Resumo: Os empresários individuais em regra assumem o risco de forma pessoal e ilimitada, inexistindo diferenciação patrimonial o que possibilita que os bens pessoais do sócio, bem os da atividade empresarial respondam por dívidas contraídas independente da origem e natureza. Existem algumas questões que precisam ser aclaradas tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, em especial a possibilidade de exigência de capital mínimo correspondente à 100 salários mínimos, bem como a vinculação ao salário mínimo. Outra questão polêmica está relacionada à possibilidade de ser constituída por uma pessoa física, sendo este limite aplicado ou não à pessoa jurídica. Deste ponto, surge outra indagação, qual seja, a possibilidade de ser constituída por pessoa jurídica. A respeito da pessoa jurídica e da distinção patrimonial dos sócios, bem como os vários elementos que caracterizam a sociedade.
Palavras-chave: Direito Empresarial, Empresário Individual, Constituição, Responsabilidade, Desconsideração da Pessoa Jurídica.
Abstract: Individual entrepreneurs generally take the risk of unlimited personal way, not existing differentiation sheet which enables the personal assets of the partner and the business activity account for debts regardless of the origin and nature. There are some issues that need to be clarified by both the doctrine and jurisprudence, in particular the possibility of minimum capital requirement corresponding to 100 minimum wages, as well as linking the minimum wage. Another contentious issue is related to the possibility of being constituted by an individual, this limit being applied or not the corporation. From this point there arises another question, namely, the possibility of being constituted by a legal entity. Regarding the legal entity sheet and the distinction of members and the various elements that characterize the society.
Keywords: Business Law, Private Entrepreneur, Constitution, Responsibility, Disregard of Corporate Entity.
Sumário: 1- Introdução. 2- Sociedade Limitada. 3-Sociedade Unipessoal. 4- O Empresário Individual de Responsabilidade Limitada. 5-Considerações Finais.
1- INTRODUÇÃO
A legislação esparsa e o Código Civil apresentam possibilidades de constituição de vários tipos societários de acordo com os interesses dos sócios. Entretanto, conforme os dados apresentados pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), no período correspondente aos anos de 1985 e 2005 foram constituídos 8.915.890 empreendimentos, sendo 4.569.288 de empresários individuais, 4.300.257 de sociedades limitadas e 46.345 dos empreendimentos foram constituídos de acordo com outras espécies societárias. Neste sentido, evidente a importância econômica e social tanto do empresário individual quanto da sociedade de responsabilidade limitada.
No dia 11 de julho de 2011 é publicada a Lei 12.441, permitindo a constituição e o exercício de uma sociedade empresária, por meio de um sócio único, sendo em tese possível a limitação de sua responsabilidade patrimonial.
Vale ressaltar que o ordenamento jurídico disciplinava a figura do empresário individual. Entretanto, inexistia diferenciação patrimonial entre os bens pertinentes ao exercício da empresa e os bens pessoais da pessoa física, gerando assim a possibilidade dos bens responderem indistintamente e ilimitadamente pelas dívidas contraídas seja pelo exercício da empresa ou pela pessoa física em proveito pessoal.
A possibilidade de existência do Empresário Individual com a limitação de sua responsabilidade tende a reduzir os riscos pessoais e familiares, incentivar a formalização dos empreendimentos, minimizar a constituição de sociedades limitadas que de fato possuem apenas um sócio e promover o desenvolvimento das atividades econômicas.
Todavia, a Lei 12.441 publicada no dia 11 de julho de 2011, apresenta em alguns de seus dispositivos questões que merecem reflexões, entre elas destacam-se: a possibilidade da pessoa jurídica constituir uma empresa individual; a limitação à pessoa física na constituição de apenas uma empresa individual e a aplicabilidade à pessoa jurídica; a (in) constitucionalidade na exigência do capital social a ser integralizado no valor mínimo correspondente à 100 (cem) salários mínimos em virtude tanto da indexação quanto da violação da livre iniciativa, com base respectivamente no inciso IV do artigo 7º e no 170, ambos da Constituição Federal; a possibilidade de conversão da sociedade limitada devido a unipessoalidade, em empresário individual de responsabilidade limitada, evitando assim a sua extinção; possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilização direta do sócio pelas dívidas da sociedade unipessoal.
Neste artigo pretende-se dissertar, em especial, a respeito da existência, natureza e (in)congruências, perspectivas e possibilidades em relação às inovações, em tese, apresentadas pela Lei 12.441 de julho de 2011.
