Resumo: O presente estudo elabora breves considerações sobre o devido processo legal como corolário para alcançar a justiça constitucional. Será observado que o processo não se reduz a mero instrumento técnico, pois, desde a proclamação da Constituição Federal de 1988 o constitucionalismo moderno fez surgir valores éticos latentes nos princípios de direito na incansável busca da solução justa e pacífica dos conflitos sociais. Afinal, o direito é instrumento para a realização da justiça, e manutenção da paz.
Palavras chave: devido processo legal, processo constitucional, justiça constitucional, ética.
Sumário: Introdução. 1. O processo, 1.1 Etimologia e origem histórica, 1.2 Conceitos, 1.3 natureza, 1.4 Finalidade, 1.5 Processo constitucional, 1.6 Justiça constitucional, 2. Garantias Processuais Constitucionais, 2.1 Devido processo legal, 2.2 Da isonomia processual, 2.3 Do contraditório e ampla defesa, 2.4 Do juiz natural, 2.5 Da publicidade dos atos, 2.6 Da inadmissão da prova ilícita, 2.7 Da motivação das decisões 2.8 Do duplo grau de jurisdição, 2.9 Da inafastabilidade do judiciário, 2.10 Da celeridade processual. 3. O processo como instrumento ético.
1. O Processo
1.1 Breve origem histórica e etimológica
A vida em sociedade implica obrigatoriamente que o Estado regule as relações do ser através de normas de conduta impostas a todos indistintamente. O direito é um fenômeno cultural e social criado pelo ser humano e a lei conseqüentemente vai produzir efeitos na medida em que é provocada, causando ou não sua a aplicação.
O direito através de normas prescritas regula a conduta e comportamento humano, o descumprimento ou até o cumprimento destas normas implica em um direito alheio que poderá ser tutelado por meio do processo. Podemos esclarecer singelamente que o direito é norma prescrita e o processo é o meio pelo qual se exercita esse direito.
Por outro lado não podemos olvidar que o direito processual e suas garantias têm acento constitucional. O termo processo constitucional não é uníssono, pois, resta também a idéia ações constitucionais no sentido de defesa e manutenção das normas constitucionais.
A palavra processo encontra no latim sua derivação, processus, ação de avançar, avanço, marcha, progresso, êxito, bom resultado[1]. Mas, no mundo jurídico, ensina José Alfredo Baracho[2], a palavra processo não foi usada em seu sentido que nos serve atualmente no Direito romano, e sim no Direito Canônico; conforme demonstram os escritos de Johannes Andrea e Von Buch a palavra processo como ação judiciária foi citada como ordo judiciarius sive processus júris e do processus judiciarus. Na realidade existia uma confusão entre direito e processo, a ação significava o exercício do direito, era a chamada actio romana, o meio de pleitear em juízo um direito.
Já como tutela constitucional, o antecedente histórico do processo, vem agasalhado nas garantias constitucionais da ação e do processo previsto no artigo 39 da Magna Carta, outorgada em 1215 por João Sem-Terra e seus barões em que dizia: “nenhum homem livre será preso ou privado de sua propriedade, de sua liberdade ou de seus hábitos, declarado fora da lei ou exilado ou de qualquer forma destituído, nem o castigaremos nem mandaremos forças contra ele, salvo julgamento legal feito por seus pares ou pela lei do país”[3]. Ou seja, nenhum homem poderia ser preso ou perder seus bens sem antes passar por um julgamento.
O processo representa uma relação jurídica de direito público subordinado aos ditames do direito fundamental ao processo preconizado na constituição brasileira. Nesse aspecto, “a realização da justiça”, ressalta Arruda Alvim, “é por excelência uma atividade pública praticada por um dos poderes do Estado. Sendo assim, é compreensível que ela radique seus traços fundamentais no Direito Constitucional”.[4] Porque a Constituição? Porque a Constituição é norma fundamental com posição hierárquica superior as demais normas. De modo que o principio da supremacia da Constituição expressa a necessidade de preservar o texto constitucional das normas hierarquicamente abaixo da constituição. Para tanto urge necessário o cumprimento e defesa das normas constitucionais.
Por outro lado, a Segunda Guerra Mundial, tornou-se um divisor de águas entre a arbitrariedade e a democracia, existem os que ainda seguem o caminho da arbitrariedade. A necessidade da existência de instrumentos processuais adequados e aptos à manutenção e efetivação do direito veio com a declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 que edificou em seu artigo 10 que “toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir os seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ela”.
Como se vê, o processo é um dos meios existente no mundo do direito de proteção e garantia de direitos e liberdades consagrados nos direitos fundamentais da pessoa humana, e como tal deve ser exercido aos moldes Constitucionais. Isso requer o cumprimento pelo Estado e operadores do direito a esses direitos fundamentais esculpidos na Carta Magna para que se obtenha o resultado esperado. Haverá violação aos direitos fundamentais resultantes da não conformação desse com o devido processo legal. Afirmar que há justiça através de um procedimento/processo não célere é mero placebo jurídico, justiça tardia é justiça falha, justiça falha é negação de direitos. Compete a quem tem poder, sem espaço à tergiversação, prover com responsabilidade e respeito os direitos fundamentais da pessoa humana.
Segundo Canotilho o procedimento e o processo sobrepõem-se materialmente com os direitos fundamentais, sobre três perspectivas:
“1. procedimento/processo, reconduzíveis a instrumentos de proteção e realização dos direitos fundamentais;
2. procedimento/processo, configurados como instrumentos “adequados e justos” para a limitação ou restrição dos direitos fundamentais;
3. procedimentos/processo, proclamados como “locais” ou “espaços” de exercício dos direitos, liberdades e garantias”.[5]
Com isso temos que o processo como um direito fundamental da pessoa humana, não pode ser apenas considerado um meio de resolver um conflito de interesses, em que o Estado-juiz preocupa-se exclusivamente com formalismos e técnicas, acima de tudo processo para alcançar seu fim deve valer-se dos valores éticos e obediência aos princípios norteadores consagrados na Carta Magna.
