Resumo: Por meio deste texto, visa-se analisar a perspectiva constitucional contemporânea à luz do texto O novo direito constitucional e a constitucionalização do direito, de autoria Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso e dos fundamentos do direito, tendo como norte se a crise pelo qual passamos, no Brasil, atualmente, resulta da má compreensão do papel da Constituição no Pós-positivismo Jurídico ou de um oportunismo de muitos.
Palavras-chave: Direito. Constituição. Contemporaneidade.
Abstract: By means of this text, the objective is to analyze the contemporary constitutional perspective in the light of the text The new constitutional law and the constitutionalisation of the right, authored by the Minister of the Supreme Federal Court, Luis Roberto Barroso and the legal basis, Which we are currently experiencing in Brazil results from a misunderstanding of the role of the Constitution in legal post-positivism or the opportunism of many.
Keywords: Law. Constitution. Contemporaneity.
Sumário: 1. Introdução. 2. Os meandros do Constitucionalismo atual. 3. Os fundamentos do direito contemporâneo. 4. Considerações finais. Referências.
1. Introdução
Luis Roberto Barroso, atual Ministro do Supremo Tribunal Federal, de acordo com informações alocadas em seu curriculum lattes, é Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ; Professor Visitante da Universidade de Brasília – UnB e Graduação em Direito pela UERJ; Mestre (Master of Laws) pela Yale Law School. Doutor e Livre-Docente pela UERJ; Estudos de Pós-Doutorado na Harvard Law School; Professor Visitante da Universidade de Poitiers, França (fev. 2010) e da Universidade de Wroclaw, Polônia (out. 2009).
No texto O novo direito constitucional e a constitucionalização do direito, publicado em 2006, o autor procurou demonstrar como o direito constitucional se transformou no principal pilar do Direito contemporâneo.
Para isso, destacou três marcos: um histórico, um teórico e outro filosófico. Por meio do desenvolvimento desses, procurou demonstrar que a Constituição passou a ser não só a matriz política, mas também ganhou um aspecto normativo, transformando os diversos ramos do direito, os quais devem ser encarados sob sua óptica.
Posto isso, vale analisar, aqui, se a crise pela qual o Brasil atravessa, para além do âmbito jurídico, alcançando a convivência social como um todo, resulta da má compreensão do papel da Constituição no Pós-positivismo Jurídico ou de um oportunismo de muitos.
2. Os meandros do Constitucionalismo atual
Baseando-se nos marcos apontados acima, Barroso procurou, como afirmado, demonstrar o estágio atual do constitucionalismo brasileiro.
Pela ideia do primeiro, o histórico, evidencia-se a importância da Constituição Federal de 1988, quando se procura demonstrar tal aspecto entrelaçado à busca pela estabilidade institucional no país, a partir da ruptura normativa de um Estado Ditatorial com a criação de um Estado Democrático de Direito.
O marco teórico possibilitou a mudança de paradigma sofrida pelo direito constitucional, quando se abandona a ideia de tratar-se a Constituição de um documento meramente político como outrora, ganhando a mesma força normativa, sendo o filtro por meio do qual devem passar todos os ramos do direito.
Já o marco filosófico é marcado pela superação do Jusnaturalismo e do Positivismo Jurídico pelo Pós-positivismo Jurídico.
Como se sabe, no Jusnaturalismo, independentemente das suas diferentes formulações, pugnou-se pela defesa da pessoa humana, unicamente, por essa condição de humano, ainda que não houvesse norma jurídica reconhecendo e positivando seus direitos.
Já no Positivismo Jurídico, também em suas diferentes facetas, acreditou-se na razão resultante da ciência, cujo principal signo seria a norma jurídica produzida pelo Estado. Assim, a legitimidade do comportamento ideal decorreria da lei. Portanto, apartou-se o direito da filosofia e das demais vertentes do conhecimento.
Por fim, com o advento do Pós-positivismo Jurídico, o qual, segundo Barroso (2006), nem sempre se apresenta sistematizado, há diversas transformações no âmbito do direito como, além do reconhecimento da normatividade dos princípios, a ascensão dos valores sob o fundamentando de que a dogmática tradicional (Positivismo Jurídico) se baseou no mito da objetividade do Direito e da neutralidade do intérprete, tendo encoberto seu caráter ideológico bem como sua instrumentalidade à dominação econômica e social.
