Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar complexidades do direito operário na Primeira República, como as matérias que integravam esse direito, o status de subsidiário ao Direito Civil ou autônomo e a questão da competência, que antes era ligada ao governo Estadual, fazendo com que não tivessem muitas leis federais sobre direito operário.
Palavras-chave: direito operário, conceito de direito, Primeira República, direito como instituição imaginária social
Sumário: Introdução, 1) Matérias do Direito operário, 2) Discussão sobre o status do direito operário de dependência ou subordinação às leis civis, 3) Discussão sobre a legislação civil e o direito operário: os projetos de Código Civil, 4) Discussões sobre o projeto de Código Civil de Bevilaqua e a questão do direito operário, 5) A legislação restritiva dos direitos dos operários, 6) A legislação estadual e os direitos dos operários, 7) Legislações operárias de sujeitos específicos, Considerações Finais, Bibliografia
Introdução
É na Primeira República que o direito operário começa a ser criado, dentro das características de um direito que regula o mundo do trabalho no âmbito do capitalismo industrial. Essa busca por uma legislação específica para cuidar desse novo sujeito que nascia nos grandes centros fazia parte de um outro grande movimento de criação de direitos, que passava pelo Estado como mediador. O movimento de codificação do Direito Brasileiro se acentua a partir da primeira constituição brasileira, a de 1824, que colocava como necessária a criação de uma legislação nacional. Até então a legislação que vigorava no Brasil era a legislação do Reino de Portugal, conjuntamente com leis brasileiras de menor porte e regionais, além da utilização subsidiária de normas de direito canônico, direito romano e de direito medieval. A profusão de normas e regras começa a tornar difícil o regramento de uma sociedade brasileira que começava formar sua burocracia estatal e seus instrumentos repressores, como a polícia. Surgem nesse movimento o Código Penal, o Código comercial, o Código Civil e muitas leis específicas. Porém, no início do século XX não havia um movimento do Estado para a criação de normas próprias para o operário.
As leis que tratam de alguma forma do mundo do trabalho industrial/urbano e dos operários enquanto sujeitos de direito no Brasil começam a ser elaboradas no fim do século XIX. Não se pode confundir essa forma de legislação do mundo do trabalho industrial/ urbano/ capitalista, com outras formas de regulação do mundo do trabalho que existiam anteriormente. Os historiadores do direito se referem ao Direito do Trabalho como uma legislação estatal, para um sujeito de direito muito específico, que era o empregado das indústrias. Esse direito durante muito tempo não englobou o trabalhador rural, o empregado doméstico, o trabalhador de serviços e ainda hoje não se aplica para os funcionários públicos, aos trabalhadores de terceirizadas, aos trabalhadores cooperativados, aos para-subordinados e a tantos outros sujeitos. Desse modo, prefere-se utilizar o termo direito ‘trabalhista’, entre aspas, para se diferenciar do direito trabalhista atual, que engloba outros sujeitos, tem outros princípios de valores e tem outra tábua de matérias. As aspas também decorrem do fato dessa legislação não ser considerada atualmente como direito do trabalho ou relativa ao trabalho. Porém, muitas dessas legislações chegaram em algum momento a serem cogitados como tal.
Alguns discursos da época invocam legislações anteriores que normatizavam o mundo do trabalho, mas não propriamente as novas relações de contrato de trabalho surgidas com a industrialização brasileira. Essas legislações regulam um mundo do trabalho diferente, como as Ordenações Filipinas, que falam da relação criados/senhores; ou Código Comercial de 1850 que trata de uma relação comercial de locação mercantil e o Código Civil de 1916 que fala de uma relação civil (entre iguais) de locação de serviços. A lei civil foi durante muito tempo entendido como o espaço em que deveria estar alocado do direito operário. Esse entendimento foi sustentado por juristas e também pelos industriais, que entendiam que a relação de trabalho era um contrato como outro qualquer. Durante o longo processo de criação de uma legislação civil, foi por diversas vezes cogitado a regulação do mundo do trabalho
1 . Matérias do Direito operário
Ao longo do tempo as matérias dos manuais de Direito do Trabalho sofreram transformações não apenas no seu conteúdo, mas nos próprios temas. Assim, matérias que pertenciam a outras áreas passaram a fazer parte dos estudos de Direito do Trabalho e matérias que estavam presentes nos manuais antigos desapareceram ou perderam sua importância. Considerar essa alteração é importante, uma vez que no início do século XX quando o Direito do Trabalho não estava consolidado tal qual se conhece hoje, outras questões e matérias faziam parte de seu conteúdo.
Atualmente, os manuais entendem que o Direito do Trabalho é o direito individual dos trabalhadores presentes nas legislações estatais, em especial na CLT. Esse mesmo entendimento não existia no Direito operário da época estudada, uma vez que a concepção de direito individual não era a predominante, mas sim a de um direito coletivo. A mudança também ocorreu quanto aos sujeitos desse Direito do Trabalho, que em 1943 com a CLT volta-se para o empregado fabril, mas em período anterior dedicava-se também à trabalhadores de outras áreas e com outras características. A questão dos sujeitos de direito, que está dentro das matérias do direito do trabalho, já estava presente nas greves de 1917-1920. Afirmar que há uma esfera própria ao Direito do Trabalho é reconhecer que há questões particulares e novos sujeitos de direito[1].
Por conta dessa transformação do Direito do Trabalho é possível entender que esse começa antes do que se costuma afirmar, fazendo parte ou contendo matérias que hoje pertencem a outros campos do direito. Há autores que defendem que o Direito do Trabalho somente pode ser reconhecido como um verdadeiro direito, após a Revolução de 30. Porém, há evidências da atuação legislativa estatal para questões do trabalho, que estão hoje em outras áreas do Direito, como o Direito Penal e o Direito Civil. Os direitos trabalhistas eram entendidos pelo Estado como um direito não legitimado pelo Estado e, portanto, as ações que o reivindicavam eram dignas de repressão policial. Por outro lado, o empresariado entendia que as relações trabalhistas estavam reguladas pelas leis civis, no instituto da ‘locação de serviços’[2]. Desse modo, as greves de 1917 podem ser vistas como um meio de luta não apenas para a efetivação de alguns direitos esparsos, mas sim de uma necessidade de uma criação de um direito especial para um novo sujeito que surgia no mundo do trabalho brasileiro. Primeiramente, irá se analisar como os manuais antigos tratavam da divisão, em especial alguns manuais anteriores à CLT.
O direito do trabalho olhado de maneira teleológica, talvez deixe de lado uma série de preocupações que faziam parte daquele direito e que atualmente fazem parte de direitos específicos ou de outros ramos do Direito. Questões que são atualmente do direito do trabalho, estavam alocadas em outros ramos, como o caso da regulamentação sobre a greve, que era do direito penal.
