O direito de acrescer no Código Civil brasileiro

Resumo: A presente pesquisa trata do direito de acrescer, instituto jurídico pouco conhecido, mas com importante repercussão em diversas relações jurídicas. Por meio de uma abordagem sistemática, será possível compreender o direito de acrescer não apenas em relação ao seu aspecto conceitual, mas também, as suas hipóteses de incidência e efeitos legais.


Sumário: 1) Conceito; 2) Institutos jurídicos alcançados pelo direito de acrescer; 3) Efeitos do direito de acrescer no contrato de doação, contrato de constituição de renda, direito real de usufruto, herança, legado e fideicomisso; 3) Conclusão.


O direito de acrescer caracteriza-se como uma substituição admitida em lei segundo a qual um indivíduo passa a obter a parte atribuída a outro indivíduo faltoso em determinado direito. De outra forma, quando houver uma disposição conjunta de direitos, existe a possibilidade de certo beneficiário agregar para si a porção atribuída a outro beneficiário, quando este último não mais detiver o referido direito. O vocábulo “acrescer” é definido pelo Dicionário Houaiss da seguinte forma: “dar, trazer ou constituir (algo novo ou adicional que passa a fazer parte de um conjunto); acrescentar; receber ou passar a possuir legalmente um quinhão adicional”.


O presente direito é de grande praticidade para as relações jurídicas que o compreendem. Contudo, é pouco difundido e utilizado, principalmente, por desconhecimento dos profissionais de direito. Já previsto no Código Civil de 1916, o direito de acrescer tem forte presença no Código Civil de 2002, repercutindo, especialmente, nos seguintes institutos jurídicos: contrato de doação, contrato de constituição de renda, direito real de usufruto, herança, legado e fideicomisso. No entanto, o fator diferencial da incidência do direito de acrescer nos institutos jurídicos em análise é a previsão ou não da sua auto-aplicabilidade, ou seja, em determinados momentos a substituição pode se dar de forma automática. Em outros, depende de expressa estipulação.


Para melhor compreensão do direito de acrescer, quanto ao seu aspecto conceitual e efeitos jurídicos, estudaremos cada um dos dispositivos legais do Código Civil em vigor que versam sobre o descrito direito, a começar pelo contrato de doação.


A doação, ato unilateral, gratuito e formal, é o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra. O direito de acrescer é aplicável à doação quando feita conjuntamente a marido e mulher, independentemente do regime de bens vigente no casamento. Nos termos do artigo 551, parágrafo único, do Código Civil, se os donatários, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo. Observa-se que a aplicabilidade da norma em tela independe de estipulação expressa do doador.


A respeito do tema em estudo, Maria Helena Diniz disserta que: “A doação poderá ser feita em comum a várias pessoas, distribuída por igual entre elas, sendo uma obrigação divisível. Poderá o doador dispor em contrário, estabelecendo que a parte do que faltar acresça a do que venha a sobreviver. Se os beneficiários são marido e mulher, a regra é a do direito de acrescer; a doação subsistirá, na totalidade, para o cônjuge sobrevivente. Todavia, na prática, esse artigo não tem aplicação, pois, embora prescreva que o bem doado deva ser excluído do acervo hereditário, devendo ser acrescido a cota do falecido à do sobrevivente, comumente vê-se o bem doado no inventário e na partilha”.


Como se depreende, a ocorrência do óbito de um dos cônjuges é suficiente para que o direito de acrescer tenha seus efeitos consubstanciados. Essa transformação representa uma importante garantia patrimonial e economia financeira para o cônjuge sobrevivente, pois para formalização do seu direito, não será necessário levar a inventário o bem doado. Em se tratando de bem imóvel, é suficiente a averbação da certidão de óbito à margem da matrícula do imóvel.


A constituição de renda, por sua vez, é um contrato pelo qual uma pessoa obriga-se para com outra a uma prestação periódica, a título gratuito ou oneroso. O direito de acrescer aplicável ao contrato em questão está prescrito no artigo 812 do Código Civil, o qual dispõe que quando a renda for constituída em benefício de duas ou mais pessoas, sem determinação da parte de cada uma, entende-se que os seus direitos são iguais; e, salvo estipulação diversa, não adquirirão os sobrevivos direito à parte dos que morrerem. De imediato, identifica-se que, diferentemente da doação, na constituição de renda o direito de acrescer depende de expressa previsão do censuísta, instituidor. Caso contrário, a parte que era destinada ao falecido é extinta, deixando de existir no mundo jurídico.