Sem dúvidas, o autor muito contribuiu para a melhor compreensão da posição do constitucionalismo contemporâneo, porém, para se enfrentar, ainda que ligeiramente, a indagação exposta quando da introdução, é preciso desenvolver certos pontos sobre a evolução dos fundamentos do direito.
3. Os fundamentos do direito
Aprofundando um pouco mais, a fundamentação Jusnaturalista do direito foi estritamente material, tendo em vista que o direito positivo, para que fosse válido, deveria estar em conformidade com os preceitos do Direito Natural.
Essa concepção acerca do direito sustentou-se enquanto havia certa homogeneidade moral na sociedade (crenças, costumes, visões de mundo partilhados), vindo a sucumbir diante da Escola da Exegese, que posteriormente fora superada pela Escola Histórica e, em caráter sucessivo, pelo Positivismo Jurídico, devido à pluralidade de características de uma nova sociedade que se formou. Ou seja, os preceitos Jusnaturalistas, no que tange ao fundamento de validade do direito (material), tornaram-se insustentáveis, mostrando-se dogmáticos e absolutos. Analisemos isso!
A Escola da Exegese, que teve como marco o Código Napoleônico de 1804, asseverava que Direito reduzir-se-ia à lei escrita, por prever em seu corpo os princípios superiores, eternos, uniformes, permanentes e imutáveis sustentados pela Escola Jusnaturalista do Direito.
Para os adeptos desta Escola, a lei era obra jurídica perfeita, completa, abarcando o “verdadeiro direito”, reprodução escrita dos valores absolutos de justiça do Direito Natural, insculpidos na vontade do legislador.
Tal concepção reduziu o juiz ao papel de burocrático aplicador de leis, encarando o ordenamento jurídico como um “catálogo”, dotado da previsão de todos os fatos ocorridos e que viessem a ocorrer na sociedade, que com sua consecução subsumir-se-iam a ele. Ou seja, vedava-se aos juízes o poder de criação, sendo-lhes reservada, tão-somente, a incumbência de verdadeira boca que pronuncia os ditames legais, considerados regras jurídicas.
Sua atividade, assim, seria meramente silogística, eis que a lei (regra jurídica) era encarada como premissa maior e o fato como premissa menor, donde desta conjugação chegava-se a uma decisão lógico-dedutiva.
Posteriormente, tal concepção acerca do direito foi contestada, sendo a Escola Histórica a primeira a fazê-lo, sustentando a inexistência de um direito geral e universal, visto que cada povo, em cada época, teria o seu próprio direito, resultante de sua evolução histórica, de seus usos, costumes e tradições.
Esforçaram-se os defensores desta Escola em demonstrar que o direito era um produto histórico, sujeito a permanente e natural evolução, nem estabelecido arbitrariamente pela vontade dos homens, nem emanado de Deus, mas pela consciência coletiva do povo.
Nesses moldes, entende-se que a lei, enquanto regra jurídica, não é pronta e acabada, estando suscetível a uma interpretação mais ampla do que a defendida pela Escola da Exegese, imputando-se ao intérprete, além da função de esclarecimento dos ditames legais, a promoção de sua contextualização aos interesses e necessidades sociais, de modo que se desvende como agiria o legislador, caso estivesse em seu lugar prestes a solucionar um caso.
Já no século XX, o Positivismo Jurídico apresenta, também, uma teoria diversa da legalista sustentada pela Escola da Exegese. Tal teoria, de caráter extremamente formal, teria pregado, supostamente, a separação entre o direito e a moral (teoria da neutralidade ou da separação), concebendo o direito de uma maneira neutra, como uma estrutura lógico-formal, desprovida de qualquer conexão com a moral.
Dissemos supostamente pelo fato de que, como notaremos a seguir, no que diz respeito à interpretação do direito, bem como sua aplicação, grandes Positivistas como Kelsen e Hart desenvolvem suas teorias admitindo a discricionariedade do julgador, que vinculada à norma jurídica, por vezes irá transcendê-la, exercendo verdadeiro ato de criação do direito, despertando-nos, por consequência, a reflexão: de quais elementos faria uso o julgador para transcender a norma jurídica em seu ato de criação do direito? Seria a moral? Vejamos as teorias.
