Resumo: O presente trabalho tem o objetivo de apresentar o direito de moradia como um direito fundamental do ser humano, e desta forma, apontar em linhas gerais em uma abordagem histórica alguns aspectos de como esse direito vem sendo mitigado hodiernamente. Outrossim, realizando um diálogo com as desigualdades, e suas perspectivas que consubstanciam esse drama que hoje permeia a sociedade de consumo que é não possuir um lugar para que o ser humano possa habitar com sua família.
Palavras-chave: Direito Fundamental. Moradia. Sociedade. Desigualdade social.
Abstract: This paper aims to introduce the right to housing as a fundamental human right, and thus pointing in a broadly historical approach some aspects of how this law is being mitigated in our times. Moreover, conducting a dialogue with inequalities, and perspectives that embody this drama that now permeates society of consumption that does not have a place for humans to inhabit it with your family.
Keywords: Fundamental Right. House. Society. Social Inequality
Sumário: 1. Introdução. 1.2. Uma breve história sobre a propriedade. 1.3. Do início da idade moderna. 2. Do liberalismo inglês revolução industrial e o início do capitalismo x marxismo: a propriedade com seus novos contornos. 3. Dos direitos fundamentais e a geração de direitos clássica e o problema da moradia. 4. Da função social da propriedade. 5. Dos movimentos sociais na luta pela moradia. 6. Conclusão. 7. Referências.
Introdução
“Mais grave do que o sofrimento dos famintos é a inconsciência dos fartos”.[1].
Indubitavelmente podemos constatar pelos noticiários e até mesmo numa conversa cotidiana, o quanto é importante possuir um lugar para morar. Porém, ao mesmo tempo em que há essa ideia no cotidiano existe um abismo que separam o mundo dos desabrigados ou sem moradia e dos “latifundiários urbanos” que em muitos casos detêm uma série de imóveis enquanto outros nada possuem.
Nota-se que ter um local para morar faz parte da identidade e como nosso direito foi herdado do Romano-Germânico, passamos ver a propriedade e principalmente, nosso lar como algo que faz parte de nosso direito fundamental pelo menos nos países democráticos. Sendo assim, o ser humano e dentro da geração de direitos, permearia após o fim da idade média e o direito a igualdade entre os seus semelhantes ficando imbuído deste caráter social entre os povos.
Em outra face, tem-se que, há uma falta de efetivação do sagrado direito de moradia que parece não ser uma prioridade dos Governos especificamente aqui no Brasil. Causando assim, os distúrbios sociais que desaguam nos constantes protestos entre o Estado versus Manifestantes, trazendo um binômio perigoso.
Podemos perceber que inversamente proporcional a isso, o Estado tem tomado poucas providências ao longo da história para sanar esse problema que é socialmente muito grave.
1.2- Uma breve história sobre a propriedade
No decorrer de toda a história sempre foi sinônimo de status, possuir um local onde a pessoa pudesse habitar com sua família. Inclusive para o Romano, era um local sagrado e trazendo uma ideia de domus. Um fato curioso era que na casa do Romano mais especificamente do que era considerado pelo ius civile havia uma vela onde tinha que sempre estar com sua chama acesa indicando que ali era um local onde podia ser habitado.
Se acaso aquela chama se apagasse, era o momento daquela família sair dali, pois não tinha sentido permanecer naquele local e a propriedade deixava de ser sagrada e iluminada quanto para os vivos quanto aos mortos antepassados que habitaram o local.
Ou seja, um local sagrado para se habitar, entendendo que inicialmente, o culto, destinado aos mortos e que a terra na qual repousavam, era sagrada – inalienável e imprescritível. Assegurando, portanto, em seu livro sobre a história do Direito Romano nos aponta o seguinte: “Nesta esteira, do direito de propriedade derivam todos os outros direitos, se dele não provém a própria civilização: por causa o homem beneficia a terra e se torna melhor”[2].
Em vista de todo esse cotejamento que o cidadão romano sempre cultuou e inclusive, na venda, que apenas se realizava a transmissão mediante o formalismo e a ritualística da invocação das palavras sacramentais.
Vez mais, esclarecemos que todas essas características necessitavam ser rigorosamente observadas, posto que raramente se alienavam terras, ou propriedades, que habitavam com sua família, devido toda tradição e história, na qual não abriam mão, quais era necessário respeitar e preservar. Isso foi o alicerce doutrinário, qual sustém e ainda influencia nosso direito romano-germânico.
