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O devido processo legal

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Resumo: Este artigo objetiva discorrer sobre o princípio do devido processo legal: seus antecedentes históricos, significado, classificação e importância na atualidade.


Palavras-chave: Direito Processual – Princípios – Devido Processo Legal
Abstract: This article is intented to analyse of the principle of the due process of law: historical antecedents, meaning, classification and importance in the present.


Keywords: Procedural Law  –  Principles – Due Process of Law


Sumário: 1. Introdução; 2. Um pouco de história; 3. O devido processo legal na atualidade; 4. Considerações finais. Referências bibliográficas.


1. Introdução


O princípio do devido processo legal é visto como o princípio maior, fundamental, que norteia o ordenamento jurídico brasileiro, haja vista englobar, de certa maneira, os demais princípios processuais, a exemplo dos princípios do acesso à justiça, da ampla defesa e do contraditório. É o princípio segundo o qual o processo deve observar necessária e impreterivelmente a legalidade, pressuposto de qualquer Estado de Direito. É o “due process of law” dos americanos. É o inafastável princípio do direito processual que preceitua a proteção aos bens jurídicos que, direta ou indiretamente, se referem à vida, à liberdade e à propriedade, amplamente consideradas.


2. Um pouco de história


As origens do devido processo legal, enquanto princípio norteador da jurisdição, remontam à Magna Charta de João Sem Terra, de 1215, no sistema jurídico inglês, bem como ao “Statute of Westminster of the Liberties of London”, também conhecido como Lei de Eduardo III ou Lei Inglesa de 1354, também no sistema jurídico inglês. A Magna Charta de 1215 não fazia alusão expressa ao princípio de que ora se trata, conquanto o considerasse sob a ótica estrita, isto é, o devido processo legal processual, que mais à frente será explicado no presente trabalho.


Além das leis inglesas já citadas, a história do princípio do devido processo legal alude a Constituições dos Estados americanos, anteriormente à Constituição Americana de 1787:


a) Declaração dos Direitos da Virgínia, de 16 de agosto de 1776;


b) Declaração de Delaware, de 02 de setembro de 1776;


c) Declaração dos Direitos de Maryland, de 03 de novembro de 1776;


d) Declaração dos Direitos da Carolina do Norte, de 14 de dezembro de 1776;


e) Constituições dos Estados de Vermont, Massachusetts (25 de outubro de 1780) e New Hampshire (02 de junho de 1784);


f) Constituição de Filadélfia.


Com o mesmo significado que “due process of law”, até então utilizava-se a expressão “law of the land”, ou seja, direito da terra, garantindo aos cidadãos o direito a um justo processo legal. O princípio “law of the land” aparece pela primeira vez na Magna Charta de João Sem Terra, de 1215, em contraposição ao “Roman Law” (Direito Romano).


3. O devido processo legal na atualidade


Reale (1999, p. 60) afirma que princípios são “verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade”. Daí a razão de se ter afirmado, na introdução deste artigo, que o princípio do devido processo legal é o princípio fundamental da ordem jurídica brasileira no que concerne, especificamente, ao processo. A garantia de certeza a que Reale se refere perpassa pela legalidade enquanto elemento inseparável dos Estados de Direito.


O princípio do devido processo legal relaciona-se não apenas com o princípio da legalidade, mas também com a legitimidade. A esse propósito, consoante Cintra (2001, p. 131), o devido processo legal é o “processo devidamente estruturado” mediante o qual se faz presente a legitimidade da jurisdição, entendida jurisdição como poder, função e atividade.


Acquaviva (2001) assevera que esse princípio: a) gera a garantia de que todo e qualquer processo se dá em relação a fatos cuja ocorrência é posterior às leis que os regulamentam; b) significa também que o Poder Judiciário deve apreciar as lesões e ameaças à liberdade e aos bens dos indivíduos. Em relação ao primeiro aspecto citado (letra “a”), Baptista (1997, p. 12), ao citar Alvim e Alvim, registra que “ ‘o processo tem de se submeter a um ordenamento preexistente e, se este se alterar, estando em curso o processo, os atos já realizados serão respeitados […]’ ”. José Frederico Marques apud Acquaviva (op. cit.) se expressa no sentido de que o princípio do devido processo legal permite, ainda, a necessária imparcialidade do juiz.