Neste sentido, imprescindível que seja realizada uma reflexão consistente com o objetivo de compreender a existência, a natureza, aplicabilidade, limites e segurança em relação às Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada, impossibilitando assim que a responsabilidade da pessoa física ou jurídica que constitua uma Empresa Individual de Responsabilidade Ilimitada seja semelhante à dos sócios na sociedade comum e do sócio ostensivo na sociedade em conta de participação.
2- Sociedade Limitada
O direito comercial surge segundo Rubens Requião como um direito de classe, que tem como objetivo precípuo regular as atividades dos mercadores, sendo esta primeira fase fundamentada na Teoria Subjetiva, uma vez que o sistema jurídico era aplicado aos comerciantes, caracterizando-se pelos atributos: coorporativo, profissional, especial, autônomo e consuetudinário. (REQUIÃO, 2003, p.11).
Posteriormente o direito comercial abandona a perspectiva subjetiva em detrimento da objetiva. A Teoria Objetiva pautada nos atos praticados, conhecidos como atos de comércio. O direito comercial passa a regular as relações pertinentes aos atos do comércio, independente do autor. Entretanto, diante da complexidade da sociedade, os atos de comércio extrapolam aqueles previstos nos ordenamentos jurídicos. (REQUIÃO, 2003, p.11-13).
Diante das limitações da Teoria Objetiva, atreladas às complexidades sociais, surge a Teoria da Empresa, na qual prepondera a figura do empresário, sendo essa teoria adotada pelo Código Civil de 2002 em seu artigo 966. (REQUIÃO, 2003, p.15).
Ao longo dos séculos o direito comercial apresentava várias opções de tipos societários, variando em cada um deles a responsabilidade dos sócios. Entretanto, existiam hipóteses extremas e uma lacuna considerável em relação às possíveis responsabilidades dos sócios (REQUIÃO, 2003, p.455-456). Neste contexto, surge a sociedade de responsabilidade limitada, conforme escreve Rubens Requião:
“O gênio dos juristas modernos concebeu uma sociedade na qual todos os sócios contribuíam para o capital social, mas sua responsabilidade limitava-se ao valor da contribuição individual ou ao volume do capital social.” (REQUIÃO, 2003, p.456).
As sociedades limitadas ganham relevância em virtude de sua natureza e peculiaridades em relação a constituição, conforme escreve Rubens Requião:
“Pelas peculiaridades e pela funcionalidade, despidas do mecanismo jurídico burocratizante das sociedades anônimas, as sociedades por cotas medraram intensamente no meio econômico. Constituem, hoje, ao lado das anônimas, forma comum de organização empresarial, dirigida, porém, para as pequenas e médias empresas”. (REQUIÃO, 2003, p.456).
A legislação brasileira apresenta várias possibilidades a respeito do tipo societário que podem ser constituídos de acordo com o interesse dos sócios ou acionistas. Cada qual com suas peculiaridades.
No Brasil, com base na lei portuguesa de 1901, a revisão do Código Comercial em 1912, inseriu a sociedade por cotas no Projeto de Código Comercial. Entretanto, o mesmo foi aprovado por meio do Decreto número 3.708, de 10 de janeiro de 1919. (REQUIÃO, 2003, p.459-460).
As sociedades mercantis a partir da promulgação do Código Civil de 1916, em seu artigo 16, inciso II, foram personificadas e passaram a ser consideradas expressamente como pessoas jurídicas de direito privado. O Código Civil de 2002, ratificou este entendimento em seu artigo 44. (BORBA, 2004, p.27)
As sociedades por cotas passaram a ser disciplinadas pelo Decreto nº 3.708, de 10 de janeiro de 1919 e pelas disposições contidas no Código Comercial de 25 de junho de 1850. Neste contexto e com base no citado decreto, Fran Martins conceitua as sociedades por cotas de responsabilidade limitada:
“Segundo a lei brasileira, caracterizam-se as sociedades por quotas, de responsabilidade limitada, pela limitação da responsabilidade solidária dos sócios ao total do capital social e, em caso de falência, também pela parte que faltar para preencher o pagamento das quotas não inteiramente liberadas; e pela adoção de uma firma ou denominação à qual se deverá sempre aduzir a palavra limitada”. (MARTINS, 1960, p. 285).