1.2. Conceitos
Com o fim de compreender o significado da palavra processo busca-se a conceituação encontrada na doutrina do direito constitucional e nas demais áreas do direito. Inicialmente, merece atenção o conceito comum do dicionário Houaiss[6], processo é ação de proceder, ação continuada, realização contínua e prolongada de alguma atividade, seguimento, curso, decurso, seqüência contínua de fatos ou operações que apresentam certa unidade ou que reproduzem com certa regularidade, andamento, desenvolvimento, marcha.
Por outra, no dicionário jurídico processo derivado do latim processus, de procedere, embora sua derivação se apresente em sentido equivalente a procedimento, pois que exprime, também, ação de proceder ou ação de prosseguir, na linguagem jurídica outra é sua significação, em distinção a procedimento. Exprime a ordem ou a seqüência das coisas para que cada uma delas venha a seu devido tempo dirigindo, assim, a evolução a ser seguida no procedimento, até que se cumpra sua finalidade [7].
No campo do direito a palavra processo normalmente é empregada para designar o meio pelo qual as partes se utilizam ao decidir uma lide. Mas essa concepção, é simplista, vista a amplitude e importância de seu alcance, bem como aos fins a que se destina. No Brasil não possuímos um código processual constitucional destinado unicamente às ações constitucionais, sendo utilizado de forma subsidiária os códigos de processo civil, código de processo penal, penal, bem como os regulamentos e regimentos dos tribunais. No Peru existe um código de processo constitucional que serve de inspiração aos defensores da implementação de um código de processo constitucional no Brasil.
Dessa forma, para José Alfredo de Oliveira Baracho, a palavra processo pode ser entendida como “o conjunto de atos, fatos ou operações que se agrupam de acordo com certa ordem, para atingir um fim, cujo objetivo fundamental é a decisão de um conflito de interesses jurídicos. Estes atos e formas, que movimentam a vida jurídica, fornecem-nos a primeira idéia de processo”.[8]
De outro modo, o processo também é considerado um meio de desempenhar a jurisdição, assim é o entendimento de Enrico Túlio Liebman ao dizer que:
“A atividade mediante a qual se desempenha em concreto a função jurisdicional chama-se processo. Na verdade, essa função não se cumpre a um só tempo e com um só ato, mas através de uma série coordenada de atos que se sucedem no tempo e que tendem à formação de um ato final. Parte a idéia de um proceder em direção a uma meta e o nome dado ao conjunto de atos postos em prática no exercício dessa função”. [9]
Percebem-se nos conceitos acima, que o processo é visto na perspectiva de meio em função das partes na solução de conflitos de interesses em juízo, como algo que está em movimento dirigida à consecução de um fim. Mas que fim seria esse? Onde alguém ganha e o outro perde em razão de uma lei, ou então da discricionariedade do julgador, não satisfaz os destinatários do direito.
No atual Estado Democrático de Direito, onde valores e princípios básicos foram consagrados na Constituição influenciou o rechaço à concepção meramente mecanicista do processo transformando-o também num instrumento com alma, através do uso dos princípios éticos nas decisões dos operadores do Estado. O justo processo nem sempre é aquele que utiliza todos os procedimentos técnicos, mas, acima de tudo, congrega valores éticos na busca do justo processo e conseqüentemente culminando na decisão democrática com justiça na solução do conflito.
1.3 Natureza do Processo
Falar sobre a natureza do processo, não é das tarefas mais fáceis, em razão da quantidade de visões doutrinárias, coexistindo várias linhas de pensamento sobre sua finalidade na sociedade. Necessária à compreensão do tema efetuar também algumas concepções jurídicas- filosóficas sobre a natureza do processo.
Guerra[10], ao discorrer acerca da relação processo e Constituição, entende necessário o processo como realização da Lei maior, (Constituição) bem como das menores e das ordinárias, sustenta ainda que a Constituição possua natureza de uma lei processual, da mesma forma que os institutos processuais possuem estatuto constitucional.
Em interessante aporte filosófico, podemos extrair a noção acerca da natureza do processo na lição de Hannah Arendt na medida em que o processo é visto como o resultado da ação humana:
“Contra esse desespero o homem moderno arregimentou a totalidade de suas próprias capacidades; desesperado de encontrar um dia a verdade através de mera contemplação, começou a experimentar suas capacidades para a ação e, ao fazê-lo, não podia deixar de se tornar consciente quem onde quer que exista, o homem inicia processos. A noção de processo não denota uma qualidade objetiva, quer da história, quer da natureza; ela é o resultado inevitável da natureza humana. O primeiro resultado do agir dos homens na história foi a história tornar-se um processo, e o argumento mais convincente para o agir dos homens sobre a natureza à guisa de investigações científicas é que hoje em dia, na formulação de Whitehead, a natureza é um processo”.[11]
Ou seja, o processo terá variações e conseqüências em conformidade com o agir humano e dele depende a sua existência, seja seu objetivo calcado na aplicação do direito ou a fatos históricos passados. Se o objetivo do processo tiver assento na aplicação do direito busca-se a realização da justiça e um ideal de liberdade. Através da natureza do processo é possível demonstrar que existe um vínculo inseparável entre as mutações sociais e o direito do qual o Estado deve observar.
