Resumo: A condenação fluida prevista no art. 100 do CDC tem um caráter eventual, característica essa que suscita a dúvida de que direito se tutela nessas hipóteses. O presente escrito intenta demonstrar que o direito que se tutela nessas hipóteses de condenação fluida é o mesmo que se tutela em ocasiões de ausência de condenação fluida. Trata-se do direito coletivo, individual homogêneo.
Palavras-chave: Direito individual homogêneo – Condenação fluida – Tutela pelo equivalente pecuniário.
Abstract:The sentencing fluid provided for in art. 100 of the CDC has a character possible, feature which raises the question that if guardianship law in such situations. This writing intends to demonstrate that the laws that the tutelage of these assumptions condemnation fluid is the same as if trustee on occasions of lack of conviction fluid. It is the collective right, individually homogeneous.
Keywords: Right individual homogeneous – Sentencing fluid – Guardianship by equivalent cash.
Sumário: 1. Do objeto – 2. Introdução – 3. Tutela do direito coletivo: Tutela específica e tutela pelo equivalente pecuniário – 4. Conceito de direito individual homogêneo – 4.1. Interesse público – 5. Tutela do direito individual homogêneo – 6. O novo perfil da tutela pelo equivalente pecuniário em função dos direitos coletivos, em especial, o individual homogêneo. – 7. Conclusão – 8. Referência bibliográfica.
1. DO OBJETO
Pretende-se com o presente trabalho elaborar um estudo acerca do tema ‘liquidação das obrigações coletivas’, através de uma abordagem sistemática voltada para a solução de um problema específico: por que a condenação chamada de ‘fluid recovery’ nos direitos individuais homogêneos só ocorre eventualmente? Que direito se tutela nessas ocasiões em que inexiste habilitação[1] de interessados em número compatível com a gravidade do dano? A ausência de interessados na habilitação não seria apenas um reflexo natural da disponibilidade do direito?
O professor Marcelo Abelha, com a sensibilidade que lhe é peculiar, enxergou esse problema, e, propôs, como solução, a tese de que, nessas situações, o que ocorre, na verdade, é o nascimento de um outro direito, de natureza difusa, independente do individual homogêneo consubstanciado no título executivo genérico, possuindo um caráter, eminentemente, punitivo[2].
No presente artigo, aproveitando-se dos ensinamentos do culto mestre supracitado, apresentar-se-á uma outra saída, fruto de debates promovidos pelo o mestrado da UFES, coordenados pelo prof. Hermes Zaneti Jr., titular da cadeira Tutela Coletiva, no ano de 2007.
2. INTRODUÇÃO
Para uma correta elucidação do problema apresentado, fundamental delinear a natureza ontológica do direito individual homogêneo tutelado na formação do título executivo de obrigação genérica, para, em seguida, analisar-se, comparativamente, o direito tutelado nas condenações do fluid recovery. No intuito de se averiguar se há, de fato, direitos diferentes sendo tutelados.
Nesse desiderato, fundamental manter como pano de fundo, a idéia contemporânea de justiça e efetividade processual que, aliada à recente importância política e social que as ações coletivas vem exercendo nos dias atuais, condiciona e transmuda o conteúdo tradicional dos conceitos de todos os institutos do processo civil.
A idéia que hoje tem-se de justiça apresenta raízes nos primeiros filósofos gregos, como Aristóteles. Este, influenciado pelo pensamento pitagórico no que se refere aos pesos, às medidas de igualdade e proporcionalidade, situou a questão da justiça através de uma perspectiva diferente do conceito de proporcionalidadeda época. Analisou o conceito de proporcionalidade, não do ponto de vista estritamente aritmético, matemático, mas da igualdade de razões. Foi Aristóteles quem primeiro falou sobre a possibilidade de o juiz adaptar a lei à situação concreta. A régua de Lesbos, que, por ser de chumbo, possuía flexibilidade suficiente para se adaptar à forma da pedra, foi a imagem precisa da equidade.[3]
Desde então, o conceito de justiça vem sofrendo importantes modificações ao longo dos tempos; o enfoque sobre o acesso à justiça, o modo pelo qual os direitos se tornam efetivos, tornou-se o mote desses estudos, caracterizando um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica.