Kelsen aponta que a aplicação do direito se encontra carreada de uma forma relativamente indeterminada, havendo relação entre normas de escalão superior e normas de escalão inferior.
Segundo este, a norma de escalão superior determina a execução, bem como o conteúdo da norma inferior. Todavia, essa orientação se dá de um modo incompleto:
“A norma do escalão superior não pode vincular em todas as direções (sob todos os aspectos) o ato do qual é aplicada. Tem sempre de ficar uma margem, ora maior ora menor, de livre apreciação, de tal forma que a norma do escalão superior, tem sempre, em relação ao ato de produção normativa ou execução que aplica, o caráter de um quadro ou moldura a preencher por este ato. Mesmo uma ordem mais pormenorizada possível tem de deixar àquele que a cumpre ou executa uma pluralidade de determinações a fazer” (KELSEN, 2006, p. 388).
Na Teoria Positivista (normativista) de Kelsen, o juiz, quando da aplicação do direito, deverá, além de seguir a norma escalão superior, observar as diversas alternativas de interpretação possibilitadas por esta moldura, de modo a apontar, na norma de escalão inferior (sentença), a melhor maneira de solucionar dado caso, de acordo com suas peculiaridades.
Todavia, inadmite o mesmo, no que tange a busca do melhor modo de julgar-se o caso concreto, que qualquer conteúdo seja considerado como direito. Momento em que, eventual preenchimento de lacunas estaria vinculado, pelo que chama de interpretação autêntica, à atuação do órgão jurídico aplicador do direito.
De outro modo, demais tipos de interpretação, como a cognoscitiva da ciência jurídica, estabeleceriam, tão somente, “possíveis significações de uma norma jurídica” (KELSEN, 2006, p. 395).
Hart, por sua vez, argumenta que na sociedade haveria necessidade de delimitar-se padrões e princípios de conduta difusos, e que o direito, por não regular de forma específica a conduta de cada indivíduo, mas de classes de pessoas e de atos, para fazê-lo, utiliza-se de dois instrumentos, a legislação e o precedente.
Por legislação, entende-se aquela forma normativa definidora de um padrão de conduta como modelo obrigatório, de modo que o precedente se apresenta como uma referência de conduta.
Por mais que tenha denominado tais figuras normativas, Hart reconhece a impossibilidade da previsão, pelo legislador, de todos os fatos da vida, tendo fomentado que a aplicação do direito é envolvida por uma gama de alternativas, classificando de textura aberta do direito a possibilidade de que, em razão das circunstâncias, autoridades judiciais e administrativas evidenciem um equilíbrio entre interesses em conflito, cujo peso varia em virtude das particularidades de cada caso.
Hart assevera a existência de uma margem, ou seja, como Kelsen, admite espaços deixados em aberto para que o aplicador do direito busque a melhor forma de julgar determinado caso:
“Se o mundo no qual vivemos tivesse apenas um número finito de características, e estas, juntamente com todas as formas sob as quais podem se combinar, fossem conhecidas por nós, poderíamos então prever de antemão todas as possibilidades. Poderíamos criar normas cuja aplicação a casos particulares nunca exigiria uma escolha adicional. Poder-se-ia tudo saber e, como tudo seria conhecido, algo poderia ser feito em relação a todas as coisas e especificado antecipadamente por uma norma. Esse seria um mundo adequado a uma jurisprudência “mecânica”. Esse não é, evidentemente, o nosso mundo; os legisladores humanos não podem ter o conhecimento de todas as combinações possíveis de circunstâncias que o futuro pode trazer […]” (HART, 2009, p. 166-167).
Nesse contexto, a proposta positivista apresenta um fundamento formal de validade para o direito, pregando sua neutralidade (melhor axiológica), ou seja, sua desvinculação a uma moral determinada (relativismo).
