Resumo: Abordar-se-á a pena de morte, no Brasil, com sua devida autorização constitucional em caso de guerra declarada.
Palavras-chave: Direito Constitucional, Constituição Federal, Código Penal Militar, Pena de Morte.
1. INTRODUÇÃO
Numa breve observação percebemos que a proteção constitucional ao direito à vida é excepcionada pela possibilidade de aplicação da pena de morte no caso de guerra declarada. É o confronto do direito fundamental à vida daquele que se encontra sob a proteção do Estado, com o direito do próprio Estado Democrático de Direito de tirar a vida de alguém, na esperança de que as relações sociais continuem (entre aspas) “harmônicas”.
2. FUNDAMENTO LEGAL DA PENA DE MORTE
“CF, artigo 5º, inciso XLVIII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX.”
“CF, artigo 84, XIX – Compete privativamente ao Presidente da República: declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional.’
Tomemos, como exemplo, o crime de deserção[1], situação em que o militar se ausenta de sua Organização Militar, injustificadamente, por mais de oito dias, que apesar de sério, pois evita a ineficiência das Forças Armadas, em qualquer outra profissão, que não a de soldado, quando o profissional se ausenta nessas condições é considerado um indiferente penal, no máximo sendo despedido. É apenado com a pena de morte quando a deserção se dá em presença do inimigo.
“Art. 392, do Código Penal Militar. Desertar em presença do inimigo:
Pena – morte, grau máximo; reclusão, de 20 (vinte) anos, grau mínimo.”
A par do devido amparo, de uma Constituição promulgada “sob a proteção de Deus[2]”, encontrado na CF, no artigo 5º, inciso XLVIII, observamos a possibilidade de apenar o desertor com a pena de morte (sendo este: pai, arrimo de família, relativamente jovem ou não…), quando o faz em presença do inimigo, apenas para mostrar a seriedade que pode trazer para a sociedade aquele que ao cumprir seu dever com a nação se alista para o bem e defesa do país. Grifamos, uma frase completa.
Vejamos o efeito da política criminal da pena de morte para o desertor nas situações de guerra, seja para que ele, o militar, não se acovarde e fuja do campo de batalha, deserte, quando, então, poderá fazer sua difícil opção entre morrer, se capturado, ou talvez, eu disse talvez, sobreviver se for ao combate. Embora isto não interfira na pena do desertor, cabe-nos perguntar apenas a situação política que levou o pacato Brasil a estar dentre os guerreiros do mundo, se realmente foi interesse da nação e do povo brasileiro, conforme o artigo 145, da nossa Constituição de 1824[3].
Por pior que pareça, ainda assim, é o progresso…, já não mais ferindo tanto o princípio da dignidade humana, não mais fazendo que o condenado sofra ingentes dores antes da morte, fato constatado quando observamos o Direito Romano trazido pelas mãos de Esmeraldino Bandeira e Chrysolito de Gusmão, já que no Brasil a pena de morte obedece ao disposto no artigo 56, do Código Penal Militar, de 1969, vigente, que reza que: “A pena de morte é executada por fuzilamento”.
“[…] a simples tentativa de deserção para o inimigo era equiparada ao crime consummado e punida com a pena de morte.
A deserção para o inimigo era punida com a exautoração prévia (exautoratio) para poder ser castigada depois com a morte infamante – a tortura, o despedaçamento pelas bestas ou o enforcamento (BANDEIRA, 1919, p. 105, 108).
A deserção para o inimigo, que é o segundo grupamento que classificamos na legislação romana, era um crime de extrema gravidade, e que arrastava o delinquente a ser queimado vivo, lançado na rocha Tarpeia, cortados os pés e mãos, ou enforcado, jogado às feras etc.” (GUSMÃO, 1915, p. 103, 104).
Sentença de morte histórica, dolorosa pela forma, ferindo a ampla defesa, sem contraditório e muito menos sem constituir patrocínio, temos na execução d’Aquele que foi sentenciado com absoluta parcialidade no julgamento (conclusão fácil de se chegar quando se observa seus atos de humanidade escritos no Novo Testamento, pois Sua conduta era “contra a Lei Mosaica” vigente à época, vejamos[4]:
“Neste ano de 19 do Reino de Tibério, Imperador de Todo o Mundo e Monarca Invencível […], eu, Pôncio Pilatos, aqui Presidente do Império Romano, dentro do Palácio e arqui-residência, julgo, condeno e sentencio à morte Jesus, chamado pela plebe de Cristo Nazareno, e galileu de nação, homem sedicioso contra a Lei Mosaica e contrário ao grande Tibério César.
