O Federalismo Norte Americano em comparação ao Federalismo à Brasileira: origens, comparação entre os dois modelos de Estado e problemáticas acerca de suas transformações nos órgãos de Poder

Cesar Felipe Dal Poggetto Canheo – Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduando Lato Sensu em Direito Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em Direito Público com ênfase em Gestão Pública pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus; e-mail: cesarfelipe90@hotmail.com

Resumo: O presente trabalho tem como objeto o estudo sobre o Estado Federal norte-americano e o federalismo à brasileira, de uma forma comparativa e indutiva, com base nos trabalhos do Barão de Montesquieu. Tal trabalho é oriundo de uma análise histórico-evolutiva sob o enfoque do aspecto da Realidade Total ou cultural.

Palavras-chave: Federalismo-Segregacionista, Federalismo-Integralista, Transformações-culturais-nos-Estados-e-coletividade.

 

Abstract: The present work has as object the study on the North American Federal State and Brazilian federalism, in a comparative and inductive way, based on the works of Baron de Montesquieu. Such work comes from a historical-evolutionary analysis from the perspective of the Total or cultural Reality aspect.

Keywords: Federalism-Segregationist, Federalism-Integralist, Cultural-transformations-in-States-and-collectivity.

 

Sumário: Introdução 1. Conceito, formação e evolução histórica das Sociedades Políticas: da Antiguidade até a difusão em escala global do Modelo de Estado Europeu; 1.1. Conceito de Comunidade Política e surgimento do vínculo político com a Sociedade Política: aspectos da formação da Nação brasileira; 2. Teoria da Tripartição de Poderes e análise histórico-evolutiva dos Sistemas de Freios e Contrapesos na Constituição Norte Americana e nas Constituições Federais Brasileiras (de 1891 a 1988); 2.1. Conceito da Tripartição de Poderes e do Sistema de Freios e Contrapesos; 2.2. A formação nacional dos Estados Unidos, a Independência e a organização do Estado americano diversa do modelo europeu;2.2.1. Aspectos históricos do Direito Americano e da formação da nação nos Séculos XVII e XVIII; 2.2.2. Aspectos históricos do Direito Americano no Séculos XIX e XX e as transformações nas Competências Administrativa e Legislativa; 2.2.3. Mudanças que acarretaram a flexibilização do Sistema de Freios e Contrapesos na Constituição Americana; 2.2.4. Aspectos Políticos-Jurídico da Constituição Norte-Americana: a Constituição e suas vinte e sete Emendas;2.3. Aspectos histórico-evolutivos do federalismo brasileiro: das origens nas revoltas separatistas do Período Regencial até a Constituição Federal de 1988; 2.3.1. Da Constituição Imperial de 1824 até a Promulgação da Constituição Federal de 1891: aspectos dos movimentos de centralização e descentralização política-administrativa das Províncias; 2.3.2. Do Período da “República das Espadas” até a Revolução de 1930: acordo informal entre a elites e arrefecimento dos movimentos de Centralização e Descentralização; 2.3.3. Do Governo Provisório de Getúlio Dornelles Vargas até a Constituição de 1937: a modificação das Competências Legislativa e Administrativa, a inserção do Decreto-Lei como competência anômala no Ordenamento Jurídico e retorno de um movimento de centralização político-administrativa; 2.3.4. Da Constituição Federal de 1946 ao Golpe de 1964: breve período de redemocratização e disputas entre o movimento nacional-desenvolvimentista contra o liberalismo econômico; 2.3.5. Do Regime Militar à Promulgação da Constituição Federal de 1988: Predominância do autoritarismo e do Nacional-Desenvolvimentismo.

 

INTRODUÇÃO

Inicialmente, o presente trabalho busca a análise histórico-evolutiva para comparar o Estado Federal estadunidense com o Estado brasileiro nos aspectos político, jurídico, econômico e social com a finalidade de apontar as semelhanças e as muitas diferenças entre ambos quanto a sua forma de organização político-administrativa e dos direitos fundamentais em cada Constituição.

Salienta-se que os trabalhos do Barão de Montesquieu tiveram grande influência sobre o movimento Iluminista na Europa e com relação aos “Pais da Pátria” norte-americana, sendo que contribuiu para que estes pudessem fundar uma República sob a organização política-administrativa inovadora do Pacto Federativo de cunho Segregacionista.

Por outro lado, o Estado brasileiro fora concebido no âmbito de uma colônia de exploração, servindo aos interesses econômicos da Metrópole portuguesa e, mais tarde, o seu desenvolvimento se dará como um todo em razão das disputas entre os defensores da centralização e descentralização político-administrativa e sem ampla participação do Povo quanto as decisões tomadas.

Por fim, buscar-se-á a complementariedade das Teorias desenvolvidas pelos autores Jorge Miranda e Dalmo de Abreu Dallari quanto as origens da comunidade politica e da Sociedade política em relação aos casos norte-americano e brasileiro.

 

  1. Conceito, formação e evolução histórica das Sociedades Políticas: da Antiguidade até a difusão em escala global do Modelo de Estado Europeu

Inicialmente, a Sociedade Política se origina de comunidades políticas de alta complexidade, e que deram origem aos grandes Estados da Antiguidade Ocidental e Oriental.

De acordo com Dalmo de Abreu Dallari, citando Goffredo da Silva Telles Jr., afirma que o denominado “processo de integração” permite compreender o surgimento dos aglomerados primitivos de uma forma simples, homogêneo e sem complexidade alguma, sendo que a partir de um “movimento de diferenciação” por parte de um determinado grupo mais apto a impor a sua vontade sobre os outros membros em razão de uma relação de solidariedade e conjugação destes.1

Desta forma, para se garantir a paz social por meio da coercibilidade (monopólio da força) e da garantia do bem comum à toda a coletividade, cria-se uma estrutura organizacional dotada de autoridade sobre todos os membros da Comunidade Política.2

Com relação as Sociedades Políticas que surgiram na Antiguidade Oriental e Ocidental, as primeiras têm como a estrutura hierárquica de uma classe privilegiada (ou mais) e a subordinação das demais, enquanto nas segundas fora alcançada a isonomia (Civilização Greco-Romana) entre os cidadãos e depois entre as classes menos favorecidas (inicialmente).3