Ocorre, como essa validade é formal, é indeterminada. Entretanto, a partir da análise, mais uma vez, da teoria Kelseniana, pode-se perceber haverem casos em que o aplicador do direito deverá transcender a regra jurídica para julgá-lo e, havendo uma indeterminação quanto à validade do direito, o controle da discricionariedade do julgador quando de sua aplicação, resta prejudicado, in verbis:
“Quando uma teoria do Direito positivo se propõe distinguir Direito e Moral em geral e Direito e Justiça em particular, para não os confundir entre si, ela volta-se contra a concepção tradicional, tida como indiscutível pela maioria dos juristas, que pressupõe que apenas existe uma única Moral válida – que é, portanto, absoluta – da qual resulta uma Justiça absoluta. A exigência de uma separação entre Direito e Moral, Direito e Justiça, significa que a validade de uma ordem jurídica positiva é independente desta Moral absoluta, única válida, da Moral por excelência, de a Moral” (KELSEN, 2006, p. 75).
Kelsen, com tais palavras, ao que parece, visou demonstrar que o direito não está vinculado a uma moral pré-determinada, a uma moral absoluta. Para o autor, o justo para o caso concreto não pode ser prévia e arbitrariamente apontado, pois por meio de juízos de valor (relativos), pode-se vincular o direito a diversos valores, muitas vezes opostos.
No que tange referida relatividade, o autor assevera que:
“Se pressupusermos somente valores morais relativos, então a exigência de que o Direito deve ser moral, isto é, justo, apenas pode significar que o Direito positivo deve corresponder a um determinado sistema de Moral entre os vários sistemas morais possíveis. Mas com isso não fica excluída a possibilidade da pretensão que exija que o Direito positivo deve harmonizar-se com um outro sistema moral e com ele venha eventualmente a concordar de fato, contradizendo um sistema moral diferente deste” (KELSEN, 2006, p. 75).
Identificado o problema da validade formal bem como o exercício do poder discricionário do julgador no Positivismo Jurídico, o que gerava arbitrariedades, ao final do século XX, vislumbrou-se a necessidade da elaboração de uma teoria que demonstrasse qual deva ser o conteúdo legítimo do direito de modo que não haja a imposição de visões de mundo, fazendo surgir, então, o Pós-positivismo Jurídico, no qual pode-se alocar Ronald Dworkin e Robert Alexy, os quais apresentam interessante solução para o problema da conciliação entre a legalidade e a legitimidade no direito, por meio da análise dos princípios e regras como espécies de normas jurídicas.
Ronald Dworkin, afirmara que as regras devem ser analisadas no plano da validade, sendo aplicáveis na forma de tudo ou nada.
Nesse viés, em ocorrendo os fatos previstos por uma regra válida, a resposta por ela dada deve ser aceita (ela deve ser aplicada). Segundo o autor “[…] as regras são aplicáveis à maneira de tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ele fornece deve ser aceita, ou não é válida […]” (DWORKIN, 2007, p. 39).
Apesar do que afirmara, o admite o mesmo que as regras podem conter exceções, sendo apropriado anuncia-las e enumera-las, pois segundo este, em tese, todas as exceções podem ser arroladas, e, quanto mais o forem, mais completo será o enunciado da regra.
Reforçando a ideia, Ronald Dworkin assevera que eventual conflito entre regras deverá ser resolvido segundo os critérios tradicionais de hierarquia (norma hierarquicamente superior prevalece sobre norma hierarquicamente inferior), cronologia (norma posterior prevalece sobre norma anterior) e especialidade (norma especial prevalece sobre norma geral), devendo uma delas, ser considerada inválida.
“Se duas regras entram em conflito, uma delas não pode ser válida. A decisão de saber qual delas é válida e qual deve ser abandonada ou reformulada, deve ser tomada recorrendo-se a considerações que estão além das próprias regras. Um sistema jurídico pode regular esses conflitos através de outras regras, que dão precedência à regra promulgada pela autoridade superior, à regra promulgada mais recentemente, à regra mais específica ou outra coisa desse gênero […]” (DWORKIN, 2007, p. 42).
As regras, para Dworkin, desse modo, não possuem uma dimensão de importância, de maneira que, se duas regras entram em conflito, apenas uma delas será aplicada ao caso concreto e a outra deve ser declarada inválida, a não ser que uma seja exceção à outra.
Segundo Dworkin, os princípios possuem, diversamente das regras, uma dimensão de peso ou importância, e que isso, inevitavelmente, levará a uma controvérsia acerca do melhor caminho a se seguir, devendo o intérprete do direito, no caso concreto, observar qual deles terá uma precedência em relação ao outro, por meio de uma ponderação. Ou seja, os princípios são prima facie.
