Resumo: Visa o presente estudo o aprofundamento da construção conceitual e pragmática da Ação de Reclamação, mecanismo processual de índole constitucional que tem por objeto o controle da competência dos Tribunais Superiores – aqui o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça – além de realizar o cumprimento das decisões dos supracitados Tribunais Superiores pelos demais Órgãos Judiciários e Administrativos do Estado brasileiro, potencializando-se assim, em um efetivo instrumento de consolidação da necessária autoridade prática das decisões judiciais, notória lógica de um sistema que ao contrário, se vê, por vezes protagonizando temerários julgados que afrontam a segurança jurídica dos jurisdicionados, porque desencontrados e daí não cumpridos.
Palavras-chave: Efetividade do Processo – Ação de Reclamação – Sistema Recursal
Abstract: The present study seeks to go deep into the conceptual and pragmatic construction of the Claim Action with is a procedural mechanism with constitutional nature that has as object the control of the competence of Superior Courts – here the Supreme Court of Brazil and the Superior Court of Justice – besides accomplishing the execution of the determinations from the foregoing Superior Courts for the others Judiciary and Administrative Organs of Brazilian State, so being a potential and efficient intrument to consolidate the necessary practical authority of the judicial decisions , well-known logic of a system that normally goes other way around, with is seen, several times playing reckless judgeds that confront the juridical safety of people who need jurisdiction, because kept apart and than not accomplished.
Keywords: Effectiveness of the Process – Action Complaint – Resources
Sumário: 1. Nota introdutória – 2. Estado, atividade judicante e a preservação da competência e dos julgados – 3. A reclamação: 3.1. Noção conceitual; 3.2. Breve historicidade; 3.3. Natureza jurídica; 3.4. Legitimidade – 4. Reclamação e a preservação da competência dos Tribunais Superiores – STF e STJ – 5. Reclamação e a garantia da autoridade das decisões dos Tribunais Superiores – STF e STJ – 6. O Procedimento da Reclamação – 7. Conclusão – 8. Referências bibliográficas
1. Nota Introdutória
Trata o presente estudo da construção conceitual e pragmática da Reclamação, mecanismo processual de índole constitucional cujo objeto efetivo se encontra delimitado em abrigar o controle da competência dos Tribunais Superiores – aqui o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça – bem como realizar o cumprimento de suas decisões pelos demais Órgãos Judiciários e Administrativos do Estado brasileiro, potencializando-se assim, em um efetivo instrumento de consolidação da necessária autoridade prática das decisões judiciais, notória lógica de um sistema que ao contrário, se vê, por vezes protagonizando temerários julgados que afrontam a segurança jurídica dos jurisdicionados, porque desencontrados e daí não cumpridos.
Acentua-se a tal cenário, a relevância e interesse na prática harmônica do sistema de súmulas com efeitos ora vinculantes, exigindo contornos efetivos à quebra da racionalidade dos critérios de competência operantes no sistema judiciário pátrio,
Nota-se, pelo dito, que a Reclamação é digna de merecimento de uma perquirição de suas virtudes para o enfrentamento de óbices que insistem em obstaculizar a construção plena de um processo de resultados, este fundamental expoente na construção de um Estado de Direito Democrático.
2. Estado, Atividade Judicante e a preservação da competência e dos julgados
Como notório, o Estado moderno, para melhor atingir seu objetivo, que é o bem comum, teve por bem dividir seu poder soberano em três outros: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário, tendo cada um deles uma função estatal.
Assim, ao legislativo compete a estruturação da ordem jurídica através da atitude legislativa; ao Executivo, a administração e ao Judiciário, de um modo geral, a composição dos litígios nos casos concretos.
À função de compor litígios, de declarar e realizar o Direito, nominou-se de Jurisdição.
Etimologicamente, tem a palavra Jurisdição derivação do latim jurisdictio, nisto, ação de administrar a justiça, oriunda das expressões jus dicere, jurisdictio.[1]
Já bem expressava Celso Neves[2] que o vocábulo “jurisdição” teria amplitude reduzida ou mesmo insuficiente para demonstrar todo o alcance intelectivo e prático que se poderia delinear tal instituto, dificultando inclusive, a construção uníssona para o seu entendimento, isso tanto em nível pátrio quanto na literatura estrangeira.
Sobre o assunto, apontava Couture que o conceito de Jurisdição seria, verdadeiramente, uma prova de fogo para os juristas e mesmo Calamandrei, de maneira vanguardista, quase que como premunição, sustentava não ser possível dar à Jurisdição uma definição para todos os tempos e para todos os povos, o que também lhe seguia Alfredo Rocco, ponderando ainda ser de um problema conceitual, por se decidir a ciência jurídica.
O fato é que, notoriamente, o homem, enquanto animal político, encontra na coletividade organizada formas efetivas para o alcance de pretensões individuais, daí a concepção também de Estado.
Impulsionado pelo alargamento natural do Estado, Montesquieu sistematizou uma forma de separação de poderes que, a despeito das idéias mesmo que ainda incipientes nos escritos de Aristóteles e de Locke, partia da noção de que o próprio poder controlaria o poder, estabelecendo-se uma compartimentação entre os mesmos, definindo-se, portanto, em um sistema de freios e contrapesos. Daí, a concepção de tripartição dos Poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário[3].
Neste sentido, a cada um dos Poderes supracitados fica reservada a responsabilidade precípua em uma atividade específica.
Assim, ao Legislativo compete a atividade estrutural da ordem jurídica através da atitude legislativa, ao Executivo cabe, enquanto atividade principal, a administração da máquina pública, reservando ao Judiciário, como atividade primordial, aquela de índole jurisdicional, notadamente a composição de litígios diante dos casos concretos.