A respeito da personalidade jurídica, da distinção da personalidade e do patrimônio José Edwaldo Tavares Borba entende que a sociedade deve ser entendida como um ente jurídico distinto dos seus sócios:
“O conceito de pessoa jurídica foi construído à imagem e semelhança do conceito de pessoa física. Ambas são sujeitos de direitos e obrigações, atuando na ordem jurídica. Os sócios, ao constituírem a sociedade, transferem-lhe bens que passam a compor o seu patrimônio. “(Borba, 2004, p.31)
A pessoa jurídica deve ser compreendida como uma reunião de recursos pessoal ou material com o objetivo de concretizar determinados objetivos, sendo conferida personalidade jurídica, ou seja, atribuindo direitos e deveres. (SENA, 2009, p.366-367)
A sociedade segundo José Edwaldo Tavares Borba possui uma personalidade jurídica capaz de contrair obrigações e adquirir direitos, sendo que em regra o seu patrimônio é autônomo em relação ao patrimônio dos sócios, uma vez que não se confundem de plano. A sociedade em tese possui sua base contratual, possibilitando assim a sua atuação empresarial, o exercício do seu objeto, mediante a produção e circulação de bens ou serviços com o objetivo de produzir o lucro. Neste sentido, “A sociedade é uma entidade dotada de personalidade jurídica, com patrimônio próprio, atividade negocial e fim lucrativo”. (BORBA, 2004, p.27)
O exercício de uma empresa por meio de uma sociedade empresária ou simples envolve o risco que é inerente à toda e qualquer atividade econômica, uma vez que deve-se considerar o cenário econômico, o contexto geográfico e social e os demais fatores que influenciam este desenvolvimento. As sociedades limitadas surgem como alternativas para que o exercício da atividade econômica ocorra, estabelecendo uma distinção patrimonial entre os sócios e a pessoa jurídica. (PATROCÍNIO, 2008, p.01) (COELHO, 2003, p.107).
A respeito das normas pertinentes às sociedades limitadas, escreve Jorge Joaquim Lobo:
“São limitadas as sociedades em que o sócio assume a obrigação individual de realizar as prestações prometidas ao subscrever ou adquirir quotas e a responsabilidade solidária de integralizar o capital social “(C.Civil, art. 1.052). (LOBO, 2004, p. 09)
As sociedades limitadas possuem especificidades positivas que fomentam o exercício da atividade empresária conforme escreve Tullio Ascarelli citado por José Waldecy Lucena:
“as sociedades por quotas de responsabilidades limitada, ora acolhidas em quase todas as legislações e em nossos projetos de código de comércio, objetivam justamente constituir uma forma jurídica apropriada para satisfazer exigências econômicas que não encontram plena satisfação com a sociedade anônima, nem com a sociedade em nome coletivo ou em comandita”. (ASCARELLI apud LUCENA, 2001, p.176)
As características das sociedades limitadas fomentam a constituição de sociedade empresária, em especial aquelas de porte menor e médio, bem como as empresas familiares (LUCENA, 2001, p.176). José Waldecy Lucena destaca o prestígio das sociedades limitadas no Brasil:
“E tal prestígio adquiriram no Brasil que respondem elas por cerca de 97% das sociedades inscritas no Registro de Comércio, sendo 3% restantes praticamente constituídos por sociedades anônimas, já que os outros tipos sociais entraram em completo desuso (fonte DNRC”). (LUCENA, 2001, p.176).
A Lei 10.406 de10 de janeiro de 2002 que instituiu o Código Civil, alterou a denominação para sociedade limitada, apresentando os dispositivos legais em seu Capítulo IV, apresentando em especial, disposições preliminares, regência legal em caso de omissões pelas normas da sociedade simples e existindo previsibilidade no contrato social a possibilidade de regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima. Disciplinando questões pertinentes as quotas, administração da sociedade, Conselho Fiscal, deliberações dos sócios, aumento e redução do Capital, resolução da sociedade em relação a sócios minoritários e da dissolução.
Em relação à responsabilidade dos sócios na sociedade limitada escreve Jorge Joaquim Lobo:
“São limitadas as sociedades em que o sócio assume a obrigação individual de realizar as prestações prometidas ao subscrever ou adquirir quotas e a responsabilidade solidária de integralizar o capital. (LOBO, 2004, p,09)”
As atividades empresariais de responsabilidade limitadas são constituídas com o objetivo de limitar a responsabilidade dos sócios às hipóteses legais e contratuais, permitindo assim o exercício da atividade, a busca do lucro e a concretização da função social da empresa.
