Resumo: O pressuposto justificativo do princípio da separação dos poderes encontra-se na garantia de proteção de garantias e expansão do ideal de democracia dentro de um Estado Democrático de Direito. Com isso sem sombra de dúvidas surge um princípio que tem como intuito integralizar a sistemática jurídica dentro de um amplo ordenamento jurídico e complexo. Para isso as imposições de independência e harmonia são lado colocadas a prova constante tendo em vista a sua essencialidade. Contudo algo ainda que traz inúmeros desafios e a sensibilidade que esse princípio carrega. A supracitada sensibilidade está na autonomia dos poderes que atuam de forma desregrada e ao bel-prazer algo que tem o potencial de causar um pandemnio jurídico. Nesta seara por diversas vezes fora possível notar um desrespeito ao que a Constituição Federal proferiu em suas letras e em momentos de mais rebeldia a própria Constituição é um instrumento de legalidade e constitucionalidade que consegue encobrir as atuações atentatório contra um ordenamento. Assim usar de uma medida constitucional para agir de forma imoral e desrespeitosa não traduz o que a própria Constituição carrega em seu espírito de liberdade. Lado outro surge o controle concentrado de constitucionalidade por omissão de competência do Supremo Tribunal Federal que tem o condão de apurar prementes ofensas ao texto constitucional sendo mais específico o controle de omissões do poder público. Nessa vertente surge aí uma possível invasão de competência de um poder no outro tudo isso na busca para sanar as omissões constitucionais.
INTRODUÇÃO
O organograma jurídico é entrelaçado por inúmeros institutos que foram sendo constituído ao longo dos séculos. O Direito Constitucional, como um ramo desse fenômeno legal, não foge à regra. Esse concatenado sistema faz das ciências jurídicas algo ainda mais encantador.
Uma carta onde nela é expressada inúmeras diretrizes e políticas que fazem com que a cada palavra se possa encontrar interpretações plúrimas. A fusão embrionária do Direito Constitucional que miscigenou com a sociologia, a filosofia iluminista, a carga valorativa da cultura de um povo e as regras jurídicas, quando postas em uma folha de papel, ocasionam uma das maiores satisfações, algo que somente um jurista arguto, não sendo necessário ser proveniente das academias, bastando apenas apreciar a cultura normativa, tem a sua perspicácia elevada ao perceber que a história de uma nação é construída na base de um Estado Democrático de Direto Constitucional. É um dos grandes avanços alçados pela força dos homens. Somando tal fato, existem ainda as inúmeras possibilidades teóricas que enfeixadas ao longo do tempo, teorias que transcendem os objetivos de uma era, são capazes de modular o contexto e também de serem remodeladas para contemporaneidade.
O genótipo normativo se expressa na promulgação do texto, ali estando toda a sua carga genética, traduzida no materialismo histórico de uma nação. Ocorre que o potencial existente no dia-a-dia provoca um acontecimento diametralmente oposto, qual seja, surge o fenótipo para alterar não o texto, mas a sua forma de se apresentar e solucionar problemas-tópicos. Provém tudo isso da necessidade de sobrevivência, a evolução coerente e silenciosa que é chamada em momentos de necessidade para proporcionar um passo a mais em busca da sonhada vida constitucional em plenitude. Nesse cenário, Mudrovitsch (2014, p. 107):
“A partir dos pilares do experimentalismo institucional explicitados na primeira parte da obra, é possível perceber que Unger encontrou, no último momento constituinte do Brasil, o exemplo ideal da improvável aliança entre a classe pobre estigmatizada, a classe média trabalhadora e os detentores dos meios de produção, criada em decorrência das experiências vivenciadas coletivamente pela sociedade brasileira durante o período do governo militar. Nesse momento mágico de oportunidades transformadas, segundo Unger, o principal objetivo político da sociedade civil brasileira deveria ser a criação de mecanismos institucionais que garantissem um elevado patamar de militância cívica no Brasil”.
Não comprimindo toda a percepção apresentada, o intuito nuclear que se prolongará pelas palavras abaixo e estará abordando de maneira categórica uma teoria que requer no mínimo aplausos, pois de sua criação fora possível vislumbrar um início real de democracia e participação política de povos até então oprimidos pela mão única do Estado Absolutista.
Aqui se fala da Teoria da Separação do Poderes, que foi estabelecida de forma técnica por Montesquieu. Contudo, anteriormente fora suspirada por mentes que desenharam o momento atual, como Aristóteles e Locke. A sua importância jurídica alcançou o texto constitucional, sendo entabulado no art. 2º e consolidada como cláusula pétrea.
Ainda acrescentando a ideia de separação e pluralismo, Rodrigo Mudrovitsch (2014, p. 105) citando Neves aduz:
“A esfera pública política surge, como a arena do dissenso. A tarefa de estruturação pluralista, aberta e universal da esfera pública é erigida por Neves ao patamar de “desafio fundamental do Estado Democrático de Direito”.
Não obstante, a supracitada teoria, momento genótipo da promulgação da Constituição Federal se encontra em rota de colisão com inúmeros outros direitos necessários para uma Constituição Cidadã. Nessa rota está elencado como norte deste trabalho o Controle de Constitucionalidade por Omissão, fruto do movimento constitucional e instituto extremamente importante dentro de um mecanismo garantista.
Isso sem sombra de dúvidas é respaldado pelo movimento constitucional que desde a independência até o momento vindouro, traduz uma realidade do distanciamento entre o querer e o gesto real. Marcada a ferro pela falta de efetividade, insinceridade normativa, o movimento constitucional cresceu de forma tortuosa, sem conseguir atingir o seu verdadeiro papel social. Boa parte destas omissões podem ser creditadas na conta do Poder Público que em sua omissividade letárgica deixou o Direito Constitucional ancorado. Salva guarda, este não é mais o contexto.
A atualidade é marcada pelo ativismo judicial que busca efetivar direitos estabelecidos na própria Carta Magna e por essa razão é alçado a instrumento de segurança do cidadão e do próprio texto constitucional as ações de controle. Entretanto, em momentos de instabilidade institucional, o princípio da separação de poderes aparenta estar em fase de sensibilidade, não sendo possível modula-lo de acordo as necessidades que a própria Constituição anseia, suplica esta que se respalda pela sua força normativa.
Tendo como ponta pé inicial, a pesquisa arrolada irá asseverar a trilha até então desbravada a duras penas e, quiçá, idealizar acontecimentos que possam reformular a concepção jurídica sobre o que é separação de poderes e que a ação de controle de omissões não atenta contra esse princípio.
Para tanto, fora convocado o método dialético, que é formulado através do confronto intelectual de posicionamentos, surgindo a técnica da tese, antítese e síntese; síntese essa que pode ser tratada com um resultado finalístico com um coeficiente que atenda aos anseios constitucionais. Nesta toada, Andrade (2010, p. 120) revela em seu trabalho que:
“O método dialético não envolve apenas questões ideológicas, geradoras de polêmicas. Trata-se de um método de investigação da realidade pelo estudo da sua ação recíproca […] o método dialético é contrário a todo conhecimento rígido: tudo é visto em constante mudança, pois sempre há algo que nasce e se desenvolve e algo que se desagrega e se transforma”.
Tocando nesse mesmo posicionamento, Lakatos e Marconi, aduzem que:
“Todo movimento, transformação ou desenvolvimento opera-se por meio das contradições ou mediante a negação de uma coisa – essa negação refere-se à transformação das coisas. Dito de outra forma, a negação de uma coisa é o ponto de transformação das coisas em seu contrário. Ora, a negação, por sua vez, é negada. Por isso diz-se que a mudança dialética é a negação da negação”.
A compreensão da dialética não é uma simples fórmula matemática de adições de números distintos e um resultado exato, a dialética se assemelha mais a uma equação em que se é posta inúmeras variáveis para se fechar arestas e na composição de valores se extrai um denominador comum. Sendo assim, a técnica da dialética é realizada por meio de negações, um ponto ligado diretamente a outro, porém que tem a função de cada um revisar as observações estabelecidas pelo outro.
Segundo Engels citado por Politzer, (1979, p. 202):
“(…) para a dialética não há de definitivo, de absoluto, de sagrado; apresenta a caducidade de todas as coisas e em todas as coisas e, para ela, nada existe além do processo ininterrupto do devir e do transitório”. (…). O dialético sabe que, onde se desenvolve uma contradição, lá está a fecundidade, lá está a presença do novo, a promessa de sua vitória”.
Na dialética nada é definitivo, absoluto ou sagrado. Conceitos e posição são marcadas pelo prazo da validade temporal, pois paulatinamente ocorre um processo de transitório que efetiva uma nova concepção. Nessa compreensão, uma reflexão imutável, se é que a teoria da separação dos poderes pode ser encaixada nesse quesito, terá sua revisão mais cedo ou mais tarde.
Nessa ideia, as contradições que serão esposadas nas subscrições abaixo serão possíveis de perceber que há luta de polos superficialmente antagônicos, pois como se verá o poder é uno e indivisível e para a Constituição o primado é a sua efetivação, não existe uma contradição, o que habita no atual momento é uma luta entre a senilidade e o neófito.
Não se distanciando da proposta que se está aspirando, a opção pelo método dialético foi acertada por estar em jogo embates ideológicos. Sua captação se estabelece na investigação da realidade pelo método da ação recíproca.
Adiante, estipula-se que o método dialético é o oposto do conhecimento rígido e inexorável, aqui tudo é percebido em constante dinâmica, pois há sempre algo nascendo, se desenvolvendo. É nessa tona de evolução consequencial que se presumi que a escolha do método dialético coaduna com a experiência constitucional brasileira.
A partir deste momento, será apresentado um ideário esposado por vasta academia jurídica que tratou sobre os temas supracitados. Por fim, a pretensão humilde e audaciosa tentará estabelecer possíveis vertentes que possam reverberar na Corte Suprema, intentando assim solucionar conflitos jurídicos.
1 CONJECTURA JURÍDICA E FILOSÓFICA
O atual sistema jurídico consagrado pelo nosso país foi desenhado ao longo das eras, sendo aprimorado por inúmeros filósofos que se aplicaram em desenvolver um sistema político governamental que pudesse dar harmonia e independência aos Estados.
Alavancando o problema das insatisfações surgiu para a sociedade contemporânea mecanismo de efetivação de direitos que pudesse efetivar anseios que anteriormente eram reprimidos, ineficazes e porque não afirmar que eram simplesmente ideias de papel que em hipótese alguma seria colocado em prática.
Toda essa aplicação foi resultado de insatisfações que eram provocadas por regimes incongruentes que afetavam o avanço das sociedades em prol de benefícios a uma menor fração da população. Nessa senda o regime monárquico imperou por séculos e por resistência os filósofos, que ainda serão mais bem tradados, lutaram bravamente pela reforma e evolução política.
Por suma, para nossa contemporaneidade fora apresentado o sistema da tripartição dos poderes que pode efetivar uma dinâmica até então nunca vista pelos países. A sonhada independência, legitimidade e eficácia de atuação saiu das ideias de papel para travar embates entre os poderes que legitimam e corporificam o Estado em prol de um componente que é o povo.
Por ainda se alongar nesse breve prelúdio, o famoso filósofo Montesquieu ao aprimorar a idealização da tripartição, aqui é citado a palavra aprimorar, pois conforme se verá o supracitado filósofo foi um lapidador da brilhante teoria, mas voltando ao curso de apresentação, a tripartição dos poderes pode gerenciar o Estado de forma equânime, corrigindo problemas graves como a invasão de competências e arbitrariedades dos mandos e desmandos que anteriormente se concentravam nas mãos de uma única pessoa, ao qual era denominado rei absoluto.
Lado outro, a modernidade também nos apresentou o instrumento com um poder superior que estabeleceu uma ordem de hierarquia normativa dando solidez e assentando o sentimento de justiça. Aqui se trata do fenômeno que caminhou paralelamente ao da tripartição dos poderes, ou seja, o movimento constitucional.
Nesse ínterim, as Constituições foram surgindo para regular os Estados, dar aos cidadãos o instrumento que faltava para estabelecer direitos e garantias, criar uma organização funcional e a sua função mais importante, estabelecer competências e limites na atuação do poder.
Juntamente com a Constituição surge o movimento positivista e de hierarquização normativa, colocando-a como a norma superior e os demais instrumentos normativos sendo submetidos ao crivo de análise constitucional para se apurar a compatibilidade normativa e a harmonia no ordenamento jurídico, vejamos a citação de Freitas (2014):
“Por ainda a justificar o posicionamento jurídico, faz-se saudável relembrar a composição elaborada por Hans Kelsen, criando a pirâmide Kelseniana, que formalmente estabelece o posicionamento normativo e hierárquico de cada ato emanado pelo Estado-Federado, dando a posição superior, o cume da pirâmide para o ato normatizado e convalidador de todos os atos praticados por determinado Estado, ou seja, a sua carta constitucional.”
Como se é possível imaginar, os movimentos para uniformização normativa despertaram a necessidade da criação de instrumentos de análise e controle normativo, neste intuito surgiu o Controle de Constitucionalidade, que é um mecanismo de apuração, feito pela Corte Constitucional para apurar as ofensas ao texto constitucional e expurgar as que com ela colidem, assim cita Freitas (2014).
“Nesse ínterim, a justificativa do controle de constitucionalidade seria para averiguar uma ofensa a uma possível ofensa à existência da assimetria legislativa que, sem sombra de dúvidas visa ocasionar a pacificação jurídica quanto a dúvida se era ou não compatível o ato com a Constituição Federal ou se a possível suspeita levantada para julgamento seria diametralmente oposta à Carta Magna, ensejando assim a sua inconstitucionalidade. “
Para se introduzir ainda mais o que aqui se está iniciando, o controle de constitucionalidade, item que será melhor tratado em tópico específico, atua de forma simbiótica ao lado da teoria da separação dos poderes, pois como rapidamente se pode apresentar, o Estado formado pela junção dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, exerce o papel legiferante, administrativo e juridicante.