Determino e ordeno que por esta se lhe dê a morte na cruz, sendo pregado com cravos como os réus, porque, congregando por aqui ricos e pobres, não tem cessado de promover tumultos por toda a Judéia, dizendo-se Filho de Deus, Rei de Israel, ameaçando com ruína Jerusalém e o Sacro Templo, negando o tributo a César[5], e tendo ainda o atrevimento de entrar com ramos e em triunfo e com parte da plebe dentro da cidade de Jerusalém; que seja ligado e açoitado e que seja vestido de púrpura e corrido de alguns espinhos, com a própria cruz aos ombros para que sirva de exemplo a todos os malfeitores; e que, juntamente com ele, sejam conduzidos dois ladrões homicidas; e sairão pela Porta Sagrada, hoje Antoniana, e que se conduza Jesus ao monte público da Justiça, chamado Calvário, onde, crucificado e morto, ficará seu corpo na cruz como espetáculo para todos os malvados e que sobre a cruz seja posto um título em três línguas: hebraica, grega e latina: “Jesus Nazareno Rei dos Judeus” […][6]
O Condenado acima era realmente culpado? Quando se descobre, por novas provas irrefutáveis, que o condenado já morto pela aplicação da pena era inocente; a quem o Estado indenizará? Sua família? É o tipo de indenização moral que a ninguém repara.
“Quanto à nossa antiga legislação penal militar, eram as Forças Armadas de então (Exército e Armada) regidas pelos velhos, desumanos e bárbaros Artigos de Guerra do Conde de Lippe, aprovados em 1763, época em vigiam as Ordenações do Reino, as Filipinas, com seu terrível Livro Quintino.
A pena de morte era imposta, por exemplo, ao oficial que ao ser atacado pelo inimigo, abandonasse seu posto sem ordem; ao militar que se escondesse ou fugisse do combate.
Eram arcabuzados (fuzilados) os que desrespeitassem as sentinelas e outros guardas.
Os cabeças de motim ou traição bem como os que tendo conhecimento do crume não o denunciassem eram infalivelmente enforcados.
Já sob o influxo liberal da República, as penas estabelecidas no Código Penal Militar, em decorrência do Dec. 18, de 07.03.1891 – que estabeleceu o Código Penal para a Armada – e, Lei 612 de 29.09.1899, que aprovou e ampliou ao Exército o Código Penal para a Armada, eram as seguintes, previstas em seu art. 39: a) morte, por fuzilamento […]” (ASSIS, 2004, p. 18, 19)
Este estado de guerra declarada, ainda bem, coisa cara na atualidade brasileira, pode, no passado, ser observado pelo seguinte exemplo concreto, quando, em 26 de outubro de 1917, foi sancionado este doloroso episódio de nossa história, extraído do livro do Doutor Cysneiros, Amador.
“Declaração de Guerra do Brasil ao Império Alemão
O presidente da República dos Estados Unidos do Brasil,
Faço saber que o Congresso Nacional decretou e eu sanciono a seguinte resolução legislativa:
Artigo único. Fica reconhecido e proclamado o estado de guerra iniciado pelo Império Alemão contra o Brasil e autorizado o presidente da República a adotar as providências constantes da mensagem de 25 de outubro do corrente e tomar todas as medidas de defesa que julgar necessárias, abrindo os créditos precisos ou realizando as operações de crédito que forem convenientes para esse fim; revogadas as disposições em contrário.”
3. PENA DE MORTE EM PORTUGAL
É sabido que as mudanças sociais ao longo dos tempos requerem novas iniciativas legislativas que acompanhem o progresso, mas, é sabido, outrossim, que a recíproca é verdadeira, pois novas leis interferem na sociedade e alteram os costumes. A pena de morte, como qualquer outra pena, ou mesmo instituto jurídico, pode fazer parte da realidade de um país em um momento e já em outro não fazer parte, indo e vindo em sua constituição e códigos; temos um exemplo claro disto no livro do Doutor Frederico Magno, referindo-se à Portugal. Não se tratando de um simples contrato de compra e venda, o caso da pena de morte, nesta instabilidade jurídica, variando entre permissão e proibição, causa certo desconforto emocional de maior amplitude: pátrio.