Nesse diapasão, Augusto Morelo explica o processo como um fenômeno jurídico que por sua vez resulta numa experiência jurídica entre as partes e o juiz:
“El proceso, lejos de constituir um fenómeno jurídico único, participa de la identidad de los restantes que acaecen en la experiencia jurídica. Las relaciones que se originan entre las partes y entre éstas y el juez, a pesar de la distinta estructura y de las alturas igualmente diferentes en que se muevenm, son del mismo carácter y participan de iguales esencias a las de los rstantes que suceden em el tráfico. No cabe, pues, una separación categorial, porque el proceso forma parte de un único e idéntico ordenamiento general”. [12]
Essa definição revela o entendimento do autor em que as partes participam do processo em condição de igualdade, aliás condição essa que deve ser observada e preservada em outras situações na sociedade com ensejo a garantir e preservar o verdadeiro Estado Democrático de Direito.
Merece destaque, a visão de Heráclito[13] de Êfeso, filósofo da transformação, acreditava que o conflito era necessário e pertencia à própria natureza; “o conflito é o pai e o rei de todas as coisas” [14] e o fogo como elemento da unidade e tudo poderia transforma-se em fogo, e dizia que tudo flui como um rio.
No mesmo sentido, o processo que visa à solução de conflitos gerados pela oposição ao direito e discórdia deve fluir como um rio e sempre estar em constante movimento, e acima de tudo célere sem o qual não atinge seu fim que é a verdadeira prestação jurisdicional, obrigação e dever que o Estado tem com o cidadão e desta não pode tergiversar ou se esquivar sob qualquer pretexto. Afinal o processo se apresenta num caráter dinâmico na busca do reconhecimento de um direito e solução de um conflito que ao final irá mudar a sorte ou destino de uma pessoa humana. A questão ética adquire importância fundamental, pois está conexa ao direito positivado, e representa o caminho e limites da conduta humana.
1.4 Finalidade do processo
Entre diversas finalidades, encontramos na afirmação de Dinamarco, para quem “o processo não é mero instrumento técnico, nem o direito processual constitui ciência neutra, indiferente às opções ideológicas do Estado. Somente a conscientização, pelos processualistas, do caráter ético de sua ciência, da necessária identidade ideológica entre o processo e o direito substancial, permitirá que o instrumento evolua para melhor atender a seus escopos” .[15]
O Estado através da função instrumental e atividade jurisdicional têm como objetivo a pacificação social, no sentido de tentar evitar ou eliminar os conflitos, fazer justiça e precipuamente prestar o melhor serviço a toda comunidade.
Segundo Baracho, “o processo não é apenas descobrimento, mas criação. Sem se apegar às máximas governamentais, o juiz por meio de considerações de conveniência, de utilidade, deve chegar aos mais profundos sentimentos de justiça”[16]. Assim, ao juiz não cabe somente a função de mero aplicador mecânico da lei, mas, sobretudo interpretá-la de forma racional, ética e efetiva como meio de prover com competência a consecução dos fins.
Como referiu Mauro Cappelletti, “a regulamentação do processo depende basicamente de concepções filosóficas, políticas e culturais inerentes ao direito material. Daí ser insuficiente o formalismo dogmático que deve ser complementado pela idéia de valor” [17].
Nesse sentido, ensina Miguel Reale[18] […] que pelo direito processual o Estado presta um serviço, porquanto dirime as questões que surgem entre grupos e este e as diversas áreas do governo.
Nesse diapasão Ada Pellegrini Grinover, sustenta que “nessa concepção axiológica de processo, como instrumento de garantia de direitos, a visão puramente técnica não pode mais prevalecer, pois a ela se sobrepõem valores éticos de liberdade e de justiça” [19].
O Estado como provedor das necessidades humanas desempenha o papel de mediador dos conflitos na busca da estabilidade e paz social, assim como ensinam Antônio Carlos de Araújo e Cintra, Ada Pellegini Grinover e Cândido Rangel Dinamarcoao referir que:
“O Estado moderno repudia as bases da filosofia política liberal e pretende ser, embora sem atitudes paternalistas, a providência do seu povo”, no sentido de assumir para si certas funções essenciais ligadas à vida e desenvolvimento da nação e dos indivíduos que a compõem. […] E hoje, prevalecendo as idéias do Estado social, em que ao Estado se reconhece a função fundamental de promover a plena realização dos valores humano, isso deve servir, de um lado, para pôr em destaque a função jurisdicional pacificadora como fator de eliminação dos conflitos que afligem as pessoas e lhes trazem angústia; de outro, para advertir os encarregados do sistema, quanto à necessidade de fazer do processo um meio efetivo para a realização da justiça”. [20]
No mesmo sentido, o processo é um importante instrumento democrático de pacificação social sem o qual uma determinada sociedade dificilmente alcançaria a tão almejada justiça. Para Kazuo Watanabe “uma das vertentes mais significativas das preocupações dos processualistas contemporâneos é a da efetividade do processo como instrumento da tutela de direitos”[21], e assim sendo faz parte do contexto social e político de uma nação para preservação de uma sociedade justa.
E continua: “Do conceitualismo e das abstrações dogmáticas que caracterizam a ciência processual e que lhe deram foros de ciência autônoma, partem hoje os processualistas para a busca de um istrumentalismo mais efetivo do processo, dentro de uma ótica mais abrangente mais penetrante de toda a problemática sócio-jurídica. Não se trata de negar os resultados alcançados pela ciência processual até esta data. O que se pretende é fazer dessas conquistas doutrinárias e de seus melhores resultados um sólido patamar para, com uma visão crítica e mais ampla da utilidade do processo, proceder ao melhor estudo dos institutos processuais – prestigiando ou adaptando ou reformulando os institutos tradicionais, ou concebendo institutos novos -, sempre com a preocupação de fazer com que o processo tenha plena e total aderência à realidade sócio-jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vocação que é a de servir de instrumento à efetiva realização dos direitos. É a tendência ao instrumentalismo que se denominaria substancial em contraposição ao instrumentalismo meramente nominal ou formal”. [22]
Verificamos, que o processo não visa somente a aplicação e efetivação do direito material, mas também como um instrumento dotado de poderes outorgados através do Estado na busca da realização da justiça e paz .