Após a queda do Império Romano do Ocidente em 476 d.C. e até o Século IX, deu-se início ao período chamado de Idade Média ao qual foram ocorrendo as “Invasões Barbaras” sendo que tais povos foram ocupando e conquistando os territórios do antigo Império e o Poder Central que havia fora sendo lento e gradualmente substituído pelos Senhores Feudais (a partir do Século X).4

Porém, foi com o período das Cruzadas e com o “Renascimento Comercial e Urbano” é que houve o fortalecimento das Monarquias Nacionais e a centralização dos poderes coercitivo e da coercibilidade no âmbito político-administrativo e judicial.5

De acordo com Jorge Miranda, “depois da organização política medieval-uma série de poderes ou autoridades, cada qual com ampla jurisdição, verticalmente dispostos-vai ressurgir a noção de Estado, na plena acepção. Pois o poder centraliza-se e concentra-se no Rei e toda a autoridade pública passa e emanar dele; ele atinge todos os indivíduos-por serem súbditos do mesmo Rei; o território adquire limites precisos e a todas as parcelas o governo central vai fazer chegar a sua lei.”34 Portanto, a centralização do Poder em torno do Rei decorreu do enfraquecimento do Sistema Feudal, o que deu lugar aos Estados Modernos e a uma Comunidade Política vinculada a figura monárquica.6

Tal Estado Moderno ou do tipo Europeu foi difundido pelo restante do globo ao longo do Século XIX, durante o período do chamado Neocolonialismo da África, Ásia e Oceania, tornando a influência cultural Europeia predominante.7

Por fim, a Sociedade Política e assim como a Comunidade Política se apresentam de uma forma bem definidas e conceituadas com o modelo de Estado Europeu, demonstrando haver um vínculo político entre o Povo e o Estado Monárquico (Rei).

 

1.2. Conceito de Comunidade Política e surgimento do vínculo político com a Sociedade Política: aspectos da formação das Nações brasileira e americana

Inicialmente, a necessidade de se conceituar sob o prisma da Sociologia Jurídica e da Teoria Geral do Estado quanto ao que seria a Comunidade Política e o vínculo com a Sociedade Política.

De acordo com Dalmo de Abreu Dallari, a Comunidade Política é explicada por duas teorias: Sociedade Natural e Contratualismo. A primeira refere-se a uma tendência natural do homem em viver em sociedade, o que demonstra uma clara influência do Direito Natural e oponível a influência da razão, enquanto a segunda tem como fundamento o racionalismo e a vontade em pactuar a vida em sociedade.8

Por fim, o autor afirma que há um predomínio, atualmente, da aceitação de uma sociedade natural do homem, sem exclusão da participação da consciência e da vontade humana como imperativos da construção das bases de uma democracia moderna.9

Porém, sob outro enfoque, Jorge Miranda defende que a Comunidade Política equivale a um elemento constitutivo do Estado moderno (modelo europeu), e sendo que se trata de uma comunidade com consciência política.10

Para o autor português, as teorias contratualistas (principalmente a de Thomas Hobbes e de Rousseau), Marxista e Hegeliana (histórico-evolutiva) exercem grande influência sobre o aspecto volitivo e racional da humanidade para se viver em sociedade.11

Acrescenta-se o fato de que a etnia (unidade cultural de cada povo) deva ser levada em consideração, também, a semelhança do Período Republicano (pré-clássico) da História de Roma (Civilização Judaico-Cristã) aplicada a Europa Ocidental, Oriental e ao Continente Americano (decorrente das Grandes Navegações) do Século XIV.12

Portanto, para Jorge Miranda, o enfoque é oposto ao de Dalmo de Abreu Dallari, no sentido de que é o Estado o criador da chamada Comunidade Política   e sendo explicada principalmente pelas teorias contratualistas, histórico-evolutivo, Marxista e Hegeliana (organicista).13

Desta forma, o autor português conclui que o Estado como produto do processo histórico evolutivo é a origem da Comunidade Política e sendo o estabelecedor da Ordem Política. Tal ordem se condiciona a dialética entre o Estado (Poder Público) e aquela.14

Sendo assim, tal realidade política se desenvolve de uma forma dialética entre os diversos grupos defensores dos interesses da Comunidade Política estabelecendo um vínculo político com o Estado (em especial com o Poder Público).15

Conclui-se que, em concordância com a Teoria desenvolvida por Jorge Miranda, as origens do Estado brasileiro e assim como a da Sociedade Civil brasileira deu-se pelo Estado absolutista português no Período Colonial, tal qual a formação de uma elite cultural com base no modelo europeu continental (colônia de exploração). Tal adoção da Teoria desenvolvida por Jorge Miranda permitirá entender os rumos do Estado e da Nação brasileira ao longo do Processo Histórico Evolutivo, enquanto as teorias desenvolvidas por Dalmo de Abreu Dallari atendem a interpretação sobre a formação da Nação norte-americana em razão da influência da colônia de povoamento (norte).

 

  1. Teoria da Tripartição de Poderes e análise histórico-evolutiva dos Sistemas de Freios e Contrapesos na Constituição Norte Americana e nas Constituições Federais Brasileiras (de 1891 a 1988)

Neste tópico, será feita uma conceituação, com base nos trabalhos do Barão de Montesquieu, quanto a Tripartição de Poderes e suas funções típicas e atípicas. Será dado um destaque para o que o autor chamava de Sistema de Freios e Contrapesos, além de uma pesquisa com base no Direito Comparado com intuito de distinguir o Sistema Jurídico norte-americano (de natureza híbrida) do Sistema Jurídico brasileiro (pertencente à Civil Law).

Desta forma, será feita uma comparação entre os Estados Unidos da América do Norte e em relação aos Estados brasileiro quanto a sua forma de organização do Sistema Eleitoral em detrimento da forma segregacionista de federação adotada, além da forma diversa de como se concebeu o Sistema de Freios e Contrapesos e a Tripartição de Poderes no Estado Norte-americano em relação aos Estados europeus.

