O desastre em Mariana-MG: uma análise a partir da visão sistêmica da vida e a urgente necessidade de uma mudança de paradigma social

Resumo: O artigo pretende abordar o desastre ocorrido na cidade de Mariana-MG, a partir dos preceitos teóricos referendados por Fritjof Capra e Vandana Shiva, especialmente sob o aspecto da visão sistêmica da vida do primeiro Autor e a necessidade de uma mudança de paradigma social referendado pela Ativista Indiana, sobretudo em razão do terrível desastre ter impactado sobremaneira o cenário ambiental não só da região, mas também de todo o ecossistema do planeta, haja vista a impossibilidade de se tratar o meio ambiente como um sistema isolado e dissociável do restante.   Assim, o presente trabalho pretende trazer à baila e esmiuçar os conceitos de visão sistêmica e a necessidade de mudança de paradigma social especialmente utilizando a educação da população como forma de conscientização local e global a fim de evitar novas catástrofes ambientais, especialmente àquelas em que o homem é o personagem fomentador de destruição do meio ambiente. Por fim o presente ensaio se prestará para traçar uma breve síntese sobre a legislação atual em vigor no País, levando-se em consideração principalmente os preceitos Constitucionais e a norma infraconstitucional que trata sobre a mineração, a fim de investigar a postura que as autoridades federais e locais se mantiveram frente ao flagrante cenário de destruição ambiental ocorrido em Mariana-MG, e o quão influenciador foi o capital e a ganancia por crescimento econômico, como fato gerados da catástrofe ambiental e o que há de mais flagrante como causas e possíveis consequências ambientais deste grandioso desastre.

Palavras-chave: desastre ambiental; Marina-MG; impactos ambientais.

Abstract: The article intends to address the disaster that occurred in the city of Mariana-MG, based on the theoretical precepts endorsed by Fritjof Capra and Vandana Shiva, especially under the aspect of the systemic vision of the life of the first Author and the need for a social paradigm change endorsed by Indian activist, especially as the terrible disaster has impacted greatly the environmental scenario not only of the region, but also of the entire ecosystem of the planet, given the impossibility of treating the environment as an isolated and dissociable system of the rest. Thus, the present work intends to bring to the fore and analyze the concepts of systemic vision and the need to change the social paradigm, especially by educating the population as a form of local and global awareness in order to avoid new environmental disasters, especially those Man is the character that encourages the destruction of the environment. Finally, this essay will provide a brief summary of the current legislation in force in Brazil, taking into account, in particular, the constitutional precepts and the infraconstitutional standard dealing with mining in order to investigate the position that the federal authorities And locals remained in the face of the flagrant scenario of environmental destruction that occurred in Mariana-MG, and how influential was the capital and profit for economic growth, as a fact generated by the environmental catastrophe and what is most striking as causes and possible environmental consequences Of this great disaster.

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Keywords: Environmental disaster; Marina-MG; environmental impacts.

Sumário: Introdução. 1. A visão sistêmica da vida apresentada por Capra e a aplicabilidade da sua teoria a fim de coibir novos desastres ambientais. 2. A necessidade de uma mudança de paradigma social a fim de construir uma população eco-alfabetizada com consciência ambiental. 3. As dimensões do desastre de Mariana –MG e a postura das autoridades locais e federais para coibir novos catástrofes naturais, a partir da legislação brasileira. Conclusão. Referências.

Introdução

No dia 5 de novembro de 2015 houve o rompimento da barragem da mineradora Samarco, o que provocou uma grandiosa catástrofe ambiental e uma enorme enxurrada de lama tóxica. Muito embora os danos sociais e pessoais para a população da região sejam de proporções imensuráveis, uma vez que mais de 600 famílias ficaram desabrigadas e houve mais de 10 mortes, a grande sequela ambiental, com certeza foi flagrante e perdurará para sempre nos estudos de impacto ambiental, não só da região, mas do País inteiro.

