Não é tema pacífico em doutrina a conceituação de prova. Seja por sua polissemia, seja pela grande diversidade de sentidos que podem analisá-la. É certo que o termo “prova” além de plurissignificante é muito relevante para se obter finalmente a pacificação social através de um julgamento justo.
O vocábulo advém do latim probatio que resulta em verificação, ensaio, inspeção, exame, argumento, razão e confirmação, o que fatalmente nos remete ao verbo probare (daí, derivando probo, as, are) significando provar, persuadir, reconhecer, aprovar e demonstrar.
Então prova, poderá significar o próprio procedimento probatório como também o meio pelo qual a prova será produzida e, ainda, significar a coisa ou pessoa da qual se extrai a informação capaz de comprovar a veracidade de uma alegação, ou seja, a fonte de prova que poderá ser um documento ou testemunha, além de poder significar o resultado do convencimento[1] do juiz.
Há quem conceitue prova como os meios ou elementos que contribuem para a formação de convicção do juiz a respeito da existência de fatos alegados em juízo. Outros doutrinadores preferem conceituar prova como sendo um conjunto de atividades de verificação e demonstração que visa à verdade relativa às alegações de fatos relevantes para o julgamento.
Indubitável é a função do real e, portanto, da prova no processo posto que seja essencial para que a investigação dos fatos, e ocupe quase que todo o procedimento e as regras que disciplinam o tema nos diversos códigos processuais que se aplicam no direito brasileiro.
É tamanha a relevância da verdade e da prova no processo, que o Chiovenda ensina que o processo de conhecimento se trava entre dois termos, a demanda e a sentença, por uma série de atos que mais ou menos diretamente, visa colocar o juiz em condições de se pronunciar sobre a demanda e enquadram-se particularmente no domínio da execução das provas.
Contemporaneamente se concluiu que a verdade é conceito meramente utópico e, por vezes, jamais alcançado, seja pelo conhecimento humano ou mera consciência ou percepção. Tanto assim que Miguel Reale ciente de quão inatingível seja a verdade no processo, construiu um conceito de quase verdade[2].
Em processo seja civil, penal ou trabalhista restou a evidência sobre a impossibilidade de obtenção da verdade absoluta, em especial, em razão dos sujeitos que dele participam.
Além disso, existem sérias limitações[3] à obtenção e valoração das provas, analisadas a seu devido tempo. Boa parte da doutrina defende que ao processo basta a verossimilhança, mas há os discordem posto que esta, não signifique uma verdade possível.
A verossimilhança é a aparência da verdade pela mera alegação de um fato que costuma normalmente ou naturalmente ocorrer. Ao passo que a verdade possível continua a ser a aparência de verdade, sendo derivada justamente da prova produzida no caso concreto e, não da mera frequência com que o fato ocorre em situações similares. Enquanto que a verossimilhança parte da análise genérica e abstrata, a verdade obtida no processo refere-se a um caso em particular, e às provas, que neste foram colhidas.
Assim, entende-se que a verdade possível, é a verdade alcançável no processo que posicione o julgador o mais próximo que possível do que efetivamente ocorreu no mundo real dos fatos, assim se dará a ampla produção de provas, mas sempre com respeito às limitações legais[4].
Há controvérsia sobre o que seja o objeto de prova; uns entendem que são os fatos e, outros doutrinadores as alegações de fato. A melhor doutrina nos ensina que o ônus da alegação dos fatos feito pelas partes limita-se aos fatos jurídicos (principais) que vinculam a atividade jurisdicional.
O mesmo não ocorre em relação ao fato secundário ou simples que poderá ser levado em consideração pelo juiz ainda que não tenha sido alegado pelas partes. Tais fatos podem ser conhecidos de ofício pelo juiz mesmo que não tenham sido alegados pelos litigantes, e certamente, influenciarão o julgamento.
Melhor entendimento é perceber que os pontos e/ou as questões de fato que foram levados ao processo pelas partes ou de ofício pelo próprio juiz, compõem o objeto da prova[5].
