O dano moral no direito previdenciário em decorrência da aplicabilidade da responsabilidade civil do Estado

Resumo: Artigo que tem finalidade de analisar o dano moral, bem como a sua relação e aplicabilidade no Direito Previdenciário por meio dos elementos da responsabilidade civil do Estado. Será abordado, também, o direito dos segurados e dos dependentes à reparação do dano moral previdenciário, assim como a posição jurisprudencial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. 

Palavras-chave: Dano Moral. Responsabilidade Civil. Benefícios.

Abstract: Article that has the purpose of analyzing the moral damage, as well as its relation and applicability in the social security law through the elements of the civil responsibilities of the state. It will also be addressed the right of the insured persons and their dependents to repair the social security damage, as well as the case law position of the Federal Regional Court of the 3º Region.

Keywords: Moral damage. Civil responsability. Benefits.

Sumário: Introdução. 1. Dano moral. 2. Quantificação da indenização do dano moral. 3. Responsabilidade civil do Estado. 4. Dano moral previdenciário e a Jurisprudência no Tribunal Regional Federal da 3ª Região. 5. Conclusão.

Introdução

O dano moral, tema bastante difundido na esfera cível, atualmente está em desenvolvimento e em franco debate na seara previdenciária, devido há inúmeros desacertos nos serviços prestados no âmbito da Administração Pública Previdenciária.

O objetivo deste trabalho visa relacionar o dano moral com o Direito Previdenciário e demonstrar que é possível, viável e legítimo, a indenização quando se tem algum direito previdenciário lesado.

Neste contexto, será explorado o dano moral e a responsabilidade civil do Estado no dano moral previdenciário.

A metodologia de pesquisa utilizada foi estudo jurídico da legislação; doutrinas; jurisprudências; trabalhos acadêmicos, entre outros meios permitidos para melhor compreensão do assunto abordado.

Pretende-se demonstrar que as falhas cometidas pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS na atividade administrativa de concessão de benefícios sem respeitar as regras e os princípios básicos, que regem a prestação de serviço pela Administração Pública, provocam grandes impactos aos cidadãos que necessitam desses serviços.

Portanto, não se deve admitir que as práticas realizadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social prejudiquem os segurados e dependentes sem a devida reparação de seus atos. 

1. Dano Moral

O patrimônio de uma pessoa se constitui de elementos materiais e imateriais. O aspecto imaterial foi acrescentado após o Princípio da Dignidade Humana  ser adotado como um direito fundamental pela Constituição Federal de 1988.

A Carta Magna traz um rol do que se pode ser considerado como valor íntimo da pessoa em seu artigo 5º, inciso X.

“X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” 

A defesa destes interesses imateriais pela legislação, principalmente os ligados à personalidade, os elevou ao patamar de bem jurídico. Desta forma, elementos inerentes à pessoa humana tornaram-se passíveis de violação.

Nesse sentido, entende-se que todo ser humano deve ser respeitado em sua essência, em sua existência. Quando qualquer ser humano é desrespeitado em seus atributos existenciais surge um dano moral.

Para Flávio Tartuce o conceito que prevalece na doutrina brasileira sobre dano moral é o difundido entre outros, pelos Professores Rubens de Montefrança, Maria Helena Diniz e Carlos Alberto Bittar que o definem como lesões ao direito da personalidade, direito este, tutelado em rol exemplificativo na Parte Geral do Código Civil entre os artigos 11 a 21. (2017)

A reparação do dano moral é expressamente admitida tanto pela Constituição Federal em seu art. 5º, incisos V e X, como pelo Código Civil em seu artigo 186.

Observa-se que não é qualquer aflição espiritual passível de reparação. Apenas o estado de espírito decorrente de um ato ilícito que deve ser. Isto porque a ordem jurídica não tutela o dano em si, mas as consequências advindas das ofensas aos direitos da personalidade.

Portanto, dano moral deve ser entendido como aquele que fere direitos inerentes á pessoa humana, como liberdade, honra, imagem, vida privada, intimidade, dignidade. E gera a vítima sentimentos negativos como dor, sofrimento, tristeza, humilhação, sentimentos tão maiores que os sofridos no dia a dia. Deve ser reparado porque sua pratica viola a dignidade humana, princípio fundamental da República Federativa do Brasil.