Diante deste contexto, pretende-se analisar o caso de Mariana-MG, e os diversos aspectos ambientais sob o prisma dos conceitos apresentados por Capra e Shiva, no que tange a necessidade do homem de se colocar apenas como uma parte em todo o ecossistema e não como principal que detém o poder de destruição, e ainda a urgente necessidade de se estabelecer uma nova visão de mundo de cada um, onde o meio ambiente possa ver visto como um ser vivo e titular de direitos, ou Pachamana.

Uma vez que ao revés destes conceitos e mudanças de paradigmas os quais se pretende abordar no presente ensaio, com o passar do tempo, o que se apresenta é cada vez mais um distanciamento do homem da natureza, de modo que se chega mais e mais perto da descrição de Francis Bacon (1561-1626) sobre a dominação da natureza, e não raras são as vezes, em que este procura subjugá-la, para que a natureza, siga a vontade humana e não o curso que seguiria sem tal intervenção.

Nesse sentido, a partir desta perspectiva é possível verificar que inúmeras vezes o homem (visto como sociedade em geral), esquece-se que a natureza não é “apenas” uma parte isolada do todo, dentro de qualquer conjunto, ou seja, há fora de nada, tudo está relacionado, tudo está em um contexto que se liga a outro.

E é a partir desta lógica que o desastre de Mariana – MG, não pode ser entendido como um “acidente” ou caso isolado de acontecimentos, razão pela qual há a necessidade latente de mudança de paradigma social e cultural das pessoas, sobretudo quanto aos impactos ambientais que as atitudes de cada um poderão intervir no meio ambiente a curto e longo prazo.  

É a partir deste ponto que o presente trabalho busca trazer uma análise do desastre ambiental de Mariana-MG e os conceitos abrangidos pelos Doutrinadores referidos acima, a fim de fomentar a população, especialmente as novas gerações, para uma mudança de postura e alteração de valores, a fim de preservação ambiental.

Em um segundo momento, abordar-se-á especificamente os impactos ambientais de Mariana-MG para as atuais e futuras gerações não só daquela região, mas também do ecossistema como um todo, relatando a enormidade da catástrofe e as consequências.

Por fim, será analisada a postura das autoridades locais e federais frente ao desastre e as regulamentações existentes para coibir novos desastres desta monta.

Nesse sentido, será utilizado o método de estudo de caso, para proceder com a pesquisa, uma vez que o presente artigo partirá da observação do desastre ambiental ocorrido em Mariana –MG.

Assim, destaca-se que este procedimento é utilizado habitualmente na investigação com objetivo de compreensão e planejamento da intervenção ambiental e Estatal, destacando-se pela possibilidade de integração de diferentes técnicas e campos do conhecimento com a finalidade de verificar o desastre de Mariana –MG e a postura das autoridades federais e locais frente a situação.

1. A visão sistêmica da vida apresentada por Capra e a aplicabilidade da sua teoria a fim de coibir novos desastres ambientais

Nesse aspecto o foco da análise irá se deter inicialmente a análise da obra a Teia da Vida de Fritjof Capra, sobretudo no que se refere a ideia de que tudo está interligado e não pode ser visto de maneira isolada ou apartada, ou seja, cada organismo representaria um nó e cada nó, visto de perto, seria também uma rede que estaria dentro de um único contexto.

Nesse sentido, a transdiciplinariedade também estaria interligada, uma vez que esta rede referida por Capra também estaria ligada aos diferentes saberes e aos conhecimentos de cada área, ou seja, redes dentro de redes e assim sucessivamente.

Valendo-se especialmente das palavras do grande Doutrinador que serve de base para o presente ensaio, na natureza, não há “acima” ou “abaixo”, e não há hierarquias. Há somente redes aninhadas dentro de outras redes. (CAPRA, 1996, p. 45)

Assim, aponderando-se dos preceitos que Capra refere “o saber em redes”, é muito mais válido hoje do que as metáforas mecanicistas sobre edificações e construção do conhecimento, sobre bases sólidas e alicerces firmes. Tal paradigma leva à necessidade de diálogo entre as partes envolvidas e também à necessidade de se abrir os olhos, para os fios da teia da vida que passam, especialmente quando se está diante de um dos maiores desastres ambientais do País.