Convém ressaltar que nenhum dos aludidos Poderes realiza as funções acima referidas com exclusividade. Isto porque, ao Poder Legislativo, cabe, por conseguinte, julgar, em determinados casos, como nos crimes de responsabilidade de seus próprios pares, assim como também no que concerne ao Presidente da República; em outro passo, ao Poder Executivo poderá normatizar determinadas situações através, por exemplo, das Medidas Provisórias; diferente também não se faz no âmbito do Poder Judiciário pelo qual este realizará atividades administrativas, quando da organização e forma de atuação de seus servidores ou mesmo no que toca aos tribunais, quando de edições de resoluções, objetivando uma melhor otimização nos serviços cartorários.[4]
Isto posto, partindo da idéia de Jurisdição como atributo conferido ao exercício da atividade jurisdicional por parte de um dos Poderes do Estado, qual seja, o Poder Judiciário, o seu conceito – como já referido por Calamandrei em linhas acima – possui uma diversidade de alcances.
Para Chiovenda, a Jurisdição consiste na atuação da lei mediante a substituição da atividade alheia pela atividade dos órgãos públicos, afirmando ainda a existência de uma vontade da lei e colocando-a posteriormente em prática.[5]
Já, para Francesco Carnellutti, a Jurisdição é entendida como um meio de que se vale o Estado para a justa composição da lide. Neste sentido, a atividade jurisdicional exercida pela autoridade estatal por meio do processo visa à composição de um conflito de interesses, sendo justa pois, que se refere, estar a solução da demanda de acordo com o Direito vigente, entendendo-se ainda por “lide” o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.[6]
Guasp e Aragones, após subdividirem a concepção de Jurisdição sob três pontos de vista, quais sejam: o objetivo (conjunto de matérias processuais em que intervêm os órgãos do Estado); subjetivo (conjunto de órgãos estatais que intervêm no processo) e atividade (conjunto de atos realizados pelos órgãos estatais, ao intervir no processo)[7], reduzem a idéia da mesma em uma “función estatal de satisfacción de pretensiones”.[8]
Em critério mais amplo e, por isso, vetorizando de forma segura a incidência do instituto com a sua atuação primária nas órbitas dos poderes do Estado, somado ao real e efetivo comprometimento lato e stricto sensu com o exercício da atividade jurisdicional, Celso Neves[9] considerou a Jurisdição como poder, relacionando-a ao plano da soberania estatal, justificada pela manifestação do monopólio estatal em sede de capacidade de decidir e impor, imperativamente, suas decisões; como função, justificada pelas atribuições que caracterizam os órgãos estatais, estas diretamente relacionadas à promoção da pacificação social por meio do processo; como atividade, já aí relacionada à prática dos atos no âmbito do processo – instrumento pelo qual a jurisdição opera – exercício este praticado pelo magistrado, oriundo do poder a ele conferido pelo próprio Estado.
Conforme se depreende, para a caracterização da Jurisdição, critérios e conceitos se diversificam na medida das concepções e do foco de observação do instituto enquanto fenômeno jurídico, no entanto, inegavelmente, a despeito de intensidades conceituais, o poder julgar decorrendo dele a garantia da autoridade no cumprimento das decisões judiciais e ainda a preservação da competência do órgão judicante entoam como notas firmes em qualquer atributo que se queira apontar como componente da atividade judicante estatal.
Nestes termos é que, hodiernamente, teve por bem a Constituição Federal de 1988, como texto representativo e, ao mesmo tempo, condutor da ordem jurídica pátria, expressar os atributos ou garantias pragmáticas do exercício jurisdicional – preservação da competência e garantia da autoridade das decisões – em seu bojo, o que inequivocamente, o fez a partir dos próprios Tribunais Superiores, no caso o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, ex vi dos arts. 102, I, l e 105, I, f , tendo como instrumento apto a reprimir eventuais transgressões sobre o binômio supracitado o instituto denominado Reclamação.
3. A Reclamação
3.1 Noção conceitual
Trata-se a Reclamação de instituto com previsão constitucional, tendo sua regulamentação disciplinada pela Lei n.8.038, de 28.05.1990, mais precisamente através de seus arts.13 a 18.
Tem a Reclamação por objetivo preservar, de forma efetiva, (i) as competências tanto do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, bem como (ii) garantir o exercício da autoridade das decisões emanadas de ditas Cortes.
É de se lembrar ainda que, com o advento do art. 103-A, este regulando a promoção, proteção e aplicação das Súmulas Vinculantes, designada fora, igualmente, a Reclamação como instrumento apto e efetivo em levar a cabo dito respeito ao regramento sumular do Pretório Superior.
Observa-se, portanto, que das funções consagradas na Carta Maior referendadas ao instituto da Reclamação ( ex vi dos arts. 102, I, l e 105, I, f e 103-A), este mecanismo processual atua, fundamentalmente, frente à tutela de dois princípios processuais de intensa índole constitucional: o do juiz natural e o da efetividade das decisões judiciais.
Por outro lado, vale ainda pontuar que, a despeito de sua inegável utilidade, não excluirá o seu manejo da possibilidade de utilização de outros remédios processuais existentes no ordenamento jurídico pátrio, quando necessários.
3.2 Breve historicidade
A construção sob o prisma histórico coloca a Reclamação e sua a origem no mesmo compasso com a evolução do instituto da Correição Parcial, pois que ambos os mecanismos situam-se no plano das medidas aptas a evitar o descumprimento ou desobediência à ordem do tribunal (do Tribunal de Justiça, no caso da correição parcial; do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, no caso da reclamação) pelos órgãos julgadores inferiores.