O direito previdenciário é um dos casos mais marcantes, uma vez que ele esteve durante muito tempo ligado ao direito do trabalho, e com isso aposentadoria, invalidez, assistência aos pobres, eram questões tratadas no direito social. A locação de serviço, que era entendida por muitos juristas e empresários, como a relação que pautava também as relações entre empregado e empregador, eram matéria de direito civil. A questão das condições de trabalho no início do século XX, que hoje em dia faz parte do direito do trabalho, era entendida como uma questão do âmbito da higiene e saúde. A questão das habitações populares dos trabalhadores fazia parte das reivindicações dos operários no início do século.
A questão dos direitos alfandegários dos industriais também era uma importante discussão que pode ser colocada no âmbito de um direito do trabalho. A proteção alfandegária era essencial para o crescimento da indústria nacional. Se recaia aos operários anarquistas a pecha de ser um elemento externo indesejável, de certa forma acontecia o mesmo com os industriais, que eram em grande parte também estrangeiros e ameaçavam a velha economia brasileira. A legislação protetiva aos industriais também era combatida por parte da sociedade brasileira à época, em uma posição anti-industrialista, como ressalta Ângela Castro Gomes.[3]
A habitação era uma questão operária, pois os trabalhadores das indústrias geralmente residiam em habitações feitas pelos próprios industriais, pagando por isso aluguéis, que atingiam parte significante de seus salários. Grande parte das preocupações com a infância também pertenciam ao âmbito das discussões do direito do trabalho, isso porque muitas crianças eram trabalhadores. Hoje o direito da criança e do adolescente tem um ramo específico, que busca proteger um menor que, em geral, é proibido de ser trabalhador por lei, a não ser em casos excepcionais. Questões que hoje fazem parte do direito do consumidor eram entendidas como integrantes do direito operário. Assim, o direito de não ter produtos adulterados ou o direito a alimentos a preços baixos para a população pobre eram integrantes do direito operário. A relação dos salários e o aumento dos preços dos alimentos e outros bens essenciais, contribuiu em muito para as greves paulistas e também para a luta por direito protetivos aos operários.
Quem faz um inventário dessas questões é Alfredo João Louzada, que quando trabalhava no Departamento Nacional do Trabalho em 1933 faz uma coletânea de decretos trabalhistas. Louzada em uma pequena introdução de histórica, lista e comenta a legislação existente até então, que regulamentavam o direito do trabalho. Pode-se reparar que na listagem de Louzada[4], há diversos direitos que não se limitam ao que hoje se costuma entender por direito do trabalho:
Portanto, olhar para o direito do trabalho no início do século XX é olhar para uma série de questões que não fazem parte do direito do trabalho atual. Muitos juristas modernos entendem que havia pouca regulação legislativa sobre direito do trabalho, porém esquecem que as questões atuais de direito do trabalho não são as mesmas do início do século XX. Para entender o que no início do século era direito do trabalho é preciso ir além do direito individual do empregado (definido no art.3 da CLT), e olhar para questões do trabalho que estavam em outros ramos do direito. Destacam-se duas questões tratadas nos manuais com maior incidência: a locação de serviços do Direito civil e a regulação da greve ligada ao direito penal.
Por esses exemplos, é possível verificar como as matérias que eram próprias do
Direito do Trabalho no início do século não são as mesmas, nem tratadas do mesmo modo. Essa diferença não decorre apenas de especialização e desenvolvimento do Direito do Trabalho, mas sim de uma significação do Direito, que não pode ser apoiada totalmente na racionalidade do Direito. O dogma da racionalidade não pode explicar a criação caótica dos direitos. O estudo do direito do trabalho como é entendido por muitos juristas no início do século, descortina a hoje tão explorada relação homem e mundo do trabalho, uma vez que para aqueles juristas o direito do trabalho era antes de tudo um direito social, que englobava outras relações, além da relação capital/trabalho. Ou em outras palavras, diferentes dos colegas modernos, os autores mais antigos acreditavam que o direito operário não se restringia à regulação do mundo do trabalho e preferia dar ênfase ao sujeito de direito. Não é de se estranhar que antes o Direito era chamado de Direito operário e hoje é Direito do Trabalho. Não se trata apenas de uma denominação diferente, mas de direitos diferentes.
2) Discussão sobre o status do direito operário de dependência ou subordinação às leis civis
Discutia-se na Primeira República se o direito operário que se formava deveria ser um outro tipo de direito ou se este deveria estar ligado ao Direito Civil que já tinha um status consolidado e que a partir de 1916 se encontra consolidado em um novo Código. Essa discussão somente termina com a CLT e com a organização de uma Justiça do Trabalho independente. Abaixo apresenta-se a posição de dois autores, Dário Bittencourt e Evaristo Morais sobre a questão da autonomia do direito do trabalho.
Dário Bittencourt em uma conferência no Instituto da ordem dos Advogados do Rio Grande do Sul em 1936, que foi transformada em um livreto, trata do Direito do trabalho, mas em conjunto com uma série de outros direitos, que eram entendidos como parte de uma mesma questão: direitos sociais. O livreto engloba temas como Direito do trabalho (legislação social anterior a 1930 e posterior), filhos adulterinos e incestuosos, formas legal e ilegal de união sexual, operária gestante, Direito à estabilidade de emprego e a irredutibilidade dos ordenados e abuso a coibir. O autor aborda os avanços na legislação social frente à legislação civil e por isso trata de temas que hoje foram incorporados ao Direito Civil. O que é fundamental para esse autor é a diferenciação da proteção do Direito civil e a proteção do direito social, como se pode ver no seguinte trecho:
“Entre a lei civil, já antiga, e a lei do trabalho mais moderna, existem contrastes, pois o que o Código Civil emoldura princípios individualistas do século XIX em seu contexto, ao passo que a legislação trabalhista, verdadeiro direito constituindo, obediente a diversa orientação doutrinária, é caracterizada por preceitos outros, humaníssimos, esmaltados de solidariedade social”[5].
Evaristo de Morais apresenta em seu livro ‘Apontamentos de Direito operário’, de 1905, considerações sobre a disputa dos defensores do Direito civil e da necessidade de regulação própria para os direitos dos trabalhadores. O capítulo II desse livro é inteiramente dedicado a esse assunto. A questão é importante, uma vez que havia antes do estabelecimento do Ministério do Trabalho e da C.L.T., uma negação por parte do Estado, de alguns juristas e de parte do empresariado, que a seria necessária a regulação de um direito dos trabalhadores, uma vez que esse assunto já havia sido regulado na legislação civil, pela “locação de serviços”. Porém, a relação é diferente entre os sujeitos de direito no Direito civil, pois se pressupõe uma igualdade de condições entre quem loca e quem tem seu serviço locado. Essa igualdade que era colocada em dúvida e que depois foi formalizada no Direito do Trabalho, que afirma a desigualdade de condições jurídicas entre empregados e empregadores.