A partir da percepção do referido Autor, é possível verificar que Capra traz a questão da rede viva, onde os organismos vão se relacionando e se modificando, e é nesta visão sistêmica que deve-se analisar que todos seres e elementos da Terra, fazem parte de um só sistema. Isto é, quando o “eu” se vê pertencente ao meio ambiente, não serão mais necessárias advertências morais para que se preserve o meio, pois o comportamento de cada um seguiria naturalmente a ética ambientalista.

Na sequência destas ideias Capra faz uma reflexão sobre o surgimento da visão fragmentada de mundo e expõe a necessidade de recuperarmos “nossa plena humanidade e nossa experiência de conexidade com a teia da vida”, de modo a olhar para a natureza e para as relações naturais como um modelo a ser seguido pelas comunidades humanas, ou seja, há a necessidade de se reconectar com a chamada “teia da vida”, a fim de construir e educar as comunidades de maneira sustentável, ser ecologicamente alfabetizado, ou “eco-alfabetizado”, ou seja, significa entender os princípios de organização das comunidades ecológicas (ecossistemas) e usar esses princípios para criar comunidades humanas sustentáveis. (p. 231).

Segue neste sentido, a fim de objetivar as ideais de Capra (1996), segue:

“Precisamos revitalizar nossas comunidades — inclusive nossas comunidades educativas, comerciais e políticas — de modo que os princípios da ecologia se manifestem nelas como princípios de educação, de administração e de política.2

A teoria dos sistemas vivos discutida neste livro fornece um arcabouço conceituai para o elo entre comunidades ecológicas e comunidades humanas. Ambas são sistemas vivos que exibem os mesmos princípios básicos de organização. Trata-se de redes que são organizacionalmente fechadas, mas abertas aos fluxos de energia e de recursos; suas estruturas são determinadas por suas histórias de mudanças estruturais; são inteligentes devido às dimensões cognitivas inerentes aos processos da vida.”

Feitas estas considerações pode-se sistematizar as ideias de Capra no sentido da necessidade de os seres humanos perceberem que são apenas uma dentre milhares de espécies na Terra e que mesmo na qualidade de “ser humano” ainda necessitam da natureza e seus bens naturais, tanto para subsistência do seu ser quanto para manutenção de sua espécie e do próprio ecossistema.

Dentro desta análise de percepção, impende destacar a necessidade de conscientização da população sobre a sua interconexão com o ambiente e também sua dependência frente a necessidade de preservação do todo para se ser parte.

Nesse mesmo sentido, cumpre trazer mais um trecho do que destaca Capra (1996) quando refere a questão da necessidade da eco-alfabetização:

“Baseando-nos no entendimento dos ecossistemas como redes autopoiéticas e como estruturas dissipativas, podemos formular um conjunto de princípios de organização que podem ser identificados como os princípios básicos da ecologia e utilizá-los como diretrizes para construir comunidades humanas sustentáveis.

O primeiro desses princípios é a interdependência. Todos os membros de uma comunidade ecológica estão interligados numa vasta e intrincada rede de relações, a teia da vida. Eles derivam suas propriedades essenciais, e, na verdade, sua própria existência, de suas relações com outras coisas. A interdependência — a dependência mútua de todos os processos vitais dos organismos — é a natureza de todas as relações ecológicas. O comportamento de cada membro vivo do ecossistema depende do comportamento de muitos outros. O sucesso da comunidade toda depende do sucesso de cada um de seus membros, enquanto que o sucesso de cada membro depende do sucesso da comunidade como um todo.

Entender a interdependência ecológica significa entender relações. Isso determina as mudanças de percepção que são características do pensamento sistêmico — das partes para o todo, de objetos para relações, de conteúdo para padrão. Uma comunidade humana sustentável está ciente das múltiplas relações entre seus membros. Nutrir a comunidade significa nutrir essas relações.”

Feito tais apontamentos, e esmiuçados tais conceitos, de pronto passa-se a analisar esta necessidade de mudança de paradigma social e ambiental, destacados por Vandana Shiva e Boaventura Santos para posteriormente analisar e aprofundar a análise do desastre natural ocorrido em Mariana –MG.

