Resumo: O presente estudo pretende, de modo sintético, trazer um apanhando da regulamentação do comércio internacional no início do século XX até a Segunda Guerra Mundial. Este recorte no tempo objetiva demonstrar as relações entre o fluxo de internacional de mercadorias e as posturas adotadas pelos Estados no âmbito do relacionamento inter-estatal antes da concentração da regulamentação na figura do GATT. Num primeiro momento, são abordadas as posturas estatais que influenciaram direta ou indiretamente o comércio internacional. Posteriormente, verifica-se com mais detalhe a utilização da cláusula da nação mais favorecida. Fala-se, assim, em regulamentação do comércio, utilizando-se da cláusula da nação mais favorecida. De outra perspectiva, tem-se a regulamentação para o comércio, saindo do âmbito de normas internas para atingir padrão de regulamentação internacional comum.
Palavras-chave: comércio internacional, cláusula da nação mais favorecida, acordos comerciais
Abstract: This paper focus on analyzing the international trade regulation existing from the beginning of the 20th century to the end of World War II. The study intends to demonstrate the relation between international trade and the trade policies adopt by States in the international scene, not only internally, before the regulation was concentrated in GATT’s text. First, the policies adopted by States during this time limit are presented, pointing its direct or indirect interference to international trade. At a second point, the most favored nation clause is studied as one of those State instruments in international trade regulation. For those reasons, one may point the existence of a regulation of international trade, through the MFN clause, and a regulation for international trade, leaving the domestic perspective to adopt a common regulation standard.
Keywords: international trade, most favored national clause, trade agreements
Sumário: 1. A regulamentação do comércio enquanto instrumento de exercício do poder estatal. 2. A cláusula da nação mais favorecida como um dos instrumentos. 3. Considerações finais.
A REGULAMENTAÇÃO DO COMÉRCIO ENQUANTO INSTRUMENTO DE EXERCÍCIO DO PODER ESTATAL
O comércio internacional foi motivado, já no início do século XIX, pelo desenvolvimento do parque industrial inglês, com escoamento da produção para a Europa continental e suas colônias. Estas trocas se intensificaram no quarto final do século XIX, marcado por uma fase de grande expansão do comércio internacional proporcionado, também, pelo volume de tratados bilaterais firmados à época, principalmente entre os países europeus.
Considera-se que o tratado anglo-francês Cobden-Chevalier, de 23.02.1860, foi um “vírus” no âmbito do comércio internacional, pois deu início a uma onda de tratados bilaterais. Este tratado tinha por objeto a redução da taxação de vinhos franceses e, como contra-partida, a entrada de produtos manufaturados ingleses no território francês sem taxação, demonstrando a influência da Inglaterra enquanto exportadora de produtos manufaturados à época.
Conforme indica Markus Lampe, em 1875 tinha-se o seguinte quadro de tratados bilaterais de comércio vigentes[1]:
A política adotada no comércio internacional à época combinava redução recíproca de tarifas com aplicação do princípio do tratamento da nação mais favorecida. É visível do mapa acima que esta política limitava-se à Europa, excluindo os Estados Unidos, as colônias americanas e africanas, o que se justifica ao se considerar que, neste período, as relações comerciais entre América e Europa eram pontuais e intermediadas pelas colônias[2].
À Europa cabiam os lucros, enquanto a movimentação de mercadorias limitava-se à própria América, já que intermediadas pelas metrópoles europeias. Estas, por sua vez, recebiam as mercadorias como consequência de acordos firmados com a Inglaterra. A exceção era a remessa de produtos manufaturados diretamente para os Estados Unidos, que já era independente.
Este sistema perdurou até 1879, ano em que a Alemanha adotou uma política comercial mais protecionista aumentando as tarifas no intuito de aumentar a receita pública (como uma política de fortalecimento da Alemanha recém-unificada)[3]. Nessa época também houve a expansão territorial alemã e italiana que, por não serem países unificados até 1871 e 1870, respectivamente, não participaram da “divisão” do mundo em colônias européias. Com finalidades econômicas e políticas, esta expansão tardia de territórios feita pela Alemanha e Itália afetou as negociações tarifárias nas relações bilaterais europeias, já que a postura então adotada por estes países era também de busca de mercados.