Entretanto, ao longo do transcorrer dos dias, devemos trazer a lume, que as desigualdades entre as classes sociais, acentuam o abismo da realidade entre as famílias mais ricas e as mais pobres.
Através da história, exemplificamos isso, na Roma Antiga, quando os escravos, por serem considerados coisas, ou seja, res, propriamente dita, simplesmente não tinham onde morar.
Logo, temos que destacar que para os escravos, daquela época, temos o registro da total ausência da identidade, para os escravos; não eram considerados cidadãos e, sequer haviam direitos, tanto de vida, como de morte. Eram desta forma, que os direitos concentrados nas mãos dos patriarcas das famílias, dirigiram a história de todos enquanto vivessem.
Nota-se que, desde história antiga, passando pelo período do feudalismo, os homens quase não tinham direitos. Os direitos eram efetivamente ligados à posse dos bens ou dos títulos dados pela nobreza, quando não possuíam nenhum dos dois, simplesmente não eram reconhecidos como sujeitos de direito. Sérgio Resende de Barros, nos fala um pouco sobre isso:
“O que ainda o colocava junto com sua prole em uma condição de um componente da terra, uma vez que a Igreja Católica cunhava em suas mentes que nascer pobre era algo natural uma vontade divina. E que se nascesse rico seria vontade de Deus. Então, não devíamos questionar o nosso destino[3].”
Esse idealismo tão arraigado, até os dias contemporâneos, nos quais se deve considerar o lucro como algo pecaminoso, ou imoral, não perpassa de uma blindagem de conformismos das massas, pois quanto mais conformados os servos e humilhados, menos questionadores eles se tornam.
1.3- Do início da idade moderna
Contudo, com a tomada do poder pelos burgueses, a fase de transição entre o período da idade média, e da idade moderna, impulsionada por movimentos iluministas como Rousseau que aponta em sua obra: O Contrato Social, na qual é muita citada a importância da ordem no mundo:
“Assim como o arquiteto, antes de erguer um grande edifício observa e sonda o chão, e examina se pode sustentar o peso da construção, assim o sábio instituidor não principia a formar boas leis em si mesmas antes de ter observado se o povo a quem ele as destina é capaz de suportar[4].”
Nesta mesma obra, faz duras críticas à Igreja Católica e leva seus conterrâneos franceses a pensarem sobre sua situação política, social e, sobretudo, existencial, trazendo uma forma de pensamento emancipadora para homem, com os ideais de Liberté, Egalité, Fraternité (Liberdade, Igualdade e Fraternidade).
Pensamentos como estes, mencionados pelo filósofo, seriam o norte para uma série de revoltas na França. Revoltas essas, que ocorreram insidiadas pela burguesia que via o poder nas mãos de Luiz XVI, um monarca absolutista, qual declarava que o Estado era ele e, tudo deveria ser concentrado em suas mãos. Lembrando que a riqueza estava nas mãos de poucos, e isso gerava grandes insatisfações.
A realidade dessa época gerava uma população se afundando em grande pobreza e boa parte dos camponeses oriundos dos antigos feudos, estava na França e todos viam seus parentes e amigos morrerem enquanto o Rei e alguns poucos escolhidos por este, esbaldavam com sua riqueza sem se preocupar com a população miserável da época.
Neste cenário, o povo dominado por estes pensamentos como os de Rousseau e outros, começou a se revoltar e decidiu em tomar no ano de 1789 na data de 14 de julho o povo provocou a queda da Bastilha, com as mentes acesas por estes pensamentos, sem esperança no Governo começa uma revolta que culminou com decapitação do Rei Luiz XVI.
Após isso como nos aponta o Professor Sérgio Resende de Barros também surgiu a Declaração dos Direitos do Homem ainda neste momento conturbado da França como palavras suas:
“A Declaração de 1789 tornou-se, merecidamente, a mais famosa das declarações de direitos. Editada em 26 de agosto de 1789, na França, mesmo que não tenha sido a primeira, acabou servindo de modelo para outras que se seguiram. Foi denominada Declaração dos direitos do homem e do cidadão. Hoje, a frisar a igualdade dos sexos perante o direito, fala-se direitos humanos em vez de direitos do homem e do cidadão. O uso da expressão declaração evidencia que os direitos enunciados não são criados ou instituídos. São meramente declarados, por se tratar de direitos preexistentes que derivam, ou da própria natureza humana, ou das tradições culturais da sociedade política.[5]”
Inaugurando um novo momento para a história da humanidade e, para o homem em si, virando uma página da história, que seria crucial para o desenvolvimento humano.