Evaristo de Moraes entende que a legislação civil não é suficiente para tratar do assunto, uma vez que somente há 22 regras para toda a matéria. O projeto a que Evaristo se refere é o projeto do Código civil, que somente aprovado em 1916 e que também previa a locação de serviços, nesse reduzido rol de artigos. Nas palavras do autor:
“Efetivamente, a ‘redação final do projeto do Código Civil Brasileiro’ – que tempos presente – principia por epigrafar, à moda velha, o conjunto das relações dos trabalhadores ou assalariados, para com seus patrões ou empregadores: da locação de serviços. Dispensa ao assunto 22 artigos. Ao lado, o legislador cogitara da locação de casas, muito mais detalhadamente. Isso denuncia todo o espírito da grande obra republicana, sob o ponto de vista da legislação social (…). Lembrando-nos, todavia, de terem os operários já aludido grupo feito, em tempo oportuno, algumas /reuniões para a apresentação de seus ideais à comissão especial da Câmara dos deputados”[6].
Evaristo de Moraes defende em seus livros que os direitos dos operários devem ser tratados em legislação específica, pois eles representam a luta entre capital e trabalho. A relação de locação de serviços é bem diferente da que surgia no Brasil, com o crescimento das indústrias e do trabalho assalariado. Evaristo ressalta que outros países estão criando legislações que tratam sobre o problema dos direitos dos operários, seja de forma isolada ou mesmo integrando-a na legislação civil. Porém, a idéia de Evaristo é que em faltando legislação especial no Brasil, que pelo menos a lei civil trate melhor o tema:
“Não era, portanto, de estranhar o reclamo que os operários residentes no Brasil levantassem, agora, pedindo aos legisladores republicanos um pouco de atenção para esses sérios problemas que não se desprezam impunemente. Fenômenos bem manifestos da crise industrial e de revolta operária ai estão denunciando a urgência de uma lei ou de leis tendentes a harmoniza o trabalho com o capital (como se diz nos discursos). E não haverá ocasião que melhormente se preste para a feitura de obra durável, compatível com as promessas do atual regime político. O capítulo que o projeto do Código Civil dedica ao trabalho assalariado não vai muito além das Ordenações do Reino, nem das leis do Império.
A ‘locação dos serviços’ continua a lembrar aquele dito de um romancista e poeta francês que comparou à servidão feudal o trabalho do operário moderno, agravada a situação d’agora com o escárnio do industrialismo pomposo e impudente, que suga a vida, a liberdade e a honra, e, muitas vezes, dispensa ao operário tratamento inferior aos dos cachorros de boa raça…”[7].
Para Evaristo de Moraes a necessidade de uma legislação estatal é patente e ele defende que os direitos dos trabalhadores sejam mediados pelo Estado. Esse é um dos pontos que difere o autor, dos muitos operários anarquistas, que não viam com bons olhos a intervenção estatal, mas que lutavam pelos mesmos direitos trabalhistas:
“Com a intervenção legislativa, que só ela pode assegurar realmente a liberdade dos que realizam o contrato do trabalho, pondo-os em iguais condições, socialmente falando. Só a intervenção enérgica do Estado, mediante providências legislativas, pode estabelecer condições para o contrato de trabalho”[8].
A questão levantada por Evaristo há quase um século, ainda é atual e discutida no âmbito dos estudos de Direito do Trabalho. Isso porque ainda há muitos que defendem que não deve haver intervenção legislativa estatal no âmbito das relações de trabalho. Essa questão de mais de um século ainda é colocada, em especial quando se discute a, muito entre aspas, flexibilização dos direitos trabalhistas.
3) Discussão sobre a legislação civil e o direito operário: os projetos de Código Civil
O debate por uma legislação civil começa na sua estipulação pela Constituição de 1824 e persiste até a aprovação do Código Civil em 1916. Ao longo desse período são realizados vários projetos de Código civil, sem que nenhum deles fosse aprovado. Destacam-se os projetos de: Teixeira de Freitas (1859-1864), Visconde de Seabra (1871), Nabuco de Araujo (1872), Felício dos Santos (1882) e Coelho Rodrigues (1890-1893). Dois desses projetos serão destacados para análise, o de Teixeira de Freitas e o de Clóvis Bevilaqua; aquele por ter a reputação de ser um dos projetos mais criteriosos, segundo os juristas, e este por ter sido o projeto que levou a aprovação do primeiro Código civil brasileiro.
Teixeira de Freitas é incumbido pelo governo para reunir as leis civis em uma consolidação em 1858. Na Consolidação das leis civis a matéria relativa à regulação do trabalho está tratada no capítulo destinado à “Locação de serviços”, compreendidos dos artigos 679 a 695. Teixeira de Freitas acolhe nesse capítulo as regras que estão presentes em especial nas Ordenações, adotando todo um vocabulário que evidencia relações de trabalho típicas do período medieval português como: mestres e empreiteiros de obras, amo, criado, soldada
Na terceira edição da Consolidação das leis, Teixeira de Freitas tece uma série de comentários sobre o conteúdo da Locação de Serviços e vale aqui chamar atenção para discussão que levanta sobre a diferença da locação de serviço comercial e a civil. Essa discussão é travada com a obra do Conselheiro Ribas, do qual Teixeira discorda nesse ponto, e a distinção serve para definir o que é a locação de serviços. Teixeira entende que a locação de serviços é uma locação de obras:
“Está entendido, que só serviços corpóreos, ou mais corpóreos que espirituais, alimentam a locação de serviços (locação de obras). Serviços espirituais, ou mais espirituais que corpóreos, como no mandato, comissão, preposição, e outros contratos inominados de locação com representação, não são objetos da locação de serviços. Salva estas distinções a locação de serviços compreende os de quaisquer trabalhadores, operários, oficiais, marinheiros, etc..”[9]
A Consolidação traz a diferenciação do trabalho do nacional para o trabalho do estrangeiro em termos de direito e há uma estipulação especial denominada: “Da locação de serviços de estrangeiros” (Capítulo IX- artigos 696-741). Se a parte relativa à locação de serviços tinha como base a matéria presente nas Ordenações, a parte que trata da locação de serviços de estrangeiros tem como base diversas legislações esparsas brasileiras de 1830-1850 que visavam à colonização, citadas em nota por Teixeira de Freitas[10]. A nomenclatura é diferente da presente na primeira parte do capítulo, uma vez que há uma predominância dos termos locador e locatário para falar das partes envolvidas na relação de trabalho.
Este trabalho de Teixeira de Freitas de compilação da legislação não será apontado pelos operários nem pelos empresários como um direito vigente, apesar de o ser. Os empresários quando tratam de afastar a grita por direitos dos operários a partir da alegação de que estes já estavam regulados, utilizavam-se das Ordenações. Apesar de existente, a Consolidação não tinha ecos no mundo capitalista e industrial que se formava no começo do século XX.
No Esboço, obra de cerca de 5000 artigos, que começou a ser escrita em 1859 e não foi terminado, Teixeira de Freitas busca dar o toque próprio à matéria civil e também regula a locação de serviços, no Capítulo XI, artigos 2692-2743. Teixeira deixa de lado os “empregados de serviço público” e os colonos estrangeiros, aos quais devem se regrar pelas leis privativas a esses dois sujeitos (art. 2706). Há uma divisão entre os locadores de serviços, que podem ser incluídos dentre as normas gerais e os com regulação específica como os “criados de servir” e os “trabalhadores”, isso porque estes dois últimos são classificados como pertencentes à locação de serviços materiais. Sobre as regras destinadas aos criados de servir destaca-se o fato de que apesar de serem regras da locação de serviços, quem é locado não é o serviço, mas sim a pessoa, como se pode ver no: art. 2731 que fala do criado alugado por tempo e no art. 2712 que proíbe a mulher de se alugar como ama de leite ou outro serviço doméstico sem o consentimento do marido.