Observa-se que o NCPC manteve a técnica da sistemática do Código Buzaid e, não fez expressa menção à exclusão do objeto da prova sobre os fatos impertinentes ou irrelevantes. E, mantiveram-se em seu art. 371 as mesmas hipóteses contidas no art. 334 do CPC/73. Conclui-se que o juiz indeferirá em decisão devidamente fundamentada, as diligências inúmeras, desnecessárias e meramente protelatórias.
O sistema de distribuição do ônus[6] da prova entre o autor e réu é regulado no CPC/73 pelo art. 333, referia-se a uma distribuição estática, não restando liberdade ao juiz em sua aplicação, em exceção das regras pontuais que admitem a inversão[7].
Assim, o NCPC inova na distribuição do ônus probatório que passa a ser dinâmico, propiciando oferecer e produzir a prova quem melhor dispuser a mesma.
Se bem que o STJ já tinha dado início a aplicação dinâmica de distribuição do ônus probatório em ações civis por danos ambientais e também na tutela ao idoso (vide os arts. 3º e 71 da Lei 19.741/2003 – Estatuto do Idoso) no que assegura aos litigantes com mais de sessenta anos, a facilitação na produção de provas e na efetivação concreta desse direito.
Isto concretiza a flexibilização[8] do rígido sistema de distribuição do ônus probatório diante da insuficiência da regra geral.
O NCPC adota essa forma dinâmica de distribuição do ônus da prova. Apesar de o art. 370 em dois incisos repetir as regras contidas no art. 333 do CPC/73, o primeiro parágrafo permite que o juiz, nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, relacionadas à impossibilidade ou excessiva dificuldade[9] de cumprir o encargo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, atribua, em decisão fundamentada e, com atenção ao princípio do contraditório, o ônus da prova distribuído de forma diversa.
Assim deve ter o ônus probatório quem tiver maior facilidade pra produzir a prova e se livrar do encargo. Registre-se que diante da omissão do juiz, as regras processuais continuam as mesmas, ou seja, caberá ao autor provar os fatos constitutivos de seu direito e, caberá ao réu, provar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos.
Nota-se que o sistema brasileiro passou a ser misto, sendo possível aplicar ao caso concreto o sistema flexível da distribuição do ônus probatório. Dependerá da iniciativa do juiz que não estará obrigado a fazer a distribuição do ônus probatório de forma diferente da prevista na lei processual.
É interessante observar a proibição de inversão do ônus probatório contida no segundo parágrafo do dispositivo legal sempre que possa gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
A técnica adotada não se presta a tornar uma das partes vitoriosa por onerar a parte contrária com encargo do qual ela não terá como realizar ou se desincumbir.
A dinâmica distribuição do ônus probatório visa facilitar a produção de provar e, não fixar antecipadamente e aprioristicamente quem será o vencedor ou vencido no julgamento da demanda.
Permaneceu a iniciativa probatória do juiz, bem como a adoção do sistema de valoração do livre convencimento motivado. Possa existir expressão previsão legal para o uso da prova emprestada[10], desde que respeitado o princípio do contraditório.
Continuou a produção antecipada de prova, com feição de processo autônomo e acessório em que se objetiva uma tutela não satisfativa. A referida demanda não previne a competência para a demanda principal.
É permitido que neste processo não haja, se não houver caráter contencioso na prova a ser produzida. Neste procedimento, não se permite defesa ou recurso, salvo se houver indeferimento da produção de prova.
O art. 359 do novo codex traz disposição sobre as convenções relacionadas à prova que não pode ser realizada serão nulas de pleno direito. Quando a prova recair em direito indisponível da parte; quando a produção da prova for excessivamente difícil ou onerosa, sendo então vedada a inversão do ônus da prova.
O princípio da colaboração com o Poder Judiciário resta positivado no art. 364 ao dispor que a ninguém se exime o dever de colaborar para o descobrimento da verdade. Observe-se que o verbo utilizado foi “dever” e não “poder”, sendo pois uma imposição legal.
Além dos deveres das partes já previstos no Código, a matéria probatória lhe exige outros quando se está na fase de instrução do processo.
Desta forma, a parte deverá comparecer em juízo, e responder ao que lhe for perguntado; deverá a parte colaborar com a realização de inspeção judicial e, por fim, deverá a parte praticar o ato que lhe foi determinado.