2.A necessidade de uma mudança de paradigma social a fim de construir uma população eco-alfabetizada com consciência ambiental

Vandana Shiva (2003), em seu livro intitulado Monoculturas da mente, emprega este termo em uma acepção diferente, uma vez que o utiliza para se referir ao modo de pensar da sociedade atual. Assim, antes mesmo de tratar da questão dos transgênicos e da chamada “colonização genética”, de início, a referida Doutrinadora reflete sobre o pensamento unilateral que se instalou no mundo, e discorre sobre as consequências desse tipo de monocultura para o planeta.

Nesse sentido, a referida Autora segue destacando que a monocultura deve começar primeiro na mente para só depois chegar ao solo. Assim, para concretização de tal situação é necessário que haja um sistema autodeterminante, superior em termos de conhecimento e cultura, que crie mecanismos para imprimir nas outras sociedades suas formas de pensar e de estar no mundo.

Além disso, Ela destaca que o destino dos sistemas locais de saber em todo mundo são subjugados por políticas de eliminação e não por políticas de diálogo, enquanto que a forma mais eficaz, conforme assegura Shiva (2003), de poder e saber são indissociáveis e a ligação entre os dois é inerente, porque tem a ver com a forma que alguns grupos passaram a ser vistos com a ascensão do capitalismo social (pg. 78).

A partir destes ensinamentos da Autora, bem como dos saberes que Ela salientou ao longo de seus estudos, é possível salientar que a continuidade desta visão de mundo mecanicista que atualmente se apresenta na sociedade atual, onde o indivíduo vê a natureza como algo inerte e como matéria-prima a ser explorada, necessariamente fará com que o Planeta como um todo, vá a bancarrota, pelas consequências que as atitudes da população em considerar o Planeta como um depósito de resíduos, é capaz de gerar, quais sejam: de caos ecológico e uma enormidade de desastres naturais, iguais ou até mesmo piores, que o ocorrido em Minas Gerais.  

Assim, esta visão individualista e exploradora do Planeta, ganhou muita força a partir dos combustíveis fósseis, e mais exatamente ganhou o mundo por meio do colonialismo, destruindo as culturas Bhoomi, Pachamama, Gaia, as quais percebem a Terra como um ser vivo, e os seres humanos como parte da terra.

 Todas as várias expressões da crise ecológica – o caos climático, a erosão da biodiversidade, a extinção de espécies, o desaparecimento e poluição da água, a desertificação, a poluição tóxica – estão relacionadas a este paradigma mecanicista cristalizado, conforme muito bem refere Vandana Shiva (2003).

Em contraponto as ideias inicialmente apresentadas juntamente com os conceitos destacados por Vandana Shiva é possível verificar que a educação, que deveria exercer um papel totalmente contrário, tem sido uma aliada eficiente dos sistemas dominantes. De modo que a escola que deveria ser um espaço para promover o diálogo entre os conhecimentos científicos e todos os outros tipos de saber, apenas reproduzem “mais do mesmo” e fomentam a necessidade de crescimento econômico a qualquer custo, desconsiderando por completo a natureza e o meio ambiente.

Assim, nas palavras de Boaventura (2004), os espaços escolares têm sido produtores da “não existência”. O referido Autor elenca cinco lógicas de produção da não existência, mas destacar-se-á, nesse trabalho, apenas duas: a lógica da monocultura do rigor e do saber e a lógica da escala dominante.

O que nas palavras do referido Autor, a monocultura do rigor e do saber seria o modo de produção da não existência mais eficaz, porque considera a ciência moderna e a alta cultura como únicos critérios de verdade e qualidade estética. Assim, a não existência, nesse caso, assume o caráter de ignorância ou incultura. (Pg. 778-785).

Já a lógica da escala dominante, teria a ver com a monocultura do universal e do global, onde Ele refere que na modernidade, as duas escalas dominantes são a universal e a global.

Assim, aglutinado os preceitos de Boaventura aos destacados por Shiva percebe-se que a referida Doutrinadora destaca a necessidade de construir um entre-lugar e faz isso se posicionando contra as formas de opressão, sobretudo, da opressão da mente. Enquanto, alguns outros intelectuais, usam sua influência para defender o agronegócio, para tentar manter o status quo que está posto, Ela fomenta e faz referência à necessidade de se buscar outras formas de vida, outros modos de produção, de ser e de estar no mundo.