O Controle de Constitucionalidade atua exatamente nessa mescla de funções, pois as atuações do Executivo e do Legislativo são postas sobre análise diante do guardião da Constituição que se encontra assentado no Judiciário, sendo aqui em nosso país denominado de Supremo Tribunal Federal.
Com o passar dos experimentos jurídicos e evoluções sócio-normativas os mecanismos de controle, foram sendo evoluídos e diversificados, chegando ao ponto de haver categorias e procedimentos para serem observados quando se coloca determinado ato normativo à prova de constitucionalidade.
Um instrumento bastante aplaudido que inexistente, pelo menos na história jurídica pátria, surgido com a Constituição de 1988 foi o Controle de Constitucionalidade por Omissão, instrumento que teve sua efetivação após mais de um século de movimento constitucional pátrio que tem como função precípua a efetivação de normas constitucionais.
Tal instrumento é fruto dos anseios que lutam pela efetividade e combatem as omissões covardes provocadas na função legiferante, que por desídia legislativa, deixa o texto constitucional como apenas uma ideia de papel.
Em águas tranquilas, sem tempestades provocados pela desarmonia de competências e funções, o sistema pátrio caminhava de forma pacífica, porém com o surgimento desse mecanismo de controle por omissões, espelhado na Constituição Portuguesa, despertou uma desconfiança nos legitimados do poder, pois aquela teoria que fora construída ao longo dos séculos, a Teoria da Tripartição do Poderes, que gritava a harmonia e independência dos poderes, se sentiu ameaçada pela possível ação de coercitivade entre os poderes.
Exatamente neste ponto de impacto surge inúmeras indagações sobre o alcance do Controle de Constitucionalidade por Omissão e até onde é possível efetivar uma decisão de inconstitucionalidade respeitando a separação de poderes que também é uma marca constitucional.
Iniciando um mergulho vertical, a partir de agora será iniciada uma busca analítica em prol da solução pacífica e harmônica que tem como objetivo fim o desejo de todo jurista constitucionalista, ou seja, a máxima efetividade do texto constitucional. Para tanto, a priori será necessário resgatar a verdadeira essência da Teoria da Tripartição dos Poderes para depois adentrarmos no estudo do controle de omissões e só então chegarmos ao objeto-mór, que é a verdadeira aplicação da “força normativa da Constituição”.
1.1 PRELIMINAR HISTÓRICA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
A complexidade no desenvolvimento histórico, as variantes de perspectivas de concepção da teoria da tripartição nos remetem a um estudo aprofundado do movimento plurissiginificativo do que realmente é. Passamos a analisar o teor doutrinário da separação dos poderes.
Embora a estruturação tenha sido realizada na obra do filósofo iluminista Montesquieu que com sua técnica inconfundível consolidou a separação dos poderes, inúmeros outros pensadores anteriores ao mesmo já desenvolviam essa linha de raciocínio.
Na antiguidade, Aristóteles em sua obra “A Política”, já discursava sobre a tripartição teórica afirmando a tripartição de funções a serem exercidas por um soberano, contudo sua ideia não ultrapassava o limite de continuar existindo um controlador soberano. Talvez por essa razão suas conjecturas foram sendo aprimoradas ao longo dos séculos, contudo não há o porquê duvidar que ele foi um precursor de grande renome.
Há que se mencionar também que Marsílio de Pádua já havia percebido a natural distinção das funções estatais. Bonavides (2012, p. 146), “… a Escola de Direito Natural e das Gentes, com Grotius, Wolf e Puffendorf, ao falar em partes potentiales summi imperii, se aproximara bastante da distinção estabelecida por Montesquieu”.
Um iluminista que imerecidamente não teve um destaque igual aos demais na ideia da tripartição foi John Locke. Segundo as palavras de Bonavides (2012, p. 147):
“Locke, menos afamado que Montesquieu, é quase tão moderno quanto este, no tocante à separação de poderes. Assinala o pensador inglês a distinção entre os três poderes – executivo, legislativo e judiciário – e reporta-se também a um quarto poder: a prorrogativa. Ao fazê-lo, seu pensamento é mais autenticamente vinculado à Constituição inglesa do que o do autor de Do Espírito das Leis.”
Como se pode notar, ambos os pensadores idealizam a separação coexistindo ainda um soberano, Aristóteles deixa claro em sua obra, assim como Locke ao se referir ao poder “prerrogativa” item mencionado na citação acima. Tal prerrogativa é de competência do príncipe que tem a competência de proporcionar o bem comum onde houver omissão ou lacuna na lei, tal ideia se baseia no fenômeno do Poder Moderador.
Pelo que até aqui foi esposado ainda não se pode perceber a natural separação de poderes e um surgimento de conflitos quando se agregar o Controle de Constitucionalidade.
A novidade surgida na França por um de seus iluministas, Montesquieu editou a sua obra O Espírito da Leis estabelecendo a técnica da Separação dos Poderes. Referida separação alçou uma posição de princípio constitucional obtendo um prestígio desde a idade liberal.
Segundo Bonavides (2012, p. 147), a separação de poderes surgiu em uma época propícia, pois enriqueceu o movimento constitucional europeu como um instrumento poderoso e rígido para proteger a garantia de liberdade individual.
Não nos resta dúvidas que o principal teórico desta teoria foi o francês, isso foi corroborado por Bonavides (2012, p. 148) quando cita Madison na obra Federalista, vejamos:
“As palavras de Madison no Federalista põem a questão em melhores termos, quando pondera aquele estadista o merecimento de Montesquieu, em resposta aos que achavam não haver sido a Constituição americana explícita e irretocável em patentear sua adesão formal à máxima do pensador francês. Escreve Madison: ‘O oráculo que sempre se consulta e cita a esse respeito é o celebrado Montesquieu. Se não foi ele o autor deste valioso preceito da ciência política, teve ao menos o mérito de expô-lo e recomendá-lo do modo mais eficaz à atenção da humanidade’. E para logo, recorrendo à fonte de onde Montesquieu extraiu aquele teorema, a saber, a Constituição da Inglaterra, ‘modelo’ ou conforme as palavras mesmas do filósofo, ‘espelho de liberdade política’, afirma Madison: ‘O mais leve vislumbre da Constituição Inglesa mostra que nenhum dos departamentos legislativo, executivo ou judiciário se acha de maneira alguma totalmente separado ou distinto entre si.”
Adentrando ainda mais na dialética doutrinária sobre a tripartite função, Montesquieu esclareceu logo que o poder seria único e indivisível, sendo a divisão feita por funções, restando claro que caberia ao Poder Legislativo a função de inovar o ordenamento, ao Poder Executivo caberia a função de cuidar das coisas que dependem do direito das gentes e ao Poder Judiciário executar as coisas que dependem do direito civil.
Citando Canotilho et al (2013, p. 142), o sensível sistema orgânico-funcional que, desde a sua exegese inicial, estabeleceu na divisão de poderes que o Poder Judicial, denominado executivo, se posicionou como questão principal. O engendramento da divisão dos poderes ocorreu em uma época em que se tentava garantir as garantias de liberdade, igualdade e estabilidade e, para tanto, era alarmado para os juízes não se confundirem com o governante ou com o legislador.
Não excluindo nenhuma função e sabendo reconhecer a importância de cada uma dentro do sistema, aqui nos faz necessário retermos única e exclusivamente ao Poder Legislativo, pois em futura abordagem que será arrolada em capítulos posteriores receberá o tratamento merecido aos demais poderes/funções estatais.
Sendo assim, ao Poder Legislativo a competência para elaborar leis o faz ser essencial do sistema macro, leis estas que atendem determinados momentos, épocas, assim como aperfeiçoa outras que necessitam ser atualizadas. Aqui neste parágrafo se faz necessário um ressalte para clarear que ao Poder Legislativo ficou incumbido a função de Constituinte Derivado Decorrente, item que será melhor tratado futuramente.
Crucial aqui é a afirmação de Bonavides (2012, p. 149) que afirma:
“A liberdade estará sempre presente, segundo o notável filósofo, toda vez que haja um governo em face do qual os cidadãos não abriguem nenhum temor recíproco. A liberdade política exprimirá sempre o sentimento de segurança, de garantia e de certeza que o ordenamento jurídico proporcione às relações de indivíduo para indivíduo, sob a égide da autoridade governativa.”
A supracitada afirmação serve para alongar o sentido de não haver nenhum temor dentro do ordenamento jurídico, pois a segurança e o sentimento de garantia no ordenamento jurídico deve sempre prevalecer diante de arbítrios legislativos que possam desencadear alguma desordem nas leis.
Nesta toada restou demonstrado o nascedouro da teoria supracitada e as compreensões que foram sendo adquiridas ao logo dos tempos. Para o próximo tópico será abordado uma compreensão contemporânea da teoria separatista.
1.1.1 Harmonização e independência dos poderes
A novidade trazida por Montesquieu e a sua sistematização para o mundo das coisas, assim como o filósofo costuma tratar o mundo prático, o pensador francês trouxe a ideia de que as funções estariam separadas, porém unidas pelo todo. Pode-se afirmar que há uma conexão íntima entre os referidos poderes. Essas afirmações ficaram totalmente caracterizadas nas constituições americanas e francesas.
Para ilustrar, segue o art. 16 da Declaração do Homem e do Cidadão:
“Art. 16 – Toda a sociedade em que a garantia dos direitos não é assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem em absoluto constituição.”
Surge a partir dessa divisão entre órgãos a teoria do checks and balances que traduzida para nós seria a teoria dos pesos e contrapesos. Bonavides (2012, p. 150) nos ensina que a natureza das coisas não permite a imobilidade dos poderes, determinando o seu constante movimento. Todos são instrumentos compelidos a atuar “de concerto”, harmônicos, suas faculdades estatuídas antecipam o conhecido checks and balances, dos pesos e contrapesos, que fora desenvolvida com mais primor por Bolingbroke, na Inglaterra.
Nesse ínterim, cada órgão exerce a sua função típica, não havendo mais concentração nas mãos de um único órgão, ação que acaba concebendo para cada poder o dever de fiscalizar possíveis quebras de limites de outro órgão.
O Guardião da Constituição em um julgamento divisor de águas tratou sobre o tema, vejamos:
“Separação e independência dos Poderes: freios e contrapesos: parâmetros federais impostos ao Estado-Membro. Os mecanismos de controle recíproco entre os Poderes, os ‘freios e contrapesos’ admissíveis na estruturação das unidades federadas, sobre constituírem matéria constitucional local, só se legitimam na medida em que guardem estreita similaridade com os previstos na Constituição da República: precedentes (…)” “(ADI 1.905 – MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 19.11.98, DJ de 05.11.2004). “Os dispositivos impugnados contemplam a possibilidade de a Assembleia Legislativa capixaba convocar o Presidente do Tribunal de Justiça para prestar, pessoalmente, informações sobre o assunto previamente determinado, importando crie de responsabilidade a ausência injustificada desse Chefe de Poder. Ao fazê-lo, porém, o art. 57 da Constituição capixaba não seguiu o paradigma da Constituição Federal, extrapolando as fronteiras do esquema de freios e contrapesos – cuja aplicabilidade é sempre estrita ou materialmente inelástica – e maculando o Princípio da Separação de Poderes (…)” (ADI 2.911, Rel. Min. Carlos Britto, j. 10.08.2006, DJ de 02.02.2007).
Como se pode observar a aplicação dos poderes é formada pelo rigor da segurança, algo estimado e alçado ao ponto de destaque nos julgados exarados pela corte constitucional.
Corroborando tudo o que até aqui foi dito em prol da harmonia dos poderes, na nossa carta magna esse núcleo foi lançado com escritas em pedra no texto constitucional, a exemplo do art. 2º “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. De grandeza e importância maior, esse instituto também teve o seu registro com letras escritas a fogo no art. 60 da Carta Magna, onde alcançou a qualificação de cláusula pétrea.
1.1.2 Técnicas de aplicação prática na separação dos poderes
No deslinde do tema, as técnicas de controle aplicadas no constitucionalismo moderno corroboram para uma maior eficácia e demonstra uma separação rígida de poderes, herança advindo do liberalismo aplicado durante o surgimento da teoria da separação.
Atualmente o modelo vem sendo mais desbravado na busca pelo equilíbrio. O Poder Legislativo vem sendo atuante perante os demais poderes, em especial ao Poder Judiciário, pois conforme os ensinamentos de Bonavides (2012, p. 152):
“(…) a competência legislativa de controle possui, em distintos sistemas constitucionais, entre outros poderes eventuais ou variáveis, os de determinar o número de membros do judiciário, limitar-lhe a jurisdição, fixar a despesa dos tribunais, majorar vencimentos, organizar o poder judiciário e proceder a julgamento político (de ordinário pela chamada ‘câmara alta’), tomando assim o lugar dos tribunais no desempenho de funções de caráter estritamente judiciário.”
Por fim o mesmo doutrinador sinaliza para a possibilidade de interferência no controle de constitucionalidade exercido pela máxima corte, ficando nas mãos do legislativo uma decisão. Em outros momentos sendo o próprio Legislativo o algoz que enseja o controle e posteriormente o próprio a ser competente para tomar uma decisão sanatória.
Bonavides (2012, p. 152):
“Sua faculdade de impedir porém só se manifesta concretamente quando esse poder – o judiciário – frente às câmaras decide sobre inconstitucionalidade de atos do legislativo e frente ao ramo do poder executivo profere a ilegalidade de certas medidas administrativas.”
É esse o núcleo ao qual se pretende esmiuçar, entretanto, ainda assim será necessário a compreensão de inúmeros outros institutos.
1.2 A SEPARAÇÃO DOS PODERES E A DOUTRINA CONSTITUCIONAL
A princípio a doutrina da Separação de Poderes teve sua introdução dentro do ordenamento pátrio desde a primeira Constituição. A única carta que excepcionou a esta regra foi a Constituição de 1937. É entabulado pela divisão dos poderes o princípio conservador que garante o direito dos cidadãos e o método mais efetivo para colocar no mundo das coisas as garantias que a Constituição oferece.