O prof. Hermes[4] bem sintetiza os reflexos dessa evolução teórica de justiça, ao concluir pela necessidade de se rever todos os ramos do direito. Elenca como principais fatores a reconhecida mudança da racionalidade jurídica (lógica jurídica) no século passado; a mudança política decorrente da constitucionalização dos direitos e, finalmente, a democratização do Estado no Brasil.
O professor acredita na necessidade de uma nova perspectiva dos institutos existentes, a partir da realidade ‘mutante’ existente, que acabou por aproximar as tradições[5] da common law e civil law. Aduz que
“[…] a fusão entre Estado de Direito e a rule of law franqueia uma possibilidade institucional única e rica: ao recepcionar-se o controle judicial (judicial review) e, tardiamente o stare decisis mitigado (principio da vinculação aos precedentes jurisprudenciais), ao lado de um sistema codificado e técnico de processo civil, atingiu-se a pretensão mais acurada da processualística contemporânea: uma figura mestra que une as vantagens das duas tradições. Percebido sob essas luzes, o processo civil brasileiro pode ser considerado um modelo para os demais paises que adotem uma Constituição Democrática em sentido amplo.”
Nessa linha argumentativa, apresenta, em outro tópico, uma interessante constatação, a de que o modelo contemporâneo do direito processual exige sua adaptação à lógica dialética e procedimental e à pretensão de correção como objetivo no discurso jurídico.
A professora Ada[6], analisando o mesmo fenômeno, sob uma outra perspectiva, também enxerga essa mudança paradigmática ao expor que
“[…] é o dado político que altera o conceito de processo, não mais entendido como clássico instrumento de solução de lides intersubjetivas, mas transformado em meio de solução de conflitos metaindividuais, por isso mesmo tipicamente políticos. Assim como se modifica o conceito de processo, muda o de ação, a qual se transforma em meio de participação política, numa noção aberta de ordenamento jurídico, em contraposição à fechada rigidez que deriva das situações substanciais tradicionais. Nesse contexto, a ação consagra uma operação política do direito, provocada pela inadequação das técnicas tradicionais. E a jurisdição, atuando através de instrumentos renovados e impulsionada por um distinto poder, tem transmudada a sua própria finalidade funcional, que se desloca, de mera atuação do direito objetivo, para o papel promocional da aquisição de uma consciência do coletivo e do social. A tutela jurisdicional de situações não mais meramente individuais transforma-se na expressão de um modo de apropriação coletiva de bens comuns e, contemporaneamente, na manifestação de uma necessidade de participação por intermédio da justiça.” (grifo nosso)
A partir dessas premissas ideológicas condicionantes da nova perspectiva do processo civil, terreno fértil que cultivou o processo coletivo, analisar-se-á as duas principais formas de se proteger um direito material; a tutela específica e a tutela pelo equivalente financeiro, traçando-se suas novas feições diante deste novo modelo processual civil de direito.
3. TUTELA DO DIREITO COLETIVO: Tutela específica e tutela pelo equivalente pecuniário
No intuito de sistematizar o estudo e absorver os reflexos dessa nova realidade jurisdicional, passa-se a analisar as mudanças impostas na forma de se tutelar um direito material. Ainda hoje, pode-se classificar a tutela do direito material de duas formas: tutela específica e tutela pelo equivalente pecuniário.
A tutela específica é a que está preocupada com as necessidades do direito material, com sua integridade; em dar exatamente o que se pede, desde que, é claro, seja de direito. Não se pode deixar de lado a tutela pelo equivalente prático, que enquadramos como uma espécie do gênero tutela específica, já que, mantém-se a preocupação com o direito material.