“[…] Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão de peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam (por exemplo, a política de proteção aos compradores de automóveis se opõe aos princípios de liberdade de contrato), aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração exata e o julgamento que determina que um princípio ou uma política particular é mais importante que a outra frequentemente será objeto de controvérsia. Não obstante, essa dimensão é uma parte integrante do conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem e o quão importante ele é” (DWORKIN, 2007, p. 42-43).
Marcelo Novelino, desenvolvendo as distinções existentes entre os princípios e as regras em Ronald Dworkin, alude que:
“Segundo DWORKIN, enquanto as regras impõem resultados, os princípios atuam na orientação do sentido de uma decisão. Quando se chega a um resultado contrário ao apontado pela regra é porque ela foi mudada ou abandonada; já os princípios, ainda que não prevaleçam, sobrevivem intactos. Um determinado princípio pode prevalecer em alguns casos e ser preterido em outros, o que não significa sua exclusão. Assim como os aplicadores do Direito devem seguir uma regra considerada obrigatória, também devem decidir conforme os princípios considerados de maior peso, ainda que existam outros, de peso menor, apontado em sentido contrário” (NOVELINO, 2012, p. 127).
Ronald Dworkin, para comprovar sua tese, lançará mão das metáforas do juiz Hércules e do romance em cadeia.
No primeiro caso, Dworkin imagina um magistrado com capacidades e paciência sobre-humanas, competente para, de maneira criteriosa e metódica, selecionar as hipóteses de interpretação dos casos concretos a partir do filtro da integridade.
Assim, em diálogo com as partes daqueles processos, ele deverá interpretar a história institucional como um movimento constante e partindo de uma análise completa e criteriosa da Constituição, da legislação e dos precedentes, para identificar nestes a leitura feita pela própria sociedade dos princípios jurídicos aplicáveis aos casos.
Como consequência, supera-se a chamada “vontade do legislador” como requisito assegurador da objetividade na interpretação do Direito, como defendido noutros tempos.
O fundamento da tese dworkiana para tal postura está na compreensão da interpretação jurídica como uma forma de interpretação construtiva, capaz de tomar as práticas sociais da melhor forma possível.
Já no romance em cadeia, o que se propõe consiste num exercício literário em que um grupo de romancistas seja contratado para um determinado projeto e que jogue dados para definir a ordem do jogo.
O número mais baixo escreve o capítulo de abertura de um romance, que ele depois manda para o número seguinte, o qual acrescenta um capítulo, com a compreensão de que está acrescendo um capítulo a esse romance, não começando outro, e manda os dois capítulos para o seguinte, e assim por diante. Cada romancista, a não ser o primeiro, tem a dupla responsabilidade de interpretar e criar, pois precisa ler tudo o que foi feito antes para estabelecer, no sentido interpretativista, o que é o romance criado até então.
Nessa perspectiva, cada juiz será como um romancista na corrente, de modo que deverá interpretar tudo o que foi escrito no passado por outros juízes e partes nos respectivos processos, buscando descobrir o que disseram, bem como o seu estado de espírito quando o disseram, objetivando chegar a uma opinião do que eles fizeram coletivamente.
A cada caso, o juiz incumbido de decidir deverá se considerar como parte de um complexo empreendimento em cadeia no qual as inúmeras decisões, convenções e práticas representam a história, que será o seu limite.
O trabalho consistirá, portanto, na continuação dessa história, mas com olhos para o futuro, levando em consideração o que foi feito, por ele e pelos demais, no presente (com os olhos para o passado). O magistrado deverá interpretar o que aconteceu no passado e não partir numa nova direção, já que o dever do juiz consiste, para Dworkin, em interpretar a história jurídica que encontra e não inventar uma história melhor.
Dessa forma, não pode o magistrado romper com o passado, porque a escolha entre os vários sentidos que o texto legal apresenta não pode ser remetida à intenção de ninguém in concreto, mas sim deve ser feita à luz de uma teoria política e com base no melhor princípio ou política que possa justificar tal prática.