A exegética do poder ultrapassa muito das vezes a compressão simplória de seu significado. Costumeiramente vê-se com muita frequência a instalação de uma correlação entre a palavra poder e as palavras autoridade, superioridade, força.
Esses significados correlacionados surgem devido a compreensão de que o poder é um fato natural da vida. Tanto é que no mundo selvagem e no mundo civilizado, o poder se apresenta como algo natural e soberano.
Com isso é possível afirmar que as sociedades não podem sobreviver sem a partícula do poder em sua senda, pois é ele que estabelece os limites e diretrizes de organização, algo que as sociedades necessitam.
Cunha Jr. (2015, p. 432) assevera que:
“Não obstante as dificuldades no início confessadas, a primeira noção que se pode oferecer do Poder é a de ‘capacidade de impor a própria vontade numa relação social’ ou ‘a possibilidade de eficazmente impor aos outros o respeito da própria conduta ou de traçar a conduta alheia’. O poder é, sem dúvida, um fenômeno sociocultural que se baseia tanto na força como na crença. Crença na necessidade de obedecer aos governantes. Especificamente sobre o Poder Político, Marcelo Caetano o entende como ‘a faculdade exercida por um povo de, por autoridade própria (não recebida de outro poder), institui órgãos que exerçam o senhorio de um território e nele criem e imponham normas jurídicas, dispondo dos necessários meios de coação.”
Agora já é possível denotar que o objeto nuclear deste trabalho já começou a ser esposado. De maneira analítica e retórica os temas cruciais para a compreensão do todo estão sendo lançadas na teia intelectual.
A técnica da separação de poderes desce rio abaixo até chegar no primado do Estado Democrático de Direito em que se estabelece uma proteção ao indivíduo/cidadão em face do Estado soberano. Entretanto essa proteção se demonstra superficial diante das inúmeras necessidades sociais.
É nesse ponto que começam a surgir as primeiras colisões, pois conforme já apresentado, a separação trouxe funções distintas e que com a aplicação do peso e contrapeso seria possível chegar a um resultado social positivo, o qual seria a efetivação de direitos constitucionais. Contudo, não é esse o retrato apresentado na capa do atual sistema jurídico.
Mais uma vez recorrendo aos ensinamentos de Canotilho, et al (2013, p. 145), induz que o princípio da separação dos poderes é concretizado na discricionariedade. Com isso um poder estaria proibido de invadir a discricionariedade dos outros. Esse ponto forma uma linha tênue, pois conforme se entende a discricionariedade na modernidade não se compreenderia essa distinção como uma carta com poderes ilimitados. A ação individual de determinado agente esbarraria no interesse da coletividade. O solipsismo, juízo ignorante do direito, não tem mais guarida. Há com isso uma reconstrução da separação dos poderes com o judiciário promovendo uma sindicância, podendo já citar os mecanismos de controle de constitucionalidade, que são remédios de sobrevida do ordenamento contra ataques virais.
O momento atual é marcado por entraves e quedas de braços que em visões otimistas seria a efetivação do equilíbrio de poderes, entretanto esse não é o verdadeiro desenho do contexto, pois a instabilidade das funções está ocasionando abalos nas estruturas dos órgãos.
No intuito de corrigir as rachaduras do sistema jurídico provocadas pelos entraves, o Poder Legislativo, em atitude claramente abusiva e atentatória ao Poder Constituinte Originário, vem tratando o nosso instrumento-mór como uma colcha de retalhos, agindo de forma desmedida e tendenciosa, ao bel-prazer e com mandos e desmandos.
A brilhante história escrita com penas molhadas muitas das vezes com tinta vermelha de cor igual ao sangue daqueles iluminaram o caminho para a estruturação social, está sendo apagada, rasgada pela atuação desregrada.
Neste diapasão é possível de imediato perceber que a simples diagramação da separação de funções em um texto normativo não é capaz de solucionar a síndrome que os Estados passam, qual seja, a síndrome da inaplicabilidade e porque não mencionar a famigerada omissão legislativa.
Para se ter um prelúdio do atual momento, a citação abaixo transcrita já previa as futuras ofensas, mas mesmo assim não está sendo possível evita-las. Bonavides (2012, p. 153):
“O teor programático das cláusulas distributivas dos poderes, qual os enumera a autoridade oracular de Montesquieu, ressalta patente no texto das ditas Constituições, que não se cingem, como a Constituição federal americana, a montar todo o esquema do poder estatal naquele princípio, apenas estruturalmente perfilhado, senão que exprimem aderência ao mesmo em artigos precisos e solenes, proibindo a um poder ‘exercer jamais’ as atribuições de outro poder (Constituição de Massachusetts, Parte I, art. 30), ou inserindo pomposamente que ‘os poderes devem ser para sempre separados e distintos’ (Constituições de Maryland, Virgínia e Carolina do Norte), num verbalismo caudaloso, de efeito mais doutrinário que efetivo, como pressentiu Madison em sua crítica e comentário à obra da Constituição, nas páginas do Federalista.”
Como apresentado, as Constituições estabelecem uma divisão ou separação de poderes para haver a almejada harmonia, pois todos poderiam realizar suas funções de maneira independente e posteriormente sendo agregado uma ação à outra até o fim almejado, o resultado do bem comum e da harmonia normativa.
Infeliz objetivo, pois recebeu uma dura carga valorativa. Os poderes não mais respeitam o contrapeso. Utiliza-se de métodos que apontam para a insegurança jurídica em prol da prevalência autoritária de suas próprias decisões.
1.3 RESTRUTURAÇÃO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
A teoria elaborada no século XVIII para os dias atuais deveria se mostrar obsoleta. No princípio havia a intenção de salvaguardar o cidadão em face do Estado, protege-lo de possíveis desmandos, havia um temor de restabelecer o absolutismo.
A modernidade não mais enfrenta temores como se pensava em séculos passados, enterrado está aquele temor apresentado durante o período negro de nosso passado em que o Estado estava corporificado em apenas um indivíduo ao qual podia se denominar de rei utilizando da expressão “L’État c’est moi”, ou seja, o Estado sou eu, soberano.
A separação dos poderes não guarda mais unicamente os direitos individuais, mas sim ela abraça agora os direitos transindividuais e coletivos, compreendidos como uma única unidade. Atua como advogado das liberdades públicas e guerreia pela cidadania ativa.
Bonavides (2012, p. 157) ensina:
“Quando se preconizava a separação de poderes como o melhor remédio para garantia das liberdades individuais, estas liberdades alcançavam na organização do Estado constitucional uma amplitude de valores absolutos, inviolavelmente superiores à coletividade política, acastelados nas Declarações de Direitos, que ideologicamente eram a parte de fundo das Constituições, sua peça básica, a que a discriminação de competência entre poderes deliberadamente divididos e enfraquecidos servia tão-somente de meio, de moldura, de couraça. As Constituições viam menos a sociedade e mais o indivíduo, menos o Estado e mais o cidadão. Desde porém que se desfez a ameaça de volver o Estado ao absolutismo da realeza e a valoração política passou do plano individualista ao plano social, cessaram as razões de sustentar, em termos absolutos, um princípio que logicamente paralisava a ação do poder estatal e criara consideráveis contrassensos na vida das instituições que se renovam e não podem conter-se, senão contrafeitas, nos estreitíssimos lindes de uma técnica já obsoleta e ultrapassada.”
Assombrações vencidas e sepultadas. Em uma perspectiva otimista deveria se olhar para o presente e contemplar a segurança institucional. Infelizmente isso não é possível de se afirmar. Surge uma nova ofensa aos poderes. Está reverberando no interior de cada função, sendo aqui importante permanecer retido ao Poder Legislativo, havendo assim uma tentativa de supremacia de suas ações.
Em afirmação Bonavides (2012, p. 158) aduz que a análise feita por Hegel, filósofo político alemão, se fez percuciente e inevitável, pois restou asseverado que uma separação literal destruiria a unidade de poder, dissolvendo a unidade de poder.
Inoportuna afirmação, pois sem sombra de dúvidas que a mencionada citação faz total coerência no mundo normativo, porém encontra-se em ponto de colisão com o mundo das coisas, que arbitrariamente contraria o que se encontra posto, consolidado por métodos empíricos.
Uma indagação surge, é possível conciliar a soberania diante dos poderes separados e cindidos? É claro que o princípio da separação é válido unicamente para estabelecer uma técnica de distribuição e não evitar uma luta por supremacia. Funções distintas, órgãos abstratamente separados não traduzem uma incomunicabilidade, ao contrário, demonstram uma ligação íntima de cooperação.
Caminhando por outros campos da ciência é possível estabelecer um ponto comparativo nas ciências biológicas. O corpo humano é formado por diversos órgãos que trabalham de forma independente em prol da harmonia do ser humano. Partes formando um todo. Inimaginável seria estabelecer a tentativa desmedida de determinado órgão humano sobrepor a uma função designada a outro e independente órgão. Órgão este que é tão legitimado quanto aos demais e foi recebedor de uma parcela equânime de responsabilidade e independência.
A Constituição pátria vem sendo alvo de atentados nominados, tornando-se um instrumento de proteção contra arbítrios legislativos. Sua idealização não foi concebida com tal intuito, porém os decorrentes do poder vêm aplicando a carta protetiva como um escudo de afronta e desrespeito axiológico.
Em mais um ensinamento crucial Bonavides (2012, p. 159) leciona sobre o contexto atual:
“Não temos dúvida por conseguinte em afirmar que a separação de poderes expirou desde muito como dogma da ciência. Foi dos mais valiosos instrumentos de que se serviu o liberalismo para conservar na sociedade se esquema de organização do poder. Como arma dos conservadores, teve larga aplicação na salvaguarda de interesses individuais privilegiados pela ordem social. Contemporaneamente, bem compreendido, ou cautelosamente instituído, com os corretivos já impostos pela mudança dos tempos e das ideias, o velho princípio haurido nas geniais reflexões políticas de Montesquieu poderia, segundo alguns pensadores, contra-arrestar outra forma de poder absoluto para o qual caminha o Estado moderno: a onipotência sem freio das multidões políticas”.
Palavras que ressoam aos ouvidos alertas de que manuais e doutrinas bradaram por uma constituição reformadora, instrumento de concretização e eliminação de desequilíbrios normativos. Surdos e equivocados foram os que não perceberam a importância dos prelúdios que anunciaram as usurpações.
Bonavides (2012, p. 159):
“Competiria, pois a esse princípio desempenhar ainda, conforme entendem alguns de seus adeptos, missão moderadora contra os excessos desnecessários de poderes eventualmente usurpadores, como o das burocracias executivas, que por vezes atalham com seus vícios e erros a adequação social do poder político, do mesmo passo que denegam e oprimem os mais legítimos interesses da liberdade humana”.
Citação melhor não teria, sendo necessário apenas acrescentar para este trabalho a ofensa estabelecida pelo Poder Legislativo para restar claro os excessos que atingem o objetivo constitucional. A Constituição aparentemente vem apresentando sinais de necessidade de maior proteção e rigor, a interpretação da ofensa ao princípio da separação de poderes requer uma análise dialética para evitar que o texto magno seja dilacerado por alternativas que fazem da Constituição um objeto particular e não um bem comum do povo.
2 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
O macro ordenamento jurídico se apresenta com um sistema que pressupõe uma unidade esquematizada. Em busca da manutenção dessa ordem surgem mecanismos de correção destinados a assegurar a segurança jurídica. Com tal finalidade surge o controle de constitucionalidade.
Destinado a apurar possível incompatibilidades entre uma lei ou qualquer ato normativo que esteja abaixo da Constituição Federal e que contra ela possa entrar em colisão, o mecanismo de controle tem a marca de ser um sanador de incompatibilidades.
Barroso (2012, p. 23) nos explica:
“Em todo ato de concretização do direito infraconstitucional estará envolvida, de forma explícita ou não, uma operação mental de controle de constitucionalidade. A razão é simples de demonstrar. Quando uma pretensão jurídica funda-se em uma norma que não integra a Constituição – uma lei ordinária, por exemplo -, o intérprete, antes de aplica-la, deverá certificar-se de que ela é constitucional. Se não for, não poderá fazê-la incidir, porque no conflito entre uma norma ordinária e a Constituição é esta que deverá prevalecer. Aplicar uma norma inconstitucional significa deixar de aplicar a Constituição.”
Aqui há de se observar que a atualidade vem dando uma importância efetiva ao controle de constitucionalidade e por essa razão agregando novos mecanismos de controle e de efetivação de direitos fundamentais. Nesta senda válido frisar dois pontos importantíssimos.
Em primeiro momento é digno de nota mencionar que nas décadas que sucederam o texto constitucional a jurisprudência em conjunto com a doutrina encamparam um ideal de controle de omissões legislativas. Item que é de muita importância para o nosso estudo, pois com se verá adiante, o controle de omissões entrelaçado com a separação de poderes provoca uma ineficácia do texto constitucional.
O segundo momento de igual importância é o fenômeno do controle de atos materialmente normativos. Como se é sabido, o controle é efetivado diante de normas de caráter geral e abstrato. As leis provenientes do poder legiferante é o maior exemplo disso, contudo com a mesma importância, existem também os atos emanados pelo Poder Executivo e até mesmo pelo próprio Poder Judiciário.
É interessante frisar que os atos consecutivos do Executivo que tem sua essência regulatória de normas também carregam o potencial lesivo ao texto, muitas das vezes de forma indireta, pois se direcionam ao texto legal infraconstitucional, entretanto o texto constitucional de 1988 carreou ao Poder Executivo a competência de editar atos normativos autônomos podendo dessa forma atingir diretamente o texto constitucional.
Sem sombra de dúvidas tudo o que até aqui foi esposado não teria sentindo algum se não fosse pela rigidez constitucional. A rigidez constitucional é um pressuposto do controle. Surge aí um paradigma para demonstrar qual e como será o parâmetro de controle.