“Em 16 de março de 1911, depois da implantação da República (1910), foi aprovado pelo governo provisório o Código de Processo Criminal Militar (CPCM), o qual passava para os tribunais comuns todos os julgamentos que não “tenham caráter militar”. O CPCM era revolucionário, tendo estabelecido o júri militar e abolido em absoluto a pena de morte, bem como previsto mais oito atenuantes além das existentes nos CJM de 1875 e do CMA.
Com a entrada de Portugal na 1ª Guerra Mundial, em 1916, alterou-se a Constituição de 1911, introduzindo-se nesta o Art. 59 A, o qual permitia à aplicação da pena de morte, em caso de guerra.
O Decreto n. 11.292, de 26 de Novembro de 1925, aprovou um novo Código de Justiça Militar, este para aplicado tanto pelo Exército pela Armada, tendo-se mantido a pena de morte e criado os Tribunais Militares Extraordinários.
Após a promulgação da Constituição da República Portuguesa (CRP), aprovou-se o Código de Justiça Militar de 1977, o qual manteve o foro militar, limitando-o apenas aos crimes essencialmente militares, e aboliu a pena de morte.
Finalmente, veio a ser aprovado o novo CJM, pela Lei n. 100/2003, de 15 de Novembro […]” (VERAS, 2007, p. 33, 34, grifos nossos).
4. CÓDIGO PENAL MILITAR
Nem todos os crimes praticados em tempo de guerra são apenados no grau máximo com a morte, a seguir elencaremos os que são:
Art. 355 – Traição.
Art. 356 – Favor ao inimigo.
Art. 357 – Tentativa contra a soberania do Brasil.
Art. 358 – Coação a comandante.
Art. 359 – Informação ou auxílio ao inimigo.
Art. 360 – Aliciação de militar.
Art. 361 – Ato prejudicial à eficiência da tropa.
Art. 362 – Traição imprópria.
Art. 364 – Covardia qualificada.
Art. 365 – Fuga em presença do inimigo.
Art. 366 – Espionagem.
Art. 368 e parágrafo único – Motim revolta ou conspiração e forma qualificada: morte aos cabeças.
Art. 371 – Incitamento em presença do inimigo.
Art. 372 – Rendição ou capitulação.
Parágrafo único do art. 375 – Resultado mais grave do crime de falta de cumprimento de ordem.
Art. 378 – Separação reprovável.
Parágrafo primeiro do art. 379 – Resultado mais grave do crime de abandono de comboio.
Art. 383 – Dano especial.
Art. 384 – Dano em bens de interesse militar.
Art. 385 – Envenenamento, corrupção ou epidemia.
Art. 386 – Crimes de perigo comum.
Art. 387 – Recusa de obediência ou oposição.
Art. 389 e parágrafo único – Violência contra superior ou militar de serviço.
Art. 390 – Abandono de posto.
Art. 392 – Deserção em presença do inimigo.
Art. 394 – Libertação de prisioneiro.
Art. 395 – Evasão de prisioneiro.
Art. 396 – Amotinamento.
Inciso III, do art. 400 – Homicídio qualificado.
Art. 401 – Genocídio.
Art. 405 – Roubo ou extorsão.
Art. 406 – Saque.
Alínea “b”, do parágrafo único, do art. 408 – Resultado mais grave do crime de violência carnal.
5. JURISPRUDÊNCIA
Sobre pena de morte e extradição, trouxemos um julgado interessante realizado pelo Supremo Tribunal Federal, em que é abordado o respeito aos direitos humanos e a possibilidade de comutação da pena de morte em pena privativa de liberdade. Suprimimos alguns parágrafos que nos fogem ao tema e aproveitamos o ensejo para elogiar a iniciativa brasileira neste sentido.
“Extradição 633 / CH – REPÚBLICA DA CHINA
Julgamento: 28/08/1996 – Órgão Julgador: Tribunal Pleno
E M E N T A: EXTRADIÇÃO – REPÚBLICA POPULAR DA CHINA – CRIME DE ESTELIONATO PUNÍVEL COM A PENA DE MORTE – TIPIFICAÇÃO PENAL PRECÁRIA E INSUFICIENTE QUE INVIABILIZA O EXAME DO REQUISITO CONCERNENTE À DUPLA INCRIMINAÇÃO – PEDIDO INDEFERIDO. PROCESSO EXTRADICIONAL E FUNÇÃO DE GARANTIA DO TIPO PENAL.