3. Quantificação da Indenização do Dano Moral

Os parâmetros para fixação da indenização por danos morais de acordo com a jurisprudência, em especial do STJ, primeiramente é a extensão do dano, artigo 944 CC, Princípio da Reparação Integral.

Segundo parâmetro é o grau de culpa dos envolvidos, artigo 944, parágrafo único e artigo 945, ambos do Código Civil, quer dizer que deve verificar a contribuição causal de todos os envolvidos para o evento danoso. O grau de culpa do agente, o grau de culpa da vítima, se a vítima contribuiu para o evento danoso, além de eventual culpa de terceiro que também participou dessa situação de concausalidade. Nessa linha, o artigo 945 prevê que se a vítima concorreu culposamente para o evento danoso a indenização deverá ser reduzida por equidade pelo juiz, denominada de redução equitativa da indenização, que vale não só para dona moral, mas também para o dano material.

Como terceiro critério o STJ aplica as condições gerais dos envolvidos. Condições econômicas, sociais, culturais e até psicológicas. Em outras palavras o STJ faz uma analise sociológica da responsabilidade civil, verificando as circunstancias do caso concreto para a fixação da indenização.

Um quarto parâmetro é o chamado intuito pedagógico ou punitivo da indenização por danos morais. Para o professor Flávio Tartuce o intuito é pedagógico, educativo devido aos valores não serem tão altos e as indenizações serem fixadas com razoabilidade.

Essa razoabilidade deve-se ao entendimento do STJ e dos tribunais de que a indenização não deve gerar o enriquecimento sem causa do ofendido e nem a ruína do ofensor. Por isso as indenizações são fixadas com prudência.

Destaque-se que o dano moral atinge o Direito Público procedente da responsabilidade civil do Estado.

4. Responsabilidade Civil do Estado

A responsabilidade civil, em conceito amplo, provém do Direito Civil com o significado de obrigação de reparar danos causados a terceiros.

A respeito do tema, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo ensinam (2010, p. 722):

“No âmbito do Direito Público, temos que a responsabilidade civil da Administração Pública evidencia-se na obrigação que tem o Estado de indenizar os danos patrimoniais ou morais que seus agentes, atuando em seu nome, ou seja, na qualidade de agentes públicos, causem à esfera juridicamente tutelada dos particulares. Traduz-se, pois, na obrigação de reparar economicamente danos patrimoniais, e com tal reparação se exaure. Não se confunde a responsabilidade civil com as responsabilidades administrativa e penal, sendo essas três esferas de responsabilização, em regra, independentes entre si, podendo as sanções correspondentes ser aplicadas separada ou cumulativamente conforme as circunstâncias de cada caso. A responsabilidade penal resulta da prática de crimes ou contravenções tipificados em lei prévia ao ato ou conduta. Já a responsabilidade administrativa decorre de infração, pelos agentes da Administração Pública – ou por particulares que com ela possuam vinculação jurídica específica, sujeitos, portanto, ao poder disciplinar –, das leis e regulamentos administrativos que regem seus atos e condutas.”

Em linhas gerais, responsabilidade civil do Estado significa obrigação imposta ao Estado de indenizar os danos que causar aos particulares. Este dever de indenizar se dá tanto pela a ação, lícita ou ilícita, do Estado, como também em relação as omissões.

Importante ressaltar que, a responsabilidade civil do Estado é regida por normas do Direito Público, estando prevista na Constituição Federal no artigo 37, parágrafo 6º.

“§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Da análise do supracitado dispositivo constitucional constata-se que a responsabilização civil estatal no direito brasileiro consagra a responsabilidade civil objetiva nas relações entre o Estado e o administrado, bem como a responsabilidade subjetiva nas relações entre o Estado e o servidor.