Tradicionalmente as sociedades por quotas de responsabilidade limitada somente poderiam ser constituídas por um número mínimo de dois sócios, cuja responsabilidade se restringe à integralização do capital. Uma vez que a sociedade unipessoal de responsabilidade limitada não era admitida no ordenamento jurídico brasileiro anterior à 12.441 publicada no dia 11 de julho de 2011.
3-Sociedade Unipessoal
A respeito do empresário individual vale ressaltar a sua relevância uma vez que segundo o Departamento Nacional de Registro e Comércio (DRNC), no ano de 2005[1], foram registradas nas Juntas Comerciais 240.306 novas firmas individuais e 246.726 sociedades limitadas no total de 450.538 sociedades empresárias.
A legislação brasileira até então não reconhecia a limitação da responsabilidade do empresário individual, uma vez que considera o patrimônio em sua unidade, logo, único e indivisível. (BRUSCATO, 2005,p.164)
Entretanto, já se destacava a possibilidade na evolução do direito societário no sentido de admissão da constituição da sociedade independente do número de sócios (Borba, 2004, p.50-51).
Os empresários individuais em regra assumem o risco de forma pessoal e ilimitada, inexistindo diferenciação patrimonial o que possibilita que os bens pessoais do sócio, bem os da atividade empresarial respondam por dívidas contraídas independente da origem e natureza.
Existem algumas questões que precisam ser aclaradas tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, em especial a possibilidade de exigência de capital mínimo correspondente à 100 salários mínimos, bem como a vinculação ao salário mínimo.
Outra questão polêmica está relacionada à possibilidade de ser constituída por uma pessoa física, sendo este limite aplicado ou não à pessoa jurídica. Deste ponto, surge outra indagação, qual seja, a possibilidade de ser constituída por pessoa jurídica.
A respeito da pessoa jurídica e da distinção patrimonial dos sócios, bem como os vários elementos que caracterizam a sociedade, neste sentido escreve Jose Edwaldo Tavares Borba:
“A sociedade é uma entidade dotada de personalidade jurídica com patrimônio próprio, atividade negocial e fim lucrativo.
Essa definição, de natureza analítica, procura congregar os vários elementos que caracterizam a sociedade. Destaca-se, de logo, a sua condição de pessoa jurídica e, por conseguinte, de ente capaz de adquirir direitos e assumir obrigações. O patrimônio próprio ressalta a sua autonomia perante os sócios, cujos bens não se confundem com os da sociedade. A atividade negocial é a marca de sua atuação como entidade voltada para o mundo dos negócios. O fim lucrativo é a essência da sociedade, a qual se destina a produzir lucro, para a distribuição aos que participam de seu capital.” (BORBA, 2004, p.27-28)
No exercício de suas atividades a sociedade contrai obrigações, possuem direitos e deveres que devem ser efetivados. Destaca-se que as sociedades têm personalidade distinta das dos sócios (BORBA, 2004, p. 32). Neste contexto surgem as questões pertinentes à responsabilidade dos sócios que agindo de forma contrária ao ordenamento jurídico ou disposição contratual, responderão de modo pessoal e ilimitado em conjunto ou não com a sociedade (REQUIÃO, 2003, p.497).
A Lei 12.441 publicada no dia 11 de julho de 2011, após o período de vacatio legis de 180 dias, possibilitará em tese, que pessoas físicas ou jurídicas constituam uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, criando uma nova espécie de pessoa jurídica de direito privado, qual seja, a sociedade unipessoal, ocorrendo uma distinção patrimonial e uma limitação à responsabilidade, uma vez que existe a possibilidade de desconsideração da pessoa jurídica, bem com de responsabilidade direta dos sócios.
4- O Empresário Individual de Responsabilidade Limitada: Possibilidades e persectivas
A Lei 12.441 publicada no dia 11 de julho de 2011, que trata do Empresário Individual de Responsabilidade Limitada dispõe a respeito da aplicabilidade das normas pertinentes à Sociedade Limitada, bem como da possibilidade indistinção patrimonial em relação às pessoas físicas ou jurídicas, ou seja, possibilitará caso seja aplicada aleatoriamente, que a responsabilidade seja semelhante às sociedades não personificadas (sociedade comum e do sócio ostensivo na sociedade em conta de participação).