1.5. Processo Constitucional
Existem normas de conteúdo processual prescrita na Constituição Federal que indicam o modo ou procedimento pelo qual um direito deverá ser perseguido. Como exemplo, o inciso XV do art. 5 da CF de 88 diz que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz”, pois bem, caso essa prerrogativa venha ser violada, o mecanismo ou instrumento para fazer valer esse direito é o habeas corpus previsto no mesmo artigo no inciso LXVIII “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. O termo processo constitucional não esta implicitamente expresso na Carta Magna, tendo em vista a inexistência no ordenamento jurídico brasileiro de um Código de Processo Constitucional que regule exclusivamente interesses conflituosos no âmbito da jurisdição constitucional.
Mas, processo constitucional indica idéia de um conjunto de normas ou procedimentos destinados à efetivação, manutenção e cumprimento da constituição, no âmbito da jurisdição[23] constitucional e infraconstitucional. O processo como um direito fundamental de primeira geração, visa à concretização dos ideais da Constituição como base de um Estado Democrático de Direito, através de um procedimento de natureza constitucional.
A nossa Constituição, além de ser norma fundamental para todo o direito também apresenta um conjunto de normas processuais que visam regular a jurisdição constitucional com ações próprias. Como anota a doutrina de Ferdinand Lassalle [24] a Constituição Federal de um país se constitui como um conjunto de fatores reais de poder (força ativa e eficaz). Fatores reais do poder constituem o conjunto de forças que atuam politicamente, com base na Constituição, para conservar as instituições jurídicas vigentes.
Konrad Hesse[25], seguindo a teoria da força normativa da Constituição, ensina que a constituição de um país expressa as relações de poder nele dominantes, e as relações resultantes da conjugação desses fatores constituem a força ativa determinantes das leis e das instituições da sociedade, formando a constituição real de um país.
No mesmo sentido, ensina Jorge Miranda[26] que “todo Estado carece de uma constituição, como enquadramento da existência, base e sinal da unidade, esteio de legitimidade e de legalidade”. E a constituição por sua vez dita regras para sua defesa, manutenção e obediência.
Canotilho[27] define o processo constitucional como sendo o “complexo de atos e formalidades tendentes à prolação de uma decisão judicial relativa à conformidade ou desconformidade constitucional de atos normativos públicos”. Consoante, o autor reconhece a existência de um direito processual constitucional, onde se busca a proteção da constituição através de procedimentos próprios, concebe o direito processual constitucional como segue:
“Por direito processual constitucional entende-se o conjunto de regras e princípios positivados e noutras fontes de direito que regulam os procedimentos jurídicos ordenados à solução de questões de natureza jurídico-constitucional pelo tribunal Constitucional” .[28]
Para Baracho[29] “o processo constitucional visa à proteção dos princípios constitucionais especialmente aqueles conferidos aos indivíduos, para se oporem às decisões legítimas das autoridades públicas”. Ademais, entende que a finalidade do direito processual constitucional possui instrumentos próprios que garantem o cumprimento das normas constitucionais.
Outra ponderação é também adequadamente tratada por Willis Santiago Guerra Filho[30]onde:
“O processo e o procedimento, devidamente regulados pelo direito, são o meio (ou “método”), empregado na formação da “vontade estatal” em um Estado de Direito. Estão também a serviço da racionalização do direito e de seu aperfeiçoamento na persecução daquela idéia-retora que é a justiça, à medida que lhes é intrínseco em caráter lógico, enquanto seqüência de atos ordenada em vista de um fim, bem como por se assentarem em princípios indubitavelmente justos, como o que exige a participação de interessados outros, que podem vir a ter sua esfera jurídica atingida pela decisão emanada do processo, após a formação da coisa julgada”.
O processo constitucional pode ser considerado um dos um dos pilares de equilíbrio da constituição como garante da distribuição da justiça e efetividade do direito positivo ao estabelecer normas processuais necessárias para auferir eficácia a normativa constitucional. Assim a idéia da constitucionalização do direito processual é situada como meio de extensão das normas constitucionais através de valores e princípios ínsitos a própria evolução do direito constitucional diante ao contexto social de cada época.
As normas constitucionais são ineficazes se carece de instrumentos processuais adequados a sua concretização. Por outro lado, como expôs José Antonio Estevez Araujo[31], sobe a constituição como processo surge a idéia com Häberle e Ely, que defendem uma concepção de democracia como a possibilidade da conversão da minoria em maioria. Para Ely a noção de constituição como processo esta relacionada com os procedimentos que regulam a constituição, para Häberle, a constituição consiste numa série de processos institucionais e sociais.
Interessante observar que o processo constitucional assume importante papel na solução dos conflitos que versam sobre interpretação e cumprimento das normas constitucionais transformando o direito declarado em um direito garantido. A transcendência constitucional do processo veio com Kelsen que reconheceu ser inevitável a existência de instrumentos processuais aptos a solução das controvérsias existentes acerca dos preceitos constitucionais como meio de manter o cumprimento e supremacia da constituição e conseqüentemente assegurando a prestação jurisdicional e a dignidade da pessoa humana.
Como vimos, o processo constitucional além de fazer parte do contexto democrático, destina-se a ações insculpidas na Constituição tornando efetiva e concreta a justiça constitucional, que por sua vez visa solver conflitos entre estados, estado e particulares e particulares com particulares, utilizando como meio os processos de controle de constitucionalidade; os processos de ação popular, ação civil pública, hábeas corpus, hábeas data, mandado de injunção, mandado de segurança individual e coletivo, o processo por crime de responsabilidade “impeachment”, causas de jurisdição, internacional, conflitos de competência, e outros que podem integrar à justiça constitucional.