Nesse sentido, o que pode-se observar é que muito embora a Autora defenda veementemente a sabedoria e das práticas tradicionais e a agroindústria, pode-se extrair de suas vivencias esta necessidade de mudança de paradigma e de postura da sociedade frente a biodiversidade como um todo.

Nessa lógica, impende referir que os problemas ambientais atingem os interesses e as necessidades das pessoas, independente da sua posição social ou lugar de fala, de modo que a alternativa restante é de fato a de mudança de paradigmas, a partir especialmente da tentativa de sensibilização da população e uma tomada de consciência de que tais problemas vão cada vez mais se somando e se agravando. E assim, a única alternativa seria por meio da educação.

Para destacar tal alternativa, faz-se uso das palavras de Souza (2001):  

“Essas questões passaram a ter importância somente quando, de um lado, a ameaça de risco à segurança e à qualidade de vida atingiu as classes médias e, de outro, quando se passaram a contabilizar as perdas nas esferas de produção provocadas pela sua não preservação e pelos imensos custos provocados pelo colapso ambiental”. 

As soluções para os problemas ambientais somente serão possíveis se houver envolvimento e participação de toda a sociedade juntamente com o apoio de políticas públicas condizentes, pois tais problemas não podem ser resolvidos individualmente, nem por movimentos isolados das comunidades. 

Por isso, Souza (2001), mais uma vez afirma que: 

“O ‘meio socioeconômico’ deve ser, de alguma forma, um aspecto central das discussões ambientais, pois o que está em jogo não é simplesmente a preservação, mas sim como os homens, de forma individual ou em grupos, ao apropriarem-se da natureza para satisfazerem as suas necessidades, estabelecem formas diversas de conflitos expressos na segregação dos benefícios que o bem-estar deveria lhes proporcionar.”

No âmbito educacional, a educação ambiental deverá ser trabalhada na escola como processo de formação e como forma de chamar atenção para as necessidades da biodiversidade, integrando-se ao processo educacional como um tema transversal.

Entrementes, só a partir de uma educação ambiental e conscientização da população é que haverá a possibilidade de construção de novos conhecimentos, pois a partir desta lógica, o ser humano poderá ter uma compreensão crítica global do ambiente. Sendo, portanto, uma das alternativas de transformação de paradigmas com a construção de uma consciência coletiva volta para a preservação do meio ambiente.

Feitas todas estas considerações acerca da necessidade de alternação de conceitos, passa-se de imediato a analisar especificamente o desastre ambiental ocorrido em Mariana-MG, bem como suas consequências e os aspectos legais que permeiam o acontecimento.   

3. As dimensões do desastre de Mariana –MG e a postura das autoridades locais e federais para coibir novos catástrofes naturais, a partir da legislação brasileira

Em novembro de 2015, a Mineradora Samarco e suas proprietárias, Vale e BHP Billiton, foram suspensas, pois eram as responsáveis pela barragem do Fundão, que rompeu em Mariana – Minas Gerais, causando o maior desastre ambiental do país.

Este rompimento de mineração da Samarco, infelizmente é apenas mais um entre os inúmeros exemplos do desleixo e da falta de responsabilidade que congrega e une todos os setores direta e indiretamente envolvidos com a fiscalização e o licenciamento ambiental no Brasil.

Uma das possíveis causas do desastre, conforme as autoridades locais apuraram foi que a distância entre os rejeitos da mineradora e a barragem não era suficiente, tanto do ponto de vista de estrutura de projeto quanto em caso de desestabilização da pilha de rejeitos, ou por conta de algum processo de erosão natural do solo.

Em análise a tantas consequências naturais e pessoais ocorridas em Mariana-MG, este desastre é quase impossível de se mensurar e contabilizar a enormidade de prejuízos, haja vista que as próprias autoridades já decretaram a morte de Bento Rodrigues, em razão da lama tóxica que o contaminou e até mesmo o fim da habitação no distrito de Mariana-MG, por um longo prazo.