Também terceiros poderão ser chamados ao processo tem suas atribuições alargadas pela redação do art. 366 ao dispor que incumbência do terceiro em qualquer processo, tendo a obrigatoriedade de exibir coisa ou documento que por ventura esteja em seu poder.
O art. 367, caput do NCPC reprisou a regra do art. 130 do CPC/73 consagrando o cabimento de provas determinadas de ofício pelo juiz. Os chamados poderes instrutórios do juiz são, em verdade, faculdades probatórias.
Cumpre, nesse sentido, cabe citar o Enunciado 297 do FPPC, in litteris: “O juiz promove julgamento antecipado do mérito por desnecessidade de outras provas não pode proferir sentença de improcedência por insuficiência de provas”.
O princípio de valoração de provas do livre convencimento motivado fora mantido no art. 368 do NCPC, mas se perdeu a oportunidade para se criar mecanismos mais efetivos para o controle de valoração de prova pelo juiz, sendo insuficiente para esse fim, apenas a fundamentação da valoração probatória, não sendo suficiente para evitar arbítrios judiciais, e que seja preciso melhores meios de controle de atividade jurisdicional nesse âmbito.
O art. 369 do NCPC inovou em termos de prova emprestada e determinou que a valoração da prova emprestada e determinou que a valoração da prova emprestada seja livre ao juiz que a recebe em seu processo, mas pecou ao não ser suficientemente claro ao condicionar o empréstimo da prova sob o crivo do contraditório.
Se a prova emprestada ingressa na forma documental, o contraditório se perfaz com a intimação das partes para se manifestarem sobre a prova objeto de empréstimo.
O respeito ao contraditório no processo de origem da prova, cria divergência na doutrina, pois para alguns, as partes devem necessariamente ser as mesmas tanto no processo de origem como no processo de destino.
Então, o contraditório passa a ser condição de admissibilidade da prova emprestada. O NCPC tratou sobre os documentos eletrônicos[11] de forma muito resumida e um tanto evasiva, mas fez recomendação de se verificar o teor da Lei 11.419/2006.
Consigne-se a existência de “ato notarial” no caso de ocorrer um fato durante o trâmite processual que seja controvertido e apresente relevância para situação jurídica de alguém, poderá o interessado requerer a lavratura em ata através do escrivão.
Sua elaboração pelo notário dotado de fé pública confere grande valor probante, pois carrega uma narrativa imparcial e desprovida de qualquer juízo de valor[12]. Tal documento se presta também para substituir a oitiva de testemunhas e simplifica a fase probatória.
Quanto ao depoimento pessoal quase fora integralmente reprisado, admite-se o depoimento por videoconferência ou demais recursos disponíveis para transmissão de imagens, tornado o processo cada vez mais impessoal.
O NCPC não se preocupou em definir documento eletrônico[13] sendo necessário recorrer à doutrina. E, há autores que reduzem o entendimento do que seja documento[14], outros, felizmente a maioria, conceitua o documento em seu sentido amplo, outros, ainda reduzem-no à forma escrita, e há também aqueles que o identificam com a sua duração.
O NCPC inaugura a regulamentação da prova testemunhal, mantendo a equivalência ao vigente art. 400, consagrando a prova testemunhal em sua universalidade, sendo francamente admitida desde que a lei expressamente não proíba, sendo reconhecida até como prova residual, se for o caso, e a sua inadequação para sobrepor-se ou substituir as provas documentais e periciais, cujos fatos a que se destina provar, por sua especificidade, repudiam a prova meramente testemunhal[15].
Ficou autorizada a prova documental de contrato que não exceda ao décuplo[16] do salário-mínimo. Outra inovação fica por conta da significativa redução de idade para o menor possa prestar seu testemunho (aquele que alcançar quatorze anos já tem capacidade para prestar testemunho). A eventual condição de inimputável no Direito Penal em nada impede a inclusão do menor com mais de quatorze anos no rol de testemunhas.
Inovou também ao prever que a testemunha não seja obrigada a depor sobre fatos que acarretem dano ao seu companheiro. No rol de testemunhas, além do nome deve constar profissão, estado civil, idade, CPF, RG e endereço residencial e o local de trabalho.