Dworkin pressupõe, também, a identificação de uma comunidade de princípios, ou seja, uma dada sociedade é compreendida por pessoas que consideram sua prática governada por princípios comuns e não somente por regras criadas em conformidade com um acordo político.
Assim, o Direito não está restrito ao conjunto de decisões tomadas em âmbito institucional, mas o transborda, devendo ser encarado, em termos gerais, como um sistema de princípios construídos a partir da interpretação da história das práticas sociais, ponto que se deve pressupor nas decisões institucionais. Dessa forma, tanto o juiz Hércules quanto os co-autores do romance em cadeia representam os membros dessa comunidade, tendo sua visão moldada por esse mesmo pano de fundo de silêncio compartilhado que rege as práticas sociais.
Nesse quadrante, tais atividades levarão não somente o magistrado, mas também a comunidade, compreendida pela totalidade de seus membros, ao melhor argumento possível do ponto de vista de uma moral política substantiva, bem como a um argumento com pretensões de ser o correto.
Passemos à análise da teoria de Robert Alexy.
Para Alexy, a despeito das teorias positivistas separarem o direito e a moral, por meio de um conceito de direito com validade puramente formal, corroborada pela legalidade em conformidade com o ordenamento e a eficácia social, teorias não-positivistas tendem a vinculá-los (direito e moral), concebendo o autor um conceito de direito carreado de um terceiro aspecto além dos dois primeiros, vale dizer, o da correção material:
“o direito é um sistema de normas que (1) formula uma pretensão de correção, (2) consistindo na totalidade das normas que pertencem a uma Constituição geralmente eficaz e que não são extremamente injustas, bem como à totalidade das normas promulgadas de acordo com esta Constituição, que possuem um mínimo de eficácia social ou de probabilidade de eficácia e não são extremamente injustas a qual (3) pertencem princípios e outros argumentos normativos nos quais se apoia o procedimento de aplicação do Direito e/ou tem que se apoiar a fim de satisfazer a pretensão da correção[1]” (ALEXY, 2004, p. 123).
A passagem revela que Alexy se preocupa com a correção do direito, pois um sistema jurídico desprovido desta não pode ser legítimo, como pode-se compreender a seguir:
“um sistema desprovido de pretensão à correção não possa ser considerado sistema jurídico, e que na prática os sistemas jurídicos a formulam. Que os elementos outrora descritos (legalidade em conformidade com o ordenamento, eficácia social e a correção material) referem-se além da constituição, às normas postas em conformidade com essa constituição, existindo uma estrutura escalonada, excluindo-se normas extremamente injustas da seara do direito. E por fim, que incorpora-se ao direito o procedimento de sua aplicação, pois tudo aquilo em que se apoia ou que tem que se apoiar alguém que aplica o direito almejando sua correção o direito abarca. Ou seja, que princípios não identificados como jurídicos sobre as bases da validade de uma constituição bem como demais argumentos normativos fundamentadores de decisões pertenceriam ao direito” (ALEXY, 2004, p. 123-126).
Se não estivermos enganados, Alexy considera direito e moral como “aliados”. Aliados estes que, por meio de princípios bem como de argumentação jurídica, buscam uma aplicação justa para o direito no caso concreto.
Alexy (2008) concebe princípios e regras como espécies de normas jurídicas, por mais que sejam distintos. Para este, as regras são aplicáveis na maneira do “tudo ou nada”. Vale dizer, se uma regra é válida, deverá ser aplicada na sua totalidade. Em se tratando de um conflito entre regras, para que apenas uma delas seja considerada válida, deveremos tomar alguns cuidados, pois se considerarmos determinada regra como válida a fim de aplicá-la ao caso, como consequência, além da desconsideração da outra regra pela decisão, sua invalidade será declarada, a não ser que essa regra se encontre em uma situação que excepcione a outra.
Os princípios, de outro modo, para Alexy (2008), são normas que ordenam que algo se realize na maior medida possível, em relação às possibilidades jurídicas e fáticas. São, por conseguinte, mandamentos de otimização, caracterizados pela possibilidade de satisfação em diferentes graus e de acordo com as aduzidas possibilidades fáticas e jurídicas.
