Resumo: Este estudo visa fornecer uma abordagem aprofundada acerca das finalidades e sanções previstas no âmbito do Direito Penal, especialmente num contexto de crise de legitimidade por que passa esse ramo do Direito, inclusive com defensores de sua abolição. Far-se-á uma análise da evolução histórica das penas e das principais críticas feitas ao modelo retributivo que vigora atualmente no Brasil.
Palavras-chave: Direito Penal. Finalidades. Sanções. Justiça Retributiva. Críticas.
Sumário: 1. Introdução. 2. Finalidades do direito penal. 3. Desenvolvimento histórico das penas. 4. Teorias acerca das finalidades das penas. 5. Críticas ao modelo de justiça retributiva. 6. Considerações Finais. 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O Direito Penal vem sendo objeto de inúmeros questionamentos acerca de sua eficácia perante os problemas atuais de nossa sociedade, havendo, inclusive, os abolicionistas que defendem sua erradicação. Nesse sentido, realizar-se-á análise acerca da primordial função do Direito Penal, juntamente com seu principal instrumento de coação, qual seja, a pena, demonstrando as características e as limitações do modelo criminal retributivo, que predomina em nosso ordenamento jurídico atualmente, para depois se analisar os ideais da Justiça Restaurativa.
2. FINALIDADES DO DIREITO PENAL
O estudo das funções desse importante ramo do Direito gira em torno, basicamente, de duas vertentes do funcionalismo: o teleológico e o sistêmico. Encabeçado pelo jurista alemão Claus Roxin[1], o funcionalismo teleológico afirma que a principal função do Direito Penal seria proteger bens jurídicos de elevada importância para o regular convívio social, sendo que a seleção de tais bens mudaria com a natural evolução dos interesses sociais. Bens outrora importantes passaram, com o decurso do tempo, a ser irrelevantes sob os olhos do Direito Penal, guiado pelo princípio da intervenção mínima ou ultima ratio, assim como valores antes desprezados, receberam, posteriormente, a guarida deste ramo da ciência jurídica.
Assim, “o pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e primordial do Direito Penal radica na proteção de bens jurídicos – essenciais ao indivíduo e à comunidade.” (PRADO, 1999, p. 47). A escolha de tais bens compete, precipuamente, à Constituição Federal, que elenca os principais valores que merecem a proteção do Direito Penal, entre os quais se incluem a vida, a liberdade e a propriedade.
Noutro giro, o funcionalismo radical ou sistêmico, criado por Günther Jakobs, considera que resta ao Direito Penal, tão somente, servir de guardião do sistema normativo posto. Deste modo, Jakobs considera que a atuação do Direito Penal é pautada em uma anterior violação do bem jurídico-penal, não servindo aquele para a tutela de bens valiosos, e sim para buscar a reafirmação da autoridade da lei penal, violada com a prática do delito. Dito de outra forma:
“Para Jakobs, o que está em jogo não é a proteção de bens jurídicos, mas, sim, a garantia de vigência da norma, ou seja, o agente que praticou uma infração penal deverá ser punido para que se afirme que a norma penal por ele infringida está em vigor”. (GRECO, 2010, v. 1, p. 3)
Não obstante a autoridade doutrinária do idealizador do funcionalismo sistêmico, predomina na doutrina nacional a finalidade protetiva do Direito Penal, sendo certo que cabe a este usar dos meios concebíveis perante o Direito para exercer seu papel de garantidor dos bens jurídicos indispensáveis à vida em sociedade.
Quando ocorre uma lesão efetiva e contundente ao bem jurídico-penal tutelado, nasce o que se convencionou chamar por Direito Penal subjetivo, é dizer, o direito de o Estado punir o infrator do tipo penal, na tentativa de restabelecer a normalidade social. O jus puniendi, entretanto, não pode ser exercido de maneira arbitrária e ilegal, estando submetido a limitações de diversas naturezas.