1.6 Justiça Constitucional
A palavra justiça tem conceito e sentido amplo. Mas, podemos dizer que seu conceito advém de um juízo de valor concebidos por Platão e Aristóteles, que em maior parte a própria justiça traz sentimento de insatisfação. Não analisaremos aqui a questão filosófica sobre justiça, mas tão somente sua função enquanto justiça constitucional.
Num primeiro momento justiça constitucional, traz idéia de uma justiça desenvolvida no âmbito de uma Constituição por meio de um tribunal específico e competente para defesa e manutenção dos preceitos contidos numa Constituição. O termo justiça constitucional engloba questões, como o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, ou ações que visam coibir a violação dos preceitos constitucionais acometida tanto pelo poder público quanto pelo privado.
Mas, hodiernamente, a concretização dos preceitos contidos na Constituição também é exercida através dos juízes ordinários, por provocação ou até mesmo de ofício. Existe ainda, como sabemos a possibilidade do cidadão comum exercer direitos e garantias constitucionais direitamente, como é o caso do habeas corpus. Nesse sentido, a justiça constitucional, pode ser entendida, genericamente falando, como um complexo de instrumentos e procedimentos de caráter processual ou não, por meio de órgãos competentes a assegurar a aplicabilidade e respeito aos mandamentos contidos Lei Fundamental de um determinado país.
Assim, os mecanismos de defesa da constituição e preservação dos direitos do cidadão revestem-se de várias formas e modelos dentro da estrutura da ordem jurídica conhecida como controle da constitucionalidade. Originalmente, adveio o modelo estadunidense em que o controle da constitucionalidade é designado ao conjunto do aparelho jurisdicional, chamado controle difuso, por meio de um processo concreto e controvertido o juiz ou tribunal pode analisar a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, analisando profundamente o caso. No Brasil o juiz ordinário não declara a inconstitucionalidade da lei, mas deixa de aplicá-la por considerar inconstitucional. Já o sistema europeu adveio de Kelsen, em que o controle da constitucionalidade é confiado exclusivamente ao Tribunal Constitucional, ou seja, existiria um tribunal com função exclusiva dessa atribuição, excluindo o juiz ordinário. Esse modelo é conhecido como controle concentrado, pois exercido apenas pelo tribunal e no caso do Brasil, por via de ação direita ao pelo Supremo Tribunal Federal.
Em apertada síntese, podemos dizer que a justiça constitucional se destina a conferir eficácia e cumprimento ao principio da supremacia constitucional, o controle de constitucionalidade é uma forma de concretizar a justiça constitucional, excluindo normas infraconstitucionais inconstitucionais que por ventura podem colocar em risco a supremacia da Constituição. No Brasil adotamos o modelo difuso e concentrado de controle da constitucionalidade das leis e atos normativos. Além disso, o processo constitucional tem finalidade de controlar e manter os direitos constitucionais através das chamadas ações constitucionais, como o habeas corpus, mandado de segurança, ação civil pública, mandado de injunção, ADI, ADC, APF, além cuidar da organização judiciária.
2. Garantias Constitucionais Processuais
O processo é delineado através dos princípios constitucionais como o devido processo legal, acesso à justiça, contraditório e ampla defesa, juiz natural, motivação das decisões, isonomia processual, publicidade dos atos, inadmissão da prova ilícita, motivação das decisões, duplo grau de jurisdição, inafastabilidade do judiciário e ainda a celeridade processual.
O processo possui normas e princípios traçados pela constituição no sentido de assegurar o cumprimento das normas emanadas pelo Estado, mantendo a justiça e efetivação dos direitos Em função disso a constituição prevê as garantias processuais, informativos do processo no sentido de manter a ordem jurídica emanada pelo Estado.
Assim, o processo como meio de realização do direito contém princípios e normas distinguidos por garantias processuais previstos na Constituição, que possibilita a participação, defesa, e acesso a justiça no sentido de consagrar a efetividade dos direitos fundamentais em conformação aos ditames constitucionais. Adiante veremos algumas garantias processuais constitucionais indispensáveis no âmbito processual, sobre os quais ensina que Canotilho “como a realização do direito é determinada pela conformação jurídica do procedimento e do processo, a Constituição contém alguns princípios e normas designadas por garantias gerais de procedimentos e de processo”. [32]
2.1. Do devido processo legal no Brasil
Antes de iniciar a exposição sobre o devido processo legal, e com o fim ilustrativo, demonstraremos um exemplo de sentença arbitrária, parcial e desprovida de fundamentação, que condenou Tiradentes à morte. Tiradentes, influenciado por idéias de liberdade, apreendido do texto da declaração de independência dos Estados Unidos[33] e o movimento revolucionário na França[34], ingressou no movimento da inconfidência que pretendia libertar minas e o Brasil da dominação da corte portuguesa. Tiradentes fez parte do contexto histórico da época, morreu por defender a liberdade e contrariar a arbitrariedade.
“Sentença de Condenação de Tiradentes [35]”
“Portanto condenam ao réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi da tropa paga da capitania de Minas, a que com baraço e pregão[36] seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica. Onde em o lugar mais público dela será pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma; e o seu corpo será dividido em quatro quartos e pregado em postes, pelos caminhos de Minas no Sítio da Varginha e das Cebolas, onde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações até que o tempo também os consuma; declaram o réu infame, e seus filhos e netos, tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e a Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e, não sendo própria, será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados, e no mesmo chão se levantará um padrão, pelo qual se conserve a memória desse abominável réu”.
Em 21 de abril de 1792, Tiradentes foi condenado à morte após uma injusta acusação que culminou num processo arbitrário montado sobre uma farsa. Embora lhe foi designado um advogado de defesa sua sentença já estava previamente definida. Duzentos anos após, o devido processo legal foi previsto na Constituição brasileira em 1988, embora já mencionado no ano de 1215 na Magna Carta de João Sem-Terra.