Podemos, assim, encará-los como razões em favor de determinado posicionamento argumentativo, atribuindo-se peso à luz do caso concreto, quando de uma colisão:
“As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com outro, permitido –, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com maior peso têm precedência […]” (ALEXY, 2008, p. 93-94).
Importante frisarmos, a partir das palavras ora mencionadas, que antecipadamente nenhum princípio tem primazia sobre os demais, e que o uso da ponderação torna possível vislumbrar-se o maior peso de um princípio com relação a outro em dado caso, sem que haja a invalidação do princípio tido como de peso menor. Ademais, em outro caso, poderá haver a redistribuição dos pesos de uma maneira distinta, inclusive oposta.
Isso se dá, porque segundo Alexy (2008), os princípios equiparam-se a valores, apesar de não se tratarem destes. Para o autor, princípios dizem respeito a um conceito deontológico (de dever ser), enquanto que os valores atinem a um conceito axiológico (de bom, de melhor), não obstante estarem intimamente ligados, possibilitando-se colisão, bem como sopesamento, tanto de princípios como de valores, vez que a realização gradual dos princípios corresponde à dos valores.
Alexy (2008) delimita que a visão do nível dos princípios mostra que neles estão reunidas coisas extremamente diversas. Mas, mais importante que referir-se a essa diversidade é a constatação de sua indeterminação, pois no mundo dos princípios há lugar para muita coisa, podendo-se chamá-lo de mundo do dever-ser ideal. Para ele, as colisões, tensões, conflitos, etc, surgem exatamente no momento em que se tem de passar do espaçoso mundo do dever-ser ideal para o estreito mundo do dever-ser definitivo ou real.
Mas os princípios por si só, não têm a possibilidade de determinar a resposta correta para cada caso, necessitando de um “amparo” para que alcance a aplicação racional do Direito. Alexy então, na busca dessa aplicação racional do Direito, elabora uma teoria da argumentação jurídica, identificando-a como um caso especial da argumentação prática geral (da argumentação moral), que conjuntamente com as regras e princípios formam um procedimento, apto a estabelecer a melhor decisão para o caso concreto.
Postas essas considerações, importa afirmar, Ronald Dworkin e Robert Alexy, procuraram elaborar teorias das normas a serem aplicadas no Regime de Estado Democrático de Direito, cujo principal signo é a procura pela melhor resposta para o caso concreto, a correção material, visando-se, em última instância, rechaçar a discricionariedade do julgador e, correlatamente, o autoritarismo e a arbitrariedade.
4. Considerações finais
Postas as ponderações precedentes, vale tecer alguns comentários a título de considerações finais.
Primeiramente, todas as transformações aqui trabalhadas resultaram, principalmente, numa grandiosa crítica à teoria da separação dos poderes devido, acentuadamente, ao papel exercido pelo Poder Judiciário na contemporaneidade.
Isso porque diante de um descrédito do processo político majoritário, o Poder Judiciário, sobretudo, na figura do Supremo Tribunal Federal, tem sido convocado a se manifestar sobre temas até então discutidos na seara política.
A evidência tem atraído fortes críticas, sobremaneira, quanto aos desígnios seguidos pelo Pretório Excelso quando de diversas decisões. Argumenta-se, principalmente, que o Guardião da Constituição estaria exorbitando suas funções e se agigantando perante o poder político, o qual seria exercido pelos Poderes Legislativo e Executivo, praticando o mesmo, logo, ativismo judicial e fomentando a judicialização da política.
Perceba-se, o cerne do problema aloca-se na análise da legitimidade da atuação do Poder Judiciário em temas atribuídos, prima facie, ao poder político, tendo em vista a síndrome de inefetividade das normas constitucionais, com ênfase naquelas consagradoras dos direitos fundamentais.
Nesse horizonte, importa considerar em que medida os termos independência e harmonia, previstos no art. 2º da Constituição Federal, devam ser interpretados no sentido de que não deva haver hierarquia entre os poderes, devendo, cada qual, exercer a sua função de modo que a máquina pública funcione em nome do povo e para o povo, com igualdade no que tange à consecução de direitos e a atribuição de obrigações, pois conforme o parágrafo único do art. 1º do Diploma Legal Máximo, todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido.
Assim, se os Poderes Legislativo e Executivo não cumprem seus papéis, poderia o indivíduo reivindicar ao Poder Judiciário que lhe conceda o que fora prometido pela Constituição e por ora não entregue?