 

2.1. Conceito da Tripartição de Poderes e do Sistema de Freios e Contrapesos

Inicialmente, a “Teoria da Tripartição de Poderes” e da sistematização dos chamados freios e contrapesos foi elaborada pelo Barão de Montesquieu com base na chamada “Constituição Inglesa”, no Século XVIII.16

Por meio dos estudos realizados no país vizinho, ele propôs a separação de poderes ao qual estavam concentrados na figura do rei absolutista e os organizou sob três “órgãos de poder”, definindo as suas respectivas funções típicas (Executar, Legislar e Julgar).² De acordo com Montesquieu, “o príncipe ou o magistrado faz leis para certo tempo ou para sempre, e corrige ou ab-roga as que são feitas.(…), declara a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança, previne as invasões.(…), pune os crimes ou julga os litígios dos particulares. 17

Assim, o autor enumera as funções típicas de cada órgão de Poder, com o intuito de criar uma divisão por função (e do trabalho), evitando que um órgão abarque a função de outro, se tornando uno e indivisível mais uma vez. Nas palavras de Montesquieu, “quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo é reunido ao poder executivo, não há liberdade; porque é de temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado faça leis tirânicas, para executá-las tiranicamente.”18 Acrescenta o autor que haveria um despotismo se os três órgãos de  Poder estivessem reunidos na figura de uma só pessoa, corpo de nobres ou nas mãos do povo, o que ocasionaria o abuso de poder de um cidadão sobre outro. 19

Tal divisão fora pensada e organizada de acordo com a “Teoria das Formas de Governo” (Monarquia, Aristocracia e Democracia), assim como nas formas corrompidas destas (Despotismo, Oligarquia e Demagogia) baseadas na classificação de Aristóteles quanto ao número de governantes. 20

Tal classificação teria sido usada por Montesquieu para criar um modelo, sendo que para ele “há três espécies de governos: o Republicano, o Monárquico e o Despótico. (…) Suponho três definições, ou melhor, três fatos: primeiro, que o governo republicano é aquele em que o corpo do povo ou somente parte do povo, tem o poder soberano; o monárquico, aquele em que um só governa, mas por leis fixas e estabelecidas; ao passo que no despótico um só, sem lei e sem regra, tudo determina por seus caprichos21. E, com base nos seus estudos realizados na Inglaterra, ele formula uma solução para pôr termo ao abuso de poder e a corrupção das três formas de Governo o que foi chamado por ele de Sistema de Freios e Contrapesos.

A propositura de um Sistema de Freios e Contrapesos com o intuito de evitar que um órgão de poder tomasse para si a função dos outros ou intervisse de forma indireta, sendo que o fez com base no pensamento liberal do Século XVIII, o qual não era o de estabelecer o bem comum do povo mas ,sim, as condições mínimas para que cada um pudesse cuidar dos seus interesses.22

Desta forma, para evitar que houvesse uma usurpação de função de um Poder sobre outro, o Barão de Montesquieu propôs uma série de medidas, sendo as principais: representatividade no órgão legislativo, os aspectos de cunho político-administrativo tal qual a convocação do Parlamento pelo Executivo ou atribuições internos corporis aos órgãos de Poder. Um bom exemplo seria a distribuição das atribuições de cada Casa Legislativa que, de acordo com Montesquieu, teria uma a faculdade de estatuir o direito de ordenar por si mesmo ou de modificar o que foi ordenado, além de haver a faculdade de impedir o direito de tornar nula uma decisão tomada por outrem que ficaria a cargo da Casa do corpo de nobres.23

É de salientar que este exemplo foi dado em consonância com a opção de Montesquieu pelo órgão de Poder Legislativo como de maior relevância, tanto para a República e a Monarquia.24

Portanto, tal harmonia daria origem aos chamados Sistemas de Governo, sendo o Parlamentarismo a opção pelos países europeus e o Presidencialismo, pelos países do Continente Americano. Em razão das Revoluções Burguesas do Século XVIII que ocorreram tanto no Continente Europeu e no Americano, o modelo tripartite de separação de poderes fora adotado, mas sofreu alterações de acordo com as necessidades de cada povo e organização deste sob o Território 25.

Consequentemente, foram criados modelos liberais de “Estado de Direito” diversos do que propusera o Barão de Montesquieu quanto a forma e sistema de governo, assim como em relação as atribuições de cada órgão de Poder e as suas respectivas limitações.26 Tais características foram implementadas pelas classes burguesas nas respectivas Constituições, levando em consideração os seus respectivos interesses.

 

2.2. A formação nacional dos Estados Unidos, a Independência e a organização do Estado americano diversa do modelo europeu

Um destaque maior será dado aos Estados Unidos da América do Norte, seja em razão da estrutura jurídica desenvolvida pelo Constituinte Originário e a História de sua formação como nação, sendo que nos primórdios da colonização pelos protestantes havia uma concepção de Direito diversa do que era a Common Law inglesa (Século XVII).

Desta forma, há uma aproximação das ideias propostas pelo Barão de Montesquieu quanto o equilíbrio entre os órgãos de Poder e o estabelecimento de um eficiente Sistema de Freios e Contrapesos que permitiria o exercício das liberdades políticas.

 

2.2.1. Aspectos históricos do Direito Americano e da formação da nação nos Séculos XVII e XVIII

Inicialmente, os argumentos que levaram aos americanos a adotarem o modelo republicano, a democracia representativa como forma de governo, o sistema presidencialista e a organização do território de acordo com o pacto federativo estão relacionados a modelos distintos de colonização no Norte e no Sul da Costa Leste.

De acordo com Rene David, desde o começo da Colonização pelos protestantes fugidos das Guerras Religiosas no Norte da Costa Leste americana, houve a aplicação do Sistema Jurídico da “Common Law” no que era possível pois as condições do Território e além dos interesses dos colonos tornavam inaplicável tal Sistema em sua grande parte e, sendo assim, nas Colônias do Norte fora concebido uma codificação primitiva e com base nos ensinamentos da Bíblia.27

Tal ponto divergente entre o Direito Inglês e o Americano seria responsável, mais tarde, pela concepção do Constitucionalismo moderno por intermédio do Pacto Federativo entre todas as colônias.