2- Do liberalismo inglês, da revolução industrial e o início do capitalismo x marxismo: a propriedade com seus novos contornos.
A idade moderna estabeleceu um panorama, na qual a ciência se multiplicou e propiciou um desenvolvimento tecnológico acentuando. Nesse cenário o liberalismo inglês atravessou as fronteiras e chegou ao capitalismo.
Permitindo-nos um salto histórico, a segunda geração de direitos, praticamente estabelecida e a propriedade de fato passou a se formar uma nova forma de capital, pois em todos os locais se precisa de terra para morar; construir e para se estabelecer as cidades.
A propriedade passa a ser vista com outros olhos. Ressalta-se a sua função social, fazendo parte de um dos direitos para aqueles que a possuíam e desta forma poderiam extrair dela seu sustento.
Destaca-se ainda, que o individualismo do século XIX, passou trazer à propriedade a função social, ou seja, não podia existir por existir, mas cumprir um papel social, ou seja, produzir algo. E nesse prisma, o homem passa a ter a propriedade da terra, podendo dela usar, gozar e dispor. Ele e sua família, podem ali habitar e fazer morada permanente.
Tendo em vista, que a burguesia de ontem, tornou-se o capitalista de hoje, necessariamente perpassa que o direito da propriedade, trata-se de um direito fundamental, cunhando-o como parte integrante da geração de direitos que o homem tem.
Recordemos-nos que a corrente que pregava o fim da propriedade privada, defendida por Marx e Engels, se contrapõem com a seguinte expressão:
“A HISTÓRIA DE TODA SOCIEDADE existente até hoje tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, o opressor e o oprimido permaneceram em constante oposição um ao outro, levada a efeito numa guerra ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou, cada vez, ou pela reconstituição revolucionária de toda a sociedade ou pela destruição das classes em conflito[6].”
Após essa luta ideológica, o que prevaleceu foi o capital. O que transformou a propriedade privada, em moeda de troca, em sinônimo de poder e de autoridade, sobre os demais.
A luta das classes tornava-se mais agressiva, apesar de agora com capitalismo selvagem onde se utilizava a propriedade de forma em que a moradia, a terra, e a força de trabalho, são levadas ao limite. Com a única finalidade de gerar o lucro ao grande capitalista, o que tomava à frente, despontando como os grandes centros e o alto custo do valor dos imóveis.
Esse período foi marcado pelo êxodo rural, onde as famílias deixaram o campo para virem às cidades. Inicia-se a idade contemporânea, nesta, se deparam com grandes dificuldades das condições de vida, nisto incluindo sua própria moradia.
Começava daí, a surgir à forma mais acentuada de periferia, o acesso ao lar ficava mais difícil, haja vista o pouco espaço físico que possuíam os mais favorecidos da época.
As classes sociais tinham seus locais próprios, não apenas na sociedade, mas também na geografia e topografia das cidades, ou seja, cada qual com seu lugar.
Portanto, nada mais evidente, que a efetivação do direito a uma moradia digna, se faz necessária. Pois ao deslizar as areias da ampulheta do tempo, não são apenas os grãos de areia que se acumulam todas as desigualdades: sociais, econômicas, intelectuais, entre outras, que poderíamos elencar. Essas desigualdades carreiam consigo, grandes problemas, dificilmente debatidos, quiçá, solucionados, nos dias hodiernos.
3- Dos direitos fundamentais e a geração de direitos clássica e o problema da moradia
O direito fundamental está apoiado basicamente numa divisão clássica da geração de direitos. Esta divisão se funda em um tripé que pode ser resumido basicamente assim[7]:
“(…)a) direitos de primeira geração: correspondem aos direitos de liberdade, ou seja, aos direitos civis e políticos, têm como titular o indivíduo e são oponíveis contra o próprio Estado;
b) direitos de segunda geração: fundamentados no princípio da igualdade, correspondem aos direitos sociais, culturais e econômicos, bem como aos direitos coletivos ou de coletividades, implicando em obrigações positivas do Estado;
c) direitos de terceira geração: objetivam a preservação do gênero humano, garantindo-lhe, dentre outros, o direito ao desenvolvimento, à paz, ao maio ambiente saudável e à comunicação;(…).”