Na responsabilidade civil subjetiva faz-se necessário provar o dolo ou culpa do agente. Desta forma, Wânia Alice Ferreira Campos aponta que (2010, p.88): 

“A responsabilidade subjetiva, para se configurar, exige o ato ou o fato lesivo, o dano, o nexo causal e a culpa ou dolo do agente. Esse tipo de responsabilidade é aquela que decorre de ato ou fato antijurídico, em que há um efeito danoso, ou seja, deverá haver um transtorno ou abalo material ou moral. Deverá haver também culpa, seja por motivo de negligência, imperícia ou imprudência, ou dolo do agente. Ainda, exige-se o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano efetivo. Nesta espécie de responsabilidade aplicada ao estado, há de se provar a culpa ou dolo do agente público ou do Estado para se gerar o dever de indenizar ou reparar o dano.” 

A responsabilidade objetiva se baseia tão somente no nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano ocorrido, ou seja, o Estado é responsabilizado, independentemente de culpa ou dolo, pelos danos causados pelos seus agentes a terceiros de forma omissiva ou comissiva.

Para esta responsabilidade, todo dano é indenizável, não exigindo provar a culpa do agente, já que surge exclusivamente do fato. Assim, adota como pressupostos a conduta voluntária, o nexo causal e o dano.

Observe-se que não importa se o agente agiu lícita ou ilicitamente, se existiu dano, o Estado responde objetivamente.

Em relação à responsabilidade objetiva, Maria Sylvia Zanella Di Pietro refere que a culpa do servidor público ocorrerá quando (2009, p. 642):

“[…] o serviço público não funcionou (omissão), funcionou atrasado ou funcionou mal. Em qualquer dessas três hipóteses, ocorre a culpa (faute) do serviço ou acidente administrativo, incidindo a responsabilidade do Estado independentemente de qualquer apreciação da culpa do funcionário.” 

Para a configuração da responsabilidade objetiva, Campos indica três requisitos. O primeiro que o fato seja antijurídico, que contrarie a lei e o ordenamento jurídico. O segundo, que ocorra dano material ou moral, e o terceiro que exista nexo causal, ou seja, que da conduta lesiva ocorrida resulte, como consequência, o prejuízo a outrem. (CAMPOS, 2010).

A responsabilidade objetiva deriva de uma teoria chamada, Teoria do Risco Administrativo. Significa que a partir do momento em que o Estado assume o risco de exercer atividade administrativa ele se responsabiliza objetivamente de todos os danos que decorram destes riscos que assumiu.

5. Dano Moral Previdenciário e a Jurisprudência no Tribunal Regional Federal da 3ª Região

A Previdência está inserida no rol do direito constitucional e caracterizada como um direito social. Dessa forma, devido ao seu caráter protetivo e alimentar é reconhecida como direito fundamental. Nas palavras de Theodoro Vicente Agostinho e Sergio Henrique Salvador compreende-se:

“[…] que a Previdência, enquanto direito constitucional e, portanto, fundamental, se viu inserido na Lei Fundamental como parte integrante de um arcabouço sistêmico, intitulado Sistema de Seguridade Social, consolidado em seu artigo 194, caput, do Código Excelso, que visou a dar a estruturação técnica necessária para a eficácia plena dos regulados direitos fundamentais.”

Neste sentido, valiosa a lição descrita pelo Jurista Fábio Zambitte Ibrahim que o conceitua como,

‘Na verdade, a seguridade social pode ser conceituada como a rede protetiva formada pelo Estado e sociedade, com contribuições de todos, incluindo parte dos beneficiários dos direitos, no sentido de estabelecer ações positivas no sustento de pessoas carentes, trabalhadores em geral e seus dependentes, providenciando a manutenção de um padrão mínimo de vida.’” (AGOSTINHO, Vicente Theodoro; SALVADOR, Sérgio Henrique. O dano moral no Direito Previdenciário. Uma necessária abordagem. Em: < o-dano-moral-no-direito-pre

videnciario >. Acesso em: 20 outubro 2017.)

O órgão responsável pela análise e concessão de benefícios previdenciários é o Instituto Nacional do Seguro Social, pessoa jurídica de direito público criada por lei, integrante da administração pública indireta federal que presta serviço público. Por se tratar de uma autarquia, sujeita a causar danos suscetíveis de acarretar em responsabilidade civil do Estado.