Para assentar o posicionamento da Constituição Federal como paradigma nos faz necessário recorrer aos ensinamentos de Kelsen (2011), que através da criação da pirâmide normativa, também conhecida por pirâmide Kelseniana, estabeleceu formalmente paradigma normativo colocando o texto magno no topo, fazendo desse texto o instrumento que tem o poder de convalidar todos os atos emanados pelo Estado, bem como filtrá-los, em outra ocasião ser o objeto de capacidade expurgatória de leis que a ofendam.
Trilhando esse caminho surge uma premissa capaz de justificar o que se afirmou sobre a força da Constituição e a sua efetividade no mundo real.
Vejamos a lição de Barroso (2012, p. 23):
“Duas premissas são normalmente identificadas como necessárias à existência do controle de constitucionalidade: a supremacia e a rigidez constitucionais. A supremacia da Constituição revela sua posição hierárquica mais elevada dentro do sistema, que se estrutura de forma escalonada, em diferentes níveis. É ela o fundamento de validade de todas as demais normas. Por força dessa supremacia, nenhuma lei ou ato normativo – na verdade, nenhum ato jurídico – poderá subsistir validamente se estiver em desconformidade com a Constituição”.
Por suma, determinada compreensão acaba reverberando na terminologia já conhecida por “supralegalidade constitucional”, que faz da Constituição a lei das leis, onde, segundo Bonavides (2010, p. 296), “[…] a lex legum, ou seja, a mais alta expressão jurídica da soberania”.
Conforme as justificativas assinaladas, o controle de constitucionalidade serve para averiguar uma possível existência de assimetria legislativa que, sem sombra de dúvidas, provocaria um choque normativo e uma instabilidade jurídica, por essa razão, o controle tem o condão de ocasionar uma pacificação jurídica quanto a dúvida de se é ou não compatível o ato com a Constituição Federal ou se a possível suspeita levantada para julgamento seria diametralmente oposta à Carta Magna, ensejando assim a sua inconstitucionalidade.
2.1 CONTROLE CONCENTRADO, VIA DE AÇÃO DIRETA
O novel controle concentrado é um neófito em nosso ordenamento jurídico, pois conforme é sabido, o mesmo adveio da Emenda Constitucional de número 16 do ano de 1965.
Sua competência foi insculpida no art. 102 da atual Constituição, atribuindo ao Supremo Tribunal Federal, órgão guardião da Constituição, o dever de efetivar o controle de constitucionalidade pela via concentrada, apurando omissões, descumprimento de preceitos fundamentais e inconstitucionalidades.
Conforme esposado, o surgimento do controle se deu nos idos de 1965 com a emenda constitucional de número 16. Naquela época o número de legitimados era reduzido a um único órgão, qual seja, o Procurador Geral da República. Com o passar do tempo e com o surgimento da Constituição cidadã de 1988, em seu art. 103, este rol foi ampliado de forma exaustiva e atribuiu a diversos órgãos, entidades representantes de classes, entre outros, a legitimidade de propositura. Isso sem sombra de dúvidas trouxe uma maior abertura ao processo de jurisdição constitucional e deu ao cidadão uma maior representatividade.
Perpassando pelo tempo, após a promulgação da atual Constituição, a Lei 9.868/99 estabeleceu os procedimentos regulatórios das ações diretas de inconstitucionalidade, incluindo o controle contra as omissões no capítulo II, que foi introduzido pela Lei 12.063/2012, instaurando assim um procedimento. Fazendo um mergulho para localizar a fonte de sua natureza em nosso ordenamento jurídico não fora possível, sendo assim, através da legislação alienígena, avançando os oceanos que nos separam de outros povos, é que foi possível localizar balizamento nas Constituições da Alemanha, Espanha e de Portugal, onde claramente a uma previsão de que caberá a uma lei orgânica estabelecer o procedimento que deverá ser adotado pela Corte Constitucional.
Por questão de minúcias, recomendável se faz a demonstração de que por mais aplaudida que seja a regulamentação do tema através da Lei 9.868/99, a nossa Carta em nenhum ponto fez menção que uma lei ordinária iria regulamentá-la. É óbvio que se aplicarmos uma interpretação sistemática tal silêncio poderia ser rapidamente sanado, não havendo o porquê levantar qualquer discussão sobre a falta de texto indicativo para uma regulamentação.
Não obstante, em brilhante intelecção, Streck (2013, p. 689), expõe sobre o tema:
“(…), tomando a história institucional do direito a sério, é possível afirmar que a Lei 9.868/1999 não é uma simples regra de direito processual, é, sim, é algo novo no direito brasileiro, porque trata da especificação do funcionamento da jurisdição constitucional. Desse modo, somente por emenda constitucional que estabelecesse a possibilidade de elaboração de uma lei poderia tratar-se dessa matéria. E tudo estaria a recomendar que uma lei desse quilate devesse ser votada e aprovada por quorum de maioria qualificada. Aqui caberia, muito bem, a convocação do caso Marbury v. Madison. Se uma lei ordinária pode dizer aquilo que a Constituição não disse, é poque a noção de rigidez constitucional resta enfraquecida. “
Embora haja celeumas acerca da regulamentação, para uma intelecção do controle foi necessária uma positivação para nos colocar em águas tranquilas para se navegar. A regulamentação trouxe a certeza jurídica do procedimento e conteve maus espíritos de driblarem o texto, evitando-se um jogo de sorte que é algo extremamente temeroso para um Estado Democrático de Direito.
Para fecharmos este tópico sobre importância do controle concentrado e o seu papel de protagonista no contexto atual, o recomendado Cunha Jr., assevera (2012, p. 183) que o modelo atual ampliou profundamente o controle, conseguindo aperfeiçoar algo que já aparentava obsoleto. O surgimento de novos modelos de ações de controle, elastecendo o rol de legitimados para atuar na jurisdição concentrada do Supremo Tribunal Federal. Além do mais houve a ampliação de efeitos, como por exemplo o surgimento do efeito vinculante nas decisões proferidas, algo que sem dúvidas de se arriscar à sorte, acabou aproximando a jurisdição pátria com a das cortes europeias, apresentando uma qualidade de excelência e primor em suas decisium.
2.2 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE GENÉRICA
Marcado pela análise abstrata da lei ou ato normativo e com a competência para a Corte Constitucional, o controle genérico abstrato é tomado por uma ampla abstração, impessoalidade e generalidade.
O seu intento é desvendar, em sentido lato sensu, se uma lei ou ato normativo é ou não constitucional. Nesta feita, o Poder Judiciário, como função típica, manifesta-se acerca do objeto posto sob análise. Grinover (p.12) disserta: “tem por objeto a própria questão da inconstitucionalidade, decidida principaliter”.
Por se tratar de uma análise concentrada, uma decisão tomada gerará efeitos irradiantes, erga omnes, tendo efeito ex tunc. Trata-se de um ato nulo, de vício congênito, em que embora esteja no mundo fático, das coisas, para o direito nunca nasceu.
2.3 EFEITOS OCASIONADOS PELO CONTROLE CONCENTRADO
Com caráter dúplice ou ambivalente, estando em conformidade com o art. 24 da Lei 9868/99, proclamada a constitucionalidade, estará afastada qualquer argumentação de inconstitucionalidade, dando um efeito dúplice.
Uma observação digna de nota é que em razão do princípio da segurança jurídica e do excepcional interesse social, o Supremo Tribunal Federal, por quórum qualificado, tem o poder de restringir os efeitos de inconstitucionalidade ou decidir em qual momento se produzirá efeitos.
Além do mais, importante mencionar que a lei reguladora em seu art. 28 estabeleceu que tomada a decisão, transitada em julgado, o efeito vinculante alcançaria todas as esferas de poder, submetendo toda a Administração Pública federal, estadual e municipal à força decisória.
2.3.1 Inconstitucionalidade formal ou nomodinâmica
Como a própria terminologia já demonstra, os vícios formais afetam o ato de maneira singular. Não contaminam o conteúdo em si, porém atingem os pressupostos de formação.
A inconstitucionalidade nomodinâmica é caracterizada pela inobservância na construção do ato, muito das vezes pela atuação ilegítima, pelo desrespeito ao texto constitucional.
Para rápida intelecção, os requisitos formais nada mais são que um aspecto subjetivo que estipula um órgão competente para elaborar uma lei ou ato. Em outra perspectiva, é a ausência de observância quanto à forma, prazos e ritos prescritos na norma constitucional para a elaboração normativa.
A doutrina moderna costuma apontar três espécies de inconstitucionalidade formal, a inconstitucionalidade orgânica (incompetência do órgão), temporal (elaboração em tempo proibido) e formal em sentido estrito (violação das formas).
Neste diapasão, caminharemos pelo modus de declaração de inconstitucionalidade pela ofensa material da norma.
2.3.2 Inconstitucionalidade material ou nomoestática
Os vícios materiais dizem respeito à própria substância do ato, havendo um real conflito de regras dentro de um ordenamento jurídico e que acaba ofendendo o dispositivo norteador de todo um sistema, qual seja, a Constituição Federal.
Não se restringindo apenas à materialidade do ato, é possível verificar excessos legislativos ou omissões, sendo esse o ponto nuclear do trabalho, porém não se podendo desvencilhar de todo o mecanismo que o forma, sendo assim necessário perscrutar por toda a seara.
As palavras do professor José Joaquim Gomes Canotilho, em seu vasto conhecimento apresentou afirmativas que, hodiernamente, orientam os juristas contemporâneos, senão vejamos:
“É possível que o vício de inconstitucionalidade substancial decorrente do excesso de poder legislativo constitua um dos mais tormentosos temas do controle de constitucionalidade hodierno. Cuida-se de aferir a compatibilidade da lei com os fins constitucionalmente previstos ou de constatar a observância do princípio da proporcionalidade, isto é, de se proceder à censura sobre a adequação e a necessidade do ato legislativo”. (CANOTILHO, José Gomes, Direito Constitucional, cit., p. 617-618).
Exsurgindo o entendimento supracitado, um dos mais recentes ministros do Supremo Tribunal Federal, Barroso (2012), apresentou a seguinte perspectiva:
“(…) a inconstitucionalidade matéria expressa uma incompatibilidade de conteúdo, substantiva entre a lei ou ato normativo e a Constituição. Pode traduzir-se no confronto com uma regra constitucional – e.g., a fixação da remuneração de uma categoria de servidores públicos acima do limite constitucional (art. 37, XI) – ou com um princípio constitucional, como no caso de lei que restrinja ilegitimamente a participação de candidatos em concurso público, em razão do sexo ou idade (arts. 5º caput e 3º, IV), em desarmonia com o madamento da isonomia. O controle material de constitucionalidade pode ter como parâmetro todas as categorias de normas constitucionais: de organização, definidoras de direitos e programáticas.”
Suplantado o caminho do Controle de Constitucionalidade, razão não há mais para procurar minudenciar os demais acessórios que compõem o sistema de aferição. Passaremos agora a adentrar ao núcleo tangencial deste trabalho.
3 PARADIGMAS DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO
Nesta assentada, conforme mencionado em rápida dicção, ficou demonstrado a idealização da Constituição em dois sentidos, quais sejam, modus formal e material. Restou ainda demonstrado a essência da separação dos poderes e os potenciais prejuízos que uma independência pode ocasionar dentro de um sistema que abarca uma Constituição cidadã.
A partir dessa elaboração sistemática, o quadro normativo começa a ganhar forma, sendo possível iniciar uma exploração ao conteúdo nuclear, qual seja a efetividade do Controle Concentrado de Omissões e ofensa ao princípio da Separação de Poderes.
4 CONTROLE DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO
Já restou assentado que à Constituição não se ocupa única e exclusivamente na fiscalização de inconstitucionalidades. Um dos primados desta Carta Magna é a busca pela efetividade, aplicabilidade do que nela se encontra e para isso requer uma luta contra as omissões prejudiciais à sua efetividade. Por logo já se percebe que é tão gravoso quanto uma inconstitucionalidade uma omissão tendenciosa e prejudicial à efetivação do texto, atentando assim contra a própria força normativa.
Precedendo ao texto constitucional de 1988, a Assembleia Constituinte ao qual foi incumbida a legitimidade de formular um texto magno debateu conjuntamente com doutrinadores, de forma exaustiva, a questão das omissões. Em síntese das teses e antíteses surgiram duas vertentes na Carta Magna de 1988, um adotando a via acidental, tendo natureza os remédios constitucionais, ou seja, o Mandado de Injunção e o outro trilhando a via direta e concentrada, de competência do Supremo Tribunal Federal.
Nesse pensamento, para se entender o significado de uma omissão é necessário frisar que a omissão estará caracterizada quando determinado poder tiver a incumbência de atuar, contudo por faculdade própria se mantém inerte e silente.
Nesse contexto, Cunha Jr. (2012, p. 249) nos ensina:
“(…), a Constituição Federal de 1988, sob marcada influência da Constituição portuguesa de 1976, criou a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, para resolver, em sede abstrata, o grave problema da inatividade do poder público, o que se reconduz a solucionar, em última instância, a própria inação dos órgãos estatais que ameaça comprometer a efetividade da Constituição”.
Neste diapasão, a Constituição Federal de 1988, também conhecida por Constituição cidadã, estabeleceu no seu art. 103, §2º, a inconstitucionalidade por omissão de atos normativos para tornar efetivo o texto constitucional. Para tanto, necessário se faz dar ciência aos poderes competentes, visto a independência entre os mesmos.
O procedimento de apuração de omissões do Poder Público se encaixa no controle concentrado, agindo de forma objetiva de guarda, sendo afetado quando determinada lacuna legislativa ou por ato incompleto torna insuficiente a maximização do texto constitucional.