Quanto aos “trabalhadores” há estipulação específica nos artigos 2734 a 2743, porém essas muitas vezes dizem que se aplicam a esse locador de serviço especial as mesmas regras da locação de serviço em geral. Teixeira de Freitas não chega definir o que entende como trabalhador, mas estabelece que trabalhador para estar nas regras da lei civil deveria trabalhar sob julgo de outro, como empresários e mestres e receber um “preço correspondente ao tempo do trabalho” (artigo 2734). O jurista cita apenas um exemplo de “trabalhador” como locador de serviço que é o marinheiro e pessoas empregadas na navegação de cabotagem, pois como exceção não são locações de serviço de âmbito civil, mas sim comercial (art. 2743).
O esboço de Teixeira de Freitas apesar de ser um dos mais aclamados por muitos juristas, devido a sua ampla erudição e utilização de um padrão do Direito Romano clássico, não trás inovações no âmbito do trabalho para a sua época. Nesse ponto, Teixeira de Freitas acaba por repetir os pontos que já tinha estabelecido na “Consolidação das leis civis”, porém, o fez de uma maneira mais minuciosa e repetitiva. Apesar de introduzir a palavra “trabalhador”, Teixeira de Freitas introduz essa figura como mais um locador de serviço. Apesar de não tratar sobre a condição do escravo, o jurista trata do serviçal doméstico, que para o Brasil da época seria aplicado muito mais para os escravos, que com as estipulações do Esboço ainda mantinham seu status de trabalhador inferiorizado em direitos.
O Esboço de Teixeira de Freitas, tantas vezes elogiado, mesmo que incompleto já não conseguiria ser aplicado alguns anos depois, pelo menos nesse item da “Locação de serviços”, pois, com o incremento da industrialização e com o surgimento dos centros urbanos, surgia um novo tipo de trabalhador, o “operário”. Frente a essa demanda por regular um mundo capitalista foi necessário um outro projeto, o do liberal Clovis Bevilaqua. Este projeto teve sua dificuldade de aprovação, porém torna-se o Código Civil em 1916, com poucos reflexos para o movimento operário e sua luta por direitos.
Entre esses dois importantes projetos está o de Coelho Rodrigues, que por ter influenciado o próprio projeto de Bevilaqua e também as discussões da aprovação do Código de 1916, merece ser abordado. Coelho Rodrigues escreve seu projeto de Código Civil em 1893, durante o governo do marechal Deodoro da Fonseca. Coelho Rodrigues trata em dois momentos do mundo do trabalho, inicialmente na locação de serviços (art. 766-768) e na regulação do serviço doméstico (art. 2352-2380). Na parte de locação de serviços há pouca regulamentação, chegando a mencionar que a locação de serviços ocorre quando uma pessoa trabalha para outra mediante salário, ou paga específica como nos casos de pessoas que atuam em serviços de transportes, empreiteiros de obras e profissionais liberais (art. 776).[11] Se a estipulação para os “locadores de serviço” é pequena, não são poucas as regulações para o “serviço doméstico”. Neste último, Coelho Rodrigues trata do trabalho executado pelo criado a seu amo ou patrão. Estas estipulações já estavam presentes na Consolidação das leis civis de Teixeira de Freitas, que repetia as Ordenações do Reino quanto a esse tema. Essa parte do trabalho de Coelho Rodrigues é que suscita aos revisores do projeto de Clovis Bevilaqua a incluírem nas primeiras revisões o tema do serviço doméstico, que acaba não entrando na redação final.
4) Discussões sobre o projeto de Código Civil de Bevilaqua e a questão do direito operário
O projeto de Clovis Bevilaqua começa a ser realizado em 1898, como parte da política de Campos Sales, que devido aos empréstimos internacionais necessitava de uma política de redução de riscos, inclusive jurídicos e de redução de despesas internas. Bevilaqua é contratado para fazer o projeto às pressas e sua rápida aprovação é colocada como fator importante para o governo de Campos Sales, que chega a destacar isso em suas mensagens presidenciais de 1899 e 1900.
“Parece ser já tempo de entrar em esforços decisivos para dotar a República com o seu código civil. Vem de muito longe esta aspiração nacional.(…). Estabelecida como foi, a unidade do direito, o legislador brasileiro não tem encontrado diante de si os obstáculos desta natureza excepcional, que não significam nem significaram, jamais, a dificuldade de condensar num código as cláusulas do direito, mas unicamente a dificuldade de destruir um direito tradicional. Convencido de que é tempo de agir resolutamente, resolvi providenciar no sentido de elaborar um projeto de código civil, que vos será oportunamente apresentado. O Ministro da Justiça acaba de confiar este importante trabalho ao dr. Clovis Bevilaqua, lente da Faculdade de Direito do Recife”[12].
A busca de uma modernização do direito levava em conta a inserção do país no contexto internacional do capitalismo, onde era necessário regulamentar os direitos, não só do cidadão, mas do grande capital que entra no Brasil, através das industrias e de companhias ferroviárias, de luz, etc.. O Ministro da Justiça de Campos Sales é Epitácio Pessoa, que depois será presidente do país no período estudado. Epitácio segue a risca a política prescrita por Campos Sales e busca no futuro autor do código um liberal. Clovis chega a inserir no projeto do Código civil em 1898 uma série de artigos sobre a “locação de serviços”, que dá um tratamento ao locador de serviços como um operário, não seguindo a mesma corrente dos projetos anteriores, que davam um caráter muito ligado ao direito romano. Depois das discussões, foi o caráter de locação de serviços a maneira da tradição do direito romano que prevaleceu e o Código Civil de 1916 tem alguns artigos que tratam do tema. Os deputados, nas discussões na Câmara, afastaram totalmente o caráter já capitalista dado por Clovis, que considerava também o “locador de serviços” um operário, que recebia salário, tinha uma jornada pré-determinada e trabalhava com subordinação para um empregador no sistema capitalista de produção. O que muda é o tratamento da figura daquele que têm direitos, pois o operário é diferente do locador de serviços.
Clovis Bevilaqua inseriu os artigos que tratavam sobre os operários dentro do Código Civil na matéria da Locação, que não fala propriamente em “operário”, mas em locador de serviços. A única exceção é quando fala dos menores trabalhadores de minas, no artigo 1381 e 1382, em que usa expressamente a palavra: “operário”. A existência dos dois termos, para falar da mesma pessoa e dos mesmos direitos, leva a supor que Bevilaqua estava tratando o tempo todo do operário.