Nesse sdo, a tutela específica é proporcionável à parte não só pela realização exata da prestação a qentiue se obrigou o devedor, como também por meio de outras providências que, no efeito prático, produzam resultado equivalente; quer isto dizer que, antes de submeter o credor a aceitar o equivalente econômico, deve-se tentar obter resultados práticos que, mesmo não sendo exatamente a prestação devida, a ela se equiparem.
Nessa ordem de idéias, é de grande relevância para o entendimento do nosso trabalho esclarecer que a tutela específica constitui uma das manifestações do direito à efetividade do processo. Assim, assegurar ao credor um resultado prático idêntico ou, o mais equivalente possível, ao cumprimento espontâneo da obrigação pelo devedor é uma faceta do direito fundamental à efetividade do processo.
Já a tutela pelo equivalente pecuniário surgiu para adequar a atividade jurisdicional aos valores defendidos pelo Estado liberal clássico; em que predominava a idéia de igualdade formal, partindo-se do pressuposto de que todos são absolutamente iguais, desconsiderando-se quaisquer diferenças concretas entre as partes.
A primeira idéia que se consubstanciou na lógica liberal foi a de que todos os direitos têm um equivalente pecuniário, tudo teria um valor em dinheiro.
Na economia liberal, a função do ressarcimento em dinheiro, ao outorgar um equivalente, muito mais do que dar tutela ao direito violado, visava proteger o ‘mercado’, mantendo os seus mecanismos inalterados.
Na lógica do Estado Liberal havia uma intima relação entre as idéias de abstração das pessoas e os bens de igualdade formal, de autonomia privada e de ressarcimento em pecúnia.[7] Ora, se todos são iguais – igualdade formal – independentemente de suas diferenças concretas, e para a preservação da liberdade era imprescindível não constranger a autonomia privada, a tutela ressarcitória tornou-se ideal, pois, além de igualizar o valor do direito material, não constrangeu a vontade do obrigado.
Como se sabe é antigo o entendimento de que não haveria como violentar a vontade de alguém para compeli-lo a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Assim, desde o direito romano, o inadimplemento de determinada obrigação se resolvia em indenização. [8] [9]
Marinoni, com base em Mazzamuto, conta que, no Estado Liberal Clássico, não se obrigava o sujeito do contrato a adimpli-lo na forma especifica não apenas porque a sua obrigação como qualquer outra podia ser expressa em dinheiro, mas também porque não era possível diante os princípios de liberdade e de defesa a personalidade que o juiz obrigasse o contratante a fazer ou não fazer alguma coisa.[10]
Com a evolução teórica e prática da atuação e do papel do Estado nas relações interpessoais, a tutela específica passou a ser o objetivo principal da atividade jurisdicional do Estado, restando para a tutela pelo equivalente pecuniário apenas as situações fáticas impossíveis de serem tuteladas de forma específica.
Seguindo a tendência exposada, Pablo Gagliano e Rodolfo Pamplona interpretam o art. 389 do Código Civil vigente, em consonância com a reforma da legislação instrumental. Esclarecem que a referida norma trata do inadimplemento absoluto e que a obrigação principal será convertida em obrigação de indenizar se não existir tutela jurídica específica. Logo, para estes autores:
“A velha fórmula das ‘perdas e danos’ não deve ser remédio para tudo […]. A moderna legislação processual civil seguiu a mesma tendência, qual seja não dimensionar exageradamente as perdas e danos, quando existirem meios específicos e mais satisfatórios de tutela […].[11]
O credor tem o direito à obtenção do resultado específico da obrigação por parte do devedor. Não cumprida voluntariamente a obrigação, o direito deve dispor de técnicas destinadas a substituir a atuação do devedor ou de pressioná-lo a cumprir o dever, de forma a obter o resultado específico da obrigação, sob pena da obrigação não vincular especificamente o devedor, já que bastaria não cumpri-la para que ao credor fosse assegurada, tão somente, uma indenização compensatória pelo inadimplemento: um equivalente em pecúnia correspondente ao valor da obrigação. O direito à especificidade da obrigação prevalece sobre uma eventual indenização. Deve-se buscar a efetiva satisfação do direito e não o seu equivalente. Entendemos, assim, na mesma linha indicada por Cândido Rangel Dinamarco[12], que a tutela específica é o novo paradigma do processo civil brasileiro, principalmente quando na seara dos direitos coletivos.