Marcadamente o nosso texto constitucional adotou uma postura compromissada. Avocou para si o status de dirigente, pois a mesma tem em suas palavras o desejo de estabelecer direitos e garantias de forma ampla. Desde o preâmbulo até as disposições finais a Constituição brasileira se expressa com a intenção de organizar e limitar o poder político e se aplica incansavelmente para garantir a prestação material, algo que acaba fazendo o poder público se vincular às suas diretrizes.
Infelizmente os textos não conseguem bradar os seus gritos de forma autônoma. Nesse aspecto quando a inefetividade se estabelece representa um atentado à supremacia constitucional, e por tarefa necessária, ao Poder Judiciário é requerido ao dever de suprir a omissão democrática.
Aborda sobre o tema Piovesan (2003, p. 103):
“Infere-se que a inconstitucionalidade por omissão é reflexo e consequência jurídica do próprio perfil da Constituição de 1988 que, enquanto Constituição Dirigente, exige a vinculação dos Poderes Públicos À sua realização. Tal vinculação só seria possível se se conferisse à omissão deste mesmos poderes um sentido juridicamente negativo. E esse sentido juridicamente negativo identifica-se com a noção de inconstitucionalidade por omissão. ” Na mesma linha, Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, t. 6, p. 276: ‘Mas a sua importância (a da inconstitucionalidade por omissão de atos legislativos) varia de harmonia com as concepções políticas e jurídicas dominantes: nas Constituições liberais não se reveste de grande interesse, embora não deixe de se manifestar; e nas Constituições de feição programática tende a avultar”.
Em observação ampla, o ato de legiferar retém para si a faculdade e não um dever, sendo mais claro dizer que para ele sua atuação é discricionária, não correspondendo um dever jurídico. Entretanto, determinadas situações o próprio texto constitucional impõe a presença positiva, caindo a faculdade de escolha em atuar ou não, restando apenas o modo opcional de qual caminho adotar. Geralmente estas imposições estão encabeçadas pelos conhecidos mandamentos constitucionais.
É nesta senda que a omissão legislativa configura, melhor, fazendo uso de determinada seara jurídica, é a partir da negligência legislativa que ocorre o fato típico para caracterizar a inconstitucionalidade por omissão.
Partindo da ideia da tripartição das normas constitucionais pelo seu conteúdo, ou seja, normas de organização, normas de direitos e normas programáticas, a incidência da inconstitucionalidade só seria possível em relação às normas de organização ou em relação às normas definidoras de direitos.
Via de regra as normas programáticas não estabelecem condutas, apenas diretrizes a serem adotadas em perspectiva futura, concedendo ampla discricionariedade aos entes públicos.
O doutrinador Afonso da Silva (2014, p. 50), constrói através de palavras rápidas e elucidativas exemplos notáveis sobre a omissão nas normas de organização e de direitos, vejamos:
“Verifica-se nos casos em que não sejam praticados atos legislativos ou administrativos requeridos para tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais. Muitas destas, de fato, requerem uma lei ou uma providência administrativa ulterior para que os direitos ou situações nelas previstos se efetivem na prática. A Constituição, por exemplo, prevê o direito de participação dos trabalhadores nos lucros e na gestão das empresas, conforme definido em lei, mas, se esse direito não se realizar, por omissão do legislador em produzir a lei aí referida e necessária à plena aplicação da norma, tal omissão se caracterizará como inconstitucional. Ocorre, então, o pressuposto para a propositura de uma ação de inconstitucionalidade por omissão visando obter do legislador a elaboração da lei em causa. Outro exemplo: a Constituição reconhece que a saúde e a educação são direitos de todos e dever do Estado (arts. 196 e 205), mas, se não se produzirem os atos legislativos e administrativos indispensáveis para que se efetivem tais direitos em favor dos interessados, aí também teremos uma omissão inconstitucional do Poder Público que possibilita a interposição da ação de inconstitucionalidade por omissão” (art. 103).
Assevera Afonso da Silva (2014, p. 51) que a discricionariedade legislativa não foi abalada pelo estabelecimento do controle de omissões, mantendo-se de forma intacta diante de qualquer apelo ou reivindicação de direitos.
Saindo do direito pátrio e fazendo uma pesquisa no direito comparado para ter conhecimento de um resultado no controle de omissões foi possível notar um grande embate em países alienígenas.
Países como Alemanha, Itália, mais recentemente a Espanha e Hungria, apresentaram por meio das Cortes Constitucionais resultados similares às técnicas de omissão, tudo isso através das técnicas de interpretação e integração aliado às sentenças aditivas. Citando Cunha Jr. (2015, p. 333), pode-se perceber que mesmo não tendo uma disposição de controle de inconstitucionalidade por omissão, esses países através do sistema de inconstitucionalidade por ação realizaram um autêntico julgamento por omissão, tudo isso graças a um posicionamento de não adotar aquilo que está escrito, mas sim ao que não foi prescrito. Em todos os julgados pode-se notar a concretização dos preceitos constitucionais.
Subindo o continente americano, o Estados Unidos representado pela Supreme Court, atualmente adota o posicionamento de requerer aos órgãos legislativos à edição de normas que se compreendem necessárias para a concretização de direitos constitucionalmente destinados aos cidadãos.
Mendes (2013, p. 1153) citando Kelsen, aduziu que a possibilidade de impor o dever de legislar ao Estado configuraria uma situação inadmissível. Em momento anterior, Jellinek, no intuito de formular uma requisição perante o legislador configuraria uma communis opinio. Alongando ainda mais o pensamento de Mendes, o mesmo apresenta que na Constituição de Weimar (1919) tal pretensão se mostrou descabida e absurda. De caráter notadamente positivista não se poderia esperar posicionamento diferente. Era ainda impossível intentar qualquer pretensão contra o legislador. Tal ideário estava assentado na plena liberdade legislativa e na convicção de que o legislador sempre atuava no interesse da coletividade.
Entretanto o referido papel foi alterado com a promulgação da Constituição de 1949, conhecida como Lei Fundamental. A premente necessidade de vincular o legislador aos direitos fundamentais ficou estampado no art. 1º, parágrafo 3º, e não satisfeita, a atuação se descambou por todo o texto. Dois anos após a doutrina alemã passou a admitir a interferência na atuação legislativa. Para se ter um exemplo, Mendes (2013, p. 1153), mencionando sobre o trabalho de Bachof, estampou a possibilidade de responsabilização do Estado face às omissões, tudo isso em razão da índole normativa. Isso tudo ficou caracterizado pela própria jurisprudência do Reichgericht. Aduziu ainda que Bachof defendia que seria impossível uma coerção para se redigir um texto normativo tendo em vista o princípio da Separação dos Poderes.
Nessa esteira de direito comparado, não seria de bom tom deixarmos de mencionar a Constituição que inspirou a nossa Carta Magna. A Constituição da República Portuguesa, datada de 1976 dispõe em seu artigo 283 a inconstitucionalidade por omissão.
Citação trazida por Cunha Jr. (2015, p. 335), vejamos:
“Artigo 283º
(Inconstitucionalidade por omissão)
1. A requerimento do Presidente da República, do Provedor de Justiça ou, com fundamento em violação de direitos das regiões autônomas, dos Presidentes das assembleias regionais, o Tribunal Constitucional aprecia e verifica o não cumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais.
2. Quando o Tribunal Constitucional verificar a existência de inconstitucionalidade por omissão, dará nisso conhecimento ao órgão legislativo competente”.
Não resta dúvidas que o empasse dos poderes e a necessidade de efetivação da norma constitucional se expande pelo mundo, não sendo um problema único da nossa Constituição cidadã. A partir de agora, após a apresentação do instituto de controle e a dissertação de todo o sistema de controle, passando ainda pela principiologia da separação dos poderes, adentraremos ao estudo dos procedimentos de apuração da omissão e os possíveis efeitos.
4.1 DOS EFEITOS E FINALIDADES DO CONTROLE DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO
A natureza da ação direta de inconstitucionalidade por omissão se baseia na mesma essência do controle por ação. É através dela que se instaura um procedimento objetivo e abstrato.
Para tanto foi elaborada a Lei 12.063 de 2009 que acrescentou à Lei 9.868 de 1999, o capítulo II-A, item que agregou ao já estabelecido regulamento normativo, tornando mais específico o controle de omissões. Desta forma, a Lei 9.868/99 passou a dispor sobre a ação direita de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e à ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Não obstante a lei posterior ter inovado e estabelecido um procedimento para apurar as omissões, ficou estabelecido um procedimento similar ao da ação direta, salvo as incompatibilidades que poderiam surgir tendo em vista que a finalidade se mostra distinta. Assim, o art. 12-E da Lei 9.868/99 estabelece que “Aplicam-se ao procedimento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, no que couber, as disposições constantes da Seção I do Capítulo II desta Lei”.
Quanto aos legitimados não houve nenhuma restrição dos já dispostos na Constituição Federal e isso foi reafirmado no texto normativo no seu art. 12-B, que afirmou que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade por omissão os mesmos legitimados para apresentar a ação direta de inconstitucionalidade ou à ação declaratória de constitucionalidade.
A finalidade do instituto se manteve intacta na regulamentação, algo que aliás já foi esposado, porém por excesso de cautela é válido reafirmar que a sua finalidade consubstancia na defesa do texto constitucional e na busca pela sua efetividade. Não se resume na busca por um direito subjetivo, muito pelo contrário, aqui se busca a consolidação do texto, a tutela da norma e a sua aplicação de forma completa.
Enfrentando águas turbulentas é quando se fala em medida cautelar em sede de controle de omissões. Em posição um tanto recente, a Corte Constitucional entendia que a missão da ADO seria dar ciência da mora ao poder competente e por essa razão se tornaria incompatível a medida cautelar.
Contudo, o entendimento baseado na jurisprudência foi superado pela edição da Lei 12.063/2012, onde se encontra tabulado no art. 12-F da Lei 9.868/99 a possibilidade de medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Assim lecionar Cunha Jr. (2015, p. 322):
“A medida cautelar poderá consistir na suspensão da aplicação da lei ou do ato normativo questionado, no caso de omissão parcial, bem como na suspensão de processos judiciais ou de procedimentos administrativos, ou ainda em outra providência a ser fixada pelo Tribunal. O relator, julgando indispensável, ouvirá o Procurador-Geral da República, no prazo de 3 (três) dias”.
Acrescentasse importante mencionar que o pedido de medida cautelar haverá a possibilidade de arguição oral, conforme estabelecido no regimento interno do Tribunal.
Vale citar o caso da ADO n. 23, que fora proposta pelos Estados da Bahia, Minas Gerais e Pernambuco, assim se referiu Mudrovitsch (2014, p. 121) sobre o caso:
“Em decisão monocrática proferida poucos dias depois, o Ministro Ricardo Lewandowski, exercendo interinamente a presidência do Supremo Tribunal Federal, deferiu parcialmente o pedido formulado pelo autores, permitindo que o repasse das verbas do Fundo de Participação dos Estados continuasse sendo realizada conforme as regras da Lei Complementar n. 62/1989, pelo prazo adicional de cento e cinquenta dias. O pedido formulado pelos autores da ADO foi o seguinte: ‘Desse modo, considerando-se que o art. 12-F, § 1º, da Lei 9.868/99 confere a essa Suprema corte competência para determinar qualquer providência que se revele necessária para assegurar a efetividade das decisões cautelares que profira em sede de ação direta por omissão, afigura-se devida a fixação de novo prazo para a atuação dos órgãos legislativos competentes, prorrogando-se, durante esse período, a vigência das normas declaradas inconstitucionais no julgamento das referidas ações diretas”. (Destaquei)
Por consectário lógico, o controle de inconstitucionalidade por omissão tem por parâmetro normas que carecem de efetivação, igualmente já afirmado acima. Com essa compreensão é possível entender que as normas que tem força de aplicação imediata não dependem de qualquer medida para serem efetivadas, podendo ser aplicadas de forma independente. Sendo assim apenas as normas de eficácia limitada poderia estar no rol do controle de inconstitucionalidade por omissão.
Com efeito, não devemos nos abster única e exclusivamente a ação imperativa do poder público que tem o potencial de violação. Sua abstenção que é o cume a ser alcançado.
Pode-se suscitar uma questão retórica, em qual momento surge a omissão? Cunha Jr. (2015, p. 326) citando Jorge Miranda menciona que a omissão ocorre no momento em que a norma regulamentadora de determinada situação ordena ao destinatário determinada prática, dentro das suas limitações, contudo o destinatário não obedece a ordem mandamental não a fazendo de imediato ou não a cumprindo em tempo útil. Com determinada ponderação é possível perceber que o elemento tempo se encontra umbilicalmente vinculado, pois é este que estabelece um juízo de omissividade.
Entretanto, como decorrência habitual, o elemento tempo não é estipulado de forma categórica, tendo a sua permanência no aspecto subjetivo. Nesse ponto surge o princípio da ponderação para avaliar fatores externos que atuam como prejudicial. Fatores esses que é a realidade social e histórica que se encontra o mundo do direito. Assim, balanceados os fatores de ponderação, percebe-se que ao longo do tempo não só podia ter criado a norma, mas também deveria ter sido avançada devido a indispensabilidade do direito. Com isso restará caracterizada a inconstitucionalidade por omissão. Por óbvio é de extrema cautela se avaliar o caso concreto, o tempo e a necessidade real.
Assim afirma Ferrari (1999, p. 227):
“(…) se não houvesse a definição de um limite temporal para a elaboração dos atos necessários à efetivação dos preceitos constitucionais, ‘haveria inteira liberdade por parte dos poderes constituídos na realização de atos integrativos, o que acabaria por tornar ineficazes as imposições constitucionais.”
Ultrapassando os aspectos de construção da teoria, agora se apresenta as modalidades de omissão inconstitucional. De acordo com as doutrinas pátrias existem diversos modelos de omissão, podendo ser elencados as omissões totais, parciais, formal, material, absoluta e relativa.
Tratando-se de omissão total não há que criar qualquer dificuldade de compreensão. Sua presença é percebida quando a omissão é apresentada em sua completude, não havendo qualquer indício de atuação do Poder Público.