O autor do projeto destaca que a locação de serviços de que trata é a locação remunerada (art. 1364) e aponta que a locação de serviços na dúvida não pode se supor gratuita (art. 1365). Bevilaqua afasta, portanto, da locação de serviços, o serviço do escravo, que ainda era uma realidade presente e viva na sociedade da época, que tinha abolido a escravidão em 1888, apenas uma década antes. Há ainda a estipulação de três outros artigos sobre o salário (art. 1366-1368), duração do trabalho, rescisão entre as partes, cinco artigos sobre o trabalho de menores (art. 1378-1382) e um artigo sobre a higiene e segurança no trabalho (art.1383). Aos menores havia a estipulação de que era proibido o trabalho em minas.
Apesar de restrito a alguns artigos o projeto de Clovis Bevilaqua inovava ao tratar a questão da locação de serviços de um modo moderno, incluindo uma série de reivindicações do movimento operário e de direitos que já estavam sendo regulamentados em outros países. A inserção de direitos do trabalho no corpo dos livros de Direito Civil tinha forte inspiração do Direito alemão, que com o BGB adotava essa prática legislativa.
O projeto inicial de Clóvis Bevilaqua sofre diversas alterações, com as emendas dos membros da comissão do Código Civil. A primeira alteração do projeto de Bevilaqua, publicada ainda em 1901, manteve os artigos originais do projeto e inseriu uma divisão da matéria quanto à locação de serviços, com a inserção dos “Serviços domésticos”. Estes trabalhadores eram considerados diferentes dos “locatários de serviços” previstos no projeto inicial, que eram os operários. Os deputados visavam com isso destacar a existência de um outro tipo de trabalho remunerado, mas que as pessoas que o exerciam não tinham os mesmos direitos dos operários. Essa versão do projeto do Código civil não utiliza para os serviçais domésticos nem ao menos a palavra locador de serviço e denomina o locatário dos serviços de “amo”, marcando o tipo de relação existente entre as duas partes, que não se dava no âmbito dos contratos, já influenciado pelo capitalismo industrial, mas reproduzia uma relação existente entre senhores e escravos durante a escravidão. A busca por regulação da situação dos serviçais domésticos fazia sentido, pois logo após a abolição da escravatura muitos negros ficaram sem trabalho devido à constante substituição da mão de obra escrava pela mão de obra branca européia. Muitos negros, sem trabalho e sem poder ter acesso à terra para plantar, devido à Lei de Terras, foram trabalhar como empregados domésticos. O trabalho desses negros no âmbito da casa ainda mantém muito do aspecto do trabalho escravo, com poucos direitos e uma remuneração baixíssima, o que não altera a condição dos trabalhadores negros agora libertos.
Essa versão ainda inova ao tratar dos “serviços imateriais”, que são prestados por “locadores de serviços”, como os profissionais liberais. O projeto fala de escritores e literatos, destacando o crescimento de um novo tipo de profissional que prestava serviços mediante salário a um empregador. Essa versão também trata nesse mesmo item da locação de serviços de um outro tipo de trabalhador, que é o aprendiz, que se diferencia do “menor operário” pelo aprendizado de um ofício, apontando para um outro tipo de relação que não é a regra no capitalismo industrialista. O aprendiz não tinha um empregador, nem um locatário de serviços, mas sim um “mestre”, aos moldes das corporações de ofício medieval. Essa versão também trata de modo diferenciado alguns locadores de serviço que fazem transporte, exceção que não seria necessária, que não houvesse regulação que para os locadores de serviço como as companhias e empresas, as regras que se aplicam são as do Código Comercial, que já tinham sido aprovadas em 1850.
Todas essas nuances entre os “locadores de serviços” apontavam para a diversidade de relações de trabalho que existiam e para uma preocupação de regrar esses diversos tipos de trabalhadores, sem dar destaque ao operário, que é o trabalhador paradigma do sistema capitalista. Na visão dos deputados, o novo código civil deveria contemplar relações capitalistas, medievais-corporativas e serviçais-escravocratas.
Destaca-se um parecer de Fábio Leal, do Instituto dos Advogados, que chamado para comentar os artigos de 1325 a 1481, propõe uma outra classificação dos locadores de serviços, incluindo o operário como trabalhador distinto. Fábio Leal entende que os operários são um tipo específico de locadores de serviços. Essa diferente visão de Leal o leva a inserção de novos artigos ao projeto revisado pela Câmara. Segundo Leal a especificidade dos diversos locadores de serviços já havia sido iniciada pelos deputados, como está expresso em suas palavras:
“Pareceu-nos, tendo sido mais ou menos especificados os diversos ramos dos serviços prestados por locação, que se não podia deixar de falar no Código do operariado, que compreende igualmente toda a espécie de artífices, e é esta parte que se podem incluir as disposições dos artigos 1400 e 1402 do projeto, se é que elas pertencem propriamente ao Código civil, pois são antes verdadeiras regulamentações administrativas.”[13]
Leal trata dos operários em dois artigos: um que diz que as regras gerais para os locadores de serviços também valem para os operários e outro artigo que cuida da responsabilidade dos patrões pelos operários. Note-se que este último artigo fala em patrões e operários, estabelecendo uma nova nomenclatura e a confirmação de uma nova relação de trabalho que se propunha a entrar para a legislação nacional.
O responsável por apreciar todas as alterações, emendas ao projeto e o próprio projeto de Bevilaqua foi Teixeira de Sá, que fez parte da “Comissão dos 21” para revisão final do projeto do Código Civil. Teixeira de Sá analisa os artigos de 1325-1481, incluindo as disposições a respeito da locação de serviços. O parecer desse deputado visa a afastar as modificações propostas pela comissão de revisão, buscando a restauração do projeto inicial de Clovis Bevilaqua que não fazia distinção entre os locadores de serviços. Teixeira de Sá esclarece porque a comissão revisora fez a distinção em seu parecer falando que esta buscou a aproximação com os códigos civis estrangeiros, apontando para uma nítida diferença entre o que Clóvis Bevilaqua achava que seria importante a legislação civil regular (tratar sobre o operário) e alguns membros dos deputados, com uma posição não tão voltada ao liberalismo. Assim diz Teixeira de Sá:
“Nessa matéria divirjo inteiramente do plano que seguiu a Comissão Revisora, no qual alterou profundamente o projeto primitivo. O referido projeto consagrou somente uma subseção conforme o seu método de divisão, para a locação de serviços em geral. Mas a Comissão entendeu que o código ficava incompleto, defeituoso, havia de ser severamente criticado, se não tratasse dos serviços domésticos. Pois, se outros códigos se ocupavam desses serviços, o Francês, o Português, o Espanhol, o Chileno! Entretanto, o projeto primitivo não adotou esses exemplos e alguma razão teve para isso (…). Folgo, portanto, de estar de perfeito acordo com o ilustre autor do projeto primitivo, que se circunscreveu a estabelecer disposições gerais sobre a matéria da locação de serviços, nas quais compendiou as essenciais relações do contrato, seja qual for a sua forma e o seu objeto. A Comissão Revisora, alterando esse plano e consagrando mais três subseções particulares para serviços domésticos e imateriais e fornecimentos, encheu-as de disposições casuísticas, algumas até redundantes (…)”.[14]
O que Teixeira de Sá entende que é uma repetição do tema pela Comissão Revisora, que não buscou a visão abstrata adotada por Clovis Bevilaqua, também pode ser entendida como uma opção por explicitar os diferentes tipos de relações de trabalho, que estavam todas unidas por um contrato, mas que seus sujeitos de direito eram diferentes, e estavam ligadas por vínculos diferentes de trabalho. O projeto de Clóvis Bevilaqua submete todos os locadores de serviço ao capitalismo, enquanto que o projeto revisto da comissão faz coexistir diversos tipos de relações de trabalho.