Aponta-se como a primeira manifestação do instituto da Reclamação o Direito Romano, na forma de impugnação denominada suplicatio, tendo esta cabimento apenas diante de decisões irrecorríveis, permitindo-se que a parte levasse ao conhecimento do Imperador o seu descontentamento com possíveis irregularidades de índole processual exercida pelos magistrados, sendo daí o remédio adequado para corrigir erros procedimentais, evitando-se, assim, que as desordens formais incidissem no trâmite do processo ora em curso.[10]
Destarte, instrumento semelhante fora contemplado, posteriormente, pelas Ordenações Filipinas (Livro III, título XX, §46) sob a denominação de “agravo de ordenação não guardada” e, mais adiante, no âmbito do Regulamento 737 de 1850 nominado como “agravo por dano irreparável”.[11]
Já, em 1957, com a elaboração do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, a Reclamação, que já vinha sendo aplicada em sede jurisprudencial fora aprovada e incorporada ao aludido Regimento e, portanto, regulamentada expressamente no Título II, Capítulo V- “A”.[12]
Vale notar que a Carta Constitucional de 1967 autorizou o Supremo Tribunal Federal a estabelecer específica disciplina processual dos feitos sob sua competência, concedendo força de lei federal às disposições inclusas em seu Regimento Interno referentes aos seus processos, daí legitimando, definitivamente, o instrumento processual da Reclamação.[13]
Com o advento da Constituição de 1988, diante da previsão expressa da Reclamação no texto constitucional, mais precisamente nos arts. 102, I, l (Reclamação para a preservação da competência do STF e garantia da autoridade de suas decisões), 105, I, f (Reclamação para a preservação da competência do STJ e garantia da autoridade de suas decisões) e, mais recentemente, com o advento da EC n.45, a inclusão do art.103-A ( Reclamação contra ato administrativo ou decisão judicial que contrarie súmula de efeito vinculante), ratificou-se a sua constitucionalidade e status de competência constitucional, firmando, portanto, a competência para o processo e julgamento da matéria.[14]
Por fim, com a promulgação da Lei n. 8.038, de 28 de maio de 1990, que instituiu normas procedimentais para os processos manejados perante o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, regrou também do procedimento da reclamação em consonância com modelo do que ora previsto nos respectivos regimentos internos de ambas as Cortes.
Nota-se, por tudo que a Reclamação se encontra efetiva e normativamente presente no sistema processual brasileiro, com notória índole constitucional, constituindo em útil ferramenta à disposição para a preservação da competência das Cortes Superiores e garantia da necessária autoridade de julgados decorrentes das mesmas.
3.3 Natureza Jurídica
A natureza jurídica do instituto da Reclamação é posta em discussão pela doutrina e jurisprudência, sobretudo pelo fato de tal mecanismo transcender épocas de aplicabilidade eminentemente jurisprudencial até a sua previsão expressa e de ordem constitucional.
Em síntese bem apurada acerca da divergência sobre a natureza jurídica em tela, vale acostar aqui voto da lavra do Ministro Celso de Mello na Reclamação n. 336, in verbis:
“A reclamação, qualquer que seja a qualificação que se lhe dê – ação (Pontes de Miranda, ‘Comentários ao Código de Processo Civil’ tomo V/384, Forense), recurso ou sucedâneo recursal (Moacyr Amaral Santos, RTJ 56/546-548; Alcides de Mendonça Lima, ‘O Poder Judiciário e a Nova Constituição’, p.80, 1989, Aide), remédio incomum (Orozimbo Nonato, apud Cordeiro de Mello, ‘O processo no Supremo Tribunal Federal’, vol.1/280), incidente processual (Moniz de Aragão. ‘A Correição Parcial’, p.110, 1969), medida de Direito Processual Constitucional (José Frederico Marques, ‘Manual de Direito Processual Civil’, vol.3, 2ª parte, p.199, item n.653, 9ª Ed., 1987, Saraiva) ou medida processual de caráter excepcional (Ministro Djaci Falcão, RTJ 112/518-522) – configura, modernamente, instrumento de extração constitucional, inobstante a origem pretoriana de sua criação (RTJ 112/504), destinado a viabilizar, na concretização de sua dupla função de ordem político-jurídica, a preservação da competência e a garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I l) e do Superior Tribunal de Justiça (CF, art.105, I, f).”[15]
Nota-se, portanto, tamanha dificuldade no consenso em torno da definição quanto à exata natureza jurídica do presente instituto processual. Por outro lado, sua natureza jurisdicional já fora posta em cheque, onde em antiga discussão se colocava a possibilidade de tratar a Reclamação de uma medida administrativa, dada a sua identificação com a conhecida Correição Parcial, no entanto a própria jurisprudência do STF reconheceu na Reclamação o poder de produzir alterações pontuais em decisões já proferidas em processos judiciais, operando-se, inclusive, a produção de coisa julgada decorrente dos julgados em Reclamação, evidenciando, inegavelmente, o seu perfil de ordem jurisdicional.[16]
Ainda em sede do STF, encontramos posição aderente à noção da Reclamação como um direito constitucional de petição, atestando-se assim que “(…) a natureza jurídica da reclamação não é a de um recurso, de uma ação e nem de um incidente processual. Situa-se ela no âmbito de direito constitucional de petição previsto no art. 5º, XXXIV, da Constituição Federal.”[17]
Enfrentando a natureza jurídica da Reclamação, vale aqui pontuar posição do Ministro Amaral Santos, ao discutir a questão em excelente julgado, nominou como pressupostos da reclamação: “a) a existência de uma relação processual em curso; b) um ato que se ponha contra a competência do Supremo Tribunal ou que contrarie decisão deste, proferida nessa relação processual ou em relação processual que daquela seja dependente”.[18]
Diante de tais pressupostos, o festejado Ministro se colocou aderente à idéia da reclamação como recursos, expressando ainda aos argumentos de que: “reclama-se, recorre-se, contra um ato da relação processual em curso.”[19]
Em que pese autorizadas posições em contrário e já referendadas acima, em sede da natureza jurídica da Reclamação, entendemos ter essa natureza eminentemente de ação.[20]
Fundamenta-se tal posição na medida em que com a Reclamação se provoca a jurisdição, decorrendo daí solicitação da pretensão de tutela jurisdicional, seja para solver conflito de competência decorrente de eventual invasão contrária à observância do órgão julgador competente, seja para se valer respeitar as respectivas decisões das Cortes Superiores – STF e STJ, inclusive os efeitos vinculantes sumulares bem como a efetividade no cumprimento dos seus julgados, ainda que pese a sua possibilidade de manejo em processos de índole objetiva, como p. ex., nos casos referentes ao controle de constitucionalidade, servindo aí para assegurar a autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal e ainda a sua competência diante de eventual usurpação da mesma.
