O direito fundamental à moradia e a constitucionalidade da impenhorabilidade do bem de família do fiador

Resumo: Serão abordados os aspectos civis e constitucionais acerca do direito à moradia e principalmente a defesa de sua impenhorabilidade quando caracterizado um bem de família, no que tange ao fiador. Serão desenvolvidos seu conceito e origem, a fim de pesquisar a necessidade e a importância deste ensino, e sua contribuição tanto no âmbito acadêmico, quanto para a sociedade.

Palavras chaves: Direito fundamental moradia, impenhorabilidade, bem de família, fiador, garantia locatícias.

Sumário: 1. Introdução. 2. Aspectos basilares do bem de família. 3. A função social. 4. Aspectos constitucionais: dignidade humana e o bem de família. 5. O fiador e a vedação da penhora. 6. Conclusão

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi elaborado com o objetivo de destacar um dos direitos fundamentais, de suma importância: O direito à moradia e principalmente a defesa de sua impenhorabilidade quando caracterizado um bem de família.

O direito à moradia é um dos núcleos que possibilita a consecução da dignidade da pessoa humana, razão pela qual deve ser implementada, em todos os níveis.

Para tanto, é importante, entendermos o conceito deste bem tão importante assim como o estudo de sua origem, a fim de compreendermos a necessidade e a importância deste estudo, e sua contribuição no ensino tanto no âmbito acadêmico, quanto para a sociedade.

Neste sentido, este trabalho contribuirá, para o ensino da defesa da impenhorabilidade do bem de família, devidamente fundamentados sobre a égide da nossa Carta Magna, em respeito, consequentemente à dignidade da pessoa humana.

Para melhor entendimento sobre o estudo e consequentemente os ensinamentos que se pretende demonstrar, cumpre destacar o ensino do conceito de bem de família.

2. ASPECTOS BASILARES DO BEM DE FAMÍLIA

Bem de família é a imunidade a quaisquer atos de apreensão judicial, entre eles a penhora, que venha a recair sobre o imóvel, urbano ou rural, habitado por um grupo familiar.

Nos ensinamentos do eminente professor Álvaro Villaça Azevedo, "O bem de família é um meio de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde a mesma se instala domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade." (p.93, 2002).

Nesta mesma orquestra de entendimento o ilustre e eminente professor Silvio Venosa (2003), o bem de família tem ligação direta com o direito de família, sendo que constitui-se uma porção de bens que a lei resguarda com os características da inalienabilidade e impenhorabilidade, em prol de uma moradia do corpo familiar, razão pela qual o novo código civil disciplina no artigo 1711 e artigos seguintes.

Segundo o artigo 1711 do Código Civil de 2002, podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública, ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse 1/3 (um terço) do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantida as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.

Preconiza ainda em seu parágrafo primeiro que o terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.

Tal benefício, ou tal proteção ao patrimônio familiar, em breve seria limitado pelo legislador pátrio, trazendo a baila, a exceção à impenhorabilidade.

Neste sentido, mais precisamente no ano de 1991, surge então um novo diploma legal, sendo este, a Lei 8.245, criando uma exceção à impenhorabilidade, tornando possível, agora, a penhorabilidade do bem de família do fiador que se propõe em um contrato locatício.

Com o advento da Lei nº 8.245 de 1991, em consonância com o inc. VII, do art. 3º, da Lei 8.009/90, que a impenhorabilidade não poderia ser contrária no processo de execução, por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Para melhor entendimento do tema em estudo, é oportuno destacar os ensinamentos de Miguel Maria de Serpa Lopes (p. 353, 1998):

“Trata-se de um instituto originário dos Estados Unidos, destinado a assegurar um lar à família. A inalienabilidade não é um fim, senão um meio de que o legislador se serviu para assegurar a tranqüilidade da habitação da família;”

Etimologicamente, a palavra "Homestead" compõe-se de duas palavras anglo-saxões: "home", de difícil tradução, cuja versão francesa é "chez soi", "em sua casa", e "stead", significando "lugar". “Em linguagem jurídica quer dizer, porém, uma residência de família, implicando posse efetiva, limitação de valor, impenhorável e inalienável.” (p. 353, 1988)

O bem de família, como anteriormente mencionado, na definição de Lopes (1988), teve origem nos EUA, com o advento da Lei Homestad, que significa “local do lar”, no governo da República do Texas, com a finalidade de fixar famílias em diversas regiões, promulgou o Homestead exemptiom, em 1839, determinando a várias famílias, áreas de terras isentas de penhora. Naturalmente obteve grande repercussão, e o instituto foi adotado por outros estados norte- americanos, objetivando a proteção às famílias fixadas naquele Estado.

Nesta baila de raciocínio lógico, cumpre mencionar os ensinamentos do ilustre civilista Clóvis Bevilácqua: "Nos Estados Unidos da America, onde se originou o instituto do homestead, elle significa a isenção da penhora, creada em favor da pequena propriedade. Mas, umas vezes, o homestead tem por fim favorecer os colonos, para a cultura das terras do domínio público, outras vezes é garantia da pequena propriedade particular. Essa diferença de institutos não acarreta, porém, diferença essencial no instituto, que obedece a certas normas assentes, e pouco varia de um para outro Estado da União." (p.310, 1975).

Neste sentido é oportuno destacar parte da Lei do Homestead:

“De e após a passagem desta lei, será reservado a todo cidadão ou chefe de família, nesta República, livre e independente do poder de um mandado de fieri facias ou outra execução, emitido de qualquer Corte de jurisdição competente, 50 acres de terra, ou um terreno na cidade, incluindo o bem de família dele ou dela, e melhorias que não excedam a 500 dólares, em valor, todo mobiliário e utensílios domésticos, provendo para que não excedam o valor de 200 doláres, todos os instrumentos (utensílios, ferramentas) de lavoura(providenciando para que não excedam a 50 doláres), todas as ferramentas, aparatos e livros pertencentes ao comércio ou profissão de qualquer cidadão, cinco vacas de leite, uma junta de bois para o trabalho ou um cavalo, 20 porcos e provisões para um ano; e todas as leis ou partes delas que contradigam ou se oponham aos preceitos deste ato são ineficazes perante ele. Que seja providenciado que a edição deste ato não interfira com os contratos entre as partes, feitos até agora (Digest of the Laws § 3.798)", apud Azevedo (p. 28, 2002).

O Instituto denominado bem de família surge no Brasil, por intermédio do Código Civil de 1916, na modalidade classificada como voluntária, sendo que a caracterizada, espécie legal, surge com a sanção da Lei 8.009 de 29 de março 1990, que adota a impenhorabilidade como regra geral, onde segundo a qual, o imóvel residencial, próprio da entidade familiar, é impenhorável, e não responde por dívida de qualquer natureza, adquirida pelos cônjuges, ou pelos pais ou filhos que sejam seus donos e neles morem, salvo nas hipóteses legalmente previstas.

3. A FUNÇÃO SOCIAL

Bem de família, nos faz acreditar que seja algo que guarnece absolutamente uma função social enorme visando a defesa da moradia e a proteção da família ou temos que o bem de família não há que se falar, ou melhor, se preocupar com a função social da moradia e proteção daqueles que ali residem?

Sem fugir ao rigor de algumas conceituações dogmáticas, vamos trazer à baila alguns conceitos civilistas clássicos e outros de civilistas contemporâneos, para que no conjunto dessas informações possamos traçar uma linha e diretriz que se coaduna com a ideia e valorização do tema tratado, senão vejamos:

Neste sentido vale destacar os ensinamentos do ilustre professor Clóvis Bevilácqua:

“Nos Estados Unidos da América, onde se originou o instituto do homestead, significa a isenção da penhora, criada em favor da pequena propriedade. Mas, umas vezes, o homestead tem por fim favorecer os colonos, para a cultura das terras do domínio público, outras vezes é garantia da pequena propriedade particular. Essa diferença de institutos não acarreta, porém, diferença essencial no instituto, que obedece a certas normas assentes, e pouco varia de um para outro Estado da União”. (p.310)

Nos ensinamento do ilustre doutrinador, Miguel Maria de Serpa Lopes cumpre destacar o que segue:

“No Bem de Família a inalienabilidade é criada em função de um outro objetivo: assegurar a residência da família, sendo esse o objetivo principal, e a inalienabilidade um simples meio de atingi-lo. Trata-se de um instituto originário dos Estados Unidos, destinado a assegurar um lar à família. A inalienabilidade não é um fim, senão um meio de que o legislador se serviu para assegurar a tranqüilidade da habitação da família”.(p.352/353)

Na conceituação desses dois doutrinadores civilista clássicos podemos observar que há no contexto um breve comentário do surgimento e origem do instituto Homestead.

Na conceituação contemporânea, temos, Álvaro Villaça Azevedo:

"O bem de família é um meio de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde a mesma se instala domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade." (p.93)

Pois bem, nesta esteira é de se destacar que a este último conceito, nas palavras do eminente doutrinador Álvaro Villaça Azevedo, segue à luz do Texto Constitucional, uma vez que tem a virtude de apenas demonstrar a finalidade a que se refere a impenhorabilidade, não especificando a forma do instituto.

Também nesta oportunidade por declamar a Constituição Federal nos resta colacionarmos a Emenda Constitucional nº. 26 que trata do direito à moradia, vejamos:

A Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2.000, ampliou o rol de direitos sociais, incluindo entre eles, a moradia. Entrando em vigor aos dias 15/02/2000, na data da sua publicação, com o seguinte texto promulgado, verbis:

“Art. 1º. O art. 6º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, à proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Vejamos então que interessante o surgimento da “problemática” a partir da vigência da referida emenda, pois instalou no meio acadêmico e lógico na norma uma questão bastante conflitante sobre se o direito à moradia, pois a este preceito fundamental teria ou não revogado as exceções à cláusula geral de impenhorabilidade capituladas no artigo 3º incisos I a VII da Lei 8.009/90, verbis:

“Art. 3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;

II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III – pelo credor de pensão alimentícia;

IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

V – para execução de hipoteca sobre imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens;

VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”

Até antes da Emenda o legislador infraconstitucional, em harmonia com a Constituição Federal de 1988 (CF/88) e com seu princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), através da Lei Federal nº 8.009 de 1990, protegeu o único imóvel destinado a moradia da entidade familiar, apenas com algumas ressalvas.

Observa-se que a questão central se reflete unicamente em saber se a Emenda Constitucional nº 26/2000 (lex generalis superior) teria ou não derrogado a Lei Ordinária (lex specialis inferior), isto é, a Lei 8.009/90, ou, em outras palavras, se era um caso de antinomia real ou meramente aparente, pois o que se coaduna é com a função social da moradia.

  Para exemplificar o ensino do tema proposto, vejamos o interessante  acórdão que expõe a redação do Artigo 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009 sendo questionada:

"PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – COISA JULGADA – TERCEIRO – INEXISTÊNCIA – ART. 472 CPC – FIANÇA – OUTORGA UXÓRIA – AUSÊNCIA – INEFICÁCIA TOTAL DO ATO – FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI Nº 8.009/90. NÃO RECEPÇÃO. I – A coisa julgada incidente sobre o processo de conhecimento e consequente embargos opostos por um cônjuge não pode atingir o outro, quando este não tiver sido parte naqueles processos. (art. 472, do Código de Processo Civil). II – A ausência de consentimento da esposa em fiança prestada pelo marido invalida o ato por inteiro. Nula a garantia, portanto. Certo, ainda, que não se pode limitar o efeito dessa nulidade apenas à meação da mulher. III – Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretório Excelso, é impenhorável bem de família pertencente a fiador em contrato de locação, porquanto o art. 3º, VII, da Lei nº 8.009/90 não foi recepcionado pelo art. 6º da Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional nº 26/2000). Recurso provido" (REsp 631262, Relator Ministro FELIX FISCHER, julgamento 02/08/2005, DJ 26.09.2005, p. 439).

Observamos então que neste julgado do ano de 2005, o mesmo exalta a impenhorabilidade do bem de família pertencente ao fiador, frente à emenda constitucional já citada em alhures. Tudo isso como medida de fortalecer o ensino à defesa frente ao tema proposto.

4. ASPECTOS CONSTITUCIONAIS: DIGNIDADE HUMANA E O BEM DE FAMÍLIA

Com efeito ao ensino do tema proposto, após a Primeira Guerra, quando se refere aos direitos fundamentais dos seres humanos, não se fala mais apenas dos direitos individuais, sejam eles civis ou políticos, mas também em direitos sociais, econômicos e culturais. Essa nova dimensão dos direitos fundamentais passa, a partir desse momento, a compor um novo todo indivisível dos Direitos Humanos, na segunda metade do século XX, principalmente, após o Pacto Econômico, Social e Cultural de 1966.

Preliminarmente, faz-se necessário observar que o estudo do direito à moradia não necessariamente significa o direito à casa própria. Segundo lição de José Afonso da Silva (2001), o direito à moradia significa ocupar um lugar como residência para nele habitar. Logo, o “morar” faz referência apenas a permanecer, com habitualidade, ocupando uma edificação. Embora se evidencie que a obtenção da casa própria contribui, de forma ímpar, para a efetivação do direito à moradia

Ainda, para Afonso da Silva (2001), o fato do direito à moradia constar de forma expressa como um direito fundamental traz em si um sentido mais amplo do que apenas a faculdade de ocupar um lugar como residência.

 Assim, há normas e princípios como, por exemplo, a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e o direito a intimidade e a privacidade (CF, art. 5º, X)  que devem ser observados, garantindo, dessa forma, que a moradia tenha dimensões adequadas, condições de higiene e conforto; em suma, que seja uma habitação digna e adequada, sob pena de empobrecimento do direito à moradia

Importante aqui ressaltar que no que tange ao ensino dos direitos sociais, os mesmos nascem como produto da evolução histórica dos Direito Humanos. Assim sendo, alguns autores costumeiramente falam de gerações de direitos fundamentais, entretanto, é preferível chamá-las, como Willis Santiago Guerra (2005) chama em sua obra, de dimensões de direitos fundamentais. Os direitos civis e políticos foram codificados na Declaração Universal e na Carta das Nações Unidas no imediato pós-guerra e no Pacto de Direitos Civis e Políticos de 1966. Por outro lado, os direitos econômicos, sociais e culturais, já prenunciados na referida declaração, foram definitivamente consagrados no seu respectivo pacto, também de 1966, e em outros instrumentos internacionais.

Com efeito, após a Primeira Guerra, quando se refere aos direitos fundamentais dos seres humanos, não se fala mais apenas dos direitos individuais, sejam eles civis ou políticos, mas também em direitos sociais, econômicos e culturais. Essa nova dimensão dos direitos fundamentais passa, a partir desse momento, a compor um novo todo indivisível dos Direitos Humanos, na segunda metade do século XX, principalmente, após o Pacto Econômico, Social e Cultural de 1966.

No que tange à proteção internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais, cumpre lembrar que, nos termos colocados pelo Pacto, está condicionada à atuação do Estado. No dizer de Flávia Piovesan (2003), tais direitos apresentam "realização progressiva", demandando do Estado prestações positivas e negativas. Ainda com base no Pacto, acresce-se ao dever do Estado em adotar medidas por esforço próprio, sem dizer na importância da cooperação internacional.

No âmbito do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana se materializa no reconhecimento dos direitos fundamentais a fim de assegurar o desenvolvimento da personalidade do indivíduo. Para Canotilho (1999), os cidadãos devem ter possibilidades de "desenvolvimento integral", "liberdade de participação crítica no processo político" e "condições de igualdade econômica, social e política". Dentro da concepção econômica e social, o papel do Estado é de realizador de direitos, que dele requerem prestações positivas, isto é, medidas intervencionistas em favor das pessoas que encontram obstáculos ao desenvolvimento da sua personalidade.

Admite-se que o Brasil, desde a Constituição de 1934, tenha acolhido a idéia de uma Constituição Econômica, no bojo de sua disciplina "Da ordem econômica e social". A Constituição Federal de 1988 estabeleceu logo no início, propriamente no artigo 1°, incisos III e IV, que a República tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Portanto, afirma que nosso regime de produção é o capitalista, porém um capitalismo que deve levar em consideração também a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. Desse modo, na lógica capitalista que vigora no nosso ordenamento há que se introduzirem novos elementos que o compatibilize com outros valores fundamentais da Constituição vigente.

Do mesmo modo, extrai-se do caput do artigo 170, em vigor, que "a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social". Vale repisar, o direito constitucional econômico é finalístico, no sentido de objetivar a livre iniciativa harmonizada com a valorização do trabalho, a proteção da dignidade da pessoa humana e a promoção da justiça social. Disso decorre que, no nosso atual modelo de Constituição Econômica, identifica-se o direito à moradia como manifestação da dignidade da pessoa humana.

Nos ensinamento de Vicente de Paulo Barreto (2003), em suas reflexões sobre os direitos sociais, afirma que estes direitos "derivam, em última análise, do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, através de uma linha de eticidade". E ainda, sobre a dignidade da pessoa humana, esclarece que esta possui duas faces, calcadas na "liberdade" e na "igualdade", sendo que a "igualdade material" é que irá garantir, a cada indivíduo, entre outros direitos, por exemplo, o gozo da "moradia digna".

É inquestionável que a moradia é uma necessidade básica do ser humano, pois é a partir dela que cada ser humano desenvolve sua individualidade e constrói a sua personalidade, em todas as dimensões da vida: afetiva, física, psicológica, moral, espiritual, social, política, econômica e cultural. Todo o ser humano necessita de uma moradia para poder desenvolver-se plenamente, sem distinção de origem, cor, posição social, gênero, crença religiosa ou política. A moradia oferece aos seres humanos a referência, a base para os desafios inerentes ao viver.

Em uma leitura de uma das obras do ilustre professor, Dalmo de Abreu Dallari, o mesmo ensina que a procura incessante de um lugar para morar é conseqüência de uma necessidade, não de um capricho, e por isso se deve assegurar a todos os seres humanos o direito à moradia. É preciso que a moradia seja assegurada à pessoa em caráter permanente. Não está sendo garantido o direito à moradia quando, por decisão arbitrária de alguém, o morador pode ser posto fora a qualquer tempo.

O reconhecimento do direito à moradia como um direito humano fundamental é recente tanto no que diz respeito ao ordenamento jurídico internacional, quanto em relação ao ordenamento jurídico interno. No plano internacional, o primeiro documento normativo que declarou a moradia como um direito básico do ser humano foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Mesmo assim, tal declaração deu-se de maneira tímida e não acarretou maiores conseqüências práticas para a efetivação do direito à moradia. Ao longo da segunda metade do século XX, outros documentos internacionais incluíram a moradia no rol de Direitos Humanos fundamentais, dentre os quais se destacam o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966.

  No Brasil, o reconhecimento definitivo da moradia como um direito fundamental ocorreu por intermédio da Emenda Constitucional nº. 26/00. Sem embargo, cumpre observar que os direitos de segunda dimensão – sociais, culturais, econômicos, coletivos e de coletividade – foram sendo concretizados no século XX, do mesmo modo como os direitos de primeira dimensão se efetivaram paulatinamente nos séculos anteriores. Introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, estes direitos nasceram abarcados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar. Portanto, como dito, o Estado Social formou-se, a partir de 1917, mas passou a atuar como regulador e, em certo caso, interventor mais constante na área econômica, a partir da década de 30, com intuito de evitar o agravamento e novas crises econômicas. É nesse contexto que nasce um ramo do direito que interage com os demais de forma integrativa, a fim de materializar os direitos fundamentais de segunda dimensão, entre os quais, os econômicos.

5. O FIADOR E A VEDAÇÃO DA PENHORA

No Brasil, e assim como em outros países, o imóvel destinado à habitação da família passou a receber proteção especial, impossibilitando a constrição judicial do imóvel residencial próprio do casal ou da família, incluindo os móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. Em outras palavras, pela regra do art. 1º da Lei nº 8.009/90, ao propor uma ação em face de uma pessoa, seu imóvel residencial, seja do casal ou família, não está sujeito à penhora se houver condenação judicial.

Para melhor esclarecimento, colacionam-se os artigos 1º e 5º da lei mencionada, que rezam:

“Art. 1º. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados".

Art. 5º Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil".

No tema em estudo, as decisões de nossas Cortes têm demonstrado a preocupação com o outro lado desse problema, onde aquele que disponibiliza seu imóvel para que seja locado, precisa ter uma segurança no que tange os frutos esperados, sob pena de optar por manter o imóvel desocupado a alugá-lo, aumentando assim os preços dos aluguéis, no mercado imobiliário, provocando a mesma espécie de problema, ou seja, a falta de moradia, malogrando o que vem a ser, quiçá, o maior anseio de milhões de brasileiros.

 Oportunamente, cumpre destacar, que no âmbito do Supremo Tribunal Federal, existem discordâncias a respeito da matéria, formando portanto, um terceiro entendimento, assegurando o direito de moradia de todos, sem ferir o princípio da isonomia. Desta forma, torna-se relevante a discussão deste assunto, à medida que, no cerne desta questão, está envolvido um direito fundamental expresso em nossa Constituição, ou seja, o direito à moradia, devidamente constante na redação do art. 6º, da nossa Carta Magna, especificamente quando representado pelo único bem de família do fiador.

     A impenhorabilidade do bem de família, acima de tudo, visa a proteção da entidade familiar, merecendo, portanto a tutela jurídica por parte do Estado quando da obediência do mandamento constitucional.

6. CONCLUSÃO

Por todo o ensino aqui sintetizado, é imprescindível a existência de uma legislação protetiva da moradia e de valores extrapatrimoniais como a dignidade da pessoa humana. É dever do Estado, não permitir que uma pessoa comprometa todo seu patrimônio. É dever do Estado, ao consagrar a família como base da sociedade, não permitir que o devedor deixe sua família desabrigada.

Por todos os aspectos, positivos e negativos, sobre a possibilidade ou não da penhora do bem de família, concluí-se pela relevância do tema e pelo caráter enriquecedor de seu estudo, aqui, sucintamente demonstrado.

Nesta esteira de entendimento é que se conclui que a importância do tema em estudo, demonstra uma preocupação por parte do legislador, na proteção do bem de família.

De um lado, temos aqueles que defendem a tese da penhorabilidade do bem de família do fiador. De outro modo, aqueles que atestam pela impenhorabilidade.

Neste sentido, do ponto de vista deste autor, deve-se levar em consideração, em primeiro lugar, a tutela jurídica da dignidade da pessoa humana, princípio este tão valorizado pela nossa Carta Magna.

Em face de todo o exposto, é incontestavelmente inquestionável que a moradia é uma necessidade básica do ser humano, pois é a partir dela que cada ser humano desenvolve sua individualidade e constrói a sua personalidade, em todas as dimensões da vida: afetiva, física, psicológica, moral, espiritual, social, política, econômica e cultural. Todo o ser humano necessita de uma moradia para poder desenvolver-se plenamente, sem distinção de origem, cor, posição social, gênero, crença religiosa ou política. A moradia oferece aos seres humanos a referência, a base para os desafios inerentes ao viver.

 

Referencias
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de Família Com comentários à Lei 8.009/90. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
BARRETO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os direitos sociais. In: Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. SARLET, Ingo Wolfgang (Org.), Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Edição histórica. 7ª Tiragem. Rio de Janeiro: Rio, 1975.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1999.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Ed. Moderna, p. 36.
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 4. ed., São Paulo: RCS, 2005.
PIOVESAN, Flávia. Proteção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In: Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado. SARLET, Ingo Wolfgang (Org.), Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. 6 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1988.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direto Constitucional Positivo. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
VENOSA, Sílvio. Salvo. Direito Civil. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003.


Informações Sobre os Autores

Jefferson Matos Rosseto

Mestrando em Direito do Centro Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM. Advogado

Pedro Lima Marcheri

Mestrando pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília – UNIVEM. Especializando em Direito e Processo Penal no Complexo Educacional Damasio de Jesus. Bacharel em Direito pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru – ITE. Advogado Criminalista.


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Equipe Âmbito Jurídico

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