Numa democracia, controles externos sempre são salutares; o que normalmente provoca maior polêmica é a forma de exercitar o controle. O controle externo faz parte da própria harmonia dos Poderes, inserindo-se no sistema de freios e contrapesos.
Pela natureza eletiva dos cargos do Poder Executivo e do Poder Legislativo, o povo exerce diretamente um controle sobre os agentes desses Poderes. Sobre o Judiciário, entretanto, e também sobre o Ministério Público (que exercita uma parcela da soberania do Estado, na qualidade de dominus litis), não existe qualquer controle eletivo da população sobre seus integrantes. Por esse motivo, durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte de 1988, houve uma séria tentativa de criar-se um Conselho Nacional de Justiça e do Ministério Público, como forma de impor controle externo sobre essas instituições, e foi somente por questão de poucos votos que essa forma de controle externo não foi aprovada desde então.
Apesar de não ter sido criado esse Conselho já pelo Poder Constituinte originário, a verdade é que havia controles externos sobre Ministério Público e Magistratura mesmo antes da promulgação da Emenda Constitucional (EC) n. 45/2004 (que instituiu a chamada Reforma do Judiciário). Essa emenda criou o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), mas o certo é que, bem antes dela, podemos demonstrar que havia um sistema de controles externos sobre essas instituições. Por ora, cuidemos apenas de demonstrar nossa assertiva, no tocante ao Ministério Público: a) a atividade funcional do Procurador-Geral submete-se a controle externo no processo de investidura, de impeachment ou de destituição;[1] b) no concurso de ingresso, há a salutar participação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB);[2] c) a Constituição Federal (CF) tempera a privatividade da ação penal pública com a ação penal subsidiária por parte da vítima ou sucessores, para contraste da inércia ministerial;[3] d) sua legitimidade nunca exclusiva para as ações civis públicas permite controle de sua omissão por outros órgãos governamentais, pelas associações civis[4] e até pelo cidadão, por meio da ação popular;[5] e) nos atos da sua atividade fim, junto ao Poder Judiciário, a atuação ministerial é contrastada pelas partes e seus procuradores e pelas autoridades jurisdicionais; f) nos atos de sua atividade meio, recebe controle orçamentário dos Tribunais de Contas e do Poder Legislativo; g) os cidadãos podem promover responsabilidades dos membros do Ministério Público por meio da ação popular;[6] h) há controle recíproco entre concorrente em diversas ações[7], podendo o Ministério Público Federal, par a par com o dos Estados, em alguns casos, interpor recurso extraordinário das decisões da Justiça dos Estados[8].
Assim como ocorria sobre o Poder Judiciário ou quaisquer Poderes ou instituições do Estado, também sobre o Ministério Público deveria existir alguma forma de controle externo, não para cercear a independência e a liberdade funcional da instituição e de seus agentes, mas para assegurar que esses prestassem contas ao Poder Legislativo, à imprensa e à coletividade não só sobre o exercício de suas atividades-fim mas também sobre o exercício de suas atividades-meio. Afinal, a Constituição supõe publicidade e transparência nas atividades dos órgãos públicos, só obstada em casos excepcionais, em que da divulgação da providência possa resultar prejuízo à coletividade[9].
A Reforma do Judiciário (EC n. 45/2004) criou, à semelhança do Conselho Nacional de Justiça, o CNMP (art. 130-A). Sob o ponto de vista acadêmico, parece-nos inadequado que o Poder Constituinte derivado tenha criado essas limitações a um Poder de Estado, o que seria mais próprio para o Poder Constituinte originário[10]; entretanto o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, admitiu a constitucionalidade dessa inovação (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.367)…
Quanto ao CNMP, cumpre notar que, por força da EC n. 45/2004, será ele composto por 14 membros, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo: a) o Procurador-Geral da República, que o preside; b) 4 membros do Ministério Público da União, assegurada a representação de cada uma de suas carreiras; c) 3 membros do Ministério Público dos Estados; d) 2 Juízes, indicados um pelo STF e outro pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ); e) 2 advogados, indicados pelo Conselho Federal da OAB; f) 2 cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado.
Note-se, prima facie, a gritante desproporção entre os membros do Ministério Público da União (5, aí incluído o Procurador-Geral da República) e os membros dos Ministérios Públicos dos Estados-membros (3), desfigurando-se, ainda mais, nossa já débil federação.
Os membros do CNMP, oriundos do Ministério Público, serão indicados pela respectiva instituição a que pertençam, na forma da lei[11].
Compete ao CNMP o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, cabendo-lhe, ainda: a) zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; b) zelar pela observância do art. 37 da CF e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público da União e dos Estados, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dos Tribunais de Contas; c) receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público da União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da competência disciplinar e correcional da instituição, podendo avocar processos disciplinares em curso, determinar a remoção, disponibilidade ou aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; d) rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de membros do Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de um ano; e) elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a situação do Ministério Público no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar a mensagem presidencial prevista no art. 84, XI, da CF.
O Conselho escolherá, em votação secreta, um Corregedor nacional, entre os membros do Ministério Público que o integrem, vedada a recondução, competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pela lei, as seguintes: a) receber reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos membros do Ministério Público e aos seus serviços auxiliares; b) exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e correição geral; c) requisitar e designar membros do Ministério Público, delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de órgãos do Ministério Público.[12]
O CNMP será regulamentado em lei[13]. Essa lei deverá ter natureza complementar, pois dirá respeito à organização do Ministério Público.
Ainda segundo a EC n. 45/2004 (Reforma do Judiciário), leis da União e dos Estados criarão ouvidorias do Ministério Público, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Ministério Público, inclusive contra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao CNMP.
Procurador de Justiça aposentado. Foi Presidente da Associação Paulista do Ministério Público e integrou o órgão especial do Colégio de Procuradores e o Conselho Superior do Ministério Público.
Atuou como membro da Comissão de Concurso de Ingresso à Carreira do Ministério Público do Estado de São Paulo e da Comissão de Concurso de Ingresso à Carreira Inicial do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.
É Professor no Complexo Jurídico Damásio de Jesus e autor de inúmeros livros e diversos artigos jurídicos.
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