No fim do século XIX os Estados Unidos e o Japão passaram por suas próprias versões de “revolução industrial”, de modo que a Inglaterra deixou de ser a única fornecedora de produtos industrializados. A natural concorrência entre fornecedores afetou o mercado internacional levando à redução de preços das mercadorias.
Durante sua Guerra Civil (1861-1865), o mercado interno dos Estados Unidos deixou de ser alimentado pela própria produção, demandando a entrada de produtos agrícolas europeus e das colônias da América Central e da América do Sul a importação foi mais acentuada com algodão e produtos industrializados ingleses.
Recuperados desta Guerra, os Estados Unidos restabeleceram sua produção interna, quebrando a estrutura que foi montada para sustentá-los durante a Guerra Civil e, além disso, invertendo o fluxo das mercadorias. Nisso, os Estados Unidos colocaram-se como um agente exportador no mercado internacional, em especial a produção de grãos, afetando especialmente a economia dos países da Europa continental.
A consecutiva queda de preços de grãos afetou a população europeia dependente da produção agrícola, reduzindo sua renda e implicando consequências a toda a cadeia de comércio. Isso porque, à época, a maior parte da população europeia ainda estava vinculada a atividades do setor primário, de modo que a procura por bens de consumo também reduziu, afetando a exportação inglesa.
“A queda na renda dos trabalhadores rurais levou à depressão da demanda por bens de consumo e de investimento, que tiveram efeitos adversos em outras indústrias. A redução da demanda interna não foi totalmente compensada pelo desenvolvimento favorável alocado fora, como aumento real da renda dos trabalhadores rurais (devido à queda dos custos de vida) ou maior exportação de manufaturados”[4].
Esta crise, chamada de Grande Depressão Européia (1873-1896), levou a uma queda dos valores das mercadorias nos mercados mundiais, prejudicando as economias internas dos países europeus.
Nesse ínterim, a Inglaterra manteve sua política de livre comércio e a Europa continental, pelo contrário, adotou política de proteção de mercados internos aumentando as tarifas para entrada de mercadorias estrangeiras[5]. Considera-se como ponto de partida dessa nova fase do comércio internacional o ano de 1892, “quando mais da metade dos 53 tratados dos países europeus expiraram e os sentimentos nacionalistas ficaram mais fortes”[6].
No mesmo ano, a França estabeleceu tarifas para entrada de produtos agrícolas, protegendo a produção nacional[7]. Ademais, nos tratados bilaterais firmados nesta época, a França manteve tarifas diferenciadas sujeitas a alterações a qualquer tempo, conflitando com a estabilidade que antes era verificada nos tratados bilaterais.
Começa, assim, uma onda de políticas protecionistas nos países europeus, em contra ponto ao pensamento liberal presente desde o século XVIII.
Sabe-se, porém, que o desenvolvimento das indústrias locais pressupõe um movimento protecionista, pois do contrário não seria possível criar uma competição entre produção externa e produção interna. Por esta razão, a limitação do comércio internacional por meio de tarifas protecionista acaba sendo uma política de suma relevância para o desenvolvimento de um país.
“Em princípio, liberais e nacionalistas aceitam a razão para proteção de indústrias iniciantes (Corden, 1974, ch. 9). Ambos reconhecem que uma economia industrial talvez tenha vantagens particulares sobre uma economia não industrializada que torna difícil para esta estabelecer suas próprias indústrias. […]
Porém, liberais e nacionalistas discordam fundamentalmente no que tange ao propósito do protecionismo com relação às indústrias iniciantes. Para os liberais, o protecionismo é da natureza de um experimento para testar se a nação realmente tem uma vantagem comparativa inerente em determinada indústria. […] Liberais vêem o protecionismo no seu melhor como um procedimento necessário, porém temporário, e como um passo para o sistema de livre mercado.
Nacionalistas econômicos, por outro lado, tendem a ver o protecionismo como um fim em si mesmo. Os principais objetivos dos nacionalistas, a menos a curto prazo, não são o livre comércio e o acúmulo de riquezas, mas construção estatal e poderio industrial. […]”[8]
Em razão das políticas que foram adotadas principalmente nos Estados Unidos e na Alemanha – de desenvolvimento da indústria local e não apenas de proteção para não quebrar as economias internas -, a Inglaterra perdeu seu posto de hegemonia no comércio internacional.