Em face disso, notamos que sempre ocorreu uma preocupação em dar andamento ao conceito do que seriam os tais de direitos fundamentais. Para demonstrarmos isso, mencionamos vejamos o que leciona a doutrina[8], a seguir:
“A conversão de todos os direitos fundamentais, incluídos os políticos, em direitos humanos difusos e integrais, cuja titularidade sujeite todos os indivíduos da espécie humana e cujo objeto apreenda todos os valores da dignidade humana, produz os valores fundantes da espécie humana. Esses valores fundaram e têm fundado a humanidade ao longo do seu processo histórico, pela valoração das diferenças específicas do ser humano em relação aos outros seres. Assim, por exprimirem as condições fundamentais da existência e constituírem o maior bem de todos os seres humanos, conformam a sua essência e a sua existência, social e juridicamente”.
Pelas palavras acima citadas, podemos entender que os direitos fundamentais são aqueles direitos que se retirados da pessoa humana, ela perde sua identidade, o sentido do ser humano e torna-se coisa, qualquer coisa, menos um ser, quanto mais, humano.
Neste prisma, podemos entender que o homem sem um lugar no qual possa morar, perde sua identidade, sua referência e, sobretudo, tem o seu direito fundamental de segunda geração violado.
Não poder estabelecer a sua morada e dos seus familiares, é não efetivar o direito à moradia, o que entendemos como uma verdadeira violência ao ser humano.
Sem embargo, destacamos que atualmente, grande parcela da população, embora invisível ao mercado de consumo, convive com uma extensa gama de problemas da ordem social e econômica.
Logo, com o advento da acessibilidade das classes sociais à uma nova realidade econômica, qual vive nosso país, desde a abertura econômica havida no Governo Collor e depois estruturado pelos governos subsequentes, como podemos verificar: Itamar (início do Plano Real), Fernando Henrique Cardoso (inserção dos programas sociais), Luís Inácio Lula da Silva (expansão e estruturação dos programas sociais) e o atual, Dilma Roussef (continuidade e expansão dos programas sociais), nada mais que justo que o Estado propicie à essas populações, a efetivação do direito à moradia.
Mas não nos vale, que o direito à moradia, seja cumprido sem a observância da efetivação que lhes garanta o direito de morar dignamente, o que de fato, observamos que muitas vezes não ocorre nos programas governamentais.
Portanto, embora o direito à moradia esteja cunhado na geração de direitos, o grande problema reside no fato de efetivá-los. Pois, não basta nomeá-los, classificá-los e estudá-los, como preferem alguns autores, o problema é colocá-los em prática!
Sendo assim, chegamos ao problema da subsunção dos direitos, pois a norma não se efetiva na vida ordinária.
Desta forma, não temos direitos, mas, assim como na revolução francesa, temos um monturo de letras mortas, que perfazem uma “mera declaração de direitos”, distante da maioria da população miserável ainda.
Sobre efetivação de direitos, Noberto Bobbio, defende sobre a efetivação de direitos fundamentais:
“Nada impede que se use o mesmo termo para indicar direitos apenas proclamados numa declaração, até mesmo solene, e direitos efetivamente protegidos num ordenamento jurídico inspirado nos princípios do constitucionalismo, onde haja juízes imparciais e várias formas de poder executivo das decisões dos juízes. Mas entre uns e outros há uma bela diferença! já a maior parte dos direitos sociais, os chamados direitos de segunda geração, que são exibidos brilhantemente em todas as declarações nacionais e internacionais, permaneceu no papel. O que dizer dos direitos de terceira e de quarta geração? A única coisa que até agora se pode dizer é que são expressão de aspirações ideais, às quais o nome de “direitos” serve unicamente para atribuir um título de nobreza…Mas uma coisa é proclamar esse direito, outra é desfrutá-lo efetivamente…[9].”
Bobbio foi preciso e profético, em reconhecer que os Estados ditos democráticos, possuem uma certa parcimônia em aceitar as garantias em suas Constituições, porém podemos até afirmar que embora isso já seja um avanço, pouca é a efetivação dos ditos direitos das gerações.
Nessa esteira de raciocínio, mais especificamente, no que se chancela o direito à moradia, podemos mencionar que nem de longe, esse direito, principalmente em nosso país, tem sido objeto de políticas públicas efetivas, com a finalidade de estabelecer-se plenamente para uma nação que possui milhões de pessoas em situação de rua, seres humanos em condição de miserabilidade, e outros tantos, pobres, excluídos, trabalhadores explorados, que sobrevivem na periferia das cidades, apinhados nas encostas dos morros, sobrevivendo às situações mais adversas, como: ausência de saneamento básico, segurança, iluminação, entre outras, ou seja, são populações marginalizadas, distantes das mãos do Estado.