O instituto do devido processo legal no Brasil não foi mencionado na primeira constituição do Império outorgada em 25 de março de 1824, somente estabeleceu no inciso VIII do artigo 179 um procedimento na área criminal que previa a inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos, e tinha por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:
“VIII – Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na Lei; e neste dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em Cidades, Villas, ou outras Povoações próximas aos logares da residencia do Juiz; e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel que a Lei marcará, attenta a extensão do território o Juiz por uma Nota, por elle assignada, fará constar aos Réo o motivo da prisão, os nomesdo seu accusador, e os das testemunhas, havendo-as [37]“.
Posteriormente, o Decreto n.1 de 15 de novembro de 1889 foi instituído a República e a Federação, transformando as antigas províncias em Estados-Membros do País, já que antes o Brasil era um Estado unitário. O texto constitucional promulgado em 1981, também não previu o devido processo legal, somente previu a proibição de prisão sem prévia formação de culpa, conforme parágrafo 16 do artigo 72 onde a Constituição assegurava a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade.
Era garantido aos acusados a mais plena defesa com todos os recursos e meios essenciais a ela, desde a nota de culpa, entregue em vinte e quatro horas ao preso e assinada pela autoridade competente, com os nomes do acusador e das testemunhas[38].
Em 16 de julho 1934 veio a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, cujo grande paradigma foi a Constituição de Weimar. No artigo 24 foi prevista a ampla defesa, nos termos que a lei assegurará aos acusados ampla defesa, com meio e recursos essenciais a esta [39]”.
A constituição promulgada com bases democráticas em 18 de setembro de 1946 também, não fez referência expressa ao devido processo legal, porém, previu nos parágrafos 4º e 25º do artigo 24 o acesso ao judiciário, onde no art. 141, dizia que a Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, acentuado que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual.
Nesse sentido, era assegurada aos acusados a plena defesa, com todos os meios e recursos essenciais a ela, desde a nota de culpa, que, assinada, pela autoridade competente, com os nomes do acusador e das testemunhas, será entregue ao preso dentro de vinte e quatro horas. A instrução criminal será contraditória [40]“.
Diante do Golpe Militar de 1964, prevaleceram e as constituições outorgadas de 1967 e 1969 (Emenda n. 1), em que constavam os direitos individuais, que infelizmente não foram cumpridos, bem como não houve previsão expressa ao devido processo legal, mas assegurava aos acusados a ampla defesa no parágrafo 15º do artigo 150, em que a Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, da seguinte forma:
“§ 15 – A lei assegurará aos acusados a ampla defesa com os recursos a ela inerentes. Não haverá foro privilegiado nem tribunais de exceção [41]“.
Em 5 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, em posição oposta a anterior com instrumentos novos, instituição de um estado democrático de direito, fundado nos valores como: o direito social e individual, liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento e igualdade e justiça. Finalmente previu expressamente, o princípio do devido processo legal, ao dispor no art. 5º, inciso LIV:
“Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal[42]”.
A esse respeito, ensina José Afonso da Silva [43], que o princípio do devido processo legal alcança o Direito Constitucional positivo através de um enunciado que vem da Carta Magna inglesa, e por sua vez, combinado com o direito de acesso à justiça e o contraditório e a ampla defesa fecha-se o ciclo das garantias processuais. Por isso, assegura-se o processo, não um simples procedimento, alude-se sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional pelo Estado, seguindo a premissa dê a cada o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica. Para tanto, outras garantias processuais tais como garantia do contraditório, plenitude do direito de defesa, isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais.
Especialmente a partir da Constituição de 1988, ao acolher o modelo de um Estado de direito democrático, o devido processo legal tornou-se referência nas decisões, que são fundadas em preceitos e princípios constitucionais bem como na observação de valores na busca da efetividade da prestação jurisdicional pelo Estado.
Em obra direcionada a desvendar os meandros do devido processo legal, Carlos Roberto Siqueira Castro[44], expõe a origem e evolução do devido processo legal:
“O princípio do devido processo legal, em que radica a moderna concepção de legalidade, pode ser considerado um dos mais antigos e veneráveis institutos da ciência jurídica, cuja trajetória perpassou os séculos desde o medievo e garantiu sua presença no direito contemporâneo com renovado rigor. Ao despontar na idade média, através da Magna carta conquistada pelos barões feudais saxónicos, junto ao rei “JOÃO SEM TERRA”, no limiar do século XIII, e embora concebido como o simples limitação às ações reais estava esse instituto fadado a tornar-se a suprema garantia das liberdades fundamentais do indivíduo e da coletividade em face do Poder Público”.
Verificamos, que a garantia constitucional do devido processo legal deverá ser observado em todos os processos judiciais e administrativos a ensejar um processo justo, equilibrado e acima de tudo ético, no sentido de preservar os direitos fundamentais individuais e coletivos daqueles que buscam a tutela judicial. O devido processo legal submete a comunidade jurídica em função ao conseqüente controle da própria constitucionalidade, ou seja, como garantidor da constituição e efetivação do Estado democrático. Existe a necessidade de se concretizar efetivamente os anseios da sociedade através de um processo célere onde se ofereça defesa ampla e principalmente decisões eficiente e justa.
2.2. Da Isonomia Processual
Esta garantia constitucional no processo decorre, da previsão constitucional posto no caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988, onde estabelece a igualdade de todos perante a lei proibindo a distinção de qualquer natureza e garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes
Como bem acentuam David Araújo e Vidal Serrano[45], o princípio da igualdade constitui um dos principais pilares da Constituição, pois a questão da igualdade é tratada sob o vértice da máxima aristotélica que preconiza o tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais, na medida dessa desigualdade.