Estes dois países, Estados Unidos e Alemanha, despontavam como economias industrializadas, a ponto de em 1912 passarem à frente da Inglaterra[9], que, porém, não deixou ter seu posto político até a Primeira Guerra Mundial. Neste mesmo período, a URSS também começou a despontar como uma potência no cenário mundial do comércio internacional[10].
Além da linha protecionista, destaca-se também que no início no século XX novos meios de anti-dumping e combate a subsídios foram aplicados, como a Convenção de Bruxelas de 1902, referente ao comércio de açúcar. Este foi o primeiro acordo multilateral entre importadores e exportadores sobre uma commodity, sua produção e comércio.
Pode-se dizer que este quadro protecionista estava limitado ao âmbito europeu. Durante este mesmo período, os Estados Unidos continuaram expandindo, assim como os países da América do Sul.
“Dentre os fatores que balancearam o impacto adverso destas medidas protecionistas estava a aderência ao padrão ouro na parte final do período, o rápido desenvolvimento tecnológico, que continuou reduzindo os custos de transporte, e crescimento do mercado por fluxos de migração e de investimento estrangeiro. Finalmente, a recuperação dos preços de mercadorias do comércio internacional de 1896 em diante atenuou a incidência ad valorem de obrigações específicas”[11].
Os impactos destas políticas adotadas podem ser verificados no seguinte gráfico[12]:
Durante a Primeira Guerra os países europeus focaram a produção interna objetivando a guerra em si, com pouco enfoque para produções que movimentassem o comércio internacional. Houve restrições de importação e de exportação, com a presença constante do Estado no controle do comércio internacional. Isto também pode ser depreendido do gráfico supra, que demonstra que nos períodos das duas grandes guerras houve maior constrição do crescimento mundial. Em contra-partida, esta constrição também incentivou as produções locais daqueles países que dependiam da produção europeia, levando ao desenvolvimento de outros pólos de produção e comércio.
Outro fator verificável neste período é a restrição do princípio da nação mais favorecida, optando-se pelos “PTAs” – acordos preferenciais de comércio. Enquanto o princípio da nação mais favorecida aplicada a não discriminação e a reciprocidade incondicional (“uma concessão tarifária feita a um país deve ser estendida aos demais”[13]), os PTAs limitam-se aos países signatários (“uma união entre dois ou mais países nos quais são aplicadas tarifas reduzidas nas mercadorias produzidas pelos membros e não para aquelas produzidas fora”[14]).
Diferentemente do que ocorreu no pós-Segunda Guerra, o pós-Primeira Guerra apenas fortaleceu a política protecionista européia, em especial porque seus mercados foram muito fragilizados pela guerra em si. Mesmo nas discussões no âmbito da Liga das Nações não se buscou a promoção da regulamentação multilateral do comércio, mantendo-se o padrão praticado até então de tratados bilaterais.
A Europa, no pós-Primeira Guerra, não possuía mais a estrutura econômica antes existente a ponto de reassumir seu antigo papel no cenário do comércio mundial. Em 1922, num movimento para se colocar enquanto potência mundial, os Estados Unidos lançaram o Fordney-McCumber Act, aumentando as tarifas e aplicando uma única a todos os países, pretendendo, com base na cláusula da nação mais favorecida, receber tratamento similar dos outros países, podendo expandir suas exportações.
O aumento das tarifas não se limitou aos Estados Unidos. A tabela abaixo demonstra os índices percentuais aplicados antes e depois da Primeira Guerra[15]:
Além do aumento das tarifas, nesse período as tarifas eram também instáveis. Porém, aos poucos as ligações comerciais por meio de tratados bilaterais voltaram a ser restabelecidas. Em 1927/1928, os países europeus voltaram a adotar de forma mais abrangente o princípio da nação mais favorecida, coincidindo com uma redução das tarifas aplicadas[16].
A Grande Depressão de 1929, que atingiu de modo mais intenso os Estados Unidos e a Europa, teve como uma de suas causas o excesso de produção nos Estados Unidos e falta de mercado de consumidor. Isso agravou o quadro de desemprego do pós-Primeira Guerra, já abalado pela crise do padrão ouro (que se acentuou nos anos subseqüentes, culminando na sua substituição no pós-Segunda Guerra)[17].
A indústria estadunidense atingiu patamares elevados de produção durante a Primeira-Guerra. Com o seu fim, o parque industrial majorado que a tinha como finalidade, perdeu seu mercado, levando a uma saturação da produção, num primeiro momento, e depois a uma queda abrupta que causou desestabilizações na economia estadunidense. Além disso, os Estados Unidos haviam enviado capital para reestruturação européia, reduzindo seus fundos internos.
