociedade de consumo a publicidade é a melhor escola do hedonismo”.[13]
Há quem diga que o poder da Publicidade já está acima do livre poder de escolha, que o ser humano não tem condições de optar pelo que consome e o que não precisa consumir, que até mesmo o consumidor consciente não está imune aos efeitos desse fenômeno, contudo, é imperativo que alguns princípios sejam respeitados, como o da veracidade na publicidade, o da dignidade da pessoa humana e o da responsabilidade social. Um grande aliado do povo brasileiro nesse embate por justiça é o Código de Defesa do Consumidor, que dispõe no Capítulo V, a partir do art 30 sobre o tema publicidade, amparando e auxiliando a parte mais fraca dessa relação.
Não devemos e nem podemos eliminar a figura da Publicidade, ela é assegurada pela livre iniciativa de exploração de qualquer atividade econômica lícita para a produção de bens e serviços, prevista na Constituição Federal Brasileira, porem é explícito que essa livre iniciativa sofre restrições uma vez que estiverem envolvidos direitos do consumidor e o principio da dignidade da pessoa humana.
Novamente constatamos que todos nós, consumidores, advogados, publicitários, agentes do governo, empresários, somos sujeitos e protagonistas dessa árdua missão de caráter construtivo, a fim de solidificar uma identidade nacional, que almeje o primado da Justiça Social e a diminuição das desigualdades sociais.
Advogado, especialista em Direito do Consumidor, Pós-Graduado pela Universidade Candido Mendes
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