Existe a limitação temporal, representada pela prescrição, vez que não pode o criminoso aguardar longo e incerto período de tempo com receio de ser punido, em decorrência do postulado da segurança jurídica, muito caro num Estado Democrático de Direito como o nosso. Há também limites de ordem espacial, visto que a lei brasileira só vige no território nacional, salvo excepcionais casos de extraterritorialidade previstos no art. 7º do Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal. Por fim, o limite modal ao Direito Penal subjetivo consiste em limitação quanto ao modo de punir, devendo a punição estatal ser norteada pela dignidade da pessoa humana, razão pela qual não são admitidas penas desumanas ou degradantes.
O Estado, ao verificar lesão efetiva a bem jurídico significante e observados os limites acima expostos, além de seguir o devido processo legal, deve lançar mão de seu principal meio de atuação na esfera criminal: a sanção penal, gênero que comporta duas espécies: penas e medidas de segurança. No entanto, neste capítulo inaugural será dado enfoque exclusivamente às penas, consequência jurídica do delito.
Portanto, o Estado, por meio da aplicação de penas, visa a atingir sua finalidade precípua, na esfera criminal, que é, como já exposto, proteger os bens valorados como essenciais à vida social, tornando o convívio entre os homens mais seguro. Na esteira dos ensinamentos de Bitencourt (2012, v. 1, p. 157, grifo do autor):
“Atualmente podemos afirmar que a concepção do direito penal está intimamente relacionada com os efeitos que ele deve produzir, tanto sobre o indivíduo que é objeto da persecução estatal, como sobre a sociedade na qual atua. Além disso, é quase unânime, no mundo da ciência do Direito Penal, a afirmação de que a pena justifica-se por sua necessidade. Muñoz Conde acredita que sem a pena não seria possível a convivência na sociedade de nossos dias. Coincidindo com Gimbernat Ordeig, entende que a pena constitui um recurso elementar com que conta o Estado, e ao qual recorre, quando necessário, para tornar possível a convivência entre os homens.”
Ademais, pena e Estado são conceitos que se relacionam de maneira simbiótica. As transformações sociais, culturais e políticas ocorridas no desenvolvimento do Estado refletem diretamente no que se entende por pena, haja vista que as penas catalogadas no ordenamento jurídico são fruto do contexto jurídico em que estão inseridas.[2] Posto isso, cumpre estabelecer a evolução histórica das penas, para só então se passar a uma análise da atual contextura jurídico-penal brasileira e, consequentemente, averiguar se as penas adotadas estão cumprindo a função que lhes é inerente.
3. DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DAS PENAS
A partir de meados do século XVIII, considerado século das luzes, em alusão à efervescência social, cultural, política e filosófica provocada, principalmente, pelos ideais e pensamentos iluministas, houve uma radical mudança na concepção das penas. A era da Ilustração foi marcada pela crítica ferrenha aos moldes do Antigo Regime e procurou destacar a razão como único caminho para o conhecimento. Destacaram-se, nesse momento histórico, René Descartes, Isaac Newton, John Locke e Jean-Jacques Rousseau.
No entanto, o pensador iluminista de maior destaque no estudo das penas, na seara criminal, foi Cesare Bonesana, marquês de Beccaria, nascido em Milão no ano de 1738. Por meio de sua obra Dos Delitos e das Penas, publicada em 1764, contribuiu incomensuravelmente para a superação do caráter aflitivo das penas, característico dos períodos clássico e medieval, dando às penas uma feição mais humanitária, condizente com a dignidade de que é merecedora a vida humana.