Deverá o rol ser apresentado na exordial ou na contestatória em atenção ao princípio da concentração dos atos processuais. O NCPC limita em cinco, o número de testemunhas arroladas[17].
A oitiva de testemunha que morar ou ter domicílio em outra comarca ou seção judiciária diversa daquela onde tramita o processo, poderá ser feita por videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de imagens em tempo real, o que pode ocorrer inclusive durante a realização da audiência de instrução e julgamento.
Outra inovação cinge-se as testemunhas que por seu cargo ou função sejam tratadas com deferência e possam ser ouvidas em sua residência ou no local onde exerçam sua função.
De acordo com o novo codex caberá ao advogado da parte interessada informar ou intimar a testemunha que arrolou levando-a ao local, do dia e do horário da audiência designada, dispensando-se a intimação judicial.
A eventual desídia do advogado neste sentido implica na desistência da oitiva da testemunha conforme consta no novo texto processual.
A intimação judicial só será feita quando por necessidade devidamente registrada e demonstrada ao juiz; quando figurar como testemunha, servidor público ou militar, ou quando a parte estiver sendo representada pela Defensoria Pública.
O NCPC adotou o sistema da cross examination[18], ou seja, onde se permite que o advogado faça diretamente perguntas à testemunha. Mas, não alude sobre a forma de inquirir as demais pessoas durante a audiência de instrução e julgamento.
A prova pericial poderá ser substituída por prova técnica simplificada, principalmente quando o ponto controvertido for de menor complexidade.
E, neste caso, será nomeado como perito o especialista que irá prestar esclarecimentos. É admissível que as próprias partes de comum acordo, escolham um perito para a realização desta prova.
A perícia pode ser realizada de três formas: exame, vistoria e avaliação. O exame consiste na análise e observação de coisas e pessoas para destas extrair os dados e informações que se deseja; a vistoria se configura numa verificação de bens imóveis quando se pretende constatar sua integridade e estado físico; e a avaliação é a análise onde se pretende atribuir o valor ao bem conforme o mercado econômico onde está inserido e sua natureza patrimonial.
O perito deve assegurar aos assistentes das partes o acesso e acompanhamento das diligências e exames que pretenda realizar, com prévia comunicação comprovada com a antecedência mínima de cinco dias.
Nas hipóteses de gratuidade de justiça os órgãos e repartições públicas oficiais deverão cumprir a determinação judicial de preferência no prazo estabelecido, e, em caso de descumprimento será passível de multa aplicada ao órgão e ao seu dirigente que responderá de forma solidária, mas é também possível haver o requerimento de prorrogação do prazo conferido desde que feito de forma motivada.
A inspeção judicial[19] é meio de prova consolidado no sistema processual brasileiro, apesar de sofrer de certa inapetência por parte dos magistrados.
A sua manutenção no novo codex é justificável por ser objetivo seu, ter a maior imediatidade e assegurar a oralidade e, ainda o da persuasão racional[20].
Não se rege a inspeção judicial pela rigidez dos momentos da prova aplicáveis aos outros meios de probatórios[21]. Nada impede a realização da inspeção apesar de não cogitada pelas partes na fase postulatória e nem pelo juiz no saneamento do processo.
Assim, a provocação para a realização de inspeção judicial, poderá ser feita pelas partes, e, ainda, de ofício pelo juiz e, se incluiu também o Ministério Público como possível requerente.
Interessante é a forma de se registrar a dita inspeção através da lavratura de auto circunstanciado que poderá ser instruído com desenho gráfico ou fotografia que permita sua reprodução por meio eletrônico, seja por escaneamento, seja pela inclusão direta do arquivo nos próprios autos do processo eletrônico.
O interesse do legislador foi de inserir mecanismos que favoreçam a aplicação dos princípios constitucionais vigentes, notadamente os princípios da igualdade, do contraditório e da ampla defesa, da duração razoável do processo consagrando-se plenamente o processo como instrumento materializador do Estado Democrático de Direito.
Assim se legitima romper com a posição anterior da legislação processual que era de cunho mais passivo e paternalista na seara probatória e autoriza a uma distribuição mais equânime dos ônus processuais além de concretizar um processo mais justo, célere e eficaz.
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
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