No que tange ao direito real de usufruto, o direito de acrescer encontra escopo no artigo 1.411 do Código Civil, quando preconiza que o constituído o usufruto em favor de duas ou mais pessoas, extinguir-se-á a parte em relação a cada uma das que falecerem, salvo se, por estipulação expressa, o quinhão desses couber ao sobrevivente. Neste caso, a dinâmica da norma é idêntica à do contrato de constituição de renda, ou seja, se não houver estipulação expressa do instituidor do usufruto, não há que se falar em direito de acrescer. A porção dos faltosos será agregada ao direito dos nu-proprietários, consolidando a propriedade plena.


Por outro lado, o legislador tratou de forma diversa a incidência do direito de acrescer em relação ao legado de usufruto. Pelo teor do artigo 1.946 do Código Civil, legado um só usufruto conjuntamente a duas ou mais pessoas, a parte da que faltar acresce aos co-legatários. O parágrafo único do referido diploma legal complementa que, se não houver conjunção entre os co-legatários, ou se, apesar de conjuntos, só lhes foi legada certa parte do usufruto, consolidar-se-ão na propriedade as quotas dos que faltarem, à medida que eles forem faltando. A previsão legal do caput, nesta situação, é no sentido de que eventos como renúncia, pré-morte e exclusão de um dos legatários, não permitem que os herdeiros legítimos recebam a quota do faltante, ficando esta, para os co-legatários.


A fundamental diferença entre a aplicabilidade do direito de acrescer no usufruto e no legado de usufruto está no momento de constituição do usufruto. De acordo com a premissa do artigo 1.946, o usufruto causa mortis ainda não foi constituído, havendo apenas uma pretensão de direito dos co-legatários ao usufruto. O dispositivo do artigo 1.411, por sua vez, trata do usufruto já constituído. Assim, depois de cumprido um testamento, constituído o usufruto, o direito de acrescer, até então atinente à regra do artigo 1.946, passa a ser regulado pelo dispositivo do artigo 1.411.


A incidência do direito de acrescer no Direito das Sucessões não se limita ao legado de usufruto. O Capítulo VIII, Título III, Livro V, do Código Civil Brasileiro, além do legado de usufruto, trata do direito de acrescer entre herdeiros e legatários de forma mais complexa.


Inicialmente, o artigo 1.941 preconiza que quando vários herdeiros, pela mesma disposição testamentária, forem conjuntamente chamados à herança em quinhões não determinados, e qualquer deles não puder ou não quiser aceitá-la, a sua parte acrescerá à dos co-herdeiros, salvo o direito do substituto. Pelo conteúdo da referida norma, verifica-se a existência de vários requisitos para a configuração do direito de acrescer entre co-herdeiros. Fabrício Zamprogna Matiello, é que melhor define tais pressupostos, a saber: “a) nomeação na mesma disposição testamentária, em conjunto; b) que o testador lhes tenha destinado as mesmas coisas genericamente consideradas, ou a mesma porção da herança; c) que não tenham sido estipuladas quotas individuais para cada beneficiário; d) não ter sido indicado substituto para receber em lugar de cada herdeiro instituído, que não queira ou não possa captar o benefício”.


O que difere o direito de acrescer entre herdeiros e legatários é que, enquanto os primeiros são chamados a receber uma universalidade sem definição de quotas, os segundos percebem uma única coisa, certa e determinada. No mesmo sentido, o artigo 1.942 do Código Civil aponta que o direito de acrescer competirá aos co-legatários, quando nomeados conjuntamente a respeito de uma só coisa, determinada e certa, ou quando o objeto do legado não puder ser dividido sem risco de desvalorização.