No caso do Direito Previdenciário, a relação entre os segurados e dependentes de um lado e o INSS de outro, é uma relação institucional regida por normas de direito social, de caráter público e força cogente. Dessa forma, trata-se de responsabilidade objetiva, que está condicionada ao nexo causal entre o fato e o dano, ou seja, relação de causa e efeito entre o agente púbico e o dano.

Sob este prisma, é perfeitamente possível que o instituto do dano moral seja aplicado no âmbito previdenciário. Basta que um fato administrativo, praticado por agente público, cause um dano à dignidade, à honra, a imagem, etc… do segurado ou dependente.

Nesse sentido, Wânia Alice Ferreira Campos (2010, p. 91) discursa que: 

“Compete ao segurado ou ao dependente, vítimas de atos lesivos praticados pelos agentes públicos do INSS, provar a ocorrência do mesmo em relação ao seu benefício previdenciário, o dano moral e o nexo de causalidade entre a conduta do agente público e o dano por ele sofrido. Não há necessidade de provar culpa ou dolo do servidor do INSS. No entanto, se configurada e provada a culpa ou dolo, além de gerar ação regressiva do INSS contra o agente infrator, estes elementos têm o condão de agravar e majorar o valor da reparação moral, dado o caráter pedagógico e, por sua vez, punitivo deve acontecer.”

Logo, o dano moral previdenciário surge do contexto de proteção ao aposentado e aqueles relacionados à previdência social, assim como, traz o efeito pedagógico de desestimular outras condutas que ferem os mesmos.

Contudo, o dano moral deve ser analisado caso a caso. Relembramos que o mero dissabor não caracteriza dano moral, pois é necessário que haja uma lesão ao direito da personalidade.

São exemplos de fatos administrativos possíveis de causar dano moral: graves erros no processo administrativo que resultam em injusto indeferimento administrativo e o cancelamento indevido do benefício. Wladimir Novaes Martinez (2009) amplia essa lista ao apresentar outros exemplos como: concessão tardia de benefício, lentidão na revisão administrativa de benefícios e procrastinação da devolução de parcelas indevidamente descontadas, fatos que ferem o princípio da celeridade processual; falta de orientação por parte do servidor do INSS; atendimento desatencioso do servidor do INSS; descumprir decisão judicial; extravio de processo administrativo previdenciário; recusa de protocolo ou retenção de documentos por parte do INSS; inobservância de súmulas administrativas ou vinculantes; má interpretação das leis; engano no cálculo de proventos de benefícios; perícia equivocada.

Dessa forma, reitera-se, dano moral dentro da discussão ou do processamento previdenciário é totalmente possível e viável.

Estipular o quantum indenizatório é tarefa do julgador que deve se utilizar de critérios que cumprem o objetivo primordial da reparação dos danos morais que é compensar a vítima, sendo essencial a observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade para evitar uma reparação exorbitante ou ínfima.

Quanto ao objetivo da indenização por dano moral, Wânia Alice Ferreira Lima Campos (2010, p. 118) expõe:

“O valor a ser fixado deve ter como finalidade empreender o caráter pedagógico, de forma a alertar ao INSS ou a União para que evite condutas iguais ou similares a que gerou o dano moral. O caráter pedagógico da reparação consiste numa lição pecuniária dada ao agressor para que esta conduta ilícita não seja repetida. Visa na verdade, a inibir o sujeito passivo este tipo de dano a outrem.

Lado outro, diante da prática reiterada de atos antijurídicos por parte do INSS ou da União, a fixação do valor do dano moral deve se converter para um caráter punitivo, gradualmente aumentando na proporção da reincidência das condutas nocivas.”

Portanto, pode-se afirmar que a indenização na seara do Direito Previdenciário é de natureza punitiva que tem como objetivo a prevenção e a punição no que se refere a atos ilícitos praticados por seus agentes.