EXTRADIÇÃO E RESPEITO AOS DIREITOS HUMANOS – A essencialidade da cooperação internacional na repressão penal aos delitos comuns não exonera o Estado brasileiro – e, em particular, o Supremo Tribunal Federal – de velar pelo respeito aos direitos fundamentais do súdito estrangeiro que venha a sofrer, em nosso País, processo extradicional instaurado por iniciativa de qualquer Estado estrangeiro. O fato de o estrangeiro ostentar a condição jurídica de extraditando não basta para reduzi-lo a um estado de submissão incompatível com a essencial dignidade que lhe é inerente como pessoa humana e que lhe confere a titularidade de direitos fundamentais inalienáveis, dentre os quais avulta, por sua insuperável importância, a garantia do due process of law. Em tema de direito extradicional, o Supremo Tribunal Federal não pode e nem deve revelar indiferença diante de transgressões ao regime das garantias processuais fundamentais. É que o Estado brasileiro – que deve obediência irrestrita à própria Constituição que lhe rege a vida institucional – assumiu, nos termos desse mesmo estatuto político, o gravíssimo dever de sempre conferir prevalência aos direitos humanos (art. 4º, II).
EXTRADIÇÃO E DUE PROCESS OF LAW – O extraditando assume, no processo extradicional, a condição indisponível de sujeito de direitos, cuja intangibilidade há de ser preservada pelo Estado a quem foi dirigido o pedido de extradição. A possibilidade de ocorrer a privação, em juízo penal, do due process of law, nos múltiplos contornos em que se desenvolve esse princípio assegurador dos direitos e da própria liberdade do acusado – garantia de ampla defesa, garantia do contraditório, igualdade entre as partes perante o juiz natural e garantia de imparcialidade do magistrado processante – impede o válido deferimento do pedido extradicional (RTJ 134/56-58, Rel. Min. Celso de Mello). O Supremo Tribunal Federal não deve deferir o pedido de extradição, se o ordenamento jurídico do Estado requerente não se revelar capaz de assegurar, aos réus, em juízo criminal, a garantia plena de um julgamento imparcial, justo, regular e independente. A incapacidade de o Estado requerente assegurar ao extraditando o direito ao fair trial atua como causa impeditiva do deferimento do pedido de extradição.
EXTRADIÇÃO, PENA DE MORTE E COMPROMISSO DE COMUTAÇÃO – O ordenamento positivo brasileiro, nas hipóteses em que se delineia a possibilidade de imposição do supplicium extremum, impede a entrega do extraditando ao Estado requerente, a menos que este, previamente, assuma o compromisso formal de comutar, em pena privativa de liberdade, a pena de morte, ressalvadas, quanto a esta, as situações em que a lei brasileira – fundada na Constituição Federal (art. 5º, XLVII, a) – permitir a sua aplicação, caso em que se tornará dispensável a exigência de comutação. O Chefe da Missão Diplomática pode assumir, em nome de seu Governo, o compromisso oficial de comutar a pena de morte em pena privativa de liberdade, não necessitando comprovar, para esse efeito específico, que se acha formalmente autorizado pelo Ministério das Relações Exteriores de seu País. A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas – Artigo 3º, n. 1, “a” – outorga à Missão Diplomática o poder de representar o Estado acreditante (“État d’envoi”) perante o Estado acreditado ou Estado receptor (o Brasil, no caso), derivando, dessa eminente função política, um complexo de atribuições e de poderes reconhecidos ao agente diplomático que exerce a atividade de representação institucional de seu País.
Decisão: Por votação unânime, o Tribunal indeferiu o pedido de extradição” (STF, grifos nossos).
5. CONCLUSÃO
Embora não se deva misturar religião com ciência (jurídica), já que estamos falando de uma Constituição, promulgada sob a proteção de Deus, nada melhor que utilizarmos o entendimento da Bíblia, considerada a palavra de Deus por muitos povos, por muito tempo, na parte q assim reza: “Não matarás”. Porém tem parecido que estes comandos não servem para o administrador, que quer a ordem entre os administrados, servem somente para estes.
Em suma a maioria de nós brasileiros não pode “matar alguém”, ou mesmo “induzir ou instigar alguém a suicidar-se…”, ou ainda “matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho…”, “provocar aborto…”, aliás, não podemos nem o menos como “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”, mas, parcela pequena, tem o direito, a permissão constitucional especial – no caso de guerra declarada – de matar sim, mas tem que ser por fuzilamento… e o apenado tem o “dever” de morrer…
Secretário de Ofício da Procuradoria da Justiça Militar. Advogado. Pós-Graduado em Direito Administrativo. Pós-Graduando em Direito Militar
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