Alvim (1999, p. 64) diz que um dos exemplos do princípio do devido processo legal se encontra no princípio de que nula poena sine iudicio – não há pena sem processo. Trata-se de um princípio do direito penal, “significando que nenhuma sanção penal pode ser imposta sem a intervenção do juiz, através do competente processo. Nem com a concordância do próprio infrator da norma penal, pode ele sujeitar-se à sanção, extrajudicialmente”.


Divide-se o devido processo legal em duas espécies: substancial e processual.


O devido processo legal substancial (“substantive due process”) considera o direito material e requer uma produção legislativa com razoabilidade, quer dizer, as leis devem satisfazer ao interesse público, aos anseios do grupo social a que se destinam. É precisamente na razoabilidade das leis que se configuram os limites imprescindíveis ao poder legiferante do Estado, de sorte a ser evitado o abuso de poder por parte do próprio Governo, garantindo-se ao cidadão a inafastável elaboração legislativa comprometida com os reais interesses sociais, vale dizer, a produção de leis razoáveis, assim denominadas em razão de atenderem aos reclamos da sociedade.


Por outro lado, o devido processo legal processual (“procedural due process”) é o princípio empregado no sentido estrito, referindo-se tanto ao processo judicial quanto ao processo administrativo, assegurando-se ao litigante vários direitos no âmbito do processo, a exemplo dos direitos: à citação, à comunicação eficiente acerca dos fundamentos da instauração do processo do qual é uma das partes, à ampla defesa, à defesa oral, à apresentação de provas na defesa de seus interesses, a ter um defensor legalmente habilitado (advogado), ao contraditório, à contra-argumentação face às provas arroladas pela outra parte (inclusive quando se tratar de prova testemunhal), a juiz natural, a julgamento público mediante provas lícitas, à imparcialidade do juiz, a uma sentença fundamentada, ao duplo grau de jurisdição e à coisa julgada. É precisamente nesse aspecto processual que se faz uso, no Brasil, da expressão “devido processo legal” e se insere o contraditório, que, de forma conjunta com o direito de ação, a ampla defesa e a igualdade de todos perante a lei, enfeixa o acesso à justiça.


Conforme Nery Júnior (S.d., p. 41), o devido processo legal, sob a ótica estritamente processual, “nada mais é do que a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível”. Por sua vez, Brindeiro (199-?, p. 51) deixa consignado:


“Segundo sua concepção originária e adjetiva, […] a cláusula do devido processo legal não visava a questionar a substância ou o conteúdo dos atos do Poder Público, mas sim a assegurar o direito a um processo regular e justo. Por isso, nesse sentido, aplica-se a denominação procedural due process.”


Visa-se, com o princípio do devido processo legal, à proteção dos bens jurídicos: vida, liberdade e propriedade. É o que o “due process clause” americano garante a seus cidadãos, em razão de considerar aqueles bens jurídicos como valores de importância capital a serem tutelados pelo Estado. O “due process clause” é a cláusula da Constituição dos EUA referente à garantia da prestação de um justo processo legal, segundo Mello (1998, p. 308).


Relativamente à discussão que tem como objeto o devido processo legal, manifestam Tucci e Tucci (1993, p. 18-19) o pensamento de que, através desse princípio:


“se determina a imperiosidade, num proclamado Estado de Direito, de:


a) elaboração regular e correta da lei, bem como sua razoabilidade, senso de justiça e enquadramento nas preceituações constitucionais (substantive due process of law, segundo o desdobramento da concepção norte-americana);


b) aplicação judicial das normas jurídicas (não só da lei, como tal própria e estritamente concebida, mas, por igual, de toda e qualquer forma de expressão do direito), através de instrumento hábil à sua interpretação e realização, que é o ‘processo’ (judicial process); e,


c) assecuração, neste, de paridade de armas entre as partes, visando à igualdade substancial.”