Lado outro é demonstrado na omissão parcial. Sua identificação requer um pouco mais de aprimoramento, de observação do caso concreto. O lado complexo na omissão parcial se encontra no ponto em que dentro do problema existe uma ação positiva do Poder Público e por essa razão se faz um exame de equilíbrio. Geralmente esse evento ocorre quando se combate omissões relacionados ao princípio da igualdade, pois há sempre um embate entre grupos ou situações, e por derradeiro acaba-se esquecendo de outras pessoas. Com isso acaba sendo evidenciado a omissão parcial.
Para se corrigir as omissões parciais, o Tribunal confecciona as chamadas sentenças aditivas que tem a capacidade de determinar um tratamento para as categorias que se encontram em situação homogênea. Isso tudo poderia ser evitado caso houvesse uma maior observação do Poder Público quando editou determinado ato e por inobservância omitiu determinada categoria.
Países ao qual nos espelhamos, por exemplo a Alemanha, a opção dada entre optar pela declaração de inconstitucionalidade ou a extensão dos efeitos da norma para os casos não previstos, a posição adotada é sempre singular, pois se é declarado a inconstitucionalidade e definido o prazo para o legislador suprimir a omissão, estabelecendo assim a aclamada isonomia.
Digno ressaltar que o próprio Bundesverfassungsgericht reserva para si a competência de remoção direta caso a omissão persista mesmo após o exaurimento do prazo.
Quanto as omissões formal e material, a dúvida permanece apenas ao âmbito acadêmico, porém para este momento se faz interessante notar que o rigor aqui é apenas na terminologia. Essas expressões se equivalem ao tempo indicado acima como omissões parciais e omissões totais.
Para corroborar o que foi afirmado, vejamos as palavras de Cunha Jr. (2015, p. 331):
“Com efeito, quem faz essa distinção sustenta que a omissão inconstitucional pode derivar das seguintes situações: (a) quando o legislador não emana qualquer preceito a realizar as imposições constitucionais; (b) quando as leis de cumprimento das imposições favorecem certos grupos, esquecendo outros (é o chamado ‘não favorecimento arbitrário’), e (c) quando essas leis de execução excluem arbitrariamente alguns cidadão, total ou parcialmente, das vantagens concedidas a outros (é a chamada ‘exclusão inconstitucional de vantagens’). Na letra (a), temos a omissão total, aqui denominada de formal. Nas letras (b) e (c), temos a omissão parcial, aqui denominada material”.
Apresentando agora as omissões absolutas e relativas vê-se pequenos pontos de grande observação.
A omissão absoluta decorre de uma violação autônoma do Legislativo. O Poder Legislativo não recebe a faculdade de escolha, muito pelo contrário, a Constituição Federal estabelece a ele o dever de atuação e este se abstém por completo.
Lado outro, nas omissões relativas não se é possível notar uma clara exigência de atuação, caracterizando a omissão relativa apenas quando o Legislativo resolver atuar e por desídia acaba atingindo o princípio da igualdade. De forma curial, o princípio da igualdade já foi exaustivamente exemplificado aqui quando se tratou da omissão parcial. Dessa forma é possível perceber um tom de sinonímia entre os mesmos.
Para finalizar o tópico que buscou amarrar todas as arestas possíveis do controle de omissões, apresenta-se o que se pode nomear por omissões controláveis e a quem está submetido a passar por este olhar panóptico de controle.
É sempre importante e de bom tom afirmar que o intuito é sempre a efetivação do texto constitucional. Portanto, a todo o Poder Público existe um arrocho para se evitar qualquer negligência.
Na lição de Cunha Jr. (2015, p. 332), a medida de controle alcança qualquer órgão político do Estado, sendo o Congresso Nacional, Casas Legislativas, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores. Não obstante, o controle também incide sobre o Poder Executivo, a citar a Presidência da República, Governadores dos Estados e prefeituras municipais. Há também uma expansão para os órgãos do Poder Judiciário e demais Ministérios, Secretarias de Estado e Municipais. Por assim dizer, não é necessário um caráter normativo para se demonstrar a omissão inconstitucional, as omissões concretas também podem ser objeto do supracitado controle.
Por fim válido frisar que o Supremo Tribunal Federal, órgão competente para análise, entende que as omissões de atos concretos não são possíveis de serem apurados pela via concentrada e abstrata, contrariando o pensamento doutrinário. Sendo assim, para tais casos restaria a via oblíqua ou difusa e os remédios constitucionais.
Após ser solidificado toda a base teórica necessária para entender os institutos que envolvem o controle de omissões, pode-se dizer que é o momento de verticalizar e iniciar o mergulho para enfrentar o hard case que provocou a guerra virtual dos poderes da república.
4.2 HARD CASE – O JULGAMENTO DA ADO 3.682 MT
O hard case surgiu a partir do julgamento da ADO 3.682, publicada no diário oficial da União na data de 06/09/2007, proposta pela Assembleia Legislativa do Mato Grosso face à União e o Congresso Nacional diante a flagrante omissão aos dizeres estabelecidos no art. 18 da Carta Magna.
O conteúdo emblemático da ADO versa sobre a inobservância de edição de Lei Complementar pelo Congresso Nacional para a criação de municípios. Inconstitucionalidade apontada sem ressalvas.
Nessa ocasião o ministro relator, Gilmar Mendes, asseverou que:
“(…) apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em referência. As peculiaridades da atividade parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas, conduta esta que pode por em risco a própria ordem constitucional. A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade por omissão. A omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, acabou dando ensejo à conformação e à consolidação de estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na elaboração da lei complementar federal.”
Por desenrolar do julgado, eclodiu a partir desse voto um conflito digital, refiro ao método digital, pois não houve nenhum embate no mundo das coisas, ficando apenas nas conexões internas que consubstanciam o Estado, falando até um possível conflito microfísico. Surge agora o empasse na busca pela efetivação da Constituição e a clara omissão do Congresso Nacional da edição de uma lei complementar.
4.3 ACÓRDÃO PARADIGMA
Tomados as devidas notas, realizadas as referências cruciais para a análise das teses, recomendável é o recorte do acórdão que fecundou todo esse trabalho, sendo digno enaltecer a decisão exarada em momento oportuno e de forma audaciosa, vejamos a decisão:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. INATIVIDADE DO LEGISLADOR AO DEVER DE ELABORAR A LEI COMPLEMENTAR A QUE SE REFERE O § 4º DO ART. 18 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 15/1996. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
1. A Emenda Constitucional nº 15, que alterou a redação do § 4º do art. 18 da Constituição, foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados mais de 10 (dez) anos, não foi editada a lei complementar federal definidora do período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação, incorporação, desmembramento e fusão de municípios. Existência de notório lapso temporal a demonstrar a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco dever constitucional de legislar, decorrente do comando do art. 18, § 4o, da Constituição. 2. Apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em referência. As peculiaridades da atividade parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional. A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. 3. A omissão legislativa em relação à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, acabou dando ensejo à conformação e à consolidação de estados de inconstitucionalidade que não podem ser ignorados pelo legislador na elaboração da lei complementar federal. 4. Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão. Não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI nºs 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses municípios.” (STF – ADI: 3682 MT, Relator: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 09/05/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-096 DIVULG 05-09-2007 PUBLIC 06-09-2007 DJ 06-09-2007 PP-00037 EMENT VOL-02288-02 PP-00277).
Com esse exemplar, apresentado está o hard case enfrentado pela Suprema Corte Constitucional, onde, a partir de agora o presente trabalho buscará minudenciar as teses que rodearam esse julgado e o fim colimado. O intuito final será demonstra a flagrante falta de ética na decisão sancionadora da omissão e o desrespeito à força normativa da Constituição que sem sombra de dúvidas se mostrou atentada.
4.3.1 Teoria do apelo constitucional
Após a edição da ementa, a Corte Constitucional concedeu ao Poder competente o prazo de 18 (dezoito) meses para solucionar a omissão, prazo esse que deveria ser observado, pois caso fosse superado e não atendido o efeito provocador da decisão seria a retomada ao status quo, qual seja, o não reconhecimento da existência dos municípios criados.
Vejamos a ementa para elucidar:
“Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a presidência da Senhora Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por maioria de votos, rejeitar a preliminar de ilegitimidade ativa do Presidente da Assembleis do Estado do Mato Grosso e, por unanimidade de votos, julgar procedente a ação para reconhecer a mora do Congresso Nacional e, por maioria, estabelecer o prazo de 18 (dezoito) meses para que este adote todas as providências legislativas ao cumprimento da norma constitucional imposta pelo artigo 18, § 4º, da Constituição Federal, nos termos do voto do Relator (…).”
Nota-se claramente nesta ementa que a decisão fora tomada de forma unânime, decisão que seria descabida se não fosse feita nestas conformidades.
Com a decisão de caráter mandamental, o Supremo Tribunal Federal encaminhou a Câmara dos Deputados um ofício de nº 346/GP, oficiando o Presidente da câmara representativa do povo que não estava ocorrendo uma afronta ao princípio da separação dos poderes, sendo ali aplicado uma técnica de modulação de efeitos.
O mesmo caso ocorreu no Estado da Bahia com a edição da Lei Estadual 7.619/2000 que criou o município de Luís Eduardo Magalhães inobservado o primado do art. 18 da Constituição Federal. Sem sombra de dúvidas a inconstitucionalidade foi reconhecida.
Espelhado no Direito alemão, a técnica do apelo ao legislador surgiu para sanar as omissões legislativas. Referida técnica é compreendida quando se pode afirmar que a situação sobre análise ainda é constitucional, necessitando que o Poder Legislativo aplique medidas que objetivem um estado próximo de constitucionalidade. Essa técnica ainda prima em evitar um estado de anarquia jurídica, evitando um caos dentro do ordenamento. Sua validade se afigura no Estado Democrático de Direito, elencado no art. 1º da Constituição Federal.
Neste ínterim, o Controle de Constitucionalidade atua para concretizar os direitos e normas estabelecidas no texto magno e exigem uma ação para expurgar o estado de inconstitucionalidade. Após a declaração da mora do Congresso Nacional, mora esta que foi declarada com um prazo bem elastecido, ao Congresso Nacional caberia apenas adotar providências para cumprir o mandamento que não fora apenas estipulado pela Corte Constitucional, é uma norma que é autoaplicável e que se encontra no texto constitucional e que estava sendo ofendido.
É importantíssimo frisar que o ofício encaminhado ao Congresso Nacional não impunha um “dever” de legislar ou um prazo feroz de atuação. O Tribunal nas ADI’s de n.º 2.240, 3.316 e 3.689 também estipulou um prazo, sendo este um pouco maior, 24 (vinte quatro) meses para as leis estaduais continuarem vigendo enquanto aguardassem a edição normativa federal para convalidar a criação dos municípios. Nestas demandas se encontrava o município baiano de Luís Eduardo Magalhães que se encontrava em vias de inconstitucionalidade.
Uma ideia suscitada por doutrinadores seria a aplicação de forma análoga do art. 64 e seus parágrafos, da Constituição Federal, para trancar a pauta e assim não ter outra opção ao Congresso senão legislar e corrigir o vício.
Mesmo com o caráter mandamental da decisão, a latente ofensa ao texto-mór e o prazo amplo concedido, o Congresso Nacional não editou a lei complementar requerida pelo art. 18 da Constituição Federal.
4.3.2 A resposta exarada pelo congresso nacional
Indagado sobre o resultado e a repercussão que a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão de número 3.682, o Presidente da Câmara dos Deputados confeccionou o Ofício nº 1073/2008/SGM/P, datado de 02/09/2008, aduzindo não ter sido informado sobre a decisão que tornaria obrigatória a edição da legislação complementar. Aproveitou ainda o ensejo para noticiar que o comportamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal caracterizava uma ofensa ao princípio da Separação dos Poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal de 1988. É claro que citada ofensa só seria existente se a corte constitucional realmente quisesse impor a um outro poder o dever de legislar.
Em lado diametralmente oposto, a presidência do Supremo Tribunal Federal editou um ofício esclarecendo o equívoco do Poder Legislativo na interpretação da verdadeira intenção da Corte. O inteiro teor do acórdão fora encaminhado ao chefe do legislativo popular esclarecendo que não se tratava de uma imposição de atuação, mas apenas de uma estipulação prazal em tempo razoável.
Conforme retirado dos próprios autos do julgamento da ADO, apresenta-se o inteiro teor de despacho que ocasionou a remessa de ofício ao Congresso Nacional, demonstrando-se não ter havido nenhum excesso por parte do Supremo Tribunal Federal:
“DESPACHO: Tendo em vista o Ofício nº. 1073/2008/SGM/P (fl. 200), de 2 de setembro de 2008, oficie-se ao Presidente da Câmara dos Deputados, encaminhando o inteiro teor do acórdão de fls. 132-187 e esclarecendo ‘não se trata de impor um prazo para a atuação legislativa do Congresso Nacional, mas apenas da fixação de um parâmetro temporal razoável, tendo em vista o prazo de 24 meses determinado pelo Tribunal nas ADI nºs 2.240, 3.316, 3.489 e 3.689 para que as leis estaduais que criam municípios ou alteram seus limites territoriais continuem vigendo, até que a lei complementar federal seja promulgada contemplando as realidades desses municípios. Cumpra-se. Publique-se. Brasília, 10 de setembro de 2008. Presidente, Gilmar Mendes.”
Posteriormente o Congresso Nacional atuando de forma legítima, contudo, exercendo um posicionamento que nos remete a uma criação exógena, com um aspecto vil, fez uso de uma prerrogativa estabelecida no texto constitucional, no art. 60, e elaborou uma Emenda à Constituição para convalidar os atos de criação dos municípios que estavam sendo questionados perante o Supremo Tribunal Federal e negligencia o apelo feito pela corte para manter a Constituição expurgada de sordidez e manipulações.