Para melhor elucidar a aplicabilidade o dano moral na seara previdenciária, segue ementas de dois acórdãos recentes do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL PROMOVIDO EM FACE DO INSS, POR CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE AUXÍLIO-DOENÇA, QUE FORA CONCEDIDO À AUTORA POR DECISÃO JUDICIAL E ABRUPTAMENTE "CASSADO" PELA AUTARQUIA COM BASE EM "LAUDO" JÁ VELHO. SITUAÇÃO DE PENÚRIA DE QUEM SE VÊ PRIVADO DE BENEFÍCIO DE SUBSISTÊNCIA, FATO QUE NÃO PODE SER COMPARADO COM UM SIMPLES ABORRECIMENTO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA REFORMADA (SOFRIMENTO MORAL DA AUTORA EVIDENTE). APELAÇÃO PROVIDA.

1. Trata-se de ação de indenização ajuizada em 29/1/2010 por EFIGENIA MARIA SOUZA em face do INSS, na qual pleiteia o ressarcimento de danos morais no valor de R$ 30.000,00, em razão da indevida e abusiva cessação do benefício de auxílio-doença. Alega que é beneficiária de auxílio-doença, concedido judicialmente, desde 1/8/1994, no valor de 1 (um) salário mínimo, sendo que em novembro/2009 constatou a inexistência do regular depósito, que fora arbitrariamente cessado por livre e espontânea vontade da autarquia previdenciária, que baseou-se em laudo do próprio INSS realizado há 30 meses. Afirma que em 21/12/2009 o benefício previdenciário foi restabelecido por determinação judicial, sendo que os pagamentos foram retomados na primeira dezena de janeiro/2010. Aduz que o dano moral sofrido consiste nos problemas que advieram na vida da segurada, dentre eles, contas atrasadas, Natal e final de ano em estado de penúria.

2. A conduta ilícita do INSS é incontroversa, tendo em vista que o próprio Poder Judiciário determinou o restabelecimento do benefício em questão – frise-se: concedido judicialmente – sob o irretocável argumento de que o INSS teria agido sem respaldo judicial e que o benefício só poderia ter sido cassado pela autarquia após trâmite legal de ação própria, sob o crivo do contraditório. Não há que se cogitar do descabimento de danos morais. Na medida em que houve indevido cancelamento de benefício de natureza alimentar (auxílio-doença) devido a pessoa incapacitada de trabalhar por conta de neurocisticercose (afecção do sistema nervoso central), fato que perdurou por 3 (três) meses consecutivos, nada mais é preciso revolver para se constatar a evidente angústia derivada da impossibilidade repentina de manter as necessidades pessoais básicas, situação que vai muito além de um simples aborrecimento com alguma vicissitude da vida.

3. É preciso que o julgador – despojando-se de sua condição pessoal favorável que um Magistrado Federal inegavelmente ostenta na sociedade – por vezes se coloque no lugar dos segurados do INSS que necessitam das minguadas prestações previdenciárias como único meio de manter a si e aos seus dependentes; só assim poderá o Juiz observar o sofrimento íntimo que domina tais segurados quando, como no caso, a prestação de subsistência vem a ser abruptamente cancelada.

4. À luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o INSS deve reparar o dano moral sofrido pela autora pagando-lhe a quantia de R$ 4.650,00, equivalente a 10 (dez) vezes o valor da prestação previdenciária suprimida à época (R$ 465,00 – fls. 52), com juros de mora desde o cancelamento indevido do benefício e com correção monetária a partir desta data, observando-se a Resolução 267/CJF. 5. (…). 6. Apelação provida. “

(TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, AC – APELAÇÃO CÍVEL – 1945137 – 0005100-86.2010.4.03.6103, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, julgado em 06/07/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/07/2017 )

 “PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. PENSÃO POR MORTE. TERMO DE GUARDA. RENOVAÇÕES SUCESSIVAS. EXIGÊNCIAS INJUSTIFICADAS. ATO ILÍCITO. CARÁTER ALIMENTAR. TRANSTORNOS E DISSABORES GRAVES. DANO MORAL. DEVER DE INDENIZAR. VALOR DA INDENIZAÇÃO. RECURSO IMPROVIDO.