Acrescenta-se, pois que, na impetração da Reclamação, estar-se-á a discutir verdadeiramente, questões que se relacionam objetivamente com outra demanda, mas que nitidamente, não se assemelham materialmente com o objeto desta, tendo por conta então fazer atuar o respeito ao devido processo legal a que se deva implementar e dar exato cumprimento quando outra ordem contrária à exigência legal se vê operando, obstruindo o ordeiro cumprimento normativo processual, sempre que se esteja diante de atos ou decisões ofensivas à competência ou à autoridade das decisões decorrentes do STF e STJ.
Não se provoca a jurisdição para discutir, materialmente, a reversão de julgado ou qualquer acréscimo ou diminuição de pretensões materiais- ainda que indiretamente seja este o efeito por vezes operado, v.g., o respeito à súmula vinculante diante de acórdão a ela contrário – mas para fazer valer o respeito à competência ou à autoridade das decisões oriundas das Cortes Superiores supracitadas.
Em sintonia com tal idéia está José da Silva Pacheco, acentuando de maneira clara que a Reclamação não se configura em um recurso, não só porque a ela são indiferentes os pressupostos recursais da sucumbência e da reversibilidade, ou os prazos, mas, sobretudo, pelo fato de ser desnecessário que haja sentença ou decisões, nem que se pugne pela reforma ou modificação daquelas, bastando que haja interesse em que se corrija eventual desvio de competência ou se elida qualquer estorvo à plena eficácia dos julgados do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça.
Trata-se, na realidade, de ação, fundada no direito de que a resolução seja pronunciada por autoridade judicial competente; de que a decisão já proferida por quem tinha competência para fazê-lo tenha plena eficácia, sem quaisquer obstáculos indevidos e de que se eliminem os óbices que se opõem à plena eficácia das decisões ou à competência para decidir. [21]
Por tudo, dada a natureza jurídica de ação, vale ressaltar no tocante a uma razoável diferença entre ação e recurso, que este último deve ser exercitado dentro da mesma relação jurídica processual, enquanto ainda não tiver ocorrido o trânsito em julgado da decisão que se pretende impugnar. Ao contrário, a ação autônoma de impugnação deve ser proposta em outra relação jurídica processual.[22]
Certo é que, pela pontual diferença, nota-se que a Reclamação se adequa com maior razão na ideia de ação autônoma de impugnação do julgado do que como recurso deste.
Cabe ainda notar que, para o ajuizamento da Ação de Reclamação não se tem como condição a exigência do trânsito em julgado da decisão que usurpa a competência do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou desafia a autoridade de suas decisões,[23] ou mesmo a exigência de sua irrecorribilidade.[24]
Na mesma toada, aponta-se que Reclamação não é a via adequada para discutir o ato impugnado que já se revestiu da coisa julgada, como exarado no seguinte acórdão da Corte Maior: “Reclamação, que, no caso, se destina a preservação da competência do S.T.F.. – Essa reclamação só e cabível se a decisão objeto dela – na hipótese, despacho que julgou deserto agravo de instrumento contra a decisão que não admitiu recurso extraordinário – ainda não transitou em julgado, pois a reclamação não é sucedâneo de ação rescisória” (Tribunal Pleno. Reclamação n. 365 de 28.05.1992. Rel. Min. Moreira Alves,.in DJ de 07.08.1992, p. 11778).”
3.4 Legitimidade
São legitimados para a propositura da Reclamação a parte interessada – entendida aí não somente aquela beneficiada pela decisão do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, mas também toda e qualquer pessoa afetada pela decisão contrária à orientação com efeito vinculante decorrente de súmula do STF, isto nos termos do entendimento dominante, especialmente a partir da Rcl 1.880[25] – o Ministério Público (art. 13 da Lei n.8.038/90) bem como o Procurador Geral da República (art. 156 do RISTF).[26]
Já a legitimidade passiva da Ação de Reclamação caberá à autoridade jurisdicional ou administrativa, ou seja, a quem for imputada atentar contra a competência do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou descumprir o conteúdo dos julgados proferidos por esses tribunais.