O direito de acrescer não será observado quando, na cédula testamentária, o testador houver nomeado de forma expressa substituto para os co-herdeiros ou co-legatários que não vierem a auferir o acréscimo patrimonial, em virtude de eventos como renúncia, exclusão da sucessão por indignidade e premoriência do favorecido em relação ao testador. Corroborando tal argumento, o comando do artigo 1.943 do Código Civil estipulou que se um dos co-herdeiros ou co-legatários, nas condições do artigo antecedente, morrer antes do testador; se renunciar a herança ou legado, ou destes for excluído, e, se a condição sob a qual foi instituído não se verificar, acrescerá o seu quinhão, salvo o direito do substituto, à parte dos co-herdeiros ou co-legatários conjuntos. Caso não tenha sido indicado substituto, os beneficiários aos quais acresceu o quinhão daquele que não quis ou não pôde suceder, ficam sujeitos às obrigações ou encargos que o oneravam.


A não ocorrência do direito de acrescer implica na transmissão da quota vaga do nomeado aos herdeiros legítimos, ou seja, sempre que houver algum fato que determine o rompimento da disposição testamentária, a referida porção será destinada aos herdeiros legítimos. O conteúdo do artigo 1.944 do Código Civil confirma o presente argumento. Por sua vez, o parágrafo único do dispositivo legal em comento preceitua que não existindo o direito de acrescer entre os co-legatários, a quota do que faltar acresce ao herdeiro ou ao legatário incumbido de satisfazer esse legado, ou a todos os herdeiros, na proporção dos seus quinhões, se o legado se deduziu da herança.


Em regra, o co-herdeiro ou co-legatário contemplado com o acréscimo não pode recusá-lo separadamente da herança ou legado a que tiver direito. A exceção fica por conta da existência de algum encargo especial imposto pelo disponente. Neste caso, o indivíduo pode receber a parte que não abranger o acréscimo, no entanto, recusando-o. Por conseqüência, o acréscimo não aceito será revertido para a pessoa a favor de quem os encargos foram instituídos. Essa é a vontade do legislador exteriorizada no artigo 1.945 do Código Civil quando preconiza que não pode o beneficiário do acréscimo repudiá-lo separadamente da herança ou legado que lhe caiba, salvo se o acréscimo comportar encargos especiais impostos pelo testador; nesse caso, uma vez repudiado, reverte o acréscimo para a pessoa a favor de quem os encargos foram instituídos.


Finalmente, o direito de acrescer também é objeto de estudo quando se trata do fideicomisso. O instituto jurídico em análise formaliza-se por disposição testamentária quando o testador, neste ato qualificado fideicomitente, constitui uma pessoa, o fiduciário, como legatário ou herdeiro, todavia impondo que, uma vez verificada certa condição, deverá transmitir o legado ou a herança, a outra pessoa por ele indicada, denominada fideicomissária.


O artigo 1.956 do Código Civil dispõe que se o fideicomissário aceitar a herança ou o legado, terá direito à parte que, ao fiduciário, em qualquer tempo acrescer. Em outros termos, o fideicomissário fará jus ao acréscimo de tudo o que for incorporado pelo fiduciário em decorrência da aceitação da herança ou do legado pelo primeiro. Contudo, é importante salientar que tal acréscimo restringe-se aos bens e direitos objetos do fideicomisso. Para melhor compreensão, podemos tomar o exemplo de um lote submetido à substituição fideicomissária. Com a construção de um edifício no imóvel, a edificação também passa a fazer parte do direito conferido ao fideicomissário.


Para concluir, é importante ressaltar que comumente colocamos em dúvida a capacidade do legislador em criar instrumentos legais para garantir a eficácia de direitos sem que isso, contudo, represente burocracia e custos financeiros elevados. Neste aspecto, o direito de acrescer é um instituto jurídico de enorme importância prática e que pode auferir grandes vantagens para as partes que dele podem fazer uso. Esperamos assim, ter demonstrado o seu alcance de forma clara e didática.


 


Referências bibliográficas

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 3º vol., 18ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003.

FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 8. ed., rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

FIUZA, Ricardo. Novo Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2002.

HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 1.0. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil Comentado. 2ª ed., São Paulo: LTR, 2005.

Informações Sobre o Autor

Fabrício Petinelli Vieira Coutinho

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Conclusão do curso: dezembro de 2006; Tutor do Curso de Pós-Graduação \”lato sensu\” em Direito Registral Imobiliário ofertado pela PUC Minas Virtual, em convênio com o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRB; Escrevente cartorário.


Equipe Âmbito Jurídico

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