– Tratando-se de agravo interno, calha desde logo estabelecer que, segundo entendimento firmado nesta Corte, a decisão do relator não deve ser alterada quando fundamentada e nela não se vislumbrar ilegalidade ou abuso de poder que resulte em dano irreparável ou de difícil reparação para a parte. Menciono julgados pertinentes ao tema: AgRgMS n. 2000.03.00.000520-2, Primeira Seção, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, DJU 19/6/01, RTRF 49/112; AgRgEDAC n. 2000.61.04.004029-0, Nona Turma, Rel. Des. Fed. Marisa Santos, DJU 29/7/04, p. 279.

– Para a configuração da responsabilidade civil são imprescindíveis: a conduta comissiva ou omissiva, presença de culpa ou dolo (que não precisa ser comprovada na objetiva), relação de causalidade entre a conduta e o resultado e a prova da ocorrência do dano.

– O artigo 186 do Código Civil preceitua que: "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

– Os autores são menores incapazes, que já recebiam o benefício de pensão por morte, tendo como instituidora a mãe dos autores, tendo sido concedido administrativamente (f. 23/25).

– Com o falecimento da mãe, foram nomeados como guardiões dos autores, no processo nº 851/2010 que tramita na 4ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Santo André-SP, o tio e a avó materna dos menores, Valdir Beserra da Silva e Marinalva Beserra da Silva.

– A guarda provisória foi deferida por tempo indeterminado aos guardiões (f. 17/18), mas ainda assim o INSS passou a exigir revalidação do termo de guarda no período de seis em seis meses (f. 16 e 34).

– Por conta disso, os guardiões requestaram ao Judiciário várias vezes a renovação do termo de guarda (f. 46/54). Na última vez, o pleito foi indeferido pelo MMº Juízo da 4ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Santo André-SP, sob o fundamento de que o termo de guarda provisória tinha prazo indeterminado (f. 38), o termo de guarda definitivo não tendo sido expedido porque o feito ainda estava em tramitação (f. 105).

– A exigência do INSS de apresentar sucessivos termos de guarda provisória não decorre dos artigos 406 e 407 da Instrução Normativa nº 45, pois tais artigos não preveem tal exigência.

– A certidão de objeto e pé trazia a segurança necessária à continuidade do pagamento do benefício. Contudo, o INSS suspendeu o pagamento do benefício aos autores, causando inúmeros transtornos e dissabores graves, dado o caráter alimentar do benefício.

– Enfim, devido à má prestação do serviço público, a violação ao princípio constitucional da eficiência do serviço público (artigo 37, caput, CF/88), sendo cabível, portanto, a condenação da Autarquia em danos morais.

– Incorreu o réu, portanto, em ato ilícito gerador de danos morais aos autores, devendo portanto indenizá-los.

– Para se caracterizar o dano moral é imprescindível que restem configurados alguns requisitos, quais sejam: o ato danoso, ainda que lícito deve ter causado o dano em alguém; deve haver um nexo causal entre o fato ocorrido e o dano e, ainda, há que se apurar a responsabilidade do agente causador do dano, se subjetiva ou objetiva.

– No caso, tem-se como adequada e justa a indenização em R$ 6.000,00 (seis mil reais), na esteira do entendimento manifestado na r. sentença.

– Agravo legal desprovido.”

(TRF 3ª Região, NONA TURMA,  AC – APELAÇÃO CÍVEL – 2039588 – 0004431-09.2015.4.03.9999, Rel. JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, julgado em 18/09/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/10/2017 )

“ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INSS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CESSAÇÃO. CARÁTER INDEVIDO.

1. O art. 37, §6º, da Constituição Federal consagra a responsabilidade do Estado de indenizar os danos causados por atos, omissivos ou comissivos, praticados pelos seus agentes a terceiros, independentemente de dolo ou culpa.