Carlos Fungêncio da Cunha Peixoto, já em 1958 escreveu que a legislação da sociedade limitada evoluiu ao longo das últimas décadas. Entretanto, destacava a necessidade de se possibilitar a criação de empresas individuais de responsabilidade limitada: E, nesse dia, veremos desaparecer as sociedade coletivas e as firmas individuais com responsabilidade ilimitada, sem nenhum prejuízo para o comércio e para aqueles que transacionam com essas empresas. (PEIXOTO, 1958, p.41.)
No Brasil até a vigência da Lei Lei 12.441 publicada no dia 11 de julho de 2011, a sociedade unipessoal era permitida em situações excepcionais, em especial na subsidiária integral, na sociedade anônima (art. 206, I, d, da Lei nº 6.404/76) e nas sociedades em geral (art. 1.033, IV, do Código Civil de 2002). (BORBA, 2004, p.50).
O fundamento principal a respeito da exigibilidade da pluralidade de sócias estava relacionada precipuamente em relação a natureza contratual da sociedade. Neste sentido, a respeito da sociedade unipessoal no direito brasileiro escreve José Edwaldo Tavares Borba: “A sociedade unipessoal ou de um único sócio, com já examinado, não é admitida pelo direito brasileiro, em termos gerais, como o fazem o Liechtenstein, o Paraguai e Portugal, entre outros”. (BORBA, 2004, p.50)
A Lei 12.441 publicada no dia 11 de julho de 2011 tende a atenuar a necessidade tanto da sociedade contemporânea quanto do direito societário, uma vez que a impossibilidade de constituição gerava segundo José Edwaldo Tavares Borba a criação de uma sociedade com a atuação dos “testas de ferro” (BORBA, 2004, p.50). Este autor destaca a necessidade da evolução da legislação brasileira no sentido de possibilitar a constituição da sociedade desvinculada do número mínimo de sócios:
“Com a limitação da responsabilidade dos sócios, empresários que exerciam a sua atividade individualmente passaram a fazê-lo através de uma sociedade, a fim de desfrutar a limitação da responsabilidade. Em muitos casos, os demais sócios, além do principal, apenas fazem número, atuando como “testas-de-ferro”, sem capital e sem interesse na sociedade. O titular verdadeiro figura com cerca de 99% do capital, cabendo 1% ou menos aos demais sócios. Essas sociedades são substancialmente unipessoais, já tendo sido chamadas de sociedades fictícias.
Admitindo esse tipo de sociedade, por que não acolher amplamente a sociedade unipessoal?
O direito societário certamente evoluirá nessa direção, de modo a admitir-se a personalização de um patrimônio, sob a forma de sociedade sem cogitação do número de sócios. (BORBA, 2004, p.50)”
Neste sentido José Edwaldo Tavares Borba citando Ferrer Correira:
“O fenômeno das sociedades comerciais nas mãos de uma só pessoa reveste, portanto, um duplo aspecto: ou se reconduz ao fato de a redução à unidade dos sócios verificado no seio de uma sociedade inicialmente constituída por uma pluralidade de indivíduos; ou se revela na criação de uma sociedade mercantil para o desfruto de uma única pessoa, graças ao concurso de testas-de-ferro. Além de termos uma sociedade de sócios reais que em certo momento da sua vida jurídica se viu reduzida a um único; – é o que chamaremos propriamente sociedade unipessoal. Aqui depara-se-nos, numa sociedade construída segundo as formas necessárias, que todavia em nenhum tempo chegou a ter subjacente a si, – ao menos na aparência – uma efetiva coletividade de sócios, um corpo associativo real:- será, na designação comum, uma sociedade fictícia ou de favor. (CORREIA apud BORBA, 2004, p.50-51)”
A respeito da sociedade unipessoal, a responsabilidade do sócio e a função teleológica da sociedade, José Edwaldo Tavares Borba escreve:
“A sociedade, ainda que unipessoal, representa um foco de interesses – o interesse da empresa. Desvirtuada essa distinção, frustra-se a base teleológica do instituto – quebra-se a personalidade jurídica, de modo a permitir penetrá-la e responsabilizar o sócio.” (BORBA, 2004, p.33)
A personalidade jurídica da sociedade limitada em virtude da distinção patrimonial dos sócios e relação à pessoa jurídica, possibilita que os sócios, acionistas ou administradores cometam fraudes, prejudicando terceiros ou a própria sociedade. Neste sentido escreve José Antônio Nunes Romeiro:
“Não seria difícil imaginar que a criação desta pessoa distinta e, principalmente com patrimônio distinto do patrimônio particular dos sócios, daria azo a fraudes. É comum a atuação de comerciantes inescrupulosos que se escudam na personalidade jurídica das sociedades para cometerem toda a sorte de fraudes contra seus credores. Assim, na operação mais simples, procuram engrossar o seu patrimônio particular ao tempo em que desfalcam o patrimônio da sociedade ata a insolvência”. (ROMEIRO, 1984, p.19)
As sociedades empresárias e o Empresário Individual de Responsabilidade Limitada deverão agir de forma que concretizem a função social da empresa, ou seja, atingindo uma finalidade útil à sociedade. A respeito da função social da empresa escrevem Henrique Viana Pereira e Rodrigo Almeida Magalhães:
“Então, pode-se dizer que cumprir uma função social é atingir uma finalidade útil para a coletividade, e não apenas para as pessoas diretamente envolvidas. Ela determina uma limitação interna, no sentido de que legítimo será o interesse individual quando realizar o direito social, e, não apenas quando não o exercer em prejuízo da coletividade.