A reforma feita pela comissão revisora final apenas deixa alguns artigos do projeto original de Bevilaqua, suprimindo os que tratavam do trabalho no capitalismo. Assim, suprime-se a referência aos menores trabalhadores, bem como à possibilidade de normas de higiene e saúde, que cuidavam da saúde do trabalhador. Diante dessas mudanças, Bevilaqua pede em 1905 quando o projeto encontrava-se dormindo no senado a volta dos dispositivos originais. São as palavras de Bevilaqua:
“Excluíram-se desta seção (art. 1219 a 1238) artigos cuja falta importará sensível lacuna em nosso Código Civil. Trata-se do serviço dos menores. Se o Código guardar silêncio estarão os tutores e quaisquer pessoas a cuja guarda forem eles confiados, sem regras que lhes dirijam o proceder, o que sobremodo há de pesar em detrimento dos menores e dificultar a benéfica intervenção do juiz. Além do serviço dos menores, tratam esses artigos supressos de certas condições de higiene que, a exemplo do código alemão, deve o brasileiro exigir em garantia dos operários. Consignada na lei civil tal exigência, importa em um direito para o trabalhador, além de que a higiene pública somente nas capitais e cidades mais populosas está organizada entre nós. Peço, por isso, o restabelecimento dos art. 1397 a 1402 do Projeto revisto.”[15]
O Código Civil acaba sendo aprovado com um mínimo de artigos referente ao mundo do trabalho (art. 1216-1236), tendo alguns dispositivos alterados em 1919. É essa legislação que será lembrada por alguns empresários e juristas para a justificativa da não necessidade de leis trabalhistas. Porém, percebe-se claramente que o Código Civil não protegeria o operário nos mesmos termos que um locador de serviços, pois a relação entre o operário e o empregador e a relação do locador e do locatário são nitidamente diferentes, uma vez que na primeira a relação não é entre iguais contratantes que podem estipular livremente as cláusulas do contrato de trabalho. Essa diferença foi marcada no art. 593 do Código Civil de 2002, que remete à locação de serviço dessa lei civil aqueles casos que não estão sujeitas às leis trabalhistas ou às leis especiais (como no caso dos funcionários públicos)
Uma discussão que foi amplamente abordada pelos juristas antes da Consolidação do Direito do Trabalho como um ramo autônomo era a sua ligação com o direito civil, sendo subsidiário a este. Porém, com a consolidação do Direito do Trabalho e com a estipulação de princípios diferentes para os dois ramos do direito, a partir do desenvolvimento do Direito como uma ciência, essa discussão foi afastada. Retomar a relação Direito do Trabalho e Direito Civil somente tem sentido em uma época em que o direito do trabalho não estava desenvolvido como ciência, nem havia uma ampla legislação sobre o tema. Essa relação também é interessante para mostrar a evolução do tratamento da matéria e a própria evolução do capitalismo e da industrialização brasileira, com o surgimento da figura do operário.
Se a legislação civil existente já em 1916 não era adequada para regular o trabalho e garantir os direitos dos operários, a legislação sobre o trabalho rural também não era. Sobre o trabalho rural foram criadas as seguintes regras: Decreto 1150 de 1904 que conferia privilégio para pagamento de divida proveniente de salários de trabalhador rural e o decreto 6532 de 1907 que tratava dos sindicatos agrícolas. Mesmo as leis de trabalho para os colonos, com o estabelecimento de contratos de trabalho rurais particulares, como o Decreto 2127 de 1879[16] eram citados como legislação para legitimar a não necessidade de se fazer uma legislação específica. Esse decreto aponta como o trabalho dos colonos era diferente do trabalho dos operários, e as regras do contrato de um não poderiam ser utilizadas para outro.
Edgar Carone traz em seu livro “A República Velha” um pequeno resumo da legislação rural à época.[17] Maurício de Lacerda em seu livro “A evolução Legislativa”, dedica diversos capítulos para a questão do trabalho rural. Este livro lista os vários projetos de lei, leis e decretos sobre esse tema. Porém, é importante ressaltar a afirmação de Lacerda de que o decreto 213 de janeiro de 1890 revogou a lei 2827 de 15 de março de 1789 que tratava da locação do serviço agrícola. Esse decreto era utilizado como justificativa de que não era necessária uma legislação trabalhista, já que existia a locação de serviços[18].
O que o movimento operário, em especial o de 1917 em São Paulo, tentou deixar claro é que se necessitava de um novo direito para cuidar dessa nova relação entre o industrial e os operários. Apresenta-se aqui a letra da lei dessas legislações para ressaltar a impropriedade da utilização dessas leis e apontar para uma vontade política de se manter uma relação serviçal ou nada protetiva aos operários.
É possível perceber na defesa dessas legislações, uma significação de Direito que estava muito ligada a um direito colonial e escravagista. As pessoas que trabalham para outro, são tidas como servos ou mesmo colocadas na posição de escravos. Uma vez que a escravidão tinha sido há pouco abolida, ainda existia, no início da industrialização brasileira, uma idéia de que aquele que tomava o serviço tinha todo o poder sobre o que executava. O trabalhador operário era assemelhado ao servo, uma vez que não se podia tratá-lo como um escravo. Essa significação de posse do trabalhador aflorava principalmente frente aos mais fracos, como as crianças, que recebiam salários irrisórios, sofriam multas que comprometiam seu salário e não raro sofriam castigos físicos[19].
5) A legislação restritiva dos direitos dos operários
O primeiro passo para uma legislação ligada verdadeiramente aos operários foi uma legislação restritiva. A legislação estatal que cuidava dos operários nem sempre teve o caráter protetista, ou seja, nem sempre o que se visou foi a garantia dos direitos dos operários. Isso porque o direito operário nasce como um direito contra o operário, em que o Estado se valia da legislação para sancionar os operários, em especial, criminalizar as greves, presentes no Código Penal de 1809 nos artigos 204 e 205.
Evaristo de Morais trata da relação do Direito do Trabalho e do direito penal quando fala das greves, que antes era tido como um crime e não como um direito, de acordo com o que estava regulamentado no Código Penal da época. Evaristo é a favor do direito de greve e não entende a prática como um crime. Antes de analisar a legislação brasileira e a sua aplicação nos casos das greves, o autor faz um minucioso relato de como a matéria vinha sendo tratada no exterior, citando alguns países e suas codificações. O autor destaca que a questão da greve é resolvida no Brasil naquela época (1905) como um caso da polícia e do judiciário, uma vez que greve era crime:
“A reação apareceu, afinal, por parte do poder executivo, representado pela polícia. Continuou com a intervenção do poder judiciário. É bem possível que diante de qualquer movimento operário, que venha a suceder, entre em serviço o poder legislativo, cuja contribuição de arrocho já foram ameaçados os operários…. estrangeiros!