Quanto as colônias do Sul, estas eram de cunho exploratório e grandes produtoras de monocultura para exportação (plantation) e tinham a ingerência da Coroa Inglesa sobre os seus produtos no âmbito do Pacto Colonial.28

A partir do Século XVIII, houve a melhoria nas condições de vida nas colônias do Norte e do Sul, com destaque do desenvolvimento das atividades econômicas de maior complexidade nas Colônias do Norte. Foi a partir deste Século é que começou a ser aceita a Common Law como Sistema Jurídico oficial.29

Portanto, tais características do Direito Americano se apresentam favoráveis para a recepção dos institutos do Sistema Romano Germânico com a conquista das novas terras ao Oeste, além de serem divergentes do Direito inglês.

 

2.2.2. Aspectos históricos do Direito Americano no Séculos XIX e XX e as transformações nas Competências Administrativa e Legislativa

Após a Guerra de independência, os norte-americanos deram maior relevância jurídica às Constituições Estaduais por meio da autonomia conferida pela Constituição Federal.

Tal autonomia abrangia às competências lato-sensu de natureza administrativa, política e legislativa (Cível e Penal) sobre os seus respectivos territórios, permitindo ao Poder Público que gerisse a vida da comunidade política quanto as suas necessidades e sem intervenções nos direitos políticos ou em questões de interesse econômico.30

Muito embora os americanos tenham aderido oficialmente ao Sistema Jurídico da “Common Law”, por conta da expansão territorial rumo ao Oeste e das diferenças culturais entre os diferentes povos, a imposição dos antigos colonos de origem inglesa aos povos subjugados não surtiu efeito sobre os mais relevantes institutos de cunho Romano-Germânico trazidos por franceses e espanhóis.31

Em razão deste fato histórico, consequentemente houve modificações na Constituição Norte Americana e que permitiram o alargamento da Competência Legislativa da União e do intervencionismo do Executivo em razão da incorporação de novos territórios e do contato com novas culturas. Nas palavras de René David, “a evolução iniciada no Século XIX continuou a realizar-se no Século XX. O Século XX é marcado por outro lado, nos Estados Unidos, como em Inglaterra por uma nova tendência para organizar e reformar, por meio do direito, a sociedade. O direito deixa de ser visto como uma simples forma de resolver litígios e surge, aos olhos dos cidadãos e dos próprios juristas, cada vez mais como em instrumento próprio para criar uma sociedade dum tipo novo. Um poder administrativo outrora desconhecido desenvolve-se tanto no plano federal como em cada Estado, ao lado dos três poderes tradicionais: Legislativo, Executivo e Judiciário.”32

Portanto, conforme a expansão rumo ao Oeste ocorria, houve o contato com novos Ordenamentos Jurídicos e a transformação do Estado Americano para se adaptar à nova realidade.

Por fim, conclui-se que o Sistema Jurídico Norte-Americano é diverso dos Países europeus por conta da organização política, jurídica e administrativa de Federação Segregada ou Dual, mas que sofrera mudanças na organização das funções dos órgãos de Poder.

 

2.2.3. Mudanças que acarretaram a flexibilização do Sistema de Freios e Contrapesos na Constituição Americana

Desde o início da expansão territorial rumo a Costa Oeste e das pressões exercidas pelas novas populações que passaram a integrar o território americano até a segunda metade do Século XX, foram feitas mudanças no âmbito da Constituição Federal que acarretaram no fim das eleições indiretas para membros do Senado Federal (eleitos pela Assembleia Legislativa), Presidente e Vice por meio do Colégio Eleitoral (eleitores indicados pelas Assembleias Legislativas), assim como a exigência da característica cultural dos eleitores equivalente aos membros da  Câmara dos Representantes.33

Desta forma, de acordo com Renè David “(…)convém notar que as autoridades federais gozam, atualmente, duma vasta competência, infinitamente mais extensa da que haviam suposto os autores da Constituição. A Constituição de 1787, que limitava rigorosamente os poderes das autoridades federais, só raramente foi modificada (…)”34

A extensão dos direitos eleitorais para todos (sufrágio universal) exigiu, consequentemente, a ampliação das Competências Legislativas e Administrativas da União, além da possibilidade de cooperação entre os entes estatais.35

Portanto, a autonomia que cada ente estatal possuía em relação as suas competências foi modificada ao longo dos Séculos XIX e XX, tendo sido decorrência das pressões de um povo com características heterogêneas e em atendimento às suas diferentes necessidades e aos interesses político-econômicos. Consequentemente, o Sistema de Freios e Contrapesos entre os órgãos de Poder fora flexibilizado ao longo dos anos por meio das emendas constitucionais promulgadas a partir do final do Século XIX e do Século XX.

 

2.2.4. Aspectos Políticos-Jurídico da Constituição Norte-Americana: a Constituição e suas vinte e sete Emendas

Inicialmente, quanto a separação de poderes tripartite na Constituição Norte-Americana, embora não fosse equivalente ao modelo proposto pelo Barão de Montesquieu, atendia as necessidades do Povo americano e estava de acordo com a organização do Modelo Federativo.

Nos conformes do artigo 1º, Seções 2 e 3, fará referência expressa ao Bicameralismo e funcionamento do Poder Legislativo, enquanto no artigo 2º seções 1,2,3,4 faz menção as funções de Chefe de Governo e de Estado unidas ao cargo de Presidente da República. Portanto, o Poder Público (Executivo e Legislativo) é separado, quanto as suas funções definidas e as Competências Administrativas e Legislativas também.36

No âmbito do Processo Legislativo, o Sistema de Freios e Contrapesos não é tão rigoroso conforme a proposta de Montesquieu, mas faz jus a uma divisão do trabalho ao qual não se permite a comunicação ou eventual troca de favores entre o Executivo ou até mesmo entre as duas Câmaras (dos Representantes e do Senado Federal).37

Quanto ao Sistema Eleitoral norte-americano, este fora concebido como Proporcional e Majoritário, sendo que estes seguiam o modelo sufragista indireto quanto a escolha dos congressistas e de acordo com as atribuições das Casas Legislativas expressas na Constituição Federal. Deve ser salientado que o Senado Federal e o Executivo mantinham uma estreita ligação quanto ao vínculo político derivado das suas respectivas atribuições, enquanto na esfera Estadual havia o Unicameralismo e o Sistema Eleitoral é proporcional.38

Com as modificações realizadas na Constituição por intermédio das Emendas, em especial as que permitiram o Sufrágio ser direto para o Poder Público e o alargamento das Competências Administrativas e Legislativas, houve a flexibilização do Sistema de Freios e Contrapesos e o fortalecimento do Poder Executivo (e da União frente aos Estados).39

Por fim, apesar dos eventos que se sucederam na História dos Estados Unidos e em comparação ao Federalismo brasileiro, o Estado Norte-Americano não teve instabilidade política, econômica, social e jurídica como ocorrera no Brasil.