Na obra retromencionada, Beccaria questionou-se acerca das penas até então aplicadas, demonstrando sua preocupação com o lado humano das sanções penais:
“Mas, qual é a origem das penas, e qual o fundamento do direito de punir? Quais serão as punições aplicáveis aos diferentes crimes? Será a pena de morte verdadeiramente útil, necessária, indispensável para a segurança e a boa ordem da sociedade? Serão justos os tormentos e as torturas? Conduzirão ao fim que as leis se propõem? Quais os melhores meios de prevenir os delitos? Serão as mesmas penas igualmente úteis em todos os tempos? Que influência exercem sobre os costumes”? (BECCARIA, 2011, p. 12)
Claro que para seu tempo, bem como para sua cômoda situação de nobre, esse pensamento representou uma radical mudança na concepção das penas, pelo que recebeu diversas críticas pelos mais conservadores e radicais.[3]
No Brasil, tomando-se por termo inicial o advento da República em 1889, destaca-se o vigente Código Penal de 1940, elaborado durante a validade do Estado Novo (1937-1945), decretado pelo ex-presidente Getúlio Vargas, com traços de corporativismo e autoritarismo. Posteriormente duas leis modificaram o Código Penal e trouxeram importantes inovações: a Lei n. 6.416/77, com o fim de atualizar as sanções penais, e a Lei nº 7.209/84, que reformulou a Parte Geral do Codex criminal. Buscou-se com tal reformulação a adoção de penas alternativas ao encarceramento, por serem estas menos custosas e com maior retorno social, como, p. ex., as prestações de serviços à comunidade.
No atual ordenamento jurídico-penal são adotadas as espécies de pena catalogadas no art. 32 do Código Penal brasileiro, quais sejam: as privativas de liberdade; as restritivas de direitos – as quais podem ser, com fulcro no art. 43 e incisos do CP, prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana – e as de multa.
O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal – goza do status de lei ordinária, sendo, por conseguinte, legislação infraconstitucional subordinada hierarquicamente à Constituição Federal de 1988, ápice da pirâmide normativa idealizada pelo jurista austríaco Hans Kelsen. Portanto, devem suas disposições normativas se adequarem ao quanto estabelecido no texto constitucional, especialmente na parte das garantias penais que se estendem do inciso XXXVII ao LXVII do art. 5º da CRFB/88. Assim, por força de disposição constitucional expressa:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
XLVII – não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;”
Dessa feita, seguindo a natural evolução histórica, o Brasil é um dos países ocidentais que eliminou as penas degradantes e cruéis de seu horizonte normativo, ao contrário de países ditos “desenvolvidos”, como os Estados Unidos e o Japão, nos quais ainda é prevista a pena de morte em situações de normalidade institucional, o que representa um retrocesso histórico e jurídico.
4. TEORIAS ACERCA DAS FINALIDADES DAS PENAS
A pena, espécie de sanção penal, possui notória importância nos debates jurídicos, por ser instituto essencial ao conviver em sociedade. Cuida-se do principal instrumento de que se vale o Direito Penal para proteger os bens jurídicos mais importantes. Nesse diapasão, os estudiosos do Direito há muito discutem a respeito das finalidades inerentes às penas e surgiram, assim, duas principais teorias atinentes ao assunto: absoluta (retribucionista) e relativa (preventiva ou utilitarista).
Ferrajoli (2002, p. 204, grifo do autor) bem sintetiza as diferenças entre as referidas teorias:
“São teorias absolutas todas aquelas doutrinas que concebem a pena como um fim em si própria, ou seja, como “castigo”, “reação”, “reparação” ou, ainda, “retribuição” do crime, justificada por seu intrínseco valor axiológico, vale dizer, não um meio, e tampouco um custo, mas sim, um dever ser metajurídico que possui em si seu próprio fundamento. São, ao contrário, “relativas” todas as doutrinas utilitaristas, que consideram e justificam a pena enquanto meio para a realização do fim utilitário da prevenção de futuros delitos.”
Segundo a teoria absoluta, cabe a pena retribuir, com a mesma intensidade e duração, o mal causado pelo autor da infração penal. Não se vislumbra na pena um fim socialmente útil, que com seu cumprimento a sociedade como um todo seja beneficiada. Os olhos estão voltados apenas para a figura do delinquente, que merece uma retribuição pela ruptura da paz social, assemelhando-se a pena a uma “vingança” da sociedade representada pelo Estado.