Importante se faz ressaltar que os arts. 159 do RISTF; 189 do RISTJ e 15 da Lei n.º 8.038/90 preceituam no sentido de que a qualquer interessado, entendendo-se aí, logicamente, aquele com interesse jurídico,[27] será facultado impugnar o pedido do reclamante, titular da Ação de Reclamação. Daí que, o aludido interessado, além do reclamante, poderá intervir na demanda em tela, a fim de impugná-la, dirigindo-se para isso, ao relator do processo.[28]
4. Reclamação e a preservação da competência dos Tribunais Superiores – STF e STJ
A Constituição Federal de 1988 delimita a competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça através dos arts. 102 e 105.
Neste sentido, ocorrendo ato que contrarie a competência do STF, quer para conhecer e julgar, originariamente, as causas mencionadas no inc. I do art. 102 da CF, quer no tocante ao conhecimento do recurso ordinário em habeas corpus, mandado de segurança, habeas data ou mandado de injunção decididos em única ou última instância pelos tribunais superiores, se denegatória a decisão, e ainda excedendo a presente competência exclusiva do STF para conhecer recurso extraordinário quando a decisão em única ou última instância contrariar dispositivo constitucional, declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, ou julgar válida lei ou ato de governo local contestado perante a Constituição Federal, cabível será o instituto processual da Reclamação (art. 102, I l da CF/88), com o fito de restabelecer o exercício da correta competência da Corte Maior.
Na mesma toada se dá quando se refere ao STJ, nos termos de sua competência originária, ordinária e especial. Diante de tal aviltamento dessa competência, caberá a Ação de Reclamação (art.105, I, f).
A título de exercício prático, vale anotar o que se traduz em sede jurisprudencial, mais precisamente nas matérias que, frequentemente, desafiam a propositura da Reclamação quando o assunto toca na usurpação de competência das Cortes Superiores já multicitadas.
Neste compasso, portanto, dentre outras, acrescente-se as seguintes questões, mais precisamente relativas às usurpações de competência em sede de Agravo de Instrumento:
– “Cabe reclamação para impedir que a Justiça de primeiro grau aprecie ação que não visa ao julgamento de uma relação jurídica concreta, mas ao da validade de lei em tese, o que, nos termos da CF, art. 102-I-‘a’, é da competência exclusiva do STF (STF, Pleno: RF 336/231)”.
– “Interposto agravo de instrumento contra decisão denegatória de recurso extraordinário, é obrigatória sua remessa ao STF, sendo procedente a reclamação ajuizada para que o agravo suba.” (RTJ 128/21, STF-RT 717/290, STF-RT 330/285).
– “AGRAVO DE INSTRUMENTO – OBSTÁCULO AO SEU PROCESSAMENTO IMPOSTO PELO JUÍZO RECORRIDO – IMPOSSIBILIDADE – Em face da lei processual (artigo 528), o juízo de admissibilidade não poderá negar seguimento ao agravo de instrumento, ainda que interposto fora do prazo legal. Uma vez interposto o agravo no prazo consignado na lei, contra decisão indeferitória do processamento do especial, as defecções porventura existentes no instrumento só podem ser consideradas obstáculo ao seu conhecimento por esta eg. Corte de Justiça. Reclamação que se julga procedente. Decisão unânime.” (STJ – 1ª Seção; Ag. de Instr. nº 95.00.71247-4-MG; Rel. Min. Demócrito Reinaldo, julg. 10.04.1996, v.u., DJU, Seção I, 20.05.1996, p. 16.657, ementa – BAASP, 1955/46-e, de 12.06.1996).
– “A competência dos Tribunais locais, dada pela Lei n.º 8.038/90, é para exercer o Juízo de Admissibilidade (examinar a petição de RE ou REsp), deferindo ou indeferindo o recurso. Tirado o Agravo de Instrumento do Despacho Denegatório, para o STF ou STJ, não pode a Corte local negar seguimento ao Agravo, já que compete aos Ministros do STF ou do STJ, apreciar o recurso. Trancado o Agravo na origem, cabe Reclamação para o STF ou STJ, conforme se trate de RE ou REsp por usurpação de competência (do STF ou STJ).” (STF, Recl. n.º 221-7/AL, 2a Seção, v.u, DJU-I, 09.5.1994, p. 10.794).
– “RECLAMAÇÃO – DESERÇÃO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – A reclamação é via hábil para reformar a decisão que afirmou a deserção de agravo de instrumento contra a inadmissão de recurso especial. A instância ordinária não pode barrar o seguimento desses agravos de instrumento.” Precedentes citados: Rcl 517-RJ, DJ 13.10.1998; Rcl 3-DF, DJ 02.10.1989; Rcl 48-MG, DJ 02.09.1991; Rcl 357-MG, DJ 20.05.1996, e Rcl 166-MG, DJ 24.05.1993. Rcl 693-SP, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, julg. 25.05.2000.
5. Reclamação e a garantia da autoridade das decisões dos Tribunais Superiores – STF e STJ
O controle no cumprimento das decisões emanadas do Supremo Tribunal Federal do Superior Tribunal de Justiça por parte dos tribunais locais compreende-se, verdadeiramente, em um dos pontos de estrangulamento processual enfrentado por ditas Cortes Superiores. É preciso que se estimulem por mecanismos aptos a assegurar de forma efetiva, o cumprimento dos julgados emanados de tribunais superiores.
A preservação da autoridade das decisões e diga-se, com o exato cumprimento, quer seja ela proferida em instância originária, quer em sede de recursos ordinário ou extraordinário, pelo STF; ou ainda, em instância originária, por meio dos recursos ordinário ou especial, pelo STJ, é de fundamental importância para a própria harmonização do sistema judicial pátrio e ainda, consolida-se a segurança jurídica decorrentes decisões do Poder Judiciário.
Encontra-se lugar neste compasso, o importante manejo da Reclamação como instrumento processual viável a garantir a autoridade das decisões jurisdicionais.