 

2.3. Aspectos histórico-evolutivos do “federalismo brasileiro”: das origens nas revoltas separatistas do Período Regencial até a Constituição Federal de 1988

Nesta parte do primeiro tópico, buscar-se-á apresentar os aspectos históricos-evolutivo do Federalismo brasileiro, por intermédio da análise social, política, econômica e jurídica do final do Século XIX até o final do Século XX.

Com relação a análise política e jurídica, será feita por intermédio dos fatos mais relevantes que levaram a criação, modificação e ao afastamento das Constituições Federais passadas.

Por fim, a análise do fato social e econômico e sua congruência aos fatos anteriores, além de ser diretamente proporcional ao comportamento do povo (novos costumes) ao longo da evolução.

 

2.3.1. Da Constituição Imperial de 1824 até a Promulgação da Constituição Federal de 1891: aspectos dos movimentos de centralização e descentralização política-administrativa das Províncias

Inicialmente, o Estado Imperial Brasileiro fora concebido como Unitário, centralizado na figura do Imperador, seja por conta do seu autoritarismo quanto a outorga da Constituição ou por conta das intervenções que lhe era permitida fazer por conta dela nos outros órgãos de Poder. Em razão deste autoritarismo é que nascerá o movimento de descentralização e pela autonomia das Províncias.

Quanto a Carta Imperial de 1824, esta continha normas que faziam referência ao modelo constitucionalista francês, apresentando como elementos estruturantes e sócio ideológicos a Separação entre os órgãos de Poder, Direitos Fundamentais (de primeira geração), forma de Governo e tipo de Estado.40

Porém, ressalta-se que a Carta tem pontos diferenciais em relação as Constituições de cunho liberal, o que denuncia claramente um Sistema de Freios e Contrapesos flexível e pendente a abusos de um órgão de Poder sobre outro: a formulação quadripartite de Benjamin Constant e com enfoque no Poder Moderador; voto indireto e plural; Sistema Bicameral e Eleitoral com repartições de competência que favorecem as intervenções do Imperador e a troca de favores.41

O Império brasileiro, neste período histórico enfrentava as primeiras revoltas das Províncias no Sul e no Nordeste (Confederação do Equador), sendo que perdera a recém conquistada Província da Cisplatina para os uruguaios além do descontentamento do Povo para com o próprio Imperador, demonstrado com a chamada “Noite das Garrafadas” (1829)42.

Portanto, haviam neste momento as primeiras revoltas contra o Governo Central e com a ida de Dom Pedro I para Portugal com o intuito de assumir a Coroa Portuguesa tornara-se evidente no Período Regencial e no Segundo Reinado as disputas entre os cafeicultores (a nova elite econômica que estava se formando) e os antigos proprietários de terra que eram produtores de cana-de-açucar.43

A partir de 1831, por conta da vacância do trono imperial, houve a necessidade de se convocar uma Regência de três homens, sendo que as duas primeiras representavam tendências de manutenção da centralização política-administrativa do Império.43 Porém, por intermédio do Partido Liberal, o movimento de descentralização que tinha como objetivo mais autonomia para as Províncias conseguiu pôr em pauta para ser votado o Ato Adicional de 1834.44

De acordo com Ronaldo Leite Pedrosa, “o Ato Adicional, tido por muitos como uma das experiencias mais democráticas da história imperial revelou, também concedeu ampla autonomia as Províncias brasileiras, transformando os Conselhos Provinciais em Assembleias Provinciais, origem das atuais Assembleias Legislativas dos Estados. Acrescenta-se que tal Projeto de Emenda à Constituição de 1824 foi votada durante a Regência Una do padre Diogo Antônio Feijó, que também havia criado neste período a Guarda Nacional.45

A importância desta instituição está relacionada com o “Coronelismo” da República Velha e com a origem da instabilidade do Regime Monárquico no final do Século XIX, pois favorecia o empoderamento do Chefe desta guarda (Coronel e grande proprietário de terra) e tinha o intuito de defender os interesses locais e não os nacionais.46

Tal ato, foi responsável por inúmeras revoltas na Década de 1830, o que ameaçou a instabilidade do Império e tendo como consequência o “Golpe da Maioridade” e a votação da Lei Interpretativa do Ato Adicional.47

Portanto, tais movimentos de centralização e descentralização tem como objetivo, inicialmente, a autonomia das Províncias política e administrativamente, mas o que lhes foi garantido foi a autonomia administrativa e legislativa para gerir os negócios de interesse local. Desta forma, a partir da coroação de Dom Pedro II, o Estado passa a ser classificado como Unitário e Descentralizado.48

Quanto aos aspectos socioeconômicos, o tráfico negreiro para o Brasil encontrava resistência tanto no interior do Brasil quanto nas relações com países estrangeiros, tendo o seu fim com a Lei Eusébio de Queirós de 1850. De acordo com Maria de Fatima São Pedro, citada por Ronaldo Leite Pedrosa: “com a retração, ocorrida nessa época, das outras culturas de algodão e cana no Nordeste brasileiro, cria-se um excedente de mão de obra escrava o que torna os seus proprietários interessados no fim do tráfico e que lhes criaria um mercado para a absorção desse excesso pelas lavouras cafeeiras do Sul, a preços compensadores. Paralelamente cresce no Sul, entre os agricultores brasileiros, um ressentimento com relação aos traficantes, na maioria portugueses, junto aos quais muitos se encontravam endividados, com muitas de suas propriedades hipotecadas para financiamento da aquisição de escravos.49 Desta forma, o tráfico negreiro foi posto à termo e deu-se por iniciada a crise econômica no Segundo Reinado, pois havia a necessidade de substituição da mão de obra escrava.