Em derradeiro, o palco onde os homens veem sua dignidade violada em face do contexto, por sequer serem reconhecidos como cidadãos, tais como: miseráveis, em situação de rua, trabalhadores habitando áreas de risco, ou ainda, no mais grave, desabrigados, resta-nos a observância das palavras de Martin Luther King Jr., que expressa: Liberdade nunca é dada voluntariamente pelo opressor; ela deve ser exigida pelo oprimido[10].
Essa liberdade apregoada por King era fruto de uma defesa de ideais, de forma pacífica, mas nem por isso, menos embativa e aguerrida, que qualquer outra revolução épica.
A maioria das revoluções da história da humanidade, tiveram como finalidade o livramento dos oprimidos, dos excluídos, enfim, daqueles que sem a efetivação das garantias estabelecidas pelos direitos dos seus opressores, indignaram e conscientes da sua humanidade, reivindicaram sua parte.
Atualmente os opressores personificaram-se no Estado, que está inerte, ou melhor, estabelecem políticas públicas extremamente tímidas, frente ao déficit de moradia.
4- Da função social da propriedade
Como já explanado anteriormente, no presente texto, a função social da propriedade, passou a fazer parte das discussões político-sociais.
Após o término da I Guerra Mundial, no final do século XX, tal tema obteve maior envergadura, após a II Guerra Mundial, quando ao verificarmos as consequências nefastas produzidas durante este período, emergem com demasiada força, as discussões que contemplam temáticas sociais.
Destacamos aqui, que as primeiras ideias sobre a função social da propriedade, foram elaboradas no seio da Igreja Católica, com a antecedência considerável, sendo as primeiras palavras ventiladas durante o século IV e V depois de Cristo.
Porém ao refletirmos o final do século XX, temos uma população constituída pelo saldo das duas Grandes Guerras, sobreviventes das recessões econômicas e das ditaduras, estando sedenta não apenas por condições de vida, mas anseavam pelo reconhecimento e recrudescimento do discurso da efetivação dos direitos já declarados e, porque não dizer romantizados, pela “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, nas brumas enevoadas de Paris.
Logo, diante deste contexto histórico, a propriedade, passa a ser discutida com foco na sua função social.
A função social da propriedade, nesse período começa a ser declarada e resguardada nas legislações.
Dentre os países que realmente efetivaram esse direito à propriedade que temos notícia, foram França e Argentina, porém com o decorrer do tempo, este direito à propriedade passa a se tornar direito de propriedade.
Podemos citar alguns desses documentos, sendo os primeiros, declarações, ou seja, não passavam de meras declarações de intenções. Enquanto as legislações reconhecem os direitos contidos nas declarações, regulamenta-os e por diversas vezes, impõem sanções, na tentativa de efetivá-los.
Tal efetivação é buscada através de programas governamentais específicos dentre outras ações governamentais.
Urge destacarmos, que o acesso à moradia, deve ser interpretado, como acesso à uma moradia que possibilite uma vida digna aos seus moradores.
Para ter acesso à uma moradia digna, esta deve estar harmonizada com: as declarações políticas dos governos local, estatal e federal; necessidades das populações locais; observância da realização dos serviços de saneamento básico; planejamento urbano e inclusão da mobilidade urbana.
Todos esses pontos devem ser observados, para que a efetivação do direito à moradia, não se torne ineficiente e não atenda a proposta do nosso ordenamento jurídico.
5- Dos movimentos sociais na luta pela moradia
A efetivação dos direitos sociais, dentre eles, o direito à moradia, mais especificadamente, tornou-se objeto de luta de diversos movimentos sociais em nosso país.
Há a necessidade das cidades brasileiras, se repensarem e readequarem-se, para que as pessoas as habitem e não apenas tornem-se distritos industriais e/ou empresariais, destinadas ao fomento e produção.
Uma das formas que auxiliam nesse processo de adequação das cidades aos seus cidadãos e moradores é a observância de vários relatórios internacionais, como: relatório da Legislação Nacional sobre o Direito à moradia, publicado pela UN-HABITAT, que faz um resumo das legislações nacionais ligadas à temática do direito à moradia; relatório Housing rights legislation: Review of international and national legal instruments[11], do Alto Comissariado da ONU, publicado em 2002, destinado ao estudo das conexões entre os direitos humanos, e porque não mencionarmos as manifestações promovidas pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST).
Pois as manifestações populares são das formas da população que está apartada dos núcleos do Poder, ser ouvida, vista e, principalmente, no regime do Estado Democrático de Direito, que vivemos, é lembrada.