O aumento das tarifas adotado nos Estados Unidos em 1930 pelo Smoot-Hawley Tariff Act agravou o cenário mundial, já que não melhorou o mercado de produtos agrícolas que novamente estava com valores em queda.
Esta política dos Estados Unidos, que dificultava entrada de produtos em seu território, levou a uma nova prática protecionista também no restante do mundo.
“Como o acesso ao mercado estadunidense tornou-se mais restritivo, outros países introduziram tarifas retaliatórias. O resultado foi uma espiral de níveis de tarifas e a tarifa média em países maiores cresceu aproximadamente 50 por cento”[18].
Neste contexto, a Inglaterra abandonou sua tradicional prática e apoio ao livre comércio a partir do Import Duties Act, de 1932, que impôs uma tarifa de 10% sobre todos os produtos que não fossem advindos da Commonwealth (países que outrora fizeram parte do império britânico), com exceção de produtos primários e alimentos. Isso foi reforçado com os doze acordos de Ottawa, também entre os países da Commonwealth, que estabeleceram um bloco de comércio fechado, sem participação de outros países[19]. Tal prática reduziu as trocas entre estes países e o restante do mundo, contribuindo para a crise do comércio internacional.
No gráfico abaixo se verifica o declínio do comércio internacional neste período[20]:
A exceção a este quadro internacional de colapso do comércio internacional foi a antiga União Soviética,
“[…] cuja economia já estava efetivamente fora da economia mundial antes do colapso do comércio internacional entre-guerras e, portanto, não foi significativamente por ele afetada”[21].
As fragilidades do mercado levaram à formação de relações de comércio discriminatórias. “Os países passaram a buscar por parceiros cooperadores com os quais tivessem intenção de estabelecer relações estáveis e preferenciais para além do comércio internacional”[22].
O movimento protecionista acentuou-se depois da década de 1930, em razão das posições adotas pelos países ante a falência do padrão ouro. As quedas no comércio internacional foram tamanhas que o relatório da OMC constata que os anos de 1932 e 1933 foram os piores anos para o comércio internacional no século XXI[23].
Como uma resposta a este contexto de crise do comércio e de crise financeira, os Estados Unidos editaram o Reciprocal Trade Agreement Act de 1934, segundo o qual poderiam ser firmados tratados bilaterais de favorecimento recíproco, com base na aplicação da cláusula da nação mais favorecida.
“Entre 1934 e o final de 1939, 21 tratados foram assinados com 19 países, contando como dois terços do comércio dos Estados Unidos no período de 1931-1935 (exportações mais importações)”[24].
Essa constrição do comércio internacional teria sido uma das causas da Segunda Guerra. Dentre outros pontos também relacionados ao comércio, como a ideologia protecionista que acabou ganhando outra dimensão no pós-Primeira Guerra, a baixa produtividade e as altas taxas de desemprego fizeram os países voltarem seu foco e mão-de-obra para a indústria armamentista e para os exércitos[25].
A CLÁUSULA DA NAÇÃO MAIS FAVORECIDA COMO UM DOS INSTRUMENTOS
Como mencionado no tópico anterior, a cláusula da nação mais favorecida esteve presente como uma das formas de regulamentação do comércio internacional. Havendo esta cláusula em um tratado, seja bilateral ou multilateral, os países dele signatários deverão conferir ao outro signatário tratamento diferenciado que tenha conferido a outro país. Uma vez conferido tratamento preferencial a um parceiro comercial, os demais também se aproveitarão deste tratamento se em seus tratados bilaterais houver esta previsão.
Considera-se que a primeira vez que esta cláusula foi adotada em um tratado bilateral foi no tratado firmado em 1642 entre Portugal e Inglaterra[26]. No que interessa ao recorte histórico deste trabalho (início do século XX), a utilização desta cláusula foi tanto no sentido de fomentar o comércio internacional como também uma forma de boicotes a determinados países. Somente com o GATT a cláusula foi ganhar status de princípio do comércio internacional, aplicado por todos aqueles signatários do GATT e, hoje, pelos membros da Organização Mundial do Comércio.
O tratado Cobden-Chevalier, de 1860, estabeleceu como padrão da época ao restante da Europa a aplicação da cláusula na sua modalidade incondicionada. Posteriormente, porém, a utilização dessa cláusula perdeu espaço diante da expansão dos acordos preferenciais de comércio.