Isto porque, não só a quantidade de resíduos gerada é desastrosa, mas também porque os impactos decorrentes de sua composição, segundo laudo solicitado pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAEE) de Baixo Gandu (ES), destaca a alta concentração de uma série de metais pesados na lama, entre eles arsênio, chumbo e manganês. Ou seja, mesmo que tudo isso não seja considerado uma mistura tóxica, a lama resultante do rompimento da barragem contém metais pesados em concentração suficiente para prejudicar os ecossistemas, com impactos nos rios, na fauna, no solo e na agricultura.

Dentre esses impactos ambientais, a desestruturação química e infertilidade do solo, a destruição da vegetação local, o assoreamento dos rios, soterramento de nascentes, infelizmente são alguns dos inúmeros impactos que a área terá de prejuízo.

Assim, em razão da ocorrência deste desastre, muito a partir dos ensinamentos de Capra, o processo de avaliação de impacto ambiental do rompimento desta barragem deve ser feito com visão sistêmica da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, incluindo todas as possíveis conectividades e interações entre os componentes físicos, químicos, biológicos, sociais e econômicos, inclusive com avaliações setoriais dos impactos. Uma vez que, este tipo de desastre, acaba sempre por gerar processos cumulativos que vão se sucedendo no espaço e no tempo.

Este desastre ocorrido, que jamais poderá ser visto como um “acidente” causou enorme perdas ao ecossistema, especialmente no que tange ao abastecimento de água, pesca, efeitos na circulação das águas e na biodiversidade. Sem falar que a contaminação remanescente, pode durar muitos anos, e o impacto cumulativo, poderá perdurar por décadas.

Fora isso, os impactos ambientais da tragédia de Mariana parecem incontáveis, sejam reversíveis ou irreversíveis: contaminação da água e do solo, impactos no ecossistema como um todo (aquático, marinho, terrestre), perda de biodiversidade, assoreamento dos rios, etc.

Nesse aspecto, impende salientar que de acordo com reportagem da BBC Brasil, divulgada em 22 de dezembro de 2015, foram liberados em torno de 60 milhões de metros cúbicos de lama, que já percorreram 700 kms até a foz do Rio Doce, no Espirito Santo. Em dados preliminares, estimou-se que cerca de 263,1 km2 de área foram afetadas pela lama, 379 km2 de áreas de agricultura e pastagens e 1.469 ha devastados, sem considerar o encontro da lama com o Rio Doce.

Outros estudos técnicos ainda referem que o dano ambiental em uma tentativa de retirar o rejeito do leito do rio seria maior do que deixar o rejeito lá, porque para tirá-lo teria que suprimir vegetação, abrir caminho para caminhão, além disso, seriam necessários milhares de caminhões transitando com esses rejeitos, com risco de acidentes, com poluição dos veículos.

Feitas todas estas constatações chocantes quanto as consequências deste desastre ambiental, percebe-se que a multa de R$ 250.000.000,00 aplicada pelo Governo Federal à Samarco representa apenas um pequeno paliativo, haja vista a necessidade real de se trabalhar na prevenção, a fim de evitar este tipo de caos ambiental.

Para piorar, o Congresso Nacional, completamente alheio ao ocorrido, e que deveria estar atuando para impedir novos casos semelhantes, está a discutir o afrouxamento das leis que tratam exatamente dos riscos ambientais de grandes obras, uma vez que tramita um projeto de Lei, de número 654/2015, do senador Romero Jucá que, dispõe sobre o procedimento de licenciamento ambiental especial para empreendimentos de infraestrutura considerados estratégicos e de interesse nacional.

Significa dizer que este projeto prevê um “diminuto rito de licenciamento ambiental” para os empreendimentos de infraestrutura “estratégicos para o interesse nacional”, tais como, rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, aeroportos e de energia ou quaisquer outros destinados à exploração de recursos naturais.

Ocorre que, este abrandamento ainda maior da legislação que atualmente se mostra completamente ineficaz e paliativa, traz ainda mais benefícios às grandes corporações uma vez que, essencialmente as obras com maior potencial de causar significativos danos socioambientais, seriam justamente às que seriam contempladas com menores controles e prevenção.