Moraes (2001, p. 121), acerca do devido processo legal, diz:


“O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa […].”


O legislador brasileiro inspirou-se na Constituição Americana, ao trazer para o ordenamento jurídico brasileiro o princípio do devido processo legal. Tal princípio encontra-se na Carta Política Brasileira de 1988, Art. 5º, LIV: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.


Posiciona-se Brindeiro (op. cit., p. 50) no sentido de que o princípio do devido processo legal:


“deve ser associado aos princípios constitucionais do controle judiciário – que não permite à lei excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito – e das garantias do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes […].”


Brindeiro (op. cit., p. 50) também consigna:


“Penso, ainda, que a igualdade perante a lei e o devido processo legal são princípios constitucionais complementares entre si, pois os princípios da legalidade e da isonomia – essenciais ao Estado Democrático de Direito – não fariam qualquer sentido sem um poder capaz de fazer cumprir e pôr em prática, para todos, com a necessária presteza, a Constituição e as leis do País.”


A importância que o princípio do devido processo legal merecidamente tem recebido nos Estados de Direito atuais pode ser observada na Declaração Universal dos Direitos Humanos:


“Artigo IX – Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.


Artigo X – Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.


Artigo XI


1.Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.


2.Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.”


Outro exemplo da importância supracitada está no Artigo 8 da Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos:


“ARTIGO 8


Garantias Judiciais


1.  Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as dividas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.


2.  Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:


a)  direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal;


b)  comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;


c)  concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa;


d)  direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;


e)  direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;


f)  direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos.


g)  direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada, e


h)  direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.


3.  A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.


4.  O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá se submetido a novo processo pelos mesmos fatos.


5.  O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.”


4. Considerações finais


Salienta-se a magnitude do princípio do devido processo legal na contemporaneidade do Direito Processual, e, em especial, levando-se em conta a realidade do Brasil, essa pátria amada, idolatrada na qual se vê que a sociedade espera uma jurisdição deveras atuante e o respeito devido tanto à legalidade quanto à legitimidade, pois, em terras onde a lei muitas vezes é descumprida, o que se deve esperar além do caldeirão transbordante de um assustador caos social?


 


Referências bibliográficas:

ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário acadêmico de direito. 2. ed. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2001.

ALVIM, J. E. Carreira. Elementos de teoria geral do processo. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

BAPTISTA, Sônia Márcia Hase de Almeida. Direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1997.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil – 1988.

BRINDEIRO, Geraldo. O devido processo legal e o estado democrático de direito. In: Revista Trimestral de Direito Público, [S.l.], n. 19, [199-?].

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE OS DIREITOS HUMANOS (PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA). In: Ministério da Justiça do Brasil – Secretaria de Estado dos Direitos Humanos – Departamento de Promoção dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.mj.gov.br/sedh/dpdh/gpdh/inter_dirhumanos.htm>. Acesso em: 12 mar. 2001.

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, DE 10 DE DEZEMBRO DE 1948. In: Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo/Comissão de Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/documentos/tratados/internacionais/declaracao_universal_dos_direitos_humanos.html>. Acesso em: 28 fev. 2002.

MELLO, Maria Chaves de. Dicionário jurídico português-inglês – inglês-português. 7. ed. Rio de Janeiro: Elfos, 1998.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 6. ed. [S. l.]: Revista dos Tribunais, [S.d.].

REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

TUCCI, Rogério Lauria; TUCCI, José Rogério Cruz e. Devido processo legal e tutela jurisdicional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.

Informações Sobre o Autor

Wellington Soares da Costa

Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Direito Constitucional e Direito Administrativo.


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Equipe Âmbito Jurídico

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