Markus Lampe aponta, a partir das teorias de Ethier, duas causas para esta mudança de política comercial: primeiro, que os Estados não aceitam bem a necessidade de conceder tratamento similar a mais de um parceiro comercial; segundo, porque as preferências asseguradas são mais custosas à medida que devem ser transmitidas a mais países através da cláusula da nação mais favorecida[27].
Isso ocorreu, por exemplo, na Conferência Econômica Aliada de 1916 (Conferência Econômica de Paris), na qual Grã-Bretanha, França e Itália estabeleceram que deixariam de aplicar o princípio da nação mais favorecida à Alemanha, passando a dar tratamento preferencial apenas entre si[28]. Os Estados Unidos, ao contrário, pregaram que com o fim da guerra deveriam ser removidas as barreiras ao livre comércio – o que era condizente com sua nova posição enquanto potência industrial no lugar da Inglaterra[29].
Durante as tratativas do Acordo de Versalhes, discutiu-se o tratamento que seria dado à Alemanha. Ficou estipulado que a aplicação da cláusula da nação mais favorecida pela Alemanha a outro país implicaria sua extensão aos Aliados, sem, porém, ser recíproca. Sobre esse ponto, John Maynard Keynes colocou que
“Para importações e exportações, bem como com relação a tarifas, regulação e proibição, a Alemanha se obriga por cinco anos a aplicar tratamento da nação mais favorecida aos Estados Aliados e Associados. Mas ela não tem direito de receber tal tratamento”[30].
Em 1922, no já citado Fordney McCumber Act, os Estados Unidos mudaram sua antiga política de aplicação da cláusula condicional da nação mais favorecida para conceder mesmo tratamento a todos os parceiros comerciais, mas, também, para receber a contrapartida.
A Seção 201 do Ato assim dispunha[31]:
“Seção 201. No dia e depois da entrada em vigor deste Ato, exceto se especialmente previsto de modo diverso neste Ato, os artigos mencionados nos próximos parágrafos, quando importados aos Estados Unidos ou quaisquer de seus territórios (com exceção das Ilhas Filipinas, Ilhas Virgens e ilhas de Guam e Tutuila) são isentos de taxa”.
Este ato trazia a aplicação da cláusula a partir de uma perspectiva do direito interno operando efeitos no comércio internacional. Esta política foi posteriormente alterada pelo Smoot-Hawley Tariff Act, que buscava proteger a produção agrícola interna dos competidores internacionais e que desencadeou reações similares em outros países[32]. Na seqüência, em 1934, os Estados Unidos voltaram-se novamente à política da nação mais favorecida, no Reciprocal Trade Agreement Act.
O comércio internacional sofreu consideráveis alterações a partir da estipulação da cláusula da nação mais favorecida em um acordo multilateral (GATT). Isso porque tal previsão tolheu os acordos bilaterais de comércio que pudessem surgir posteriormente ao GATT, pois aqueles dele signatários não poderiam oferecer situação mais vantajosa a outro Estado sem estendê-la aos demais signatários do acordo.
Em razão desta consequência da cláusula da nação mais favorecida, tem-se um dos princípios do comércio internacional desde a segunda metade do século XX, o princípio da não-discriminação entre os participantes.
Dentro do limites do texto do GATT e, hoje, da OMC, a cláusula da nação mais favorecida impede assinatura de acordos bilaterais de comércio com esse viés. A cláusula, porém, não é absoluta, já que não inviabiliza, por exemplo, blocos econômicos regionais. Segundo Adriana Breier Bonato, as exceções atuais à cláusula são medidas “antidumping e medidas compensatórias, uniões aduaneiras e zonas de livre comércio, cláusula de habilitação (enabling clause) e waivers – além das exceções gerais 23 previstas no artigo XX do GATT”[33].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Outra perspectiva de análise da regulamentação do comércio internacional é a regulamentação para o comércio. De uma vertente mais acadêmica, desde a segunda metade do século XIX busca-se uma abordagem do comércio internacional de cunho mundial. Em 1850 o jurista Leoni Levi publicou o livro “Direito Comercial do Mundo”, como uma resposta à diversidade de regulamentações internas sobre comércio, bem como a disparidade entre os textos[34].