Nesse sentido, em perfeita sintonia com as diretrizes constitucionais as partes litigantes no processo devem ser colocadas em paridade de condições pelo órgão judicial, devendo ser consideradas as diferentes condições sociais, políticas e econômicas dos envolvidos na lide.
2.3. Do Contraditório e Ampla Defesa
O princípio do contraditório e da ampla defesa é uma derivação da já comentada isonomia processual, por exigir igualdade de condições na lide, conforme consta no inciso LV art. 5º da CF. O contraditório advém da manifestação do exercício da democracia, através da participação, informação e possibilidade de manifestação. Diferente do contraditório, a ampla defesa é um direito legitimo da pessoa humana defender sua vida, liberdade ou honra.
Assim, como decorrência da previsão da igualdade perante a lei, a constituição assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e ampla defesa.
2.4. Do Juiz Natural
Referido princípio exige que os atos de jurisdição sejam exercidos por juízes competentes, além de impedir o tribunal de exceção conforme disciplinado pelos incisos XXXVII e LIII, art. 5o, da CRFB/1988, in verbis:
“Art.5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”:
“XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção”.
“LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.
Por esta garantia proíbe a criação pelo Estado de órgão com poder decisão final que não estejam definidos na Constituição no sentido de evitar o uso do poder judiciário com o fim de perseguição política. O tribunal de exceção criado após a 2ª Guerra Mundial em Nuremberg para punir os criminosos nazistas, em que definiram o genocídio crime contra a humanidade. A respeito referiu Tércio Sampaio Ferraz Júnior[46] “a norma que previu os crimes contra a humanidade constou do art. 6º, do Estatuto do Tribunal e acabou por se converter por se converter no momento inicial que conduziu à afirmação positivo de um direito internacional penal”.
2.5 Da Publicidade dos Atos
A falta da devida publicidade aos atos processuais pode acarretar a sua nulidade, pois a garantia de publicidade é dada para tutelar a transparência dos atos processuais e ao direito de toda a população de ter conhecimento e acesso aos atos processuais, estando ao alcance de qualquer interessado.
“ Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”:
“ LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.
“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios”:
“IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a este”.
2.6 Da Inadmissão da Prova Ilícita
Prova ilícita é aquela obtida em desacordo com a lei conforme dispõe o artigo 5º em seu inciso LVI da Constituição Federal em que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
Atualmente, a doutrina vem discutindo sobre a relativização da produção de prova ilícita e na possibilidade ou não de colocar validade na prova obtida por meios ilegais, tendo em vista os fins a que se destinam as provas serem preponderantes aos meios os quais foram obtidas.
2.7 Da Motivação das Decisões
Nelson Nery Junior [47] expõe que “fundamentar significa o magistrado dar as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira”. E ainda observa que:
“Interessante observar que normalmente a Constituição Federal não contém normas sancionadoras, sendo simplesmente descritiva e principiológica, afirmando direitos e impondo deveres. Mas a falta de motivação é vício de tamanha gravidade que o legislador constituinte abandonando a técnica de elaboração da Constituição, cominou no próprio texto”.[48]
Reza o art. 93, IX, Constituição Federal, que todas as decisões judiciais (e administrativas) devem ser claramente fundamentadas. O intuito constitucional para tal garantia é de assegurar a publicidade das decisões judiciais (já comentado), bem como possibilitar a sua impugnação e revogação, exercendo-se, assim, o controle de legalidade de tal decisão.
Entretanto, não devem restar dúvidas que fundamentar, no sentido constitucional, não é apenas indicar o dispositivo legal e dar a decisão. É necessário que o julgador demonstre os fatos, a base jurídica e a ligação entre eles, mostrando a motivação de sua decisão. A decisão que não obedecer tal estrutura conterá vícios que afetarão seus pressupostos de validade e eficácia.
2.8 Do Duplo Grau de Jurisdição
Não é unânime na doutrina a previsão constitucional do duplo grau de jurisdição, em razão de não constar expressamente no texto constitucional. Mas no artigo 158 da constituição do império abarcou expressamente o duplo grau de jurisdição onde as demandas seriam apreciadas pelo tribunal. Por outro lado, boa parte da doutrina já a defendera, com base 5º, inciso LV, segunda parte, da Constituição, e dos artigos 92, 102, 105 e 108 da mesma Carta.
2.9 Da Inafastabilidade do Judiciário
Trata-se do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ao direito de acesso à justiça, tanto o direito de ação quanto ao direito à defesa. A qualquer momento, que houver ameaça ou violação de qualquer direito o Poder Judiciário poderá ser chamado a intervir, cabendo a ele a competência para a decisão final, conforme o art. 5o, XXXV, da Carta Constitucional de 1988:
”Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer ·natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes ·no ·País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à ·igualdade, à ·segurança e à propriedade, nos termos seguintes”:
“XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
2.10 Celeridade processual
O processo é um direito humano e fundamental de todos. Mas apenas o direito ao processo não satisfaz essa premissa, ele tem que ser eficaz e capaz de prover de modo rápido a tão almejada justiça àquele que a persegue. Quantas vezes não escutamos do cidadão comum o quanto a justiça é lenta e quantas vezes os operadores do direito ainda vão ter que justificar essa lentidão. Isso traz descrédito, insegurança e sentimento de inoperância dos poderes. Frente a esta situação a EC-45/2004, acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5 da Constituição Federal de 1988, estabelecendo que “a todos são asseguradas, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Essa emenda se trata de um princípio da celeridade processual, é um direito fundamental que não pode ser suprimido da constituição e deve ter observância obrigatória. Mas, o principio de acesso à justiça doravante tratada, traz também a idéia de uma justiça ágil e competente na solução dos conflitos. Esse princípio apenas será eficaz se conjugado com os demais, especialmente com o devido processo legal, pois não basta um processo célere aliado a uma péssima prestação jurisdicional. Para que a reforma proposta surta efeitos existe a necessidade de dizimar os motivos que causam a morosidade e má prestação jurisdicional, dos quais podemos citar os principais: excesso de trabalho do aparelho judiciário, desídia funcional, remuneração abaixo das expectativas, má formação e qualificação profissional, poucos servidores e instalações precárias. No nosso sentir, desde a instituição dessa emenda pouco foi realizado para garantir a verdadeira celeridade processual, mesmo porque tais efeitos somente serão obtidos com o tempo.