O princípio da função social, dessa forma, impõe ao proprietário (ou a quem exercer o direito de usar, gozar e dispor da propriedade), bem como ao empresário – conforme será visto adiante – a prática de compatamentos em benefício da sociedade. “(PEREIRA e MAGALHÃES, 2011, p.55)
A respeito da responsabilidade dos sócios em relação às obrigações sociais nas sociedades de responsabilidade limitada a regra é a da irresponsabilidade. Entretanto, Fábio Ulhoa Coelho destaca exceções nas quais os sócios responderão com o patrimônio particular pelas dívidas da sociedade:
“Os sócios são, ademais, responsabilizáveis por obrigação sociais quando incorrem em ilícitos, perpetrados pela sociedade. Esse terceiro conjunto de exceções à regra da irresponsabilidade dos sócios tem o sentido de sancionar as condutas ilícitas. A limitação da responsabilidade é preceito destinado ao estímulo de atividades econômicas, e não pode servir para viabilizar ou acobertar práticas irregulares. (COELHO, 2003, p.107)”
Neste sentido escreve Rubens Requião:
“As limitações da responsabilidade do sócio, próprias da sociedade limitada, exigem dele comportamento ilibado, respeitando as normas contratuais e legais. Infringidas tais normas, o transgressor perde a vantagem concedida pelo tipo social, passando a responder de modo ilimitado pelos atos que autorizou ou praticou. Esta responsabilidade ampliada tem natureza solidária, pos não afastará a responsabilidade natural da sociedade que serve de instrumento para o ato; agrega-se-lhe a responsabilidade pessoal do sócio que deliberou de modo infrator. (REQUIÃO, 2003, p.497)”
Os sócios devem agir de forma que suas decisões minimizem as diferenças salariais entre os dirigentes e os funcionários que recebem os menores salários, os trabalhadores não podem ter os seus direitos violados e a sociedade não pode ser colocadas em risco seja por imprudência, imperícia, incompetência, negligência, desonestidade ou qualquer comportamento irresponsável. Neste sentido escreve Jorge Joaquim Lobo:
“Por isso, o imagino como o núcleo de um círculo concêntrico, que se relaciona, diretamente, quando é, simultaneamente, sócio quotista e administrador, ou indiretamente, quando apenas quotista, com a sociedade, demais sócios, empregados, fornecedores, financiadores, prestadores de serviços, clientes, entidades estatais e para estatais e a comunidade em que a emrpesa atua, com todos devendo agir sempre com ética.
Os deveres éticos do sócio têm como paradigma um comportamento consciente e voluntário, inspirado no existencialismo de KIERKEGGARD e SARTRE, que manda se empenhe o homem em fazer a coisa certa”, e no “imperativo categórico” de KANT: “nunca devo agir de modo diferente daquele em que eu possa querer que a minha máxima se torne uma lei universal”. (LOBO, 2004, p. 200)”
Os sócios possuem no exercício da sociedade limitada diversas responsabilidades, entre eles destacam-se: a integralização do capital social, a dos condomínios de quotas, avaliação dos bens e direitos incorporados ao capital social, cedente de quotas, sócio que se retira ou é excluído, espólio do sócio do falecido, evicção, solvência do devedor, votos proferidos em assembléia, civil, uso indevido ou abuso da firma social ou denominação, tributária, penal, contribuições previdenciárias, perante o consumidor, perante empregados, na falência da sociedade e social. (LOBO, 2004, p. 202-209)
Caso os sócios cometam atos contrários à destinação da sociedade, bem como contrários ao direito, estarão cometendo ilícitos e deverão ser responsabilizados. A respeito dos atos ilícitos escreve César Fiúza:
“O ato jurídico ilícito é toda atuação humana, omissiva ou comissiva, contrária ao direito.