Negar a proposta seria admitir que o Poder Judiciário é mero aplicador dos mandamentos legislativos ordinários? Uma decisão judicial sobre matéria politicamente controversa é, necessariamente, ativista? Afinal, qual o papel do Judiciário nas democracias contemporâneas?
Como analisar a controvérsia sob as ópticas Pós-positivista e do Constitucionalismo Contemporâneo?
Tornou-se indispensável uma análise que perpasse a ressignificação do princípio da separação dos poderes na contemporaneidade, uma vez que se vive uma crise de representatividade, mais gravosa ainda quando se reflete sobre a seletividade dos beneficiários do atual sistema.
É inegável que o processo político majoritário se tornou ineficaz quando se pensa na representação dos anseios sociais. Daí dizer estar-se diante de uma crise de representatividade. Não existe diálogo efetivo com a sociedade, e isso tem levado o indivíduo a se fazer representar no Poder Judiciário de forma lapidada àquela genuína da teoria da separação dos poderes.
É preciso avaliar que avançar-se-ia a um novo patamar democrático se feita uma reforma política em que se aproxime o povo das deliberações, pois no mundo extremamente plural em que nos encontramos atualmente, a dialética se mostra imprescindível para que haja a coexistência de interesses tão antagônicos.
As variadas conquistas provindas dos Estados Liberal e Social e a aproximação dos mais diversos povos, oportunizada pela globalização, propiciaram a reivindicação de novas aspirações que descaracterizaram, em certa medida, os ideais de homogeneização do ser. Esses aspectos, entre outros, encontram-se relacionados ao nascimento do Estado Democrático de Direito, o qual pode ser definido como aquele que congrega os anseios dos dois regimes anteriores, sem, contudo, deixar de contemplar, se legítimas, as reivindicações sociais, políticas, econômicas e culturais oferecidas por este tempo, cujas características de extrema pluralidade e heterogeneidade ganham mais relevo.
Esse Regime determina as condições de possibilidades para se discutir e ressignificar a teoria da separação dos poderes, com vistas à plena efetividade dos direitos fundamentais, já que a pessoa humana ocupa, normativamente dizendo, o centro das atenções de todo ordenamento jurídico, congregando as posições de base e finalidade estatais.
Posto isso, parece haver, hodiernamente, um misto de incompreensão do papel da Constituição no Pós-positivismo Jurídico e um oportunismo de muitos.
Se estivermos corretos, nesse horizonte, sugerimos as ideias a seguir como paradigmas analíticos de modo que novos tempos (e melhores) se apresentem:
1. A reestruturação da teoria da tripartição dos poderes requer que cada poder exerça sua função no estrito cumprimento das normas constitucionais, tendo como nortes precípuos a pessoa humana e a plena efetividade dos direitos fundamentais.
2. Se os Poderes Legislativo e Executivo não cumprem seus papeis, caberia ao indivíduo reivindicar, no Poder Judiciário, a efetividade da Constituição, pois este diálogo faz parte do processo democrático, não se podendo mencionar, de plano, ativismo judicial na hipótese.
3. Se o Poder Judiciário, quando provocado pelo indivíduo, prolata suas decisões em desrespeito à Constituição, pratica ativismo judicial. Portanto, ativismo nada mais é do que um ato que extrapola o que está posto nas normas, entendidas como princípios e regras previstos na Carta Magna. Se tal poder, na sua atividade judicante, nesta hipótese (quando provocado), se pauta em normas constitucionais, não se pode falar em ativismo, em nada violando, igualmente, a teoria da tripartição de poderes.
4. Os Poderes Legislativo e Executivo, tal como o Poder Judiciário, podem agir arbitrariamente, ou seja, com ativismo no sentido de extrapolar suas funções constitucionais, justamente por isso, não se pode ignorar a necessidade da construção de mecanismos de controle das decisões (dever de accountability).
Mestre em Direito pela UNIPAC. Especialista em direito público pela Cndido Mendes. Coordenador de Iniciação Científica e professor do Curso de Direito da FADILESTE
Acadêmico em Direito pela FADILESTE
Acadêmico em Direito pela FADILESTE
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