Impende destacar, com escora nos dizeres de Greco (2010, v. 1, p. 465), que:
“A sociedade, em geral, contenta-se com esta finalidade, porque tende a se satisfazer com essa espécie de “pagamento” ou compensação feita pelo condenado, desde que, obviamente, a pena seja privativa de liberdade. Se ao condenado, for aplicada uma pena restritiva de direitos ou mesmo a de multa, a sensação, para a sociedade, é de impunidade, pois o homem, infelizmente, ainda se regozija com o sofrimento causado pelo aprisionamento do infrator.”
Por outro lado, a teoria relativa evidencia o aspecto preventivo da pena, voltando sua atenção para o momento que antecede a ação delituosa. Com efeito, a máxima do “é melhor prevenir do que remediar” pode ser transportada para o campo do Direito Penal com as devidas adaptações, como assim o fez Beccaria ao aduzir que “é melhor prevenir o crime do que castigar”. Muitas vezes, a reparação do dano não é adequada, ficando a vítima do crime com o sentimento de perda de seus direitos, o que é altamente prejudicial à noção de paz social, um dos escopos da Jurisdição. Por isso, é recomendável que se evite a ocorrência de delitos, em vez de se prezar pela reprovação posterior a sua ocorrência.
A prevenção almejada pela aplicação da pena pode ser dividida em prevenção geral e prevenção especial, sendo ambas subdivididas em negativa e positiva.
De acordo com a prevenção geral negativa, ou prevenção por intimidação, cabe à pena incutir nos cidadãos em geral o temor pela punição, evitando-se, pois, que outras pessoas, além do apenado, venham a delinquir. “Existe a esperança de que os concidadãos com inclinações para a prática de crimes possam ser persuadidos, através da resposta sancionatória à violação do Direito alheio, previamente anunciada, a comportarem-se em conformidade com o Direito.” (HASSAMER, 1993, p. 34 apud GRECO, 2010, v. 1, p. 466). A outra vertente da prevenção geral, a positiva, busca difundir na sociedade o pensamento de que o respeito aos bens jurídico-penais é essencial ao convívio social. Pode-se afirmar que a prevenção geral negativa destaca a persuasão pelo medo, enquanto que a geral positiva, pelo respeito ao coletivo.
A prevenção especial negativa consiste na retirada temporária do infrator do ciclo de convivência social, evitando-se, com sua reclusão – nos casos de pena privativa de liberdade – que este venha a cometer novas infrações da lei penal. Em resumo, por estar encarcerado, o apenado fica impossibilitado, em tese, de praticar outros crimes, em virtude da restrição de sua liberdade ambulatorial. Talvez a mais importante das prevenções seja a especial positiva, a qual caracteriza o efeito ressocializador da pena.
A ressocialização do indivíduo possui duplo efeito: fazer o criminoso repensar em suas atitudes, inibindo-o ao cometimento de outros delitos, e providenciar a reinserção social do ex-detento, que sofre, inevitavelmente, com os estigmas negativos deixados em sua passagem pelos cárceres, especialmente os brasileiros. Em virtude de um sistema prisional falido, com verdadeiras “faculdades de crimes” em vez de estabelecimentos ressocializantes, o apenado sofre para conseguir, pós-prisão, uma ocupação profissional digna e ser bem visto perante a sociedade, o que o leva a um ciclo criminal vicioso.
A legislação penal pátria adotou, com base no que preconiza o art. 59 do Código Penal, uma teoria mista ou unificadora da pena, haja vista que é devido ao juiz, ao aplicar a pena, estabelecê-la de maneira necessária à reprovação (retribuição) e à prevenção do crime.
Contudo, a Justiça Retributiva vem apresentando sinais de deficiência crônica, que preocupam a sociedade, amedrontada pelos assustadores índices de criminalidade. Citam-se, a seguir, as principais críticas direcionadas ao atual modelo convencional de justiça[4] adotado no Brasil.