Enquanto as regulamentações se davam basicamente por meio de tratados bilaterais, já se pensava em uma regulamentação comum a todos os países – regras uniformes para o comércio. Nesse sentido é a regulamentação alemã sobre letras de câmbio de 1848 adotada em outros países da Europa e também pelos Estados Unidos[35]. Posteriormente, em 1876, a International Law Association elencou disposições que seriam regras internacionais do comércio aplicáveis às letras de câmbio (as “regras de Brême”).
Outros estudos foram feitos no intuito de buscar uma uniformização da regulamentação do comércio internacional, como, por exemplo, aqueles realizadas pelo Instituto de Direito Internacional de Munique (1882), pelo congresso internacional de juristas em Anvers (1885), pelo congresso de nações sul-americanas em Montevidéo (1889) e pelo congresso de nações americanas em Washington (1889-1890).
A regulamentação tratada no capítulo anterior diverge da ora analisada da seguinte forma: na primeira, trata-se da posição adotada pelos Estados no exercício de controle de seu mercado, como políticas públicas referentes à própria gestão do Estado e seus relacionamentos com outros Estados; na segunda, a perspectiva é voltada ao particular, já que as regras de comércio internacional adotadas entre Estados não seriam atos de poder, mas de regulamentação da atividade privada em si. Pode-se dizer que uma é regulamentação do comércio, outra para o comércio[36].
No âmbito de Haia, foram realizados dois encontros para discutir o tema, em 1910 e em 1912. Em ambas, o enfoque eram os títulos de crédito e sua troca no âmbito internacional. Na conferência de Bruxelas de 1920, buscou-se formas de restabelecer o crédito internacional, facilitando as operações.
Em 1926 os estudos ganharam nova ênfase no âmbito da Liga das Nações, através do Instituto Internacional para Unificação do Direito Privado – UNIDROIT, que ficou suspenso até 1940. A perspectiva de trabalho do Instituto é no sentido de buscar formulação de regras que possam ser adotadas de modo uniforme no comércio internacional (o que vem sendo feito através da aplicação de seus princípios, cuja última edição remonta a maio de 2011).
Desde então, este enfoque de análise tornou-se ainda mais “multilateral”, no sentido de atração de diversas categorias e nacionalidades a discutir o tema.
O mesmo ocorreu na regulamentação produzida pelos Estados, que, no pós-guerras, tiveram um enfoque mais consciente da interligação comercial e seus efeitos para os países.
A diferença de pensamento é verificada com o GATT, em 1947. As relações de comércio internacional era guiadas pelos Estados, regulamentando-as no âmbito internacional, no intuito controle de seus mercados internos sem a percepção dos alcances que as decisões políticas nesse sentido poderiam tomar.
Pode-se inclusive admitir que a prática adotada neste período antecedente à Segunda Guerra, de regulamentação a partir de tratados bilaterais, foi um dos fatores que influenciaram a crise do comércio internacional no início do século XX.
Havendo a necessidade de promoção do comércio mundial como uma forma de restaurar a economia mundial, verificou-se a necessidade de adotar políticas internacionais de regulamentação multilateral do comércio. Isso foi inclusive uma resposta à prática protecionista que se mostrou ineficiente à reestruturação dos países após a Primeira Guerra mundial, tendo apenas agravado as crises econômicas.
Também como interesse na promoção do comércio internacional é que a edição de regras e os estudos sobre as trocas internacionais foram intensificados no pós-Segunda Guerra.
A despeito das mudanças sofridas no comércio internacional desde então, ainda é possível afirmar que a prática protecionista perante o comércio internacional não é saudável para as economias internas, sendo inquestionável a importância de relacionamento entre os mercados – sem, contudo, que isto signifique afastar práticas incentivadoras do mercado ou da indústria interna, diferentemente de uma postura puramente protecionista.
No que tange à cláusula da nação mais favorecida, verifica-se que ela, em verdade, atuou como instrumento que, de certa forma, impediu novas reações protecionista, uma vez que inviabiliza que um Estado limite-se a um parceiro comercial, se inserido no âmbito da OMC. Ademais, porém, os blocos regionais podem ser considerados como protecionismo regionalizado, sendo que sobre eles a cláusula não surte os efeitos como na OMC.
Advogada, especialista em Direito Constitucional, mestranda em Direito Empresarial pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), participante do Grupo de Estudos de Direito do Comércio Internacional do UNICURITIBA
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