Enfim, devemos recordar, inclusive a nós mesmos, que o Poder emana do Povo, e todas as decisões devem ser tomadas com essa lembrança ecoando nos ouvidos moucos dos nossos representantes que exercem os três poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário.
Conclusão
Podemos afirmar que a luta pela efetivação do direito à moradia, deriva da necessidade do homem em ter seu lugar no mundo.
A construção de uma moradia, digna, envolve a observância de vários outros direitos estamentados nas nossas legislações.
Afinal de contas, como diz a música “Comida[12]”, de Arnaldo Antunes: “a gente não quer só dinheiro…/ a gente quer inteiro e não pela metade…”.
E em busca dessa inteireza, a efetivação do direito à moradia, deve estar acompanhada da leitura atenta ao cumprimento das legislações pátrias, dos pactos e declarações internacionais as quais o nosso país é signatário e, principalmente, às necessidades da população excluída.
E finalmente para sedimentarmos que nossas leis, não podem ser letras mortas e empoeiradas, lembremo-nos das palavras benditas, no discurso da promulgação de nossa Constituição Federal, a seguir transcritas:
“Em nome dos constituintes, e de seus pais, dizemos com amor, ternura e fé, à recém-nascida: Seja o amparo dos fracos e injustiçados, e o castigo dos fortes e prepotentes. Expulse a ditadura do Brasil, pela prática do ofício público, com honestidade, competência, compromissos sociais cumpridos pela autoridade do exemplo, mais do que pelo ruído das palavras. Seja escola para as crianças e analfabetos, igualdade para as mulheres e minorias discriminadas, proporcione salários condizentes com distribuição de renda, seja proteção e estímulo para o empresariado (…). Seja o homem a sua religião, pois o Estado é criatura do homem, o homem criou o Estado e não o Estado criou o homem; o homem é o fim e o Estado é o meio; na disputa entre o Estado e o homem, fique o homem amparado pela razão. Seja alegre, a alegria é o testemunho dos fortes; seja corajosa, sem a coragem todas as virtudes perecem na hora do perigo; não seja escapatória, pois a indecisão é o refúgio dos fracos; seja a núncia da esperança, a esperança é o sinal de que o homem pode vencer. Seja irmã do pobre, o pobre só pode se salvar pela lei e pela justiça; seja Moisés guiando milhões de desamparados pela a Canaã da cidadania. Não fique somente nas estantes, saia, ande, escute, olhe mais do que escute, mais vale ver uma vez, do que ouvir cem vezes”[13].
Diante de tão preciosas palavras, nós como estudantes e operadores do Direito, necessitamos despender maior atenção, aos brados das ruas nos últimos tempos.
Pois, o clamor do povo nas ruas, é o resultado de inconformismo diante da postura dos nossos governantes.
A cada dia vemos o povo esmagando-se nos transportes coletivos, que simplesmente é de péssima qualidade, ineficientes e com suas tarifas cada vez mais agressivas nos bolsos de quem realmente serve ao país; vemos esse povo colorido, perdendo suas vidas, por falta das medidas sanitárias básicas; por falta da segurança pública; por falta da moradia digna; enfim, hoje nosso povo mestiço só não sente falta das faltas, porque a falta de respeito por todos nós é imensa e revoltante!
Revoltar-se e requerer a efetivação dos direitos prescritos em nossa Constituição Federal de 1.988, não é nada mais do que cumprir a lei, e atender a ambição da tão ostentada “Constituição Cidadão”.
Enfim, garantir ao povo moradia digna, pode ser o primeiro passo para respeitar o trabalhador, que constrói dia após dia, os alicerces deste jovem Brasil.
graduação em Direito, pós-graduação lato sensu em Direito Processual Civil, pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP. Cursando pós-graduação em direito e processo do trabalho, pela Universidade Anhanguera de Campinas/SP. Membro da Comissão de Direitos Humanos – CDH, e da Comissão de Ecologia Meio Ambiente e Interesses Difusos da Ordem dos Advogados do Brasil, 3.º Sub – Seção – Campinas/SP. Advogado militante
Mestre em Direito na Universidade em Direitos Fundamentais Difusos e Coletivos pela Universidade Metodista de Piracicaba UNIMEP sob a orientação do Prof. Dr. Victor Hugo Tejerina Velásquez. Bacharel em Ciências Jurídicas pela Universidade Metodista de Piracicaba UNIMEP. Advogada
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