Com efeito, a Reforma do Judiciário[29], através da Emenda Constitucional n. 45/2004 trouxe expressivo acréscimo no campo referente à garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal, com a previsão da denominada súmula vinculante no art. 103-A da CF/88.[30]
Em linhas gerais, tem a súmula vinculante por objetivo superar controvérsia atual sobre a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, capazes de gerar insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos, estando aí abrangidas questões atuais sobre a interpretação de normas constitucionais e mesmo destas em razão de normas infraconstitucionais, portanto, como bem indica a o art. 103-A, da Constituição Federal, mais precisamente em seu § 1º:
“A súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.”
Nota–se, por isso, uma preocupação do legislador não somente com a razoável duração do processo, direito fundamental assegurado pelo inciso LXXVIII inserido no art.5º da Carta Maior e parte componente de um “processo justo”, como também o efetivo estabelecimento da segurança jurídica das decisões da Corte Constitucional, diante de um complexo sistema jurisdicional onde, inegavelmente, por circunstâncias de um tecido social largo e complexo e de disparidades notórias em país de dimensões continentais como o é o Brasil, crescente se encontra uma multiplicidade de questões relevantes e que ficam ao largo de demandas judiciais sobre pontos idênticos e que por isso, merecem um posicionamento consensual ou unívoco do Poder Judiciário.
Diante da relevância do papel a que a criada súmula vinculante tende realizar, estabeleceu o art103-A, §3º da Constituição Federal de 1988 um novato alvo da Reclamação, ou seja, o seu manejo para se fazer cumprir o estabelecido em súmula editada com efeito vinculante quando ato administrativo ou decisão judicial a contrariar ou indevidamente a aplicar. Preceitua o aludido dispositivo, in verbis:
“Art.103-A(…)
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-se procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.”
Nota-se, portanto, neste caso, a função relevante operada pela Reclamação quando da utilização da mesma para fins de se aplicar corretamente o destino vinculante dos efeitos da súmula editada pelo STF para tal desiderato.
Cabe asseverar, sem dúvida de errar, que a Administração Pública, nominada em tal dispositivo, indubitavelmente, é responsável por opor a uma centena de demandas judiciais de cunho homogêneo, o que de sorte, de significativa relevância sua nominação como uma das destinatárias dos efeitos vinculantes, restando, por conseguinte, e um hercúleo desafio o respeito por parte da mesma aos efeitos vinculantes, o que certamente reforça a necessidade de mecanismos processuais como o é este do objeto em estudo.
Neste ínterim e para efeitos práticos, importante se faz voltar os olhos para a repercussão da matéria em sede jurisprudencial, tomando circunstâncias pelas quais envolvem a preservação da autoridade das decisões emanadas dos Tribunais Superiores – STF e STJ – e o cabimento do mecanismo processual da Reclamação, este como apto a restaurar quaisquer eventuais insurgências ao sentido lógico do respeito aos julgados superiores e súmulas de efeitos vinculantes decorrentes do STF.
Das ementas acostadas, cabe realçar dentre outras questões ali enfrentadas, a óbvia necessidade do reclamante em apontar de forma inequívoca, o descumprimento da decisão do Tribunal Superior em questão, no caso, o STF; o desrespeito à autoridade da decisão da Corte Maior em sede de Habeas Corpus por parte de Tribunal Regional Federal; a violação ao conteúdo da decisão proferida em ADIn na temática referente aos “Precatórios” por parte de Tribunal Regional do Trabalho, reconhecendo o julgado do STF que somente a hipótese de preterição no direito de precedência é autorizadora do seqüestro de recursos públicos. Por último, há de observar interessante decisão decorrente de Medida Cautelar em Reclamação, com alegação de ofensa à Súmula Vinculante de n.04 por parte de acórdão oriundo do Tribunal Superior do Trabalho, e que ao Ministro Relator coube reconhecer liminarmente.
Por tudo, seguem-se às pontuais ementas:
– “RECLAMAÇÃO – DESCUMPRIMENTO DE ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – DEMONSTRAÇÃO. Incumbe ao reclamante demonstrar o descumprimento da decisão da Corte, fazendo-o de forma clara e precisa, isso para ter sucesso na via excepcional da reclamação.” (STF, Pleno, Rcl. 2634/PR,Rel. Min.Marco Aurélio, julg.29.06.2005, DJU 26.08.2005).
– “RECLAMAÇÃO. AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES – ANATEL. CONTRATO TEMPORÁRIO. REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO. DESCUMPRIMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 3.395. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Contrato firmado entre a Anatel e a Interessada tem natureza jurídica temporária e submete-se ao regime jurídico administrativo, nos moldes do inc. XXIII do art. 19 da Lei n. 9.472/97 e do inciso IX do art. 37 da Constituição da República. 2. Incompetência da Justiça Trabalhista para o processamento e o julgamento das causas que envolvam o Poder Público e servidores que sejam vinculados a ele por relação jurídico-administrativa. Precedentes. 3. Reclamação julgada procedente.”(STF, Pleno, Rcl 5171 / DF Rel. Min. Cármen Lúcia, julg. 21.08.2008, DJU 03.10.2008).
– “Cabe reclamação, e não mandado de segurança, para fazer cumprir decisão de Tribunal não obedecida por juiz a ele subordinado” (STJ-3a Seção, MS 2.904-5-DF, rel. Min. Adhemar Maciel, julg. 07.10.1993, julgaram o impetrante carecedor da ação, DJU 22.11.1993).