Além disso, após a Guerra do Paraguai, houve a consolidação do Exército como Instituição e a sua crescente importância no cenário político do Império. A igreja católica defendia também o fim da escravatura.50

Por fim, em quinze de novembro de 1889, após os descontentamentos de parte da elite, da Igreja e do Exército Dom Pedro II foi destronado por um golpe de estado coordenado pelos militares positivistas e em especial pelo Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, além de ter sido proclamada a República.

 

2.3.2. Do Período da “República das Espadas” até a Revolução de 1930: acordo informal entre as elites e arrefecimento dos movimentos de Centralização e Descentralização

Após o fim da Monarquia com o Golpe de Estado de 15 de novembro de 1889, iniciara-se o Governo Provisório, chefiado pelo Marechal Manoel Deodoro da Fonseca.51

Nota-se que havia uma disputa política entre a elite cafeicultora e os militares positivistas quanto a interesses políticos locais (da elite) e centralizadores (de cunho nacional). Apesar disso, estavam todos de acordo com o fim do Regime Monárquico e com a nova ordem jurídica que iria se estabelecer por meio da Constituição Federal, no ano de 1891.52

Sobre a nova Carta, ela se baseou no Federalismo Dual Norte-americano e com garantia de autonomia política, administrativa e legislativa para o Estados (antigas províncias), tripartição de poderes de Montesquieu, Sistema de Governo Presidencialista e direitos fundamentais de 1º geração.53

Cumpre salientar que a respeito da Simetria Federativa (artigo 63 da Constituição Federal), estava relacionada a vinculação dos Entes Estatais a União quanto aos Princípios Constitucionais da União, no sentido formal.24 Nota-se que é algo distinto da Simetria Federativa no contexto da Constituição Federal de 1934 e em especial da Constituição Federal de 1988.54

Além disso, denota-se a divisão de competências Legislativas da União e dos Estados Membros, sem a interferência do primeiro ente sobres os demais. Cada Estado tinha Competência para tratar sobre Direito Material e Formal (Cível e Penal), tendo uma autonomia maior do que era no período Imperial.55

Quanto ao Sistema Político Eleitoral das Casas Legislativas do Congresso Nacional eram Majoritário (Senado Federal e o Executivo Federal e Estaduais) e Proporcional (Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas). Além disso, o Sistema é Bicameral e herdou dos tempos do Império a falta de divisão de trabalho por meio das funções estabelecidas por Montesquieu.56

Assim como foi no Império, há uma proximidade do Senado Federal com o Executivo em razão do mesmo Sistema Eleitoral, mas será com a Câmara dos Deputados que haverá necessidade de se ter o “toma-lá-dá-cá” entre Poderes Públicos Federal e Estadual, conhecido como “Política dos Governadores”. E, para garantir os interesses das elites, o Sufrágio era masculino e o voto de característica aberta o que favorecia o acordo informal.57

Tal acordo iria garantir, informalmente, as políticas de cunho nacional em troca das políticas em âmbito local, sendo que eram de interesse das elites cafeicultoras e do “Coronelismo” dos Estados do Norte e Nordeste. Neste momento da história observa-se um predomínio de exportações agrícolas (em especial do Café) como foco da política econômica, enquanto a industrialização ficava em segundo plano.58

Portanto, os aspectos políticos, econômicos e jurídicos eram determinados principalmente pela Elite econômica e cultural, tanto no âmbito local como em âmbito estadual.

Em razão da desconsideração com a chamada “questão social”, a população que estava prejudicada fez diversos levantes, sejam no meio rural ou urbano.59

Por fim, após a Crise de 1929 e o fato de que não se conseguia exportar café para os países mais ricos da Europa e principalmente para os Estados Unidos, além da disputa política pela Presidência da República demonstrar o desentendimento entre as Elites houve a chamada “Revolução de 1930” e a deposição do último Presidente da República oligárquica.

 

2.3.3. Do Governo Provisório de Getúlio Dornelles Vargas até a Constituição de 1937: a modificação das Competências Legislativa e Administrativa, a inserção do Decreto-Lei como competência anômala no Ordenamento Jurídico e retorno de um movimento de centralização político-administrativa

Com o advento de Getúlio Vargas ao Poder ele edita em 11 de novembro de 1930 o Decreto nº 19.938, com a finalidade de regulamentar o Governo Provisório, que durou até a promulgação da Constituição de 1934. Com poderes excepcionais, o chefe do Governo Provisório pôde dissolver o Congresso Nacional e todos os órgãos legislativos estaduais e municipais, assim como os Chefes do Executivo foram afastados e houve a nomeação de interventores.60

Em 1932, houve a eclosão da Revolução Constitucionalista Paulista, que tinha como finalidade o reestabelecimento da Ordem Jurídica por meio de uma nova Constituição. Apesar de ter sido derrotada pelas tropas federais, ficou claro que a promulgação de uma nova Constituição não poderia mais ser postergada.61

Quanto a Carta de 1934, suas características no âmbito da Competência Legislativa e Administrativa dos Entes Estatais estão relacionadas a introdução de um Federalismo Cooperativo nos moldes da República de Weimar, sendo que os  mecanismos jurídicos como o Princípio da Uniformidade Legislativa (ampliação da Competência Legislativa e Administrativa da União), Iniciativa Reservada do Presidente da República sobre Projetos de Lei de interesse da União demonstram o início da interferência no Processo Legislativo pelo Executivo e o enfraquecimento do Sistema de Freios e Contrapesos (no âmbito formal).62

Com relação ao Sistema Eleitoral e Político, há um Unicameralismo explicito, pois o Senado Federal não atua no Processo Legislativo e sim de forma cooperativa à Câmara dos Deputados, sendo que neste a predominância é Proporcional de Lista Aberta, enquanto no primeiro é majoritário. Porém, quanto a declaração de inconstitucionalidade das leis federais, cabe ao Senado Federal, o que prova que este se tornara um órgão de cunho político e vinculado a Presidência da República.63