Para se ter a breve noção, a Emenda à Constituição de nº 57, datada de 18/12/2008 tem a seguinte redação:
“As mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:
Art. 1º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte art. 96:
Art. 96. Ficam convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época de sua criação.”
O comportamento apresentado pelo Poder Legislativo demonstrou um flagrante atentado à Constituição. O instrumento utilizado para uma fuga tangencial foi o instituto da reforma constitucional, item que tem a sua existência consagrada no respeito aos valores postos na Carta.
Não há o que se levantar quanto ao comportamento do Congresso Legislativo, que atuou em sua total independência não se preocupando em desarmonizar o sistema jurídico, contudo no Supremo Tribunal Federal se encontra uma Ação Direta de Inconstitucionalidade aguardando julgamento que questiona a validade da referida emenda.
4.3.3 A força normativa da constituição e a necessidade de prevalência da decisão constitucional sobre inércia injustificados dos poderes que ocasionam a omissão
Atualmente percebe-se que o posicionamento adotado pelo Congresso Nacional foi totalmente antiético e atentatório à segurança jurídica. A latente ofensa ao Guardião e interprete da Constituição demonstrou uma ofensa ao próprio texto e desrespeito ao Poder Constituinte que construiu a presente Constituição Federal.
As decisões emanadas pela Corte em sede de controle concentrado são carreadas pela compreensão da ratio decidendi e por essa intelecção se faz necessário à sua adoção. Ensina Didier Jr. (2003, p. 233), que a ratio decidendi são fundamentos que enriquecem a decisão, uma opção hermenêutica estabelecida na sentença, sem a qual toda e qualquer decisão de controle de constitucionalidade estaria sem efetividade para uma integração normativa dentro do ordenamento, sendo assim a decisão não teria sido proferida como foi, pois trata-se da tese jurídica adotada.
Para agigantar ainda mais a errônea escolha adotada pelo Legislativo, possível e recomendado é a lembrança da Teoria da Força Normativa da Constituição. Em suas linhas de ensinamento a mesma traz uma ideia de aplicação uniforme e de posição superior do texto constitucional, devendo se respeitar os preceitos indicativos de segurança e estabilidade.
Neste diapasão Hesse (2002) bradou em palavras fortes que:
“A força normativa da Constituição não reside, tão-somente, na adaptação a uma dada realidade. A Constituição jurídica logra converte-se, ela mesma, em força ativa, que se assenta na natureza singula do presente (individuelle Beschaffenhheit der Gegenwart). Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos principais responsáveis pela ordem constitucional -, não só a vontade de poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur Verfassung).” (Destaquei)
Cunha Jr. (2008, p. 298), alerta ainda que a colenda corte vem encampando novas técnicas e estas foram apresentadas no julgamento de omissão legislativa. Reconhecidas no controle de constitucionalidade, a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto e sem pronúncia de nulidade reverbera ainda mais a obsolescência da medida adotada pelo órgão legiferante.
Versando sobre o tema o sempre aplaudido Afonso da Silva (2014, p. 50) alertou que a Constituição deu um gigantesco passo, porém em uma espécie de orientação doutrinária já induz o movimento constitucionalista a tomar um novo comportamento, comportamento que é representado na posição de reconhecer que o Poder Legislativo não estaria obrigado a legislar a matéria apontada pelo Supremo Tribunal Federal, todavia, isso não impediria que o acórdão que acentuou a omissão inconstitucional já tivesse uma amplitude para dispor sobre a normatividade, fazendo com que a matéria questionada fosse suprimida enquanto não viesse algum comportamento legislativo. Desta feita estaria conciliado o princípio político da autonomia do legislador e a necessidade do efetivo cumprimento do texto constitucional.
Advogando ainda mais pela tese que foi encampada pela Corte Constitucional, percebe-se claramente que a decisão foi materializada pelos princípios da confiança, da situação excepcional consolidada e da segurança jurídica.
Cunha Jr. (2015, p. 440) articula que:
“Tudo isso só torna evidente que não é coerente nem factível a manutenção de Poderes independentes e harmônicos dentro de uma estrutura rígida de funções. As funções estatais, como demonstrado, longe estão de ser exclusivas do Poder respectivo. A separação absoluta entre os Poderes não é só impossível – haja vista a unidade do Poder político e a tarefa comum a todos – mas também indesejada, de tal modo que distante de uma separação de Poderes, o que tem, deveras, é uma verdadeira coordenação ou colaboração ou co-participação entre os Poderes em certas tarefas, onde um Poder participa, de forma limitada e secundária, da função de outro, que a conserva sua, ensejando um funcionamento harmônico ou uma colaboração recíproca, embora independente, na tarefa comum, tendo como objetivo o equilíbrio político, a limitação do Poder e, em consequência a proteção da liberdade e a melhor realização do bem comum.”
O princípio da confiança, tendo como titular Karl Larenz, representa uma engrenagem ética jurídica, algo que é possível ser expressado dentro do princípio da boa-fé, princípio este que foi claramente desacatado pelo Congresso Nacional. Ferir a boa-fé constitucional é um ferimento de morte que abala a segurança jurídica, pois quebra o ideário que o intérprete da constituição apresenta e reconstrói de maneira oscilante o Poder Constituinte.
Além do mais, há o princípio da situação excepcional consolidada, matiz que não é reconhecido pelo direito, porém acobertada pela força normativa dos fatos se justifica pela inércia legiferante e a negativa em editar uma lei complementar que tivesse o condão de sanar o vício que tornava determianados municípios inconstitucionais. A não atuação dentro do prazo estipulado demonstrou a violação à ordem constitucional.
Há que se mencionar também na defesa da efetividade da decisão tomada no acórdão de Controle de Constitucionalidade por Omissão a aplicação da Teoria Concretista Geral que, em sede difusa e por remédio constitucional (MI’s 670, 708 e 712) ampliou os efeitos das decisões exaradas pelo Supremo Tribunal Federal mesmo diante da inércia legislativa. Tal comportamento evidenciou um ativismo judicial benéfico.
O não estabelecimento de uma coerção para o caso de descumprimento acaba gerando situações que degradam a constituição, assim como esta que está sendo abordada. Desta forma a decisão tomada pelo Supremo e o descumprimento do prazo estipulado pelo Congresso Nacional não caracteriza nada, representando apenas uma valia política.
Barroso (2012, p. 295) expressa:
“Apenas se pode dizer que, decorrido o prazo sem atuação do Poder omisso, restará caracterizado, com intensidade ainda maior, o desrespeito à decisão do STF. Em última instância, a decisão do STF reconhece, com definitividade jurídica, que outro Poder está violando a Constituição de forma reiterada. Isso deveria bastar para criar um ambiente político em que a manutenção da inércia fosse insustentável.”
Seguindo os passos de Barroso (2012, p. 297), não é oponível ao Supremo Tribunal Federal seguir o balizamento teórico que traz a solução aplicada nos Mandados de Injunção. Em voto vencedor proferido em decisão datada de 2010, o Ministro Gilmar Mendes suscitou este ideário de forma expressa em seu voto tendo como referência os avanços alcançados nos Mandados de Injunção elencado logo acima e o objeto não foi questionado pelo demais ministros. Surge nesse ponto uma possibilidade de o tribunal começar a adotar medidas aplicadas nas decisões aditivas.
Citando Mendes (2013, p. 1171), encontra-se a seguinte narrativa:
“O Supremo Tribunal Federal deixou assente, na decisão proferida no Mandado de Injunção n. 107, da relatoria do Ministro Moreira Alves, que a Corte deve limitar-se, nesses processos, a declarar a configuração da omissão inconstitucional, determinando, assim que o legislador empreenda a colmatação da lacuna. Tal como a decisão proferida na ação direta por omissão, a decisão tem, para o legislador, caráter, obrigatório. Ambos os instrumentos buscam a expedição de uma ordem judicial ao legislador, configurando o chamado Anordnungsklagerecht (‘ação mandamental’) de que falava Goldshmidt.” (Destaquei)
Alongando ainda mais a defesa do Controle de Inconstitucionalidade por Omissão, Cunha Jr. (2015, p. 337) acentua que a intenção do controle sempre foi realizar, na plenitude, a vontade do constituinte e mencionando Temer, afirma que a simples informação da omissão não traz nenhuma garantia e deixa a Constituição desamparada. Assim, já se poderia cogitar em outros meios alternativos, a exemplo, alçar o controle para instituir responsabilizações pelas omissões recalcitrantes. Porém não é esquecido que o mais importante não é atribuir responsabilidade do Estado, mas sim a efetividade da Constituição e sua plenitude normativa.
Entendendo que a separação dos poderes é um princípio concreto, obtém-se que ele não está sozinho. É mais um princípio que se articula com inúmeros outros para ressoar no mundo real. Para se ter um exemplo é citado o princípio da dignidade da pessoa humana, a aplicabilidade das normas definidoras dos direitos fundamentais, a uniformidade dos atos estatais e a inafastabilidade do crivo do controle judicial.
Cunha Jr. (2015, p. 442) discorre que:
“Relativamente à Constituição brasileira, destaca-se a necessidade de uma renovada compreensão a respeito do princípio da separação, pressionada pelo fim marcadamente dirigente da nossa Fundamental Law, que configura um Estado Social do Bem-Estar, que trouxe significativas transformações sociais, onde os direitos fundamentais, sobretudo os sociais, são considerados os pilares ético-jurídicos-políticos da organização do Estado, do Poder e da Sociedade, servindo de parâmetro ou vetores guias para a interpretação dos fenômenos jurídico-constitucionais.”
Ainda citando o aplaudido professor Cunha Jr. (2015, p. 336) o mesmo defende que seria um plus que seria aplicado na interpretação literal do art. 103, § 2º da Constituição Federal. Isso ocasionaria ao Poder Judiciário, na hipótese de índole normativa, a competência provisória para dispor normativamente sobre a matéria não regulamentada. Válido frisar que o mesmo doutrinador adverte que referida atuação seria provisória, porém com efeitos gerais (erga omnes) e se estenderia enquanto não houvesse a retomada normativa pelo poder competente omisso. Apresenta-se com o nome de efeito solução, dando como uma alternativa para solucionar os problemas da não efetividade e a inércia do poder público. Por medida de segurança o mesmo acentua que esse posicionamento não tornaria vulnerável o princípio da separação dos poderes, sendo que seguindo essa linha de raciocínio haveria a conciliação do princípio da autonomia do legislador e o princípio da prevalência da Constituição, que ocasionaria a máxima desejada, o efetivo cumprimento das normas constitucionais.
Com clareza solar recomenda-se a seguinte afirmação, Cunha Jr. (2015, p. 337):
“Estar se ia, portanto, satisfazendo o princípio da supremacia e efetividade da Constituição sem violar a tão invocada liberdade política de legislar do Poder Legislativo. Sim, porque o Poder Judiciário não obrigaria o Poder Legislativo a legislar. Este não perderia, por conseguinte, a sua autonomia. O Poder Judiciário apenas estaria fazendo cumprir a vontadade constituinte, vale dizer, realizando, na sua plenitude, a vontade constituinte, concretizando o preceito constitucional carente de regulamentação”. (Destaquei)
A atuação suplementar do Poder Judiciário que disporia sobre a matéria originalmente estabelecida a outro órgão que por faculdade optou pela inércia, garantia a efetividade às normas constitucionais. Traduziria na realização do supremo direito fundamental. Não haveria qualquer óbice ou violação ao equilíbrio dos poderes. O Judiciário atuaria somente na omissão e de forma supletiva e não definitiva com competência originária. Seu intuito exclusivo seria a regulamentação faltante para tornar-se uma decisão válida.
Fazendo uso de um caso similar que também foi concedido ao poder legislativo um prazo para legislar, e que mesmo assim, não houve sucesso na concessão do prazo, Mudrovitsch (2014, p. 117) comentou:
“Durante o extenso prazo estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal para que a norma inconstitucional vigorasse, não foi possível alcançar, no âmbito do Congresso Nacional, consenso relacionado à criação de nova forma de rateio do fundo constitucional. Encerrado o prazo de vigência da norma declarada inconstitucional, o resultado foi um constrangedor manifesto subscrito por membros do Senado, intitulado Uma nova presidência e um novo rumo para o Senado. O documento destaca a percepção de parte relevante dos integrantes do Senado de que ‘nos últimos anos o Parlamento tem sido um poder menor’ na democracia brasileira. Três fatores principal são apontados para fundamentar esse diagnóstico: (a) a submissão do Parlamento às medidas provisórias, que estariam sendo utilizadas ‘em assuntos sem emergência’ e aprovadas ‘sem debate e em prazos vergonhosamente curtos’; (b) a ‘judicialização da política, com a clara intervenção da Justiça, impondo legislações e contestando decisões tomadas no Parlamento, muitas das vezes respondendo a iniciativas dos próprios parlamentares descontentes com o resultado das votações’; e (c) o comportamento ineficiente dos próprios integrantes das Casas Legislativas”. (Destaquei)
No direito comparado é notável o posicionamento dos países como a Alemanha, Itália e Espanha. As respectivas Cortes Constitucionais destes países têm logrado inúmeros resultado positivos sobre as técnicas de interpretação e integração. O resultado não poderia ser outro, senão o surgimento de sentenças aditivas e criativas. Neste ritmo, os Tribunais Constitucionais têm se posicionado de maneira que sempre se busca concretizar as suas decisões. Os precedentes do Bundesverfassungsgericht, como um breve exemplo, estão agindo na posição de dar eficácia real aos preceitos constitucionais por causa da aclamada técnica da concretização (Konkretisierung), nas hipóteses de omissão.
Com esse posicionamento, as preocupações elencadas por Bonavides (2010) no sentido de prever a não oficiosidade do controle de omissões:
“Em virtude do volume e extensão da matéria programática inserida na Constituição, aquela garantia, formulada para conferir juridicidade e normatividade fática às regras constitucionais respectivas, se acaso malograr, será indubitavelmente em futuro não longínquo um fator desestabilizante da própria ordem constitucional e do Estado social que ela buscou estabelecer e resguarda”.