Por ocasião da chamada greve dos cocheiros – triste tentativa sem plano e sem chefes- toda gente imparcial se sentiu indignada diante dos processos violentos do pessoal da polícia, que pôs a capital da República em estado de sítio, prendendo, ameaçando, coagindo por todas as formas”[20]
O autor chega ainda a retratar os usos e abusos da polícia e do judiciário ao utilizar a lei de greve. Conta o autor que houve casos em que foi utilizada uma parte da lei nova que criminalizava a greve e uma parte da redação da lei antiga, prejudicando os grevistas[21]. Evaristo comenta a mudança dos dispositivos penais, entendendo que a primeira redação se aproximava do Código Penal português e a última dos Códigos Italianos e Franceses, como pode ser visto abaixo:
“Código Penal
Art. 205 Seduzir ou aliciar operários e trabalhadores para deixarem os estabelecimentos em que forem empregados, sob promessa de recompensa ou ameaça de algum mal. Penas- de prisão celular por um a três meses e multa de 200$ a 500$000.
Art. 206 Causar ou provocar cessação ou suspensão de trabalho, para impor aos operários aumento ou diminuição de serviço ou salário. Pena – de prisão celular por um a três meses.”
Alteração – nova redação
“Art. 205 Desviar os operários ou trabalhadores dos estabelecimentos em que foram empregados, por meio de ameaças, constrangimento. Penas- de prisão celular por um a três meses e de multa de 200$ a 500$000.
Art. 206. Causar ou provocar cessação ou suspensão de trabalho por meio de ameaças ou violências para impor aos operários ou patrões aumento ou diminuição de salário ou serviço. Penas- de prisão celular por dois a seis meses e multa de 200$ a 500$000.”
A criminalização foi retirada, mas durante muito tempo foram tidos como crimes atos ligados à greve. Outra legislação restritiva aos operários foi a lei Afonso Gordo de 1907, que permitia que estrangeiros considerados anarquistas fossem expulsos do Brasil. Essa lei apresentava um ponto de mudança frente à Constituição Federal de 1891 que tinha implantado uma ampla naturalização.
A significação imaginária do Direito do Trabalho contemporânea no Brasil é de um direito do trabalho protetista ao trabalhador, porém não era essa a única significação dada na Primeira República ao direito operário.
6) A legislação estadual e os direitos dos operários
Se por um lado industriais se remetiam a leis que não eram propriamente de proteção para os operários, como a existente para os colonos ou para relações civis, existia uma legislação própria para os operários, que era citada por diversas vezes pelos anarquistas. Essa legislação dificilmente é citada pelos autores modernos de Direito do Trabalho, que costumam procurar pelo direito do trabalho na competência que ele está hoje, ou seja, locados nas leis federais. Porém, à época existiam leis operárias que estavam alocadas no âmbito dos estados.
A competência para legislar sobre matéria trabalhista até 1926 não era da União, segundo a Constituição Federal, mas sim dos Estados. Somente após a reforma constitucional é que a matéria se torna da competência da União. Assim, no Estado de São Paulo existiam algumas leis estaduais regrando o mundo do trabalho, sendo que a principal delas era o Regulamento do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo. Esse regulamento estabelecia diversas normas relativas à limitação da jornada de trabalho, trabalho dos menores, trabalho da mulher, trabalhos perigosos, nocivos e jornada noturna. Trata-se de normas consideradas de saúde do trabalhador e por isso eram cuidadas por esse regulamento.
Por existir uma legislação sobre o trabalho, ou melhor, sobre a saúde do trabalhador, os operários anarquistas, juristas e liberais, entendiam que os industriais não poderiam desprezá-la, uma vez que eram normas estatais. É nessa linha que o jornal O Combate, apresenta um texto do Departamento Estadual do Trabalho falando da exigência da lei, em especial das “disposições do regulamento sanitário. O texto invoca a autoridade de um parlamentar, que opina sobre a competência legislativa e a sua exigibilidade:
“Segundo a opinião de um parlamentar ilustre, o senador Luiz Piza, a quem consultamos sobre a competência do legislativo estadual relativamente a estes 5 últimos pontos da regulamentação do trabalho: ‘Todas as questões propostas se resumem a uma só, em face da competência do Estado’, a periodicidade do descanso, ou a sua extensão, são acidentes de uma mesma relação – a exclusão, no regime contratual, da liberdade de exercer certo período de serviço durante as 24 horas do dia. As prescrições relativas a este assunto são da competência do Congresso Estadual: as suas aplicações contratuais e se prendam à liberdade de cada um, têm, não obstante, uma face social, preponderante, a da ordem e da higiene. A ordem e a higiene preventiva devem ser objeto da legislação do Estado. Não constituindo as prescrições relativas a esta matéria objeto de competência especial da União, ou direito implícito da mesma, contido em cláusula expressa da constituição, cabe ao Estado legislar sobre elas na conformidade do art. 65 §2 do Pacto Nacional.”[22]
O jornal recupera esse texto de 1913, para destacar a incompetência legislativa dos deputados paulistas que “enterraram” diversos projetos de lei relativos aos direitos dos operários, como o projeto que cuidava do trabalho dos menores nas fábricas[23].
A legislação estadual era utilizada nas propagandas para atrair imigrantes italianos para São Paulo, dando a garantia de que neste estado havia uma legislação operária e que ela era assegurada por uma fiscalização[24]. Evaristo de Morais é que denuncia essa mentira contada aos estrangeiros: que em São Paulo havia respeito aos direitos dos operários. Diz Evaristo sobre o desrespeito às leis no país:
“Para o operário residente em São Paulo não há em verdade, nem Constituição, nem Código Civil. O Código Penal ou é sofismado, ou é interpretado a bel prazer do governo e dos grandes industriais que lhe facilitam os empréstimos, em momentos aflitivos.”[25]
As leis estaduais sinalizam algumas das conquistas do movimento operário de 1917 em São Paulo e, mesmo essas leis tendo sido pouco eficazes, não se pode negar a sua importância para a construção de um direito do trabalho. A historiadora Maria Silvia Duarte Hadle aponta para a existência de uma legislação estadual e para a relação entre a criação de novas legislações estaduais e o movimento operário de 1917:
“Até o final da década de 1910, mais ou menos, o que havia de legislação trabalhista era fundamentalmente a nível estadual. Neste período, poucas leis elaboradas visavam basicamente a situação do trabalho da mulher e do menor. Em 1891 foi feito um decreto – o qual não foi aplicado – que estabelecia providências para regularizar o trabalho dos menores empregados nas fábricas da Capital Federal. A questão do trabalho dos menores e de sua fiscalização vai ser retomada pelo governo paulista apenas em 1911, através do decreto 2141 de 14-11-1911 (…). Este decreto foi reformado em 1917, com modificações na regulamentação sobre instalações industriais, trabalho de mulheres e menores, tendo sido resultado de compromisso assumido pelo governo estadual para acabar com a greve de 1917, procurando atender algumas das condições estabelecidas pelo Comitê de Defesa proletária: abolição do trabalho de menores de 14 anos, do trabalho noturno de menores de 18 anos e de mulheres. Estes dispositivos também não foram aplicados.”[26]
Essa legislação estadual existia, mas tinha dificuldades para ser seguida e exigida pelo próprio Estado. Essa distinção é clara ao jurista, que diferencia entre vigência da lei e a sua eficácia, porém no âmbito de uma análise pragmática essa diferenciação praticamente não existe. Em uma abordagem pragmática somente tem importância uma legislação que seja aplicada, porém é preciso que se veja na existência da lei uma sinalização da importância que o assunto vinha tomando na sociedade. Também é preciso atentar para o fato de que a baixa eficácia da lei não quer dizer que ela não foi ‘aplicada’, mas que havia dificuldades em aplicá-la. Retomar quais eram essas dificuldades é importante para saber por que a regulamentação para um direito do trabalho existia, mas não era exigida nem pelo próprio Estado.