O Sufrágio era Universal, o que permitiu a igualdade entre homens e mulheres, além do voto ser direto e secreto, conforme o artigo 108 da Constituição.64

No cenário político, começa a ter a formação de Partidos de cunho nacional tais como o Partido Comunista Nacional e a Ação Integralista Nacional. Ambos polarizavam para a direita e a esquerda, seguindo a tendência do cenário mundial à época.65

Foi por intermédio dos episódios da “intentona comunista” e da divulgação do “Plano Cohen”, Getúlio Vargas decreta o fechamento do Congresso Nacional e outorga a Constituição de 1937 que ficou conhecida como a “Polaca”, por conta das características nazifascistas.66

Como característica principal desta Constituição, houve a outorga de Poderes excepcionais ao Presidente da República, em especial a Competência anômala de Legislar mediante Decreto-Lei, conforme o artigo 180. 67

Esta Competência, estranha a Teoria da Tripartição de órgãos de Poder, é caracterizada pela usurpação total do Poder Legislativo e concentrada na figura do Presidente da República e que havia dissolvido todas Assembleias Legislativas e o Congresso Nacional por tempo indeterminado.68

Quanto ao processo histórico evolutivo neste período, no âmbito econômico e social, nas palavras de Ronaldo Leite Pedrosa: “(…) a chamada Era Vargas pode também ser caracterizada por outros três ângulos: trabalhismo, com inúmeros direitos conferidos à classe operária, industrialismo, quando o Brasil iniciou um desenvolvimento fantástico, saindo da dependência absoluta da agricultura, e nacionalismo, momento em que se forjou a frase o petróleo é nosso, um dos símbolos sobre os quais a política voltou-se para ocupação de monopólios e afastamento da concorrência estrangeira em nosso território.”69

Portanto, politicamente e juridicamente, o primeiro mandato de Vargas e o Estado Novo foram períodos da construção de um Estado com a finalidade de suprir as necessidades do Povo brasileiro e trazer estabilidade (paz social), ao mesmo tempo que foi um período autoritário. Nas realidades econômica e social, Vargas introduziu o Nacional-Desenvolvimentismo, o Assistencialismo e a Previdência Social.

 

2.3.4. Da Constituição Federal de 1946 à Emenda Constitucional nº 1 de 1969: breve período de redemocratização e disputas entre o movimento nacional-desenvolvimentista contra o liberalismo econômico

A partir dos anos 1940, Vargas não conseguia manter a estabilidade política e social seria deposto pelos militares que o apoiaram no Golpe de 1937, o que traria a necessidade de uma nova Constituição em 1946. Sendo assim, a nova Carta foi promulgada com intuito de restabelecer a democracia, mas houve a manutenção dos mecanismos jurídicos e do intervencionismo estatal sobre as realidades social e econômica.

Quanto as suas características, a representatividade e o federalismo foram mantidos, além do cooperativismo entre Estados e a possibilidade de a União reorganizar o espaço político-administrativo por meio de Territórios (artigos 1º à 3º).70

Com relação as Competências Legislativa e Administrativa dos Entes Estatais, foi alargada a Competência da União para que pudesse atender aos anseios da Sociedade Civil, sendo que não estava dentre as espécies normativas o Decreto-Lei, pois buscava-se o restabelecimento da redação das Constituições de 1891 e de 1934.71

Diferentemente da Constituição de 1934, as duas Casas do Congresso Nacional participavam do Processo Legislativo e, sendo assim, passou a vigorar o Sistema Bicameral. Quanto aos Sistemas Político-Eleitorais, havia a divisão em majoritário e proporcional, sendo o primeiro relacionado ao Senado Federal enquanto o segundo era condizente com a Câmara dos Deputados, além de ter sido mantido o Sufrágio Universal e o voto nos moldes da Constituição de 1934.72

Com relação ao Poder Executivo, mantivera-se o Sistema Presidencialista, sendo que houve a experiência do Sistema Parlamentarista adotado nos anos de 1960.73

Quanto aos aspectos políticos, tanto internamente quanto externamente, o mundo se encontrava dividido em dois grupos: os que apoiavam o modo de produção capitalista e o bloco socialista. Consequentemente, o pluripartidarismo na Constituição Federal de 1946 seguia a tendência de esquerda e direita, sendo a União Democrática Nacional o partido com fulcro no liberalismo econômico e político, enquanto os partidos de esquerda eram PSD, PTB, PDT e o PCB (posto na ilegalidade durante a gestão do marechal Eurico Gaspar Dutra).74

Salienta-se que estes partidos revivem ainda os movimentos de centralização e descentralização, pois os de esquerda defendem uma política econômica e a organização administrativa (e legislativa) concentrada na União, enquanto pela política liberal conduzida pela UDN a tendência era descentralizar e empoderar as elites locais.

Do ponto de vista econômico, desde o retorno de Getúlio Vargas ao cargo de Presidente da República (2º mandato) até a deposição de João Goulart em 1964, houve implementação da Segunda Revolução Industrial por meio do “Plano de Metas” de Juscelino Kubitschek.75 Em outras palavras, foi a “Era do Nacional-Desenvolvimentismo” em tempos de democracia.