Enquanto conduta antijurídica, há atos ilícitos em várias esferas do Direito Civil e do Direito em geral.
No Direito Civil, pode falar-se em ilícito na esfera dos contratos, dos atos unilaterais de vontade, da família. dos atos intrinsecamente ilícitos e do abuso de direito.(FIUZA, 2009, p.561)”
Em relação à limitação da responsabilidade dos sócios existem exceções que possibilitam aos credores executarem os bens particulares dos sócios, conforme escreve Daniel Moreira do Patrocínio:
“Afirmamos que como regra, na hipótese de o capital encontrar-se totalmente integralizado nenhuma importância poderá ser exigida dos sócios, porque há algumas hipóteses em que, não obstante se encontrar totalmente integralizado o capital, poderá o credor pretender sejam os bens particulares dos sócios utilizados para a satisfação dos débitos sociais, em caso de impossibilidade de satisfação mediante a execução dos bens sociais. (PATROCÍNIO, 2008, p.10)”
A pessoa jurídica possui personalidade distinta da sociedade em relação aos sócios. Entretanto, considera-se que a distinção pertinente à personalidade não pode ser utilizada como uma proteção para a prática de situações antijurídicas, sendo vedado aos sócios ou acionistas a prática de atos contrários à destinação da sociedade. (BORBA, 2004, p.32-33)
A desconsideração da pessoa jurídica que surgiu quase que concomitante à Teoria da Personalidade Jurídica, tende a ser utilizada como uma possibilidade para que os bens particulares dos sócios respondam pelas dívidas da sociedade em caso de abuso da personalidade, confusão patrimonial e desvio de finalidade, bem como nas hipóteses legais permitidas pelo ordenamento jurídico. (ROMEIRO, 1984, p.19-20)
Entretanto, José Edwaldo Tavares Borba afirma que a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade vem sendo aplicada indistintamente: “Alguns juízes e tribunais brasileiros vêm aplicando com muita largueza, e sem qualquer rigor técnico, a teoria da “desconsideração”. Deve-se, contudo, reservar essa doutrina para situações excepcionais”. (BORBA, 2004, p.34)
Gustavo César de Souza Mourão afirma que a desconsideração da pessoa jurídica é utilizada de forma incorreta em detrimento da responsabilidade direta com base em Alexandre Couto Silva: “Muitos doutrinadores brasileiros têm confundido os casos de desconsideração da personalidade jurídica com a responsabilidade pessoal dos sócios gerentes, administradores e diretores”. (SILVA apud MOURÃO, 2009, p.410). Ana Carolina Santos Ceolin: “Nota-se, assim, que é comum, na doutrina pátria, a confusão no que tange à distinção das duas técnicas de ressarcir os credores por prejuízos advindos do mau uso da pessoa jurídica”. (CELOIN apud MOURÃO, 2009, p.410).Osmar Brina Corrêa Lima:
“A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, criação jurisprudencial, significa, na prática, deixar de aplicar, excepcionalíssima e justificadamente a norma contida no caput do art. 20 do Código Civil, independente de autorização legal expressa. Trata-se de exceção justificada. O Poder Judiciário brasileiro, não recorre, e nem precisa recorrer, à teoria da desconsideração da personalidade jurídica para aplicar o principio geral do art. 159 do Código Civil. (CORRÊA-LIMA apud MOURÃO, 2009, p.410)”
A respeito da distinção do instituto da desconsideração da personalidade jurídica em relação à responsabilidade direta dos sócios escreve Osmar Vieira da Silva:
“Pode-se buscar semelhanças entre a desconsideração e outros casos constantes do nosso direito, como os vícios do ato jurídico, a simulação e fraude de credores, ou a fraude à execução, dede que bem esclarecido que as semelhanças não pressupõem a coincidência dos institutos. (SILVA, 2002, p.106)”
Neste sentido Gustavo César de Souza Mourão:
“Não obstante, os vícios dos negócio jurídico implicarão sua invalidade. Através da decretação de sua nulidade/anulabilidade confirmar-se-á a discordância entre a norma jurídica e o negócio praticado.