2. A cessação pura e simples do benefício previdenciário não ocasiona, por si só, sofrimento que configure dano moral.

3. A cessação indevida configura dano moral in re ipsa. Precedente do STJ.

4. In casu, restou demonstrado que a Aposentadoria por Invalidez percebida pelo autor foi cessada em 02.05.2006 em virtude do que teria sido seu óbito (fls. 19), não sendo realizado no devido tempo o pagamento do benefício referente a abril de 2006, conforme a própria documentação apresentada pelo INSS (fls. 38), vindo a proceder à reativação posteriormente, conforme comunicação datada de 11.05.2006 (fls. 20). A retenção do valor em razão da cessação indevida provocou, conforme devidamente comprovado, dificuldades do autor em relação a seus pagamentos, a exemplo de superação de seu limite de crédito bancário (fls. 17) e comunicação de cadastro restritivo de crédito (fls. 22 a 24). Por seu turno, o INSS não apresentou qualquer documento relativo a eventual exclusão de sua responsabilidade, seja por culpa exclusiva da vítima ou fato de terceiro, limitando-se a tecer alegações a respeito. Desse modo, configurado o dano moral, haja vista restar demonstrado o caráter indevido da cessação do benefício previdenciário.

5. Quanto ao valor a ser arbitrado a título de indenização, deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, observando ainda a condição social e viabilidade econômica do ofensor e do ofendido, e a proporcionalidade à ofensa, conforme o grau de culpa e gravidade do dano, sem, contudo, incorrer em enriquecimento ilícito. Desse modo, entendo ser razoável o montante de R$5.000,00 (cinco mil reais), a corrigir a partir da data do arbitramento, nos termos da Súmula 362/STJ, incidindo juros de mora a contar a partir do evento danoso, conforme Súmula 54/STJ, calculando-se consoante os termos do Manual de Cálculos aprovado pela Resolução CFJ 134, de 21/12/2010, capítulo referente às ações condenatórias em geral, com os ajustes provenientes das ADI's 4357 e 4425.

6. No caso em tela, porém, determino a manutenção dos honorários advocatícios no montante de 10% do valor da causa, considerando que está dentro dos padrões de proporcionalidade e razoabilidade, importe que atende aos termos do artigo 20, § 4º, do CPC/73 e se coaduna ao entendimento desta E. Quarta Turma – que, via de regra, arbitra honorários em 10% do valor da causa.

7. Apelo parcialmente provido.”

(TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, AP – AGRAVO DE PETIÇÃO – 1413224 – 0012038-83.2009.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA, julgado em 20/09/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:27/10/2017 )                                   

Assim, a jurisprudência demonstra que as ações lesivas aos direitos dos beneficiários do INSS são condutas constantes nas relações entre beneficiário e Administração Pública, portanto, capazes de provocar dano moral previdenciário.

6. Conclusão

O dano moral surge da lesão à intimidade do ser humano. Intimidade esta protegida pelo princípio maior do direito brasileiro, o princípio da dignidade humana.

Tal proteção encontra-se amplamente requisitada nos tribunais brasileiros, inclusive no âmbito previdenciário.

Contudo, constata-se que o dano moral previdenciário está em constante aperfeiçoamento, sendo, hoje, melhor compreendido por meio de artigos doutrinários isolados, assim como preciosos precedentes da justiça.

No arbitramento da indenização, a jurisprudência e a doutrina são unânimes em reconhecer que a indenização deve corresponder à extensão do dano, observada os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Não há discussão quanto a estes fatores porque encontra embasamento legal do Código Civil, artigo 944.

O instituto, dano moral previdenciário, tem sido fixado pela justiça de primeira e segunda instância, sobretudo, na justiça federal e pode ser demandado naquelas situações em que o direito social é desrespeitado pela autarquia e causar prejuízos aos seus segurados. É a casuística que trará situações de desrespeito.

Tem- se a lição, portanto, que o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS responde objetivamente pelos danos causados a todos que de seus serviços necessitam. Cabendo aos que se sentirem lesados impetrar ação de dano moral de natureza previdenciária a fim de compensar os danos sofridos.

 

Referências
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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Dano Moral no Direito Previdenciário. 2 ed. São Paulo: LTr. 2009.
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Informações Sobre o Autor

Samara Cadurim Oliveira

Membro do Núcleo de Pesquisa e Escrita Científica da Faculdade Legale


Equipe Âmbito Jurídico

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