Do ponto de vista social, havia uma inquietação da sociedade como um todo, pois a inflação disparara em meio a uma crise política entre o Governo, as Forças Armadas e a elite econômica.76

Tais fatores conduziriam à chamada “Revolução de 31 de março de 1964” tendo os militares como os principais atores deste Golpe de Estado, legitimado pelas edições de Atos Institucionais, sendo que houve a suspensão e a cassação de direitos políticos assim como o estabelecimento de um bipartidarismo (Arena e MDB).77

 

2.3.5. Do Regime Militar à Promulgação da Constituição Federal de 1988: Predominância do autoritarismo e do Nacional-Desenvolvimentismo

Em 1967, com a revogação da Constituição Federal de 1946, fora promulgada a nova Constituição. O referido diploma estabeleceu uma Federação de características centralizada e regime representativo, conforme o artigo 1º ao 3º.78 Porém, não era permitido aos Estados, Municípios se desmembrarem, fundirem-se ou incorporarem-se uns aos outros, além de o Distrito Federal e os Territórios não terem autonomia política e administrativa conforme o artigo 17.79

Portanto, tal Federação assume características de um Estado Unitário Descentralizado, além de que Prefeitos poderiam ser nomeados por Governadores ou pelo Presidente da República caso se trata-se de questão de Segurança Nacional.80

Quanto a Tripartição de Poderes, foi mantida com a mesma redação da Constituição de 1946, mas devido a ampliação dos poderes do Presidente da República quanto a edição de Decretos-Lei ou Projetos de Lei relacionados a Iniciativa Reservada (conforme artigo 54), torna claro que havia intervenção sobre o Poder Legislativo.81

Quanto as Competências Legislativa e Administrativa dos Entes Estatais, os Estados poderiam legislar de forma supletiva sobre algumas matérias, nos termos do artigo 8º da Constituição. Mas, fora mantido à União o Princípio da Uniformidade Legislativa nos termos da Competência Privativa.82 Portanto, o arcabouço de Competências da União fora ampliado em detrimento das Competências Administrativas e Legislativas dos outros Entes Estatais.

Foi mantido o Sistema Bicameral, sendo que a repartição de Competências de cada Casa e assim como das Atribuições do Congresso Nacional apresentam um descompasso com o Sistema de Freios e Contrapesos, proposto pelo Barão de Montesquieu, que faz jus a uma divisão de trabalhos de acordo com as funções diferentes de cada Casa. Tal repartição de competências e de Atribuições foi mantida na essência quanto a Constituição Federal de 1988.83

Os Sistemas Proporcional e Majoritário foram mantidos respectivamente para a Câmara dos Deputados e Senado Federal e com relação ao voto e sufrágio para governadores o voto era direto e secreto e o Sufrágio era Universal, enquanto a eleição para Presidente da República era indireta e mediante escolha dos membros do Colégio Eleitoral, sendo o voto nominal e a sessão pública.84

Com a Emenda Constitucional nº1, promulgada em 17 de outubro de 1969, foram trazidas as seguintes mudanças relevantes para este trabalho: alteração do mandato de Presidente para 5 anos (que inclusive seria ampliado para 6 anos com a Emenda nº8 com o Pacote de Abril); A presidência do Congresso Nacional passou a ser exercida pelo Presidente do Senado ( e não mais pelo Vice-Presidente da República); redução do número de Deputados Federais; foi dificultado o processo de reforma da Constituição.85

Tal Emenda significou, em se tratando dos Direitos Fundamentais, um verdadeiro retrocesso que permitiu a discussão na doutrina jurídica clássica sobre a possibilidade de ser ou não uma nova Constituição, isto é, do ponto de vista material.86

Independentemente desta discussão, tal Emenda representa uma mudança quanto ao controle político e jurídico do Estado Brasileiro, ou seja, dentre os militares. E, consequentemente, significa uma mudança na condução da Política Econômica (passou a ser intervencionista com o controle dos recursos naturais energéticos e protecionismo a determinadas áreas do setor econômico) e para a Sociedade Civil (em especial após os eventos de “Maio de 1968”).87

Quanto ao movimento de redemocratização no final da década de 1970 iniciada pelo Presidente Ernesto Geisel, foi implementada lenta e gradualmente pela sua gestão. Houve resistência por parte de alguns setores militares, mas com a crise econômica e a pressão de movimentos políticos no começo dos anos 1980, o Regime desfaleceu em 1985.88

Foi Promulgada em 1988 a nova Constituição Federal, com o objetivo de se restaurar aspectos socioeconômicos das Constituições de 1934 e de 1946, mas manteve-se aspectos jurídico-formais da Constituição de 1967, tais como no que resultam no controle indireto do Processo Legislativo pelo Presidente da República e as Competências Administrativas e Legislativas da União.89

Por fim, tais diferenças da Lei Maior brasileira em relação a Constituição Americana são relevantes, seja quanto as Constituições promulgadas ou outorgadas em compasso com os movimentos políticos centralizadores e descentralizadores (de acordo com os seus próprios interesses) e a falta de consciência crítica (em termos de organicidade) pela maioria do Povo.

 

Conclusão

Com relação ao Estado Federal norte-americano e o modelo integralista adotado pelo Estado brasileiro, há muitas diferenças e poucas semelhanças nos aspectos político, jurídico, social e econômico.

Quanto as suas origens, o Estado brasileiro foi predominantemente, no passado, uma colônia de exploração e tinha o intuito de servir aos interesses da Metrópole, no âmbito Pacto Colonial. Após a sua independência e com a formação da polarização dos grupos dentre aqueles que defendiam uma maior descentralização politica administrativa em relação aos seus impares (defensores da centralização), afirma-se que todas as transformações que se deram no âmbito político, jurídico e econômico foram impostas pela prevalência de um dos grupos ao longo do Processo histórico-evolutivo. Observa-se, também, que a coletividade (maioria) esteve ausente da tomada de decisões que acarretaram as transformações do Estado brasileiro em um Estado Federal Integralista e com proximidade quanto a um Estado Unitário Descentralizado.

Quanto ao Estado norte-americano, observa-se que as transformações no âmbito do pacto federativo ao longo do Século XIX e começo do Século XX estavam associadas as necessidades do povo estadunidense. Em outras palavras, fora em decorrência da coletividade que os governantes deste período dedicaram os seus esforços para transformar a vida de todos os americanos para melhor, sem deixar de lado os interesses da elite cultural.

Por fim, é de se salientar que os trabalhos do Barão de Montesquieu foram decisivos para o estabelecimento de um Estado Federal no caso norte-americano e podem ser utilizados para estabelecer um Sistema de Freios e Contrapesos, adequado aos anseios da comunidade política e da sociedade política,  na atual Constituição da República brasileira.

 

Referências Bibliográficas

Dallari, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. Editora Saraiva. São Paulo, 2013;

 

Miranda, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2009;

 

Montesquieu, Barão de. Do Espírito das Leis. Editora Martin Claret. São Paulo, 2010;

 

David, Rene. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. Editora Meