O direito fundamental à saúde e o domínio comercial

Resumo: O direito à saúde surgiu expressamente no ordenamento jurídico brasileiro a partir da Constituição Federal de 1988, coberta pelo manto da fundamentalidade. Cabendo ao Estado a sua promoção, prevenção e recuperação, para garantir a sua efetividade. Porém, a atuação do Poder Estatal não supre as necessidades da população, em virtude da precariedade dos serviços apresentados. O que serviu de base para instalação dos serviços privados de prestação à saúde no mercado brasileiro, como uma alternativa de garantia ao direito fundamental à saúde.

Palavras-chave: Constituição Federal.Saúde.Plano de Saúde.Cartão Saúde.SUS.

Resumen: El derecho a la salud ha surgido expresamente en el ordenamiento jurídico brasileño a partir de la Constitución Federal de 1988, cobierta por el manto fundamental.  El Estado es responsable de promover, prevenir e recuperar, para garantizar su efectividad. Pero, su actuación no suple las necessidad de la población, debido a la precariedad de los servicios apresentados. Haya basado a la instalación de los servicios privados de la prestación a la salud en lo mercado brasileño, como una opción de asegurar el derecho fundamental a la salud.  

Palabras-clave: Constitución Federal. Salud. Plan de Salud. Tarjeta sanitaria. SUS.

Sumário: 1. A saúde no seu aspecto constitucional. 1.1. Da Natureza Jurídica: um direito fundamental. 2.  O Estado e sua Responsabilidade. 3. A Saúde como um Seguimento Promissor no Mercado Nacional.Conclusão.Referências

1. A Saúde no seu Aspecto Constitucional

Ao tentar conceituar saúde já nos deparamos com uma tarefa relativamente complexa, pois observa-se, que sua definição vai muito além do que apenas analisar a compleição do corpo humano. Therezinha Luz (EPSJV [s/d], [s/p]) descreve saúde como sendo “[…] a conservação da vida, cura e bem-estar”. Para autora, o termo é uma designação, de uma positivação da vida, de um modo harmônico de existência, em que não há espaço para as enfermidades, em que o corpo humano deve estar inteiramente em equilíbrio.

No entendimento de Moacyr Scilar, a definição de saúde é algo que não pode ser tratada em stricto sensu, devendo-se considerar vários pontos para sua análise.  Inicialmente, buscou-se sua conceituação nos entendimentos de estudiosos no decorrer da história, até alcançar sua definição doutrinária mais utilizada atualmente, na qual se vê refletido as mudanças social, política, cultural e econômica.

Para Leonardo Vizeu Figueiredo (2006, p.106), saúde é um “conjunto de ações prestadas ao indivíduo com fito de resguardar e restabelecer sua compleição psíquica e física”.

Dentre todos os conceitos, aquele que tem maior pertinência principalmente no campo jurídico é o conceito trazido pela Organização Mundial de Saúde – OMS "um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades".

Martins (2007, p.502) ainda trata da necessidade do homem em ser atendido por um sistema não só de recuperação, mas de prevenção e proteção, que lhe proporcione meios para evitar os mais diversos tipos de doenças.

Verifica-se, nesta bátega de definições, que há uma dificuldade para se chegar ao conceito pacífico de saúde. Do estreitamento que se faz dos mais variados conceitos, consegue-se compilar que, para ter saúde, deve-se existir uma conexão das condições física e mental do corpo humano com o ambiente em que o indivíduo está inserido.

1.1. Da Natureza Jurídica: um direito Fundamental

Relevante mencionar um dos maiores e principais movimentos que muito contribuiu para mudanças sociais de forma global, que são os aspectos marcados na Revolução Francesa, ocorrida em 1789.

O acontecimento contribuiu significativamente para positivar direitos aos cidadãos franceses e, estes também foram difundidos para além das fronteiras do seu país.

Sob o ideal do tratamento igualitário, e, sobretudo, o respeito à dignidade do homem, sendo este, um dos principais fundamentos apresentados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em 26 de agosto de 1789.

Salienta ainda Hobsbawm (2000, p.98), que a França tornou-se um modelo de transformação a partir da Revolução Francesa, que acabou influenciando outras localidades até mesmo para além das suas fronteiras, surgindo um movimento pró-França.

Algumas localidades viram na França, um modelo de renovação, já que as condições sociais da sua população se assemelhavam àquelas vividas pelos franceses antes do evento que marcou a maior transformação de governo na Europa.

Para Noberto Bobbio (1992, p.139), à Revolução Francesa pode-se atribuir uma interpretação como sendo um marco para uma nova ordem social no âmbito mundial. No seu lema, a Revolução Francesa traz a “liberdade, igualdade e fraternidade” que sustentou a nova ordem social e serviu para positivação dos direitos fundamentais do homem.

Em atendimento ao princípio da Dignidade do Homem, é que surgiram os direitos fundamentais e, a essas conquistas deu-se uma classificação doutrinária, que foram divididos em gerações ou dimensões.

Paulo Bonavides (2006, p.572), preleciona que os direitos fundamentais classificados nas gerações ou dimensões são elementos que se completam, o autor faz uso do termo “infraestruturas”, dessa forma compõe o direito à democracia.

Sendo os direitos de primeira geração, compreendidos pelos direitos políticos e individuais; os de segunda geração pelos direitos sociais e os de terceira geração, aqueles concernentes ao desenvolvimento e ao meio-ambiente, não se tratando de uma “mera sucessão cronológica, mas uma adição de direitos conquistados no decorrer da história.

Alexandre de Moraes (2011, p.38) trata da classificação dos direitos fundamentais como uma classificação temporal, relativa aos direitos humanos trazendo como direitos de segunda geração ou dimensão, o artigo 6º, que define os direitos sociais, dentre os quais a saúde; o artigo 7º, que faz menção aos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais e ainda o artigo 205, que trata da educação, todos os artigos contidos na Constituição Federal.

Leonardo Vizeu Figueiredo (2006, p.28) traz que “A saúde goza de status de direito fundamental, sendo consagrada na Constituição da República Federativa do Brasil, […] como direito social de segunda geração”.

Como tal, a saúde, como direito fundamental, pode-se entender que se trata de cláusula perpétua, prevista na redação do artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, não podendo, portanto suprimido.

O direito à saúde, positivado constitucionalmente, foi uma construção no decorrer da história, que ganhou força a partir da Revolução Francesa e se consolidou de forma universal por meio da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, não podendo ser analisado desvinculado do direito à vida, bem como do princípio da dignidade humana.

Assim de acordo com a disposição estrutural da Constituição Federal, seu título II, trata dos Direitos e garantias fundamentais, e nele encontra-se fundamento para sustentar a Saúde como direito fundamental, assim previsto no capítulo II, no seu artigo 6º.

Portanto, é inquestionável, que a saúde possui característica fundamental e, que cabe ao Estado adotado uma atenção especial, para se fazer cumprir a efetiva proteção de um direito assegurado ao cidadão.

2. O Estado e sua Responsabilidade

A Constituição Federal vigente, no que tange a prestação de serviços à saúde, confere ao Estado tal competência, em que os serviços devem ser prestados aos brasileiros, estendendo ainda aos estrangeiros, mesmo que em trânsito pelo território nacional.

O serviço de saúde que deve ser prestado pelo Estado, na sua essência é serviço público, e nos ensinamentos de Maria Sylvia Zanella di Pietro (2014, p.107), o Estado deve prestá-lo de forma direta através de seu atendimento próprio ou indiretamente por meio de seus delegados, objetivando a satisfação da sociedade.

O Estado poderá se vale de serviço privado para complementar sua rede de atendimento, ou seja, poderá firmar convênio com particulares para complementar a rede do SUS, tal procedimento encontra fundamento no artigo 199 da Constituição Federal.

Neste tocante a delegação dos serviços de saúde à instituição privada trata-se da suplementação desses serviços por meio das operadoras de plano de saúde, seguro saúde e outros. Neste seguimento apenas parte da população possui condições de aquisição. Porém, não será excluída a responsabilidade do Estado, já que não pode transferir na totalidade a prestação de serviços às instituições privadas.

3. A Saúde como um Seguimento Promissor no Mercado Nacional.

No Brasil o sistema de saúde possui caracteres heterogêneos, assim entendidos, por sua formação envolver entidades públicas e entidades privadas, esta atuando de forma supletiva daquela.

Como verificado, o Poder Público poderá atuar concomitantemente com as instituições privadas para garantir a promoção da saúde à população, bem como poderá delega-las tal prestação de serviços, como assevera a Carta Magna vigente.

Varella (2015, p.29) traz um breve histórico sobre a entrada dos serviços de saúde suplementar no país, relata em sua obra que, ao final da década de 50, no ABC paulista, grandes indústrias se instalaram, principalmente as montadoras, que tinham um grande número de trabalhadores e por dificuldade de atendimento no serviço público, optaram por implantar dentro da empresa uma assistência médica direta aos funcionários, inicialmente prestada por um grupo de médico, que recebiam seus honorários na forma de pré-pagamento.

Ainda, de acordo com Varella (2015, p.30), foi a partir dos anos 60 que o segmento de medicina de grupo se fortaleceu. Sendo considerado o ano de 1964, o marco para do grande salto no mercado, pois foi neste ano foi criado do Instituto de Aposentadoria e Pensões – IAP, que prestava assistência médica aos trabalhadores da Volkswagen, pois o SUS já apresentava precariedade no atendimento, surgindo então o primeiro convênio-empresa.

Dados da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, na década de 70, com o crescimento dos custos da medicina e o surgimento de novas tecnologias, os hospitais passaram a depender cada vez mais dos planos de saúde, para uma captação maior de clientes, para que justificasse os investimentos feitos.

Assim, uma parcela da população percebeu que a assistência médica privada seria a solução mais eficaz para se custear as despesas médico-hospitalares.

Já que, para muitos realizar tratamento exclusivamente particular demandava custo inviável.

 A queda na qualidade dos serviços ofertados pelo Sistema Único de Saúde – SUS, além da abertura de atendimento aos não filiados à seguridade social, ou seja, um programa de governo assistencialista, em que a assistência à saúde passou a ser direito de todos independente de contribuição ao INSS – Instituto do Seguro Social. (CASTRO; LAZZARI 2008, p.100), propiciou o crescimento do setor.

A procura pelos planos de saúde se intensificou, surgindo um segmento próspero de mercado, como alude Leonardo Vizeu Figueiredo (2006, p.109), “despertaram para a formação de um mercado lucrativo, iniciando uma série de investimentos crescentes na área, contribuindo para proliferação das diversas formas de saúde suplementar”.

Este seguimento operou por um longo período sem uma legislação específica,

Ângela Maria Araújo (2004, p.44) aborda que a comercialização dos primeiros planos de saúde no país, não havia nenhum regramento comum aplicável às operadoras, “sem nenhuma regra formal específica sobre o seu funcionamento, o que valia era a livre pactuação entre os contratantes”.

Por esta razão, em 1998, entrou em vigor a Lei nº 9.656 que trouxe a criação da Agência Nacional de Saúde – ANS como órgão de regulamentação e fiscalização do setor suplementar. A entidade atua no mercado para que se cumpra o estabelecido na referida lei, evitando a permanência de empresas no mercado que não denotem segurança ao consumidor.

Na atual conjuntura, surge novo seguimento de “comercialização da saúde”, os chamados Cartões Pré-pagos de Saúde e os Cartões de Descontos, criados com o fim de ofertar serviços médicos, por um preço mais baixo que o particular e com cobrança de mensalidade muito inferior ao cobrado pelos planos de saúde.

No levantamento realizado ANS mais de 2,6 milhões beneficiários efetuaram o cancelamento do plano de saúde nos últimos dois anos.

Da mesma forma como o plano de saúde surgiu, como meio alternativo entre o atendimento particular e o SUS, atualmente os cartões de desconto e pré-pagos de saúde, são as modalidades de atendimento que passam a ser as novas opções dos ex-beneficiários de plano de saúde para suprir sua falta.

O seguimento de cartão desconto e o cartão pré-pago de saúde não possuem regras específicas, sendo tratado pela legislação civil e consumerista. Porém, já se observa um aumento de empresas que oferecem o serviço.

Ressalte-se que, as operadoras de prestação de serviços suplementar são vedadas de ofertar este tipo de produto, conforme ANS, por não se tratar de plano de saúde, que possui uma cobertura obrigatória, além de outros requisitos exigidos pela regulamentação em vigor.

O fato é que cada vez mais a população se ver obrigada a contratar um intermediário entre o serviço público e o particular, para que possa ter garantido seu direito fundamental à Saúde.

Conclusão

Retomado os eventos históricos que muito contribuíram para que os direitos fundamentais explícitos ao longo da Carta Magna, pudessem ser firmados, nota-se uma construção advinda de grandes confrontos que lograram êxito e que hodiernamente há que se manter em constante vigilância para que não se percam.

Nesta toada, a saúde, como parte fundamental, pois dela requer o direito à vida, apresenta-se em nosso ordenamento jurídico como um ramo do Direito recente, já que decorrem apenas 29 anos da sua positivação na Constituição Federal.

Embora a competência constitucional de promoção, prevenção e recuperação da saúde tenha ficado a cargo do Poder Público, se verifica que a abertura desses serviços ao setor privado vem expandindo cada vez mais.

Razão que se explica pela inadequada prestação dos serviços públicos na área da saúde.

Nossa Constituição Federal traz em seu bojo os direitos e garantias fundamentais, sendo o Direito a declaração de um interesse e as Garantias que são os instrumentos que conferem a efetividade desse direito.

Fato é que em se tratando de Direito à Saúde, o Estado falha quanto a sua  garantia, ou seja, não consegue por meio dos instrumentos aplicados levar à população um atendimento adequado, universal e igualitário.

Pois o que se presencia é a precariedade dos serviços públicos, seja pela falta de profissionais, ou de equipamentos, ou de insumos, etc.

Diante de todo o exposto, ao cidadão cabe apenas uma única medida: buscar os serviços intermediários, quais sejam, planos de saúde, cartão desconto, cartões pré-pagos de saúde e o que mais for sendo apresentado no mercado.

Observa-se que cada vez mais cresce as opções alternativas no mercado dentro do seguimento de saúde. Atribuindo ao cidadão por suas próprias forças garantir o seu direito à saúde.

Destarte, o seguimento privado de saúde numa visão cética não tende a enfraquecer em face da restauração do serviço público, nos parece incontroverso que segue uma tendência inovadora na busca de manter-se atuante no mercado captando os mais variados tipos de classe consumidora.

Ao inverso da prestação de serviço público que apresenta aparente estagnação, aparente pelo fato que muito se noticia investimentos, porém não se visualiza na prática tais melhorias.  

 

Referências
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BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
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VARELLA, Drauzio; CESCHIN, Maurício. A Saúde dos Planos de Saúde: os desafios da assistência privada no Brasil. São Paulo: Paralela, 2015.

Informações Sobre o Autor

Marciane da Silva Barbosa

Advogada Pós-graduanda pela Faculdade Educacional da Lapa FAEL Graduada pelas Faculdades Integradas Santa Cruz de Curitiba – FARESC


Equipe Âmbito Jurídico

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