5. CRÍTICAS AO MODELO DA JUSTIÇA RETRIBUTIVA
Existe um sem-número de críticas ao atual sistema de justiça penal, feitas dentro e fora do ambiente acadêmico. Este é, em verdade, um dos temas que mais interessa atualmente a sociedade brasileira, que procura alguma solução rápida para tanta violência e descrença na legislação penal vigente. Não é raro, ao se ler um jornal, que a maioria das notícias trate de crimes recentes, praticados, muitas vezes, por delinquentes em liberdade provisória, recém-saídos da penitenciária ou até mesmo ainda reclusos, o que fortalece a conclusão de que nosso sistema jurídico-penal não recupera os malfeitores.
Alvo de grande parte das censuras, a ressocialização não é presenciada no plano concreto. Com a clara intenção de recuperar o apenado, fazendo com que este indivíduo possa ser reinserido de forma satisfatória no convívio social e que não venha a delinquir novamente, a pena vem descumprindo sistematicamente seus misteres, e sua ineficácia acarreta prejuízos irreparáveis, como vidas inocentes ceifadas todos os dias.
Entretanto, não se trata de uma chaga social a ser resolvida apenas pelo Direito Penal, vez que “a ressocialização, antes de tudo, é um problema político-social do Estado. Enquanto não houver vontade política, o problema da ressocialização será insolúvel.” (GRECO, 2010, v. 1, p. 469). A corroborar tal entendimento, Paulo Queiroz (2008, p. 317) aduz que:
“Castigar criminosos é necessário, mas não é o mais importante, porque problemas estruturais demandam soluções também estruturais. É preciso enfim ver o crime para além dos criminosos, pois a criminalidade é um problema sério demais para ser enfrentado apenas com direito penal. Além disso, o crime não é uma praga ou uma maldição, mas um problema humano e social, muito próximo e cuja existência inevitável devemos assumir com sensibilidade e solidariedade, em vez de ignorá-lo ou de afastá-lo de nossas reflexões com solenes declarações de guerra.”
Muito do fracasso atribuído ao sistema penal se deve à preferência pelas penas de aprisionamento. Como visto, uma das espécies de pena é a privativa de liberdade, que poderá ser cumprida em regime fechado, devendo o preso ser recolhido a estabelecimento de segurança máxima ou média (art. 33, caput e §1º, alínea “a”, do Código Penal brasileiro). Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), do Ministério da Justiça, o Brasil encerrou o ano de 2013 com um total de 548 mil presos, o que representa um aumento de 29% em comparação ao número de presos em 2008 (451 mil presos).[5]
Isso demonstra uma inclinação político-criminal pela pena de prisão, ambiente que não corresponde às expectativas legais de ressocialização. Em verdade:
“A prisão, como sanção penal de imposição generalizada não é uma instituição antiga e que as razões históricas para manter uma pessoa reclusa foram, a princípio, o desejo de que mediante a privação da liberdade retribuísse à sociedade o mal causado por sua conduta inadequada; mais tarde, obrigá-la a frear seus impulsos antissociais e mais recentemente o propósito teórico de reabilitá-la. Atualmente, nenhum especialista entende que as instituições de custódia estejam desenvolvendo as atividades de reabilitação e correção que a sociedade lhes atribui. O fenômeno da prisionização ou aculturação do detento, a potencialidade criminalizante do meio carcerário que condiciona futuras carreiras criminais (fenômeno de contágio), os efeitos da estigmatização, a transferência da pena e outras características próprias de toda instituição total inibem qualquer possibilidade de tratamento eficaz e as próprias cifras de reincidência são por si só eloquentes. Ademais, a carência de meios, instalações e pessoal capacitado agravam esse terrível panorama.” (CERVINI, 1995, p. 46 apud GRECO, 2010, v. 1, p. 468).