3. A ética como instrumento processual
Como já salientamos, o rigorismo da instrumentalidade do processo ou mesmo do direito material, onde existe a obrigação no cumprimento dos ditames legais na medida da razão, traz à baila a questão da aplicabilidade das normas com acento em valores éticos. A ética é parte da filosofia que por sua vez, será o pano de fundo do direito, orientando através de valores e princípios com peso de dever moral oferecendo sentido e justificativa àquilo que não vem prescrito no direito positivo. A ética Grega nasceu da pólis através da argumentação de como viver feliz e dignamente, a ética no pensamento contemporâneo preocupado com a ação humana e sua realização social e pessoal. Assim, com o fim de compreender melhor o objetivo deste estudo é necessário apresentar algumas teorias éticas representativas da discusão relevantes atualmente que podem ser transportadas para o campo jurídico processual, sem aprofundamento no tema.
Primeiramente, de maneira breve, cumpre esclarecer a diferença entre ética e moral. A origem da palavra ética encontra-se do grego ethos, trazendo à mente a idéia de um conjunto de costumes, hábitos e valores de uma determinada sociedade ou cultura. No latim é traduzida pelo termo mos, significa “[…] maneira de se comportar, modo de proceder, regulado, não pela lei, mas pelo uso ou costume, comportamento, procedimento […][49], “dos quais provém moralis, que deu origem a palavra moral em português”.
Heráclito uniu as duas palavras no aforismo 119: “ethos[50] é o daímôn[51] do ser humano”. “Nessa formulação se esconde a chave de todas uma construção ética” [52]. Ethos no sentido heraclitiano vem a ser morada, e daímôn o anjo bom ( justo), resultando no conjunto de relações que o ser humano estabelece com o meio natural orientado em princípios, valores e convicções agindo de modo justo e bom em conformidade com a ética.
Ética a Nicômaco de Aristóteles, foi o primeiro tratado de ética onde apresenta um tipo de teoria endógena de formação de preferências, na medida em que ele indica que além da igualdade, justiça retributiva e comutativa, os desejos e sentimentos podem ser construídos e desenvolvidos caso as pessoas começam com bons hábitos e a partir daí seguem dialeticamente elas se tornarão virtuosas no final, no sentido de formarem os desejos corretos.
Ele pensa a ética no contexto da pólis, sem desconsiderar as paixões, naturais no ser humano, o que influenciaria definitivamente qualquer ética, retirando a possibilidade de uma solução puramente lógica, pois o homem para chegar à perfeição deve alcançar seu objetivo final a felicidade.
Escreveu que “todos atos legítimos são justos. São justos os atos que produzam e preservem a felicidade e seus elementos para a política”.
A justiça é considerada a maior das virtudes. É a virtude completa, pois ela é exercida sobre quem a possui e ao próximo”. […] a marca de um homem com sabedoria prática é conseguir deliberar bem sobre o que é bom e vantajoso para si próprio, não em algum aspecto particular, isso é, sobre que tipo de coisas conduzem à saúde e à força, mas sobre que tipo de coisas conduzem a uma vida boa em geral. Isso fica claro pelo fato de que creditamos positivamente os homens com sabedoria prática em algum aspecto particular quando eles raciocinam bem objetivando algum bom objetivo que é um daqueles que não é objeto de nenhuma arte. Como conseqüência, em um sentido mais geral, um homem que é capaz de deliberar também tem sabedoria prática[53].
Já a distinção entre o direito e a moral reside basicamente, no fato de que a moral impõe ao sujeito uma escolha entre ações que se pode praticar; mas que se refere somente ao próprio sujeito. O direito é bilateral, pois se refere ao foro externo do sujeito enquanto ser social. Este, por sua vez, não pode escolher entre obedecê-lo ou não.
Kant defende a moral com a aplicação prática dos princípios éticos, de modo a ser entendida como a diferença entre o “certo” e o “errado”, resultava da conformidade da máxima de uma ação com a lei, tendo como princípio supremo “age segundo uma máxima que possa ter valor como lei geral” [54]. Este princípio sugere que a ação moral deverá ser universalizada e em conseqüência nossa ação será ética se universalizada. Trata-se, pois, do imperativo categórico que nos diz o que devemos fazer.
O direito processual é um instrumento a serviço do direito material, mas ele não é um fim em si mesmo, ou seja, não basta a existência do processo sem que haja o devido cumprimento de sua finalidade. Ninguém, exceto talvez alguns psicopatas, considera lícitos e eticamente justificáveis os crimes dos nazistas. Na verdade, nem os próprios nazistas, uma vez que fizeram o possível para esconder o que se passava nos campos de concentração e nos territórios ocupados por eles. A importância da ética é fundamental nas relações humanas, pois é através dela que julgador fará a devida medida do direito.
Conclusão:
A função do processo vai além do conteúdo de seus tradicionais conceitos, uma vez que é uma forma de garantir a estabilidade, a ordem constitucional e a pacificação social.
O processo não é um fim em si mesmo ou apenas instrumento técnico de que dispões as partes, acima de tudo, deve atuar como um instrumento ético a serviço da sociedade.
Mestranda Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo- PUC; Pós Graduada em Direito do Trabalho pela Faculdade Autônoma de Direito–FADISP, graduada em Direito na Faculdade Metropolitana Unida- FMU.
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