Ao contrário, na desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, existe um negócio jurídico lícito e válido, todavia, conflitante com a real finalidade social ou que implica confusão patrimonial, cuja eficácia, de forma anômala, recairá em pessoa distinta. (MOURÃO, 2009, p.411-412)”
Em relação à distinção dos efeitos pertinentes à desconsideração da personalidade jurídica e os vícios do negócio jurídico Gustavo César de Souza Mourão apresenta o entendimento de Marçal Justen Filho:
“A distinção entre a superação e o vício de atos jurídicos exterioriza-se fortemente no tópico relativo à diversidade de sua eficácia.
A superação da personalidade jurídica envolve o afastamento de um determinado regime jurídico. Vale dizer, não se aplica o regime jurídico normalmente aplicável, previsto para as pessoas jurídicas. Não acarreta, como visto, a invalidade de qualquer ato como efeito próprio e específico dos pressupostos da desconsideração. Em regra, os atos jurídicos são plenamente válidos, apenas que atribuídos a pessoas diversas daquelas a quem normalmente seriam imputados ou produzidos efeitos diversos daqueles que, em regra, produziriam.
Já o vício do ato jurídico acarreta uma consequência quanto à validade do ato, de genérico. Diante da desobediência ao modelo normativo contido na hipótese de incidência (fattispecie), não se reconhece a existência daquele ato jurídico previsto no mandamento normativo. O ato é invalido ou invalidável, porque viciado na sua estrutura.
Nos casos de desconsideração, não há uma discordância entre o modelo normativo de conduto e a atuação concreta da pessoa jurídica. Ou, ao menos, todos os elementos e pressupostos de validade e de regularidade do ato jurídico estão presentes. O ato é valido em si mesmo.” (JUSTEN FILHO apud MOURÃO, 2009, p.411-412)
A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, bem como a responsabilidade pessoal e direta dos sócios devem ser aplicadas excepcionalmente e de acordo com as hipóteses legais. Os institutos devem considerar as peculiaridades do caso concreto, com o objetivo de concretizar a justiça em virtude do abuso da personalidade jurídica ou dos vícios existentes nos negócios jurídicos. (MOURÃO, 2009, p.415-416)
A indistinção patrimonial concretizada por meio da responsabilidade direta dos sócios e a desconsideração da pessoa jurídica, quando realizados de forma aleatória, poderão ensejar responsabilidades semelhantes às sociedades não personificadas (sociedade comum e do sócio ostensivo na sociedade em conta de participação) minimizando a eficácia deste instituto jurídico.
5-Considerações Finais
A Sociedade Limitada no Novo Código Civil apresenta-se como uma possibilidade de distinção da autonomia patrimonial e responsabilidades entre os sócios e a pessoa jurídica. A Lei 12.441 publicada no dia 11 de julho de 2011 que instituiu o Empresário Individual de Responsabilidade Limitada apresenta em tese este mesmo entendimento.
Entretanto, se faz necessário analisar com profundidade as possibilidades apresentadas pela Lei 12.441 publicada no dia 11 de julho de 2011, em especial a possibilidade da pessoa jurídica constituir uma empresa individual; a limitação à pessoa física na constituição de apenas uma empresa individual e a aplicabilidade à pessoa jurídica; a (in) constitucionalidade na exigência do capital social a ser integralizado no valor mínimo correspondente à 100 (cem) salários mínimos em virtude tanto da indexação quanto da violação da livre iniciativa, com base respectivamente no inciso IV do artigo 7º e no 170, ambos da Constituição Federal; a possibilidade de conversão da sociedade limitada devido a unipessoalidade em empresário individual de responsabilidade limitada, evitando assim a sua extinção; possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilização direta do sócio pelas dívidas da sociedade unipessoal.
O Empresário Individual de Responsabilidade Limitada deve ser compreendido e com um avanço na legislação brasileiro e no cotidiano empresarial, colocando fim às sociedades empresárias caracterizadas pela atuação dos “testas de ferro” (BORBA, 2004, p.50). A Empresa de Responsabilidade Limitada deve ser concretizada a partir de uma concepção de Direito Privado em harmonia com o Estado Democrático de Direito, considerando os novos desafios pertinentes a instituição, formalidades e exigências legais, desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilização direta do sócio pelas dívidas da sociedade unipessoal.
Formado em Geografia pela UFMG (1999) e em Direito pela PUCMinas (2007), Pós Graduado em Direito Público pela UCAM (2010) atualmente é professor do Instituto Federal Minas Gerais.
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