Em razão dos efeitos deletérios da prisão, já bastante disseminados no cenário jurídico internacional, muitos doutrinadores pugnam por novas soluções para os conflitos sociais. Para Cezar Roberto Bitencourt, o Brasil possui um dos melhores elencos de penas alternativas ao encarceramento, se comparados com os europeus. O que torna inviável sua aplicação é a falta de vontade política dos governantes, que não fornecem a infraestrutura para seu cumprimento, acarretando um empobrecimento da “criatividade dos Judiciários” para a fixação de tais medidas. “Criar alternativas à prisão, sem oferecer as correspondentes condições de infraestrutura para o seu cumprimento, é uma irresponsabilidade governamental que não se pode mais tolerar.” (BITENCOURT, 2012, v. 1, p. 106).
Pedro Scuro Neto sintetiza as críticas ao modelo retributivo da seguinte forma:
“Depois de um processo em que não pode participar ativamente, a vítima tende a sentir que foi agredida novamente. Os infratores, por seu turno, “pagam” pelo que fizeram sem se importar com reabilitação. Os juízes cada vez pressentem que estão sendo pressionados a “inventar condenações” na hora de prolatar sentenças. Os custos judiciais crescem à medida que os processos tornam-se mais longos e complicados. O processo retributivo de justiça [receber da sociedade tratamento equivalente ao que foi tirado ou feito], tradicionalmente centrado no infrator e no Estado, tornou-se um anacronismo, não admitindo sanções que não sejam de caráter tutelar.” (ISPAC, 2004 apud SCURO NETO, online, 2004, p. 4).
Quanto ao processo penal retributivo, o rito público e solene, com diversos procedimentos formais e complexos, enrijece a participação dos envolvidos; além do que a decisão do conflito fica a cargo de um terceiro, o juiz, que deve reconstruir os fatos, reavivando o sofrimento da vítima, e aplicar, segundo suas idiossincrasias, a punição que acha adequada. A definição de justiça é, pois, estabelecida verticalmente.
Ademais, o sistema tradicional enfatiza o passado, fundando-se apenas na “sucessão de imposições de sofrimento, mantendo o homem, com isso, sempre preso a uma situação passada, insuscetível de reversão para dar margem ao novo, o que se justifica por ter esse olhar centrado marcadamente no passado, não no presente, muito menos no porvir.” (MELO, online, 2005, p. 6).
Diante da falência do sistema penal tradicional, com prisões consideradas antros criminógenos e com índices de criminalidade galopantes, destaca Ferreira (2006, pp. 11 e 12):
“Enfim, trata-se de um conjunto de factores – entre muitos outros a referir – que vêm motivando o renascer de respostas não punitivas e divertidas ao sistema de regulação judiciária. Assentam estas num novo paradigma recriativo e conciliatório de justiça, onde se percepciona a relação da vítima com o agressor já não como um <<pretérito de culpabilidade>> deste, mas numa visão reconstrutiva dos laços humanos e sociais estilhaçados.”
Assim, ante a premente necessidade de mudanças, na busca de um ideário de justiça mais humana, que se contraponha ao arruinado sistema penal tradicional e que possua métodos e princípios em consonância com as exigências atuais, eis que surgem formas alternativas de resolução de conflitos sociais, entre elas a Justiça Restaurativa.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após feita uma análise acerca das teorias que tratam das finalidades do Direito Penal e da evolução histórica das sanções penais, desde o período iluminista ao ordenamento constitucional atual, percebe-se que, no Brasil, o sistema penal tradicional é falho, com mazelas dogmáticas e estruturais que impossibilitam a finalidade precípua da pena: a ressocialização.
Diante de tal contexto, numa tentativa de solucionar a crise de legitimidade por que passa a Justiça Retributiva tradicional, foram abordadas formas alternativas de solução de conflitos, tais como a Justiça Restaurativa.
Advogado. Graduado pela Universidade Federal do Ceará UFC
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