– “RECLAMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE DESRESPEITO À AUTORIDADE DA DECISÃO PROFERIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO HC 90.216, PELO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO, NOS AUTOS DO HC 2007.04.00.003907-5/PR. PROCEDÊNCIA. 1. Ao julgar o habeas corpus 90216, a 2ª Turma do Supremo Tribunal indeferiu, por votação unânime, o pedido de revogação do decreto de prisão preventiva, mas, de ofício, concedeu a ordem para assegurar aos pacientes o exercício do direito de contratar hospital de sua confiança e escolha, para ali permanecerem internados pelo prazo necessário à recuperação da saúde, às suas próprias expensas, sob a supervisão de médico de sua confiança e sob vigilância policial externa. Vencido, no ponto, o Min. Relator, que concedia aos pacientes prisão domiciliar. 2. A decisão reclamada, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, concedeu prisão domiciliar às mesmas pessoas que figuraram como pacientes no HC 90216. 3. Constitui afronta à decisão do STF o fato de o Tribunal Regional Federal da 4ª Região haver reexaminado os fundamentos jurídicos da prisão preventiva e concedido aos pacientes o direito de permanecerem em prisão domiciliar até o trânsito em julgado da sentença condenatória, com base nos mesmos argumentos que já haviam sido rechaçados pelo Supremo Tribunal Federal. Alegado fato novo que não constou do voto condutor do acórdão proferido por aquele Tribunal Regional Federal. 4. Reclamação julgada procedente para cassar o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos autos do HC 2007.04.00.003907-5/PR, e para restabelecer a decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, como tal proferida no julgamento do HC 90.216, ficando entendido que: a prisão cautelar está mantida; os presos podem continuar a receber alimentação especial e tratamento clínico no sistema prisional, tão-logo se restabeleçam do tratamento hospitalar a que estejam sendo submetidos; cumprirá sempre ao Juiz Federal da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba dirimir eventuais controvérsias entre o médico particular e os médicos-peritos judiciais, decidindo o que melhor convier aos presos ao término da internação.” (STF, Pleno, Rcl 5064 / PR, Rel. Min. Eros Grau, Relator p/ Acórdão: Min. Joaquim Barbosa julg. 10.05.2007, DJU 22.06.2007).
– “ACÓRDÃO QUE RECONHECEU A PROCEDÊNCIA DE EMBARGOS DE EXECUTADO, DECLARANDO A INEFICÁCIA DA SENTENÇA EXEQÜENDA, AO FUNDAMENTO DE AUSÊNCIA DE CITAÇÃO, NO PROCESSO DE CONHECIMENTO, DE LITISCONSORTE ATIVO – CONTRARIEDADE A DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUE CONCLUÍRAM PELA REGULARIDADE DA RELAÇÃO PROCESSUAL – Configuração da hipótese de desrespeito à autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal, legitimadora do uso da reclamação prevista no art. 102, I, l, da Constituição Federal. Reclamação julgada procedente, com cassação do acórdão impugnado”. (STF, Recl. 565-8 /PR, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 13.09.96).
– “Reclamação ajuizada pelo Estado do Mato Grosso do Sul em que se postula a cassação de ordem de seqüestro de recurso orçamentários de autarquia estadual, determinada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 24a Região, com o objetivo de ver cumprido precatório judicial. 2. Precatório derivado de reclamação trabalhista. 3. Cumprimento da ordem cronológica dos precatórios. 4. Interpretação do art. 100, §§ 1o e 2o, em combinação com o art. 78, § 4o, do ADCT. 5. Violação ao conteúdo da decisão proferida na ADI 1662 (Rel. Min. Maurício Corrêa), em que o STF reconheceu que somente a hipótese de preterição no direito de precedência autoriza o seqüestro de recursos públicos, a ela não se equiparando as situações de não-inclusão da despesa no orçamento, de vencimento do prazo para quitação e qualquer outra espécie de pagamento inidôneo, casos em que ficaria configurado o descumprimento de ordem judicial, sujeitando o infrator à intervenção. 6. Reclamação julgada procedente.” (Rcl. 1903 /MS. Rel. Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes, julg. 07.10.2004, DJU 04.03.2005).
– “RECLAMAÇÃO. FIANÇA CONCEDIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM HABEAS CORPUS. 1. Tendo esta Corte, no julgamento do HC 77.524, concedido fiança ao condenado, para defender-se solto até o trânsito em julgado da decisão condenatória, não se justifica a execução provisória determinada pela Vara das Execuções Penais, a pretexto do efeito simplesmente devolutivo do recurso especial ainda não julgado. 2. Reclamação julgada procedente.” (STF, 2ª Turma, Rcl 2690/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie julg. 24.08.2004, DJU 10.09.2004).
– “EMENTA: CONSTITUCIONAL. NORMA LEGAL QUE DECLARADA CONSTITUCIONAL GERA EFICÁCIA CONTRA TODOS E EFEITO VINCULANTE. DESRESPEITO A ESTA DECISÃO. CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO. LIMINAR DEFERIDA. PRECEDENTES. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.” (STF, Pleno, Rcl 757/ MG, Rel. Min. Nelson Jobim, julg. 02.10.2001, DJU 08.11.2002).