De qualquer sorte, em análise ao que hoje se tem de legislação no que se refere aos desastres ambientais, verifica-se que temos apenas medidas paliativas, já que um endurecimento da legislação ambiental, sempre foi e ainda é, considerado um empecilho ao desenvolvimento econômico e social do País, mesmo que os exemplos de catástrofes ambientais cada vez mais corroborem a insegurança da humanidade.

Nesse aspecto fazendo um cotejo com o que até o momento foi referido ao longo do presente ensaio, a única solução para tentarmos evitar mais tragédias ambientais, que para muitos ainda soa como algo distante, seria a mudança do paradigma da sociedade e a necessidade de cada indivíduo se colocar no seu lugar como sendo apenas mais um nó do todo e não como usurpador do ambiente, considerando-se superior ao ecossistema.

Sobretudo porque estas tragédias que matam pessoas, destroem casas, sepultam rios e consomem florestas, são tragédias que afetam toda a coletividade e até mesmo a manutenção do sistema ecológico e da humanidade.

Entrementes, o direito ambiental possuir princípios próprios que orientam as normas de proteção com vistas a amenizar os impactos ambientais inerentes às atividades degradadoras, tais mudança de percepção são de suma importância no âmbito da sustentabilidade social e ambiental.

Muito Embora, a Constituição Federal de 1988 preveja a proteção do meio ambiente, ao mesmo tempo assumiu papel importante na regulação da atividade minerária, na medida em que norteia agentes econômicos submetidos às regras especificas, como por exemplo quais entes terão acesso à pesquisa.

Além da Constituição Federal de 1988, a atividade da mineração também é regulada pelo Código de Mineração e Leis específicas, além de atos normativos do Departamento Nacional de Produção Mineral – (DNPM) e Ministério de Minas e Energia (MME).

Isto é, esta atividade de mineração que acarreta alterações das características ambientais da região que será explorada, não tendo como prever, nem tampouco mensurar os seu impactos, encontra guarida não só na legislação infraconstitucional, mas também na nossa Carta Magna que prevê o direito ambiental como fundamental. Fora isso, deve-se lembrar, ainda, que o minério que é extraído não retorna ao seu local de origem.

E, nessa esteira de proteção ao meio ambiente versus crescimento econômico, como observado no artigo 170 e seguintes da Constituição Federal de 1988, referente à ordem econômica e o no artigo 225, §2º, que se refere à ordem social e ao meio ambiente, infelizmente o crescimento econômico sempre acaba por vender na disputa de forças.

Assim, mesmo diante da tutela constitucional e infraconstitucional que estabelece ações por parte dos mineradores e do Estado no sentido de desenvolver gestão sustentável da atividade de mineração, a catástrofe de Mariana não foi prevista, tampouco supervisionada na tentativa de se evitar o maior desastre ambiental do País.

Ainda sobre o ponto de vista econômico, inúmeras ações judiciais foram movidas não só no Brasil, mas também no Exterior contra a Samarco e suas controladoras a fim de ressarcimento financeiro em razão do ocorrido em Mariana-MG. É de se salientar, por óbvio que muitas famílias perderam seus entes queridos e que também o desastre ambiental impactou diretamente na subsistência da população local, uma vez que o desemprego e a disseminação da região foram consequências do enorme desastre.

Assim, as indenizatórias e ações populares se mostram justificadas, haja vista a necessidade de reconstrução da vida daqueles que ainda tentam reagir e reconstruir suas vidas, pois estes processos ainda tem todo o aspecto moral daquela população que mantem o sentimento de pertencimento àquela comunidade e todas as referências da memória coletiva de um povo.

O que está se pretende criticar no presente ensaio é e a “fácil” substituição destas áreas atingidas por desastres ambientais, por ressarcimentos pecuniários e, é neste sentido que é possível após todo o exposto, concluir pela necessidade de mudança de pensamento e necessidade de educação ambiental para que muito antes dos acontecimentos ambientais devastadores, políticas públicas e a própria população possa reivindicar a causa e cobrar medidas preventivas para evitar a destruição do planeta e das reservas ambientais, uma vez que soma-se a esses impactos sociais a disseminação de doenças, o elevado número de desabrigados, indisponibilidade de recursos e o risco de contaminação da população em geral.