O professor Barbosa Moreira afirma que somente a tutela específica pode, diante de uma lesão a direitos não patrimoniais, satisfazer, adequadamente, o credor. Isto decorre do fato de que o benefício alcançado com o cumprimento da obrigação não tem equivalente em dinheiro, o que demostra a inadequação da tutela ressarcitória. É notória a artificialidade da reparação pecuniária na indenização por danos à integridade física e psíquica, à vida, à honra, ao nome, à imagem, à preservação da intimidade e a todos os direitos da personalidade, pois conforme o mestre, “certas coisas, sabe-o bem o povo, não há dinheiro que pague”.[13]
O raciocínio do mestre carioca se aplica, com muito mais razão, aos direitos coletivos lato sensu, o que demanda, portanto, uma atividade interpretativa do magistrado a adequar enunciados prescritivos aparentemente contrários a esse paradigma, como por exemplo, o § 1° do art. 84 do CDC.
“Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o Juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.”
“§ 1º. A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.”
Tal dispositivo dá a equivocada impressão de que o credor poderia, em detrimento da tutela específica, optar pela conversão da obrigação em perdas e danos.
Trata-se de mais um exemplo de enunciado prescritivo aparentemente contrário à supremacia da tutela específica, ironicamente, o dispositivo que trouxe, como se percebe, inovações expressivas, todas inspiradas no princípio da maior coincidência possível entre a prestação devida e a tutela jurisdicional entregue.
Essa opção de conversão, ao bel prazer do credor, em perdas e danos, é inconcebível para os direitos coletivos lato sensu, já que indisponíveis e insusceptíveis de compensação pecuniária quando haja possibilidade fática de cumprimento da obrigação específica. A tutela específica, para os direitos coletivos, é inegociável.
Ao se propor ação com o objetivo de obter o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer há nela embutido, portanto, como pedido implícito, o da determinação de outras providências que assegurem referido resultado prático (art. 461, caput), de modo que a compensação pecuniária de perdas e danos somente se dará se “impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente” (§ 1º). Está é a única interpretação que se coaduna com os novos ditames do processo civil, principalmente, o processo civil coletivo.
Diante da importância da tutela específica para os direitos coletivos, surge uma guestão: a tutela pelo equivalente financeiro é realmente apta a tutelar um direito coletivo lato sensu? Seria uma opção realmente válida, tendo em vista a natureza do direito em jogo?
O que se apresentou até o presente momento foi a crescente importância da tutela específica na nova realidade jurisdicional de um Estado Constitucional de Direito. Tendo em vista o surgimento de novos valores sociais, e, principalmente, dos direitos coletivos, a tutela específica passou a ser uma das manifestações do direito fundamental à efetividade do processo e o acesso à justiça. Mas, e a tutela pelo equivalente pecuniário? Qual sua feição diante do novo paradigma processual e dos direitos coletivos? Seria possível, diante do novo paradigma jurisdicional, afirmar que os direitos coletivos são tuteláveis pela técnica da equivalência pecuniária?
Esses questionamentos são importantes e serão respondidos em momento oportuno, por ora, é importante apenas deixar registrado a necessidade de se rever o delineamento, o perfil da tutela pelo equivalente financeiro ante os novos parâmetros jurisdicionais e novos valores do Estado Constitucional de Direito em realção aos direitos coletivos.
Após aguçar o leitor para essas peculiaridades acima comentadas, passa-se a estabelecer as premissas ideológicas que possibilitarão responder aos questionamentos apresentados. Iniciar-se-á pela análise do que se entende por direito individual homogêneo; premissa fundamental para a lógica argumentativa da solução que apresentar-se-á ao final do trabalho.