Mantendo o desenvolvimento defensivo do Controle de Omissões, não restaria dúvidas em reafirmar que a solução crucial e cataclísmica mais uma vez se apresenta em aceitar e incorporar definitivamente no ordenamento jurídico brasileiro a questão de ter vontade de Constituição (Wille Zur Verfassung), o qual é trabalhada com mãos delicadas e repleta de sensatez pelo jurista Konrad Hesse. Caso contrário, A Constituição e todo o ordenamento jurídico acabaria se tornado reféns dos mandos e desmandos legislativos.
É suplicante afirmar que para se obter a máxima do Estado do Bem-Estar-Social, deverá não só a Corte Constitucional, mas também os movimentos políticos encamparem a ideia de que é viável para a potencialização do texto uma releitura sobre o mandamento até então inquestionável da separação dos poderes.
O que se busca aqui é evitar o famigerado efeito paralisante e conceder uma resposta aos cidadãos que depositam na Carta Constitucional a chance de mudança, pois já está claro que a teoria clássica dos poderes não mais se coaduna com o movimento constitucional que se impera e, até mesmo esse movimento, já se encontra em vias de superação pelo neoconstitucionalismo ou pós-positivismo.
Assente afirmar que a medida adotada pelo Poder Judiciário ao suplementar uma norma ao qual necessita de complemento é inteiramente superior ao entendimento positivista e radical da declaração de nulidade. Claramente se mostraria algo radical criar dentro do ordenamento jurídico um vácuo de incertezas e apontaria para o já comentado caos jurídico.
5 O ATUAL POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Não acordando com o posicionamento doutrinário e fazendo uso de uma simples interpretação constitucional positivista, a Suprema Corte vem refutando o entendimento sobre a integração e adição das normas no controle concentrado de omissões.
Recentemente a Corte se posicionou de maneira diversa do que foi até aqui esposado. Citado por Cunha Jr. (2015, p. 339) “(…) na pena do Min. Celso de Mello, não ‘assiste ao Supremo Tribunal Federal, em face dos próprios limites fixados pela Carta Política em tema de inconstitucionalidade por omissão (CF, Art. 103, §2º), a prerrogativa de expedir provimentos normativos com o objetivo de suprir a inatividade do órgão legislativo inadimplente”.
Compreendendo o que acima foi exposto, caberia ao órgão judiciário apenas cientificar o órgão legislador inadimplente. Após isso, aquele deveria aguardar que o mesmo adotasse as medidas necessárias para concretizar o texto.
Ressalte-se que em determinados casos concretos, a Corte Constitucional ressaltou que a ela caberia unicamente o dever de notificação. Vejamos:
“EMENTA: Criação do Município de Pinto Bandeira/RS. Ação julgada prejudicada pela edição superveniente da EC 57/2008. Alegação de contrariedade À EC 15/96 (…). Com o advento da EC 57/2008, foram convalidados os atos de criação de Municípios cuja lei tenha sido publicada até 31.12.2006, atendidos os requisitos na legislação do respectivo estado à época de sua criação. A Lei 11.375/99 foi publicada nos termos do art. 9º da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, alterado pela EC 20/97, pelo que a criação do Município de Pinto Bandeira foi convalidada” (ADI 2.381-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 24.03.2011, Plenário, DJE de 11.04.2011).
A posição do STF na matéria, diversas veze reiterada, vem sintetizada no DJU, 20 set. 1996, ADInMC 1.458-DF, rel. Min. Celso de Mello: “A procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do estado de inércia do Poder Público, confere ao STF, unicamente, o poder de cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional. Não assiste ao STF, contudo, em face dos próprios limites fixado pela Carta Política em tem de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º), a prerrogativa de expedir provimentos normativos com o objetivo de suprir a inatividade do próprio órgão legislativo inadimplente”; e tb. DJU, 19 maio 1995, p. 13990, ADInMC 267-DF, rel. Min. Celso de Mello: ‘ O reconhecimento dessa possibilidade implicaria transformar o STF, no plano do controle concentrado de constitucionalidade, em legislador positivo, condição que ele próprio se tem recusado a exercer’. “
Aqui é importante frisar que embora a Corte Constitucional tenha apontado para o posicionamento de não interferir na elaboração, não fazer o papel positivo dentro do departamento de inovação, é logo notável que determinados precedentes estão se tornando ultrapassados pelos efeitos do tempo.
De qualquer maneira a Corte Constitucional sempre vem enfrentando o tema da separação dos poderes. Vejamos a citação de J. J. Gomes Canotilho et al (2013, p. 146):
“(…) o tema separação de poderes é sempre presente em todas as decisões jurisdicionais, haja vista que qualquer julgado expõe ou pontua uma posição sobre a matéria. Me tantos julgamentos, a questão parece ne se colocar, pois considerada induvidosa ou evidente a legitimidade do poder judiciário. Fica imanente, subentendida. Em outros, por diversas circunstâncias fáticas e/ou normativas, a questão vem à tona vigorosamente, irrompe com ares dramáticos, é tomada como de grave complicação, e parece se tornar o principal problema, antecedendo à própria aferição do mérito. É, todavia, aparência enganosa. O posicionamento acerca da separação de poderes, quando se vai afirmar o judiciário com atribuição ou não para a deliberação ou em que termos o julgado deve se dar, bem como o deslinde de conflito entre os demais poderes, exige, por indeclinável, juízo sobre o mérito. A assertiva de que não cabe ao judiciário investigar ou resolver o caso levado até ele, em razão a não afrontar a separação de poderes, é consequente de uma avaliação (prévia) acerca da hipótese e, é claro, de uma conceituação do princípio em pauta. “
O fenótipo jurídico tem apontado para uma maior atuação do Supremo Tribunal Federal na busca pela efetivação do texto, todavia ainda não se pode afirmar com exatidão que a Corte já mudou o seu posicionamento de forma definitiva.
Certeza é que, fenômenos reputados como inadmissíveis dentro do nosso ordenamento, tal como a mutação constitucional, o ativismo judicial benéfico e restrito, que antes eram apedrejados, agora estão sendo lançados como flechas de longo alcance. São verdadeiros estandartes para o neoconstitucionalismo e a assunção do Supremo Tribunal Federal como inquestionável Corte Constitucional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A literalidade do § 2º do art. 103 tem apresentado ao Supremo Tribunal um sentido de que não é possível se tornar um legislador positivo. Pensamento este que tem levado a ação direta de inconstitucionalidade por omissão a um remédio desprovido de efeitos e de eficácia. Seu uso tem sido tolhido pela restritiva interpretação que lhe vem sendo dada.
Pensamos que se cada poderio estatal, Executivo, Legislativo e Judiciário, atuasse de forma exclusiva e dentro de suas limitações, não permitindo uma integração, o trabalho coletivo, ocasionaria uma temida continetalização da constituição, deixando-a distante dos seus preceitos de interesse participativo.
Mudrovitsch (2014, p. 105) menciona que:
“A partir do detalhamento da releitura das teorias do discurso e dos sistemas proposta por Neves, é fácil perceber que seu diagnóstico a respeito da ausência de arenas de dissenso moral na sociedade civil brasileira traduz a conclusão de que não há: (a) efetivos canais de comunicação entre as opiniões políticas próprias da sociedade brasileira e as decisões tomadas no âmbito do Parlamento e dos Tribunais; (b) efetivas opiniões políticas próprias da sociedade civil brasileira; e (c) real abertura cognitiva dos procedimentos judicial, executivo e legislativo em relação ao mundo da vida e aos anseios das associações não estatais e não econômicas que integram a sociedade civil.”
Restringindo apenas na essência da ofensa moral e política, as omissões legislativas tendem a se tornar gritantes e extremamente temerárias. A menor valia das ciências jurídicas diante das certezas dos jurisconsultos da contemporaneidade acabam por gestarem um futuro próximo desestabilizado.
A Ação de Inconstitucionalidade por Omissão vem se tornando um objeto morto na estante das garantias estabelecidas dentro de um Estado Democrático de Direito, tudo isso em prol de um respeito superficial e repulsivo a uma independência de poderes. Até quando a justificativa da não invasão de poderes vai superar a necessidade de Constituição?
Não há porque se sentir isolado ao pensar que o princípio da separação de poderes é algo inatingível, pois o Supremo Tribunal Federal ao longo dos anos e de maneira paulatina vem superando e moldando uma compreensão moderna para o referido princípio. Tudo isso pode desaguar na real e palpável expectativa de se ter em mãos a factível harmonia de poderes respeitada as necessárias independências.
Cunha Jr. (2015, p. 441) citando Meirelles Teixeira:
“Órgãos legislativo deverão participar, muitas das vezes, de funções e atos executivos, e reciprocamente; e atos de natureza judiciária serão, excepcionalmente, distribuídos à competência de órgãos legislativos e executivo; e reciprocamente, atos e funções de natureza legislativa e executiva poderão, excepcionalmente, ser atribuídos ao Poder Judiciário”.
Mudrovitsch (2014, p. 131):
“(…) apenas demonstrar patologia democrática relevante brasileira, cujo enfrentamento pelo direito constitucional inquestionavelmente demanda o reforjamento da análise jurídica como instrumento de experimentalismo e o desentrincheiramento da jurisdição constitucional.”
Bebendo mais uma vez dos ensinamentos de Canotilho et al (2013, p. 146):
“Como se percebe, a separação de poderes abarca diversos desenhos. Varia se em sistema presidencialista ou parlamentarista, bem como dentro de cada qual. Sem prejuízo dos seus muitos padrões, o princípio da separação de poderes se consolida como um princípio geral do Direito Constitucional, postulado básico e aglutinador da Teoria da Constituição, evocado sempre a responder aos desafios da atualidade. Vai, assim, se reorganizando, ensejando leituras sucessivas, se renovando”.
Uma boa oportunidade para se aproximar do sonhado parágrafo superior foi superada quando o Congresso Nacional optou por tomar uma atitude, válido frisar que foi dentro dos limites constitucionais, embora tramite um ADI sobre o tema, que ao invés de seguir a vontade da Constituição e efetivar a sua força normativa, preferiu agir de forma despótica e isolada ao criar uma Emenda à Constituição. Não se pode negar que a omissão fora sanada, porém o caminho adotado não se mostrou ético e dentro dos princípios da boa fé e da Força Normativa da Constituição. Em épocas de instabilidade política, tem-se que afirmar que todos os comportamentos devem ser balizados nos princípios correlacionados à integração.
Ensina Cunha Jr. (2015, p. 340) que:
“Nunca é tarde para mudar: Somente a partir de uma revisão crítica de sua própria orientação, poderá o Supremo Tribunal Federal transformar a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, de sua atual posição de simples peça figurativa integrante de uma ordenação constitucional fragilizada, em efetivo instrumento de controle da constitucionalidade das omissões do poder público com fins verdadeiramente garantísticos em um sistema constitucional de normatividade plena, integral e eficaz”.
Assente ao que foi apresentado, não mais resta dúvidas que o velho já está em vias de fato de ser substituído pelo novo. Clarividente é que não se trata de uma simplória e fortuita substituição, sem haver no mínima uma base teórica que justifique.
As concepções que tratam sobre o princípio da separação dos poderes já se encontram em vias obsoletas, pois, em sua grande maioria, os doutrinadores constitucionais não a vem mais como algo isolado. Sua potencialidade foi misturada com outros institutos para a obtenção de um extrato mais equânime.
Aquele temor que décadas passadas corriam aos ouvidos dos filósofos não existe mais, o absolutismo não mais consegue se desenvolver sobre a democracia moderna.
Posta uma pá de cal sobre o controle monocrático de um Estado de Direito, é necessário dizer com letras garrafais que o um Estado Democrático de Direito requer um convívio não apenas harmônico, deve-se haver uma integração máxima de efetividade. Mesmo que a duras penas isso possa custar alguns conflitos internos de legiferência e de autonomia jurisdicional, sabemos que a revolução copernicana do Direito Constitucional não foi à toa, ela trouxe inúmeras benevolências que hoje são concretizadas em prol do cidadão, algo até então inimaginável em contexto prático. Graças ao neoconstitucionalismo temos uma aplicação máxima do que se pode entender por direitos e garantias e, mesmo assim, ainda é possível frisar não a temos como uma plenitude.
Por conta disso, a força normativa da constituição não pode ser sopesada diante de conflitos de poderes. Choques sempre haverá no mundo teórico, porém requer um respeito acima de tudo ao que está posto no texto magno e nos seus desdobramentos interpretativos. A exegese do Direito Constitucional não é apenas um ponto de respeito, é uma máxima de respeito. As decisões que partem dela não são apenas mandamentos morais, são emanações de uma organização jurídica institucional dentro de um Estado Democrático de Direito.
Desta feita, já está na hora de começarmos a efetivar a Constituição Federal em sua integralidade, retirando do texto todo o seu potencial e à aplicando de forma que a cada para do feixe cidadania possa ser atingido. Temos um instrumento que é capaz de efetivar o que até aqui fora esposado, basta-nos colocar no Controle de Constitucionalidade por Omissões a carga valorativa necessária para ampliar o seu âmago.
De forma não repetitiva, o Controle de Constitucionalidade tem dois aspectos de reflexo preponderantemente sociais. Um deles diz respeito a efetivação dos direitos e garantias dispostos ao longo do texto, podendo-se alcançar através do controle de omissões. Outro lado de que apresenta proporção equivalente é a sua finalidade de proteção ao texto constitucional que não pode ser relegada e a sua luta pela manutenção da uniformidade no sistema jurídico. Tal instrumento é de uso indispensável para as cortes constitucionais por todo o mundo.
Ante o que tudo aqui foi exposto, resta-nos crer no avanço da jurisprudência constitucional e na opção pela maximização da efetividade do Controle Concentrado de Inconstitucionalidades por Omissão.
Pós-graduado em Direito Público Pós-graduando em Administração Pública e Gerência de Cidades. Advogado
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