São Paulo é um dos estados que irá ter uma legislação bastante desenvolvida, havendo diversos dispositivos que tratavam direta e indiretamente de regular o trabalho, as condições de trabalho e a saúde do trabalhador. A legislação estadual era citada como principal fonte de direito dentre os jornais anarquistas da época. Além de São Paulo, pode-se citar a existência de outras legislações estaduais que cuidavam da matéria, como por exemplo, a Lei estadual 1309 de 1919, do Estado da Bahia à época do presidente do Estado (governador) Antonio Moniz.
Não basta olhar para a legislação federal para verificar as normas que regravam o direito operário, pois estas estão regulamentadas, até 1926, pela legislação estadual. Para se fazer uma história do Direito do Trabalho olhando para a legislação existente à época das grandes greves paulistas da década de 10 do século XX, deve-se olhar para a legislação estadual, pois esta era a competente. Esse é um dos erros recorrentes na historiografia e nos manuais de Direito do Trabalho brasileiros.
7) Legislações operárias de sujeitos específicos
Outra fonte normativa importante para se recuperar o Direito do trabalho são as legislações especiais, relativas a cada categoria de trabalhadores. Essas legislações também vão se consolidando e depois se integram na CLT em 1943, determinando direitos especiais para cada ocupação. Há um movimento da CLT de tratar os operários de uma forma mais ou menos igual, mas pode-se ver que as legislações específicas acabaram sendo compiladas no interior da CLT, ora dizendo a mesma coisa que as normas gerais, ora especificando direitos a mais. Recuperar essa legislação específica é tarefa árdua e necessita de um esforço historiográfico para tal. Glaudia Francaro, ao estudar os trabalhadores das estradas de ferro, aponta a existência de diversas normas trabalhistas protetivas, como o Decreto 664 de 9 de agosto de 1890 que propiciava a equiparação dos trabalhadores das estradas de ferro à funcionários públicos e a Lei Eloy Chaves sobre as caixas de pensão e aposentadoria (Decreto 4682 de 24 de janeiro de 1923), além de normas internas protetivas.[27] A lei Eloy Chaves foi estudada em detalhes por Moacyr Manfrim Júnior.[28] Essas normas puderam ser editadas pela União, uma vez que de acordo com o art. 13 a Constituição de 1891 era da sua competência (mas também do Estado) legislar sobre viação férrea. Quanto aos ferroviários ainda há leis específicas como o Decreto 221 de 1890 que garante férias de 15 dias e aposentadoria para os ferroviários da Estrada de ferro Central do Brasil, e o Decreto 565 de 1890 que concede os mesmos benefícios para todos os ferroviários.
Essas normas fazem parte de um Direito do Trabalho que existiu e precisa ser redescoberto. Elas são uma exceção, uma vez que a competência da União não era destinada a regular o trabalho diretamente. Dentre a legislação especial também é importante citar o Decreto 5485 de 30 junho de 1928 relativo aos seguros enfermidades e morte pessoal não contratado nas empresas radiotelegráficas e telegráficas (que pode ter competência assegurada no art. 34 parágrafo 15 da Constituição Federal de 1891) e o Decreto 5492 de 16 junho de 1928 relativo à organização de diversões e locação de serviços teatrais que trataram da regulação de direitos como jornada de trabalho e condições de trabalho.
Considerações Finais
Essas leis criadas pelo Estado durante a República Velha apontam para a existência de um direito que já buscava regular o mundo do trabalho. Porém, grande parte da legislação não era aplicada ou não era específica para proteger realmente o operário. Não se pode falar na inexistência de um direito operário por parte do Estado em 1917, pois quando a grande greve geral se estabeleceu alguns estados como São Paulo, já tinham proteções para os operários. Esses direitos eram desconsiderados pelo próprio Estado, assim como outros que garantiam a possibilidade de reunião e greve, ou mesmo da difusão do livre pensamento com as idéias anarquistas. Isso mostra que o âmbito do Direito estatal foi durante esse período articulado pelo Estado, visando interesses políticos específicos.
A questão não era propriamente ter o direito positivado, uma vez que esse existia. A grande luta do movimento operário, em especial o paulista, era a efetivação desses direitos, que passava pelo cumprimento das próprias regras estatais. Diferente do que ocorre hoje, a mera existência do direito positivado não representava um caminho na busca do reconhecimento dos direitos operários. Atualmente considera-se vitória a transformação das lutas em documentos estatais que firmam a existência desses direitos, mesmo que estes não sejam efetivados. O entendimento do que era direito para o movimento operário e também para os jurisconsultos da época, não ficava restrito à positivação legal, nem esta tinha o peso que tem hoje. Assim, não basta olhar para o direito positivado para entender a luta por direitos na Primeira República, nem olhar para direito positivado com o conceito que se tem na atualidade, pois há o risco de um mal entendimento do que era o direito e as lutas por direitos à época.
O direito do trabalho atual tem um significado diferente do que era o Direito do trabalho no início do século, ou mesmo quando já existia a CLT, legislação que vige desde 1943. O Direito é diferente nesses períodos, e isso não tem a ver propriamente com a norma estatal positivada em vigor na época. O Direito entendido como prática dos tribunais, leva em conta essa mudança constante do Direito, que tem relação com as mudanças sociais, sejam elas econômicas, políticas, culturais, etc.. Porém, se o Direito for entendido como norma, como vem acontecendo dentre a posição dominante dos juristas e de alguns historiadores do direito, perde-se toda essa complexidade.
O Direito é aquilo que significa para cada época e cada povo. Romper com o paradigma do Direito como sendo apenas norma é tão necessário aos juristas que querem entender as leis, como para os historiadores do direito que querem entender a sociedade. O direito não é algo, mas sim um ser que nunca se realiza, pois está em constante movimento. O direito é criação histórica e instituída por uma determinada sociedade e por isso fala-se nesse trabalho do Direito como uma significação imaginária instituída.
Pós Doutora em Direito pela FD-USP Doutora e Mestre em Direito pela PUC-SP bacharel em História Direito e Filosofia
http://lattes.cnpq.br/7694043009061056
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