A adoção de medidas em caráter de urgência não remediará os danos causados por um projeto que não considerou eventuais riscos e impactos internos e externos, como o caso da barragem de Mariana-MG, mas evidencia que a análise e atuação preventiva das organizações, do ponto de vista de mitigação de impactos negativos ao meio ambiente, à sociedade e à geração de valor do negócio, são essenciais para a condução de negócios rentáveis e sustentáveis, e ainda são passíveis de evitar os custos  catastróficos que ocorrem após o impacto negativo gerado.

Por fim, no que tange especificamente o caso de Mariana –MG, o  Ministério Público Federal ainda investiga as causas de rompimento da barragem, mas já foram apontados que o grande aumento de rejeitos depositados, a mudança feita na estrutura da barragem para aumentar a capacidade do reservatório e a utilizado a barragem de Fundão, pela Vale, foram realizas sem licença dos órgãos fiscalizadores, o que por via de consequência, se percebe a ilegalidade nas alterações e a falta de fiscalização dos órgãos que deveriam estar trabalhando no contencioso para evitar este tipo de catástrofe ambiental.

Portanto, o desastre em Mariana mostra-se, em uma proporção gigantesca, a negligência em relação às questões socioambientais, o que apenas faz corroborar a necessidade do emponderamento do diálogo e também à necessidade de cada indivíduo abrir os olhos, para os fios da teia da vida que passam, especialmente quando se está diante de um dos maiores desastres ambientais do País.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o presente artigo, pretendeu-se tratar os nuances sobre os aspectos relevantes sobre o desastre ocorrido no País no ano de 2015, o que pode-se configurar como o maior desastre ambiental já vivenciado no Brasil, pois em rápida análise é possível listar umas série de consequências desastrosas em Mariana- MG, tais como a presente de lama tóxica, o fim da vegetação local, o destruição do Rio Doce Morto, a escassez de água para a população local, afetação do oceano, entre tantas outras.

Em contraponto a esta enorme catástrofe restam muitas dúvidas quanto a recuperação do local, entretanto a única certeza é que o ecossistema tanto local que foi afetado como o do País, em geral, nunca mais serão recuperados e reestabelecidos ao status quo ante, o que por via de consequência, já bastaria para a desilusão da população que se preocupada com o ambiente e com a manutenção do sistema ambiental e da sociedade.

E, como se não bastasse essa perspectiva alarmante e triste, a dicotomia da Constituição Federal de 1988 em determinar a possibilidade da mineração sem uma regulamentação mais forte, e ao mesmo a preocupação constitucional com a proteção ambiental, não é possível ter uma visão menos pessimista de onde irão chegar os desastres ambientais, sobretudo porque atualmente ainda há em tramitação um projeto de lei que apenas vai ao encontro deste desastre ocorrido em Mariana –MG, haja vista que caso venha a ser aprovado, fragilizará o licenciamento ambiental de grandes obras no País.

Portanto, a única alternativa que resta é necessariamente que a população como um todo reflita e se coloque em uma posição não acima nem abaixo da natureza, especialmente da biodiversidade, mas que consiga perceber que não há hierarquias na sociedade que está interligada pelas “redes”.

Isto é, há a necessidade de reestruturação dos paradigmas sociais que necessariamente deverão iniciar por meio da educação, haja a vista a urgente e inevitável transformação da população para indivíduos eco-alfabetizados, que estejam engajados e encorajados a lugar para mudar o caminho para o qual não só o País, mas também o Planeta. Eis que, o caminho que se está a percorrer, a partir da lógica do capital, está cada vez mais distante das preocupações ambientais, e se não houver uma inversão imediata de valores, a longo prazo, o planeta e a sobrevivência do ecossistema e da sociedade estará em vias de extinção.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Fernanda Duarte da Silva

Graduada pelo Centro Universitário¡rio Franciscano – UNIFRA, Pós Graduada em advocacia trabalhista – Universidade Anhanguera – UNIDERP; Pós graduada em direito e processo do trabalho – Centro Universitário¡rio Franciscano – UNIFRA. Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria-RS


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Equipe Âmbito Jurídico

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