4. CONCEITO DE DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO
Os direitos coletivos foram idealizados para tutelar espécies de direitos que são de interesse de todos, sem, contudo, ser, especificamente, de ninguém. São direitos de interesse público.
Cresce a corrente que enquadra os direitos individuais homogêneos em categoria ontologicamente diferenciada dos direitos difusos e coletivos estrito sensu; estes, espécies do gênero direitos coletivos, enquanto, os direitos individuais, conquanto homogêneos, seriam meramente individuais, portanto, de gênero diferente.
Para essa posição doutrinária, os direitos individuais homogêneos são direitos subjetivos individuais, divisíveis e integrados ao patrimônio de titulares certos, que sobre eles exercem, com exclusividade, o poder de disposição. A novidade resumer-se-ia, apenas, à possibilidade de uma defesa coletiva de direitos individuais.
Entendemos, concessa vênia aos pensamentos contrários, que os direitos individuais homogêneos se enquadram na categoria de direitos coletivos[14]. A palavra composta ‘individual homogêneo’ representa uma das espécies do gênero direito coletivo. São direitos indivisíveis e indisponíveis; não se tratam de direitos individuais que, por mera economia processual, permite-se a sua tutela pelo mecanismo próprio dos direitos difusos e coletivos. Trata-se de direitos autônomos, independentes em relação aos individuais, assim como os difusos e coletivos.
O que ocorre, na verdade, é que o inciso III do parágrafo único do art. 81 do CDC conceituou os direitos individuais homogêneos como os decorrentes de origem comum e ponto, nada mais. Cabendo à doutrina preencher esse conceito aberto.
Nesse desiderato, passou-se analisar a origem do instituto, importado do ordenamento norte-americano, chamado class action for damage. No ordenamento alienígena, o direito tutelado é considerado, eminentemente, individual, daí, os contornos delineados na doutrina nacional acabaram seguindo o mesmo caminho.
A nosso ver, esse posicionamento peca ao desconsiderar, no que diz respeito à tutela coletiva, a realidade mais evoluída do ordenamento jurídico brasileiro. É preciso adequar o instituto importado ao nosso modelo jurisdicional coletivo.[15]
O ordenamento americano privilegia muito mais do que no Brasil os aspectos inividuais sobre os sociais. Por isso é que nos EUA entre um processo coletivo de eficácia igual a dos individuais se dá preferência a estes .
Os contornos do direito individual homogêneo no Brasil devem ser diferentes. Não são mera soma de direitos individuais de origem comum. Acreditamos que existe um elemento que caracteriza essa soma de direitos individuais transformando-os em um direito autônomo, um direito coletivo. Este elemento é o interesse público.
4.1 INTERESSE PÚBLICO[16]
A diferença entre a mera soma de direitos individuais e o direito individual homogêneo está no interesse público, que, se não tutelado, afetará à ordem social, ameaçando a coexistência das pessoas como grupo nas condições político-econômicas previstas na Constituição
Só se terá um direito individual homogêneo quando a violação àqueles direitos individuais comprometer a ordem social, comprometer o equilíbrio harmônico das forças que movem e mantém nossa sociedade.
Para que uma lesão a um conjunto de direitos individuais seja qualificada como inividual homogêneo é preciso que à luz dos valores jurídicos estabelecidos seja uma lesão a interesses da comunidade, comprometendo valores sociais. Esta característica permite identificar um direito coletivo, da espécie ‘individual homogêneo’.
Isso ocorre porque a solução a ser dada ao caso concreto transcende ao interesse patrimonial individual dos titulares na prestação satisfativa e se projeta no universo jurídico de modo a influenciar, a refletir-se de forma relevante em uma gama de sujeitos, em suas esferas de direito.
Quando uma empresa de alcance nacional coloca determinado produto defeituoso no mercado, sua conduta afetará diretamente determinados consumidores e, indiretamente, a todos( à sociedade), já que a conduta antijurídica da empresa compromete (ainda que em escala pequena, mas sempre relevante) a ordem econômica, podendo trazer desequilíbrio na bolsa de valores; descrédito internacional, aumento de juros, inflação, e muitos outras mazelas decorrentes. Sem se falar na necessidade de se sancionar o lucro indesejado da empresa que prejudicou concorrentes. Ou seja, o dano é de interesse público.