No julgado a seguir e em especial, importante despacho em sede de Medida cautelar em Reclamação, da lavra do Min. César Peluso, ao qual se questiona o descumprimento da Súmula Vinculante n.4 do STF pela 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho em sede de Recurso de Revista:
– “DECISÃO: 1. Trata-se de reclamação, movida pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, contra acórdão da 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (Processo nº TST-RR-214/2005-067-15-00-5), que fixou, para o adicional de insalubridade, base de cálculo sobre o salário total do empregado, contrariando o disposto na Súmula Vinculante nº 4 do STF (fls. 02/03). Sustenta o requerente que a 8ª Turma do TST deu parcial provimento ao recurso de revista ‘para determinar que a base de cálculo do adicional de insalubridade seja o salário mínimo ou salário profissional se houver’ (fls. 03). Requer, em síntese, seja deferido o pedido, para cassar a decisão judicial ora impugnada (fls. 04). 2. É caso de liminar. Com efeito, o acórdão questionado está em descompasso com o enunciado da Súmula Vinculante nº 4: ‘SALVO NOS CASOS PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO, O SALÁRIO MÍNIMO NÃO PODE SER USADO COMO INDEXADOR DE BASE DE CÁLCULO DE VANTAGEM DE SERVIDOR PÚBLICO OU DE EMPREGADO, NEM SER SUBSTITUÍDO POR DECISÃO JUDICIAL’. Ademais, a tese da reclamação trabalhista, no sentido de fixar o valor do adicional de insalubridade com base na remuneração do servidor público estadual, encontra óbice na jurisprudência da Corte, que, examinando questão idêntica, assim decidiu: “EMENTA: CONSTITUCIONAL. ART. 7º, INC. IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NÃO-RECEPÇÃO DO ART. 3º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI COMPLEMENTAR PAULISTA N. 432/1985 PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. INCONSTITUCIONALIDADE DE VINCULAÇÃO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE AO SALÁRIO-MÍNIMO: PRECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE DA MODIFICAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO BENEFÍCIO POR DECISÃO JUDICIAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO’ ” STF, Rcl 7579 MC/DF, Medida Cautelar na Reclamação, Rel. Min. Cezar Peluso, julg. 11.02.2009, DJU 18.02.2009.
– “A jurisprudência do STF admite, excepcionalmente, reclamação para preservar a autoridade de decisão prolatada em ação direta de inconstitucionalidade, desde que haja identidade de partes e que a prática de atos concretos fundados na norma declarada inconstitucional promane do órgão que a editou’ (STF, Pleno, Rcl 556-9/TO, Rel. Min. Maurício Corrêa. Julg. 11.11.96, julgaram procedente, dois votos vencidos, DJU 3.10.97).
– “Admite o STF o manejo da Reclamação, para assegurar a autoridade de suas decisões positivas em ação direta de inconstitucionalidade, quando o mesmo órgão de que emanara a norma declarada inconstitucional persiste na prática de atos concretos que lhe pressuporiam a validade.” (STF, Pleno: RTJ 157/433 e RT 715/305, dois votos vencidos).
6. O Procedimento da Reclamação
A estrutura procedimental da Reclamação é regulada, basicamente, pela Lei n.8.038/90, em seus arts. 13 a 18 e se dá em síntese, nos seguintes termos:
“I. a petição de Reclamação será dirigida ao Presidente do Tribunal, sendo instruída com prova documental, a fim de demonstrar o teor do ato tido como ofendido e aquele ato que ofendeu (art. 13, parágrafo único);
II. atuará como relator o mesmo que desempenhou dita função na causa originária, sempre que possível (art. 13, parágrafo único);
III. o relator, ao despachar a petição de Reclamação, requisitará informações da autoridade a que se aponta como praticante do ato impugnado, tendo esta prazo de 10 (dez) dias para prestá-las” (art. 14, I);
OBS I: poderá o relator, de forma cautelar, ordenar a suspensão do processo ou do ato impugnado, caso houver necessidade de se evitar dano de difícil reparação (art.14, II);
OBS II: conforme já enfrentado no presente estudo, poderá a Reclamação ser impugnada por qualquer interessado (art. 15), com evidente interesse jurídico;
OBS III: o Ministério Público oficiará nas Reclamações onde não forem decorrentes de sua iniciativa (art. 16);
IV. uma vez acolhida a Reclamação, o Tribunal Superior cassará a decisão agressora de seu julgado ou determinará, especificamente, medida adequada à preservação de sua competência (art.17);
V. mesmo antes da lavratura do acórdão, o Presidente determinará o imediato cumprimento da decisão (art.18).
7. Conclusão
De tudo observado, seja em sede doutrinária e mesmo jurisprudencial vale apontar a índole protetiva do instituto processual da Ação de Reclamação onde de seu manejo, se procura restabelecer a ordem lógica e sistêmica do modelo jurisdicional pátrio, tanto pela ótica da racionalidade no exercício da jurisdição (respeito à competência do órgão julgador) como e, sobretudo, na segurança jurídica e efetividade dos julgados decorrentes das Cortes Superiores (respeito à autoridade das decisões), cabendo ressaltar, por conseguinte, o efeito prático-pedagógico da Reclamação, se observada a partir da ótica dos órgãos judiciários inferiores bem como da Administração Pública, pesando nesta ordem ainda a responsabilidade na prolação das decisões com o advento das denominadas súmulas de efeito vinculante.
Insta pontuar que tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça mostram-se, de certo, adequadamente preparados para tornar efetivo o comando de suas decisões, mais precisamente no que toca ao recurso extraordinário, recurso especial e em recursos ordinários, e de igual modo, possibilitando por meio da Reclamação, restaurar qualquer eventual usurpação à delimitação de suas competências constitucionalmente previstas.
Pós-Doutorado em Direito na Universidade de Coimbra – PT
Doutor em Direito pela Universidade Gama Filho com
Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho
Pós-Graduado em Direito Processual pela Universidade Gama Filho
Professor e Coordenador de Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito, Lato e Stricto Sensu
Membro Efetivo das Comissões Permanentes de Direito Processual Civil e Direito da Integração do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB
Advogado
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