Assim, direitos individuais de origem comum que repercutam de maneira relevante no convívio social, possuem o elemento interesse público, demandando uma tutela diferenciada, que se preocupe, também, com esse aspecto público, coletivo.
O professor italiano Michele Taruffo, da Universidade de Pavia, utilizando-se de uma perspectiva comparativa de tradições, pontuou algumas observações acerca da class action for damage e, identificou duas finalidades para a tutela desses direitos, considerados nos EUA, eminentemente individuais.
A primeira seria, a já conhecida, compensação dos prejuízos individuais dos membros do grupo prejudicado. Até aí, nenhuma novidade, no entanto, a segunda finalidade visualizada pelo ilustre autor refere-se, justamente, ao caráter público da tutela desses direitos; o reflexo, a repercussão dessa tutela na orientação de políticas públicas:
“The second purpose is to achieve changes in the practice of some subjects, in the regulation of legal transactions, or in legally relevant behavior. Since, generally speaking, actions of this kind are brought in order to obtain new regulation of matters or behaviors according to particular values and standars considered preferable for the protection of the subjects involved, they may also be said to be policy oriented.[…] They have a fundamental character in common: litigation is used as a means to protect and enforce collective rights and interests by setting aside illegal practices and behavior and by achieving directly – or provoking indirectly – the adoption of new standarts or rules.”[17]
O autor percebeu que em determinadas situações, direitos individuais podem refletir na escolha de políticas públicas, na regulação de comportamentos e nas práticas comerciais da sociedade.
Acreditamos que esse segundo propósito identificado por Michele representa, na verdade, o elemento caracterizador do nosso direito individual homogêneo, ou seja, se determinada situação abranger direitos individuais de origem comum que lesionem interesses da comunidade, ter-se-á um interesse público, portanto, um direito coletivo, da espécie, individual homogêneo.
Ocorre que no Brasil, a técnica desenvolvida para permitir a proteção desse direito apresenta uma especificidade, que o diferencia das demais categorias de direito coletivo. Passa-se no próximo tópico a analisar como se tutela esse direito coletivo.
5. TUTELA DO DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO
O legislador entendeu que esse direito coletivo apresenta uma ‘carga de coletividade’, bastante pequena, conquanto relevante.
Carga de coletividade seria o grau de interesse público de uma tutela. Como foi exposto, parte da doutrina entende que o direito individual homogêneo não existe enquanto espécie autônoma de direito coletivo, sendo apenas um termo a identificar direitos individuais que por economia processual poderiam se valer do modelo processual coletivo.
Entendemos que se a situação que originou essa gama de direitos individuais puder repercutir na ordem social, nas regras de comportamento da sociedade, nos valores sociais (tiver interesse público) estar-se-á diante de um direito com uma carga de coletividade relevante, portanto, coletivo.
Um direito difuso apresenta uma alta carga de coletividade, de interesse público. A sua tutela sempre demandará uma condenação autônoma para o fundo.
Já os individuais homogêneos, por apresentarem uma linha muito tênue com os direitos meramente individuais, apresentam uma carga de coletividade bastante pequena. Daí, o legislador entendera que bastaria um número razoável de execuções individuais para que o direito coletivo, o individual homogêneo estivesse tutelado.
A carga de coletividade do direito individual homogêneo estaria devidamente amparada quando os direitos individuais fossem compensados. Daí, quando não houvesse execuções suficientes, situação perfeitamente possível já que os direitos individuais podem ser disponíveis, permaneceria desamparado o outro direito proveniente do fato danoso, o direito coletivo, individual homogêneo.
Como os direitos coletivos são indisponíveis, essa situação não poderia se estabilizar. Portanto, criou-se o mecanismo da condenação fluida, cujo propósito era e é tutelar o direito coletivo existente, o individual homogêneo, independentemente dos diversos direitos individuais coexistentes que podem ficar sem ser efetivamente tutelados, a critério de cada titular do direito.
Se o direito individual homogêneo fosse um mero direito individual, não haveria qualquer justificativa coerente para a existência do fluid recovery, pois, direitos individuais podem ser disponíveis. Outra evidência da autonomia do direito individual homogêneo é o fato de que, mesmo depois da condenação fluida, os titulares dos direitos subjetivos poderão executar o título genérico; se fosse um direito individual, haveria um bis in idem.
Essa conclusão nos remete para as questões levantadas nos pontos antecessores, a tutela pela condenação em equivalente pecuniário seria apta a tutelar um direito coletivo?
É importante nesse ponto, retornar para a análise do perfil da tutela pelo equivalente pecuniário para os direitos coletivos diante do novo paradigma jurisdicional e, tentar concluir, respondendo aos questionamentos apresentados.
6. O NOVO PERFIL DA TUTELA PELO EQUIVALENTE PECUNIÁRIO EM FUNÇÃO DOS DIREITOS COLETIVOS, EM ESPECIAL, O DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO.
Segundo disposição constante no art. 95 do CDC, “em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados”. Isso quer dizer que a condenação sempre será genérica, não havendo qualquer possibilidade, diante da lei posta, de os legitimados obterem sentença que contenha condenação cujo quantum já esteja definido.
Pela sistemática atual, o decreto condenatório proferido em ação coletiva destinada à tutela dos interesses individuais homogêneos deverá ser sempre genérico, ou seja, ilíquido. Isso não significa que seja impossível qualquer outra forma de tutela, como preventiva, inibitória, consubstanciando obrigações de fazer e não fazer ou entrega de coisa. Significa apenas que o legislador presumiu uma impossibilidade de o magistrado quantificar o valor indenizatório para cada indivíduo. Daí a necessidade de as vítimas ou seus sucessores providenciarem a liquidação de forma individual.
No entanto, o legislador previu uma segunda hipótese de liquidação, de caráter subsidiário, uma liquidação coletiva promovida por qualquer dos legitimados do art. 82 do CDC, que tem em mira a obtenção de um quantum que irá, nos termos do parágrafo único do art. 100, integrar o Fundo criado pela Lei da Ação Civil Pública.
Para nós, essa condenação fluida tutela o direito individual homogêneo, já que não houve um número razoável de liquidações individuais, situação esta que também tutelaria o direito coletivo, individual homogêneo. Como dito anteriormente, trata-se de uma ficção jurídica em que se presume tutelado o direito coletivo quando um número razoável de liquidações individuais tiverem existido. Caso contrário, ante a indisponibilidade dos direitos coletivos, nasce a necessidade da condenação subsidiária, técnica alternativa apta a tutelar o direito coletivo.
Essa fungibilidade de formas de tutela só ocorre porque se trata da tutela indenizatória para direitos individuais homogêneos. Como a carga de coletividade dos individuais homogêneos não é suficiente a ensejar uma condenação indenizatória autônoma, como nos demais direitos coletivos, a condenação torna-se subsidiária, só ocorrendo na eventualidade de não se alcançar um número razoável de liquidantes individuais, hipótese em que se consideraria tutelado o direito coletivo(individual homogêneo).
Esse tratamento flexível só é possível porque a tutela pelo equivalente pecuniário para os direitos coletivos tem um perfil diferenciado. Na verdade, não há efetiva tutela de um direito coletivo pela técnica da equivalência pecuniária.
Isso mesmo, não há como se aferir o valor financeiro de um direito coletivo. não há como quantificar monetariamente um direito coletivo. O que ocorre quando da necessidade de o magistrado encontrar um valor financeiro para a tutela do direito individual homogêneo é a estimação do quantum pelo número de titulares individuais, mas o propósito dessa condenação não será os indivíduos diretamente, esse propósito é da tutela individual, que lembre-se, pode ser disponível, o propósito será outro, será punir, educar o causador do dano, assim tutelando de forma reflexa o direito coletivo.
É por isso que o legislador entendeu que, para os direitos individuais homogêneos, (de menor carga de coletividade) esse propósito, punitivo-educador, estaria alcançado quando o causador do dano tivesse que desembolsar quantia equivalente a um número razoável de liquidantes.
A tutela pelo equivalente pecuiário tem como objetivo tutelar o interesse público, não visa uma compensação financeira geral. Tem uma outra finalidade, que se coaduna com os valores constitucionais, ou seja, tem um caráter punitivo/educativo em relacão ao wrongdoer, além de de outros efeitos colaterais, como servir de exemplo e influenciar e orientar politicas públicas.
Portanto, a tutela pelo equivalente pecuniário no direito coletivo tem uma função punitiva e educativa e, não propriamente, de tutelar o direito coletivo violado, pelo menos não de forma direta. Essa condenação fluida tem por objetivo evitar a impunidade do responsável pela prática lesiva, com a punição do réu pelo dano globalmente causado, além do nítido caráter educativo e influenciador de políticas públicas.
Antonio Herman V. Benjamim afirma que a procedência da ação coletiva, nessas hipóteses, redundará numa situação de “ressarcibilidade indireta”, em que os sujeitos individualmente não são aquinhoados com o quantum debeatur, que vai para o fundo[18].
Ou seja, a tutela pelo equivalente pecuniário é uma técnica processual que no âmbito dos direitos coletivos, mais especificamente nas condenações fluidas do art. 100 do CDC, sofre uma alteração genética, transmudando seu objetivo original(indenizar indivíduos), para encampar um outro escopo, o de proteger a coletividade e evitar práticas lesivas ao interesse público. A tutela pelo equivalente pecuniário para os direitos coletivos é uma tutela indireta, já que a única tutela efetiva e direta é a tutela específica.
7. CONCLUSÃO
Nesta oportunidade, retoma-se o questionamento apresentado como objeto do presente trabalho: por que a condenação chamada de ‘fluid recovery’ nos direitos individuais homogêneos só ocorre eventualmente? Que direito se tutela nessas ocasiões em que inexiste habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano? A ausência de interessados na habilitação não seria apenas um reflexo natural da disponibilidade do direito?
A eventualidade da condenação fluida justifica-se em razão da sistemática adotada para a tutela do direito individual homogêneo. Consideramos o direito individual homogêneo como um direito autônomo, espécie do direito coletivo.
Esse tipo de direito coletivo apresenta uma característica específica, sua baixa carga de coletividade, o que legitimou o legislador a criar uma ficção jurídica para as hipóteses em que não fosse possível a tutela específica. Ou seja, criou-se a presunção de que, em casos de um número considerável de liquidações individuais, o direito coletivo encontrar-se-ia tutelado. Assim, após o transcurso de um ano, na eventualidade de se verificar o inverso (um número inexpressivo de liquidações individuais), o direito coletivo não estaria devidamente tutelado. E, tendo em vista sua natureza indisponível, criou-se o mecanismo da condenação subsidiária para garantir a tutela do direito coletivo.
A tutela pelo equivalente pecuniário apresenta um perfil diferenciado quando na seara dos direitos coletivos. Esta condenação tem o propósito principal de punir e educar o infrator, assim como também de condicionar políticas públicas. O escopo, portanto, desta modalidade de tutela em relação aos direitos coletivos é alcançar indiretamente, (reflexamente) a proteção destes direitos. E para que isso ocorra, nos individuais homogêneos, o infrator precisa desembolsar uma quantia expressiva em relação ao dano.
Tal sistemática indenizatória fora idealizada para garantir o direito fundamental à efetividade do processo, que nos direitos individuais homogêneos, só é alcançada quando se assegura a tutela do direito quer nas hipóteses em que não haja condenação autônoma para o fundo, quer nas hipóteses do fluid recovery.
Advogado. Professor de Direito Processual Civil da
Faculdade PIO-XII – ES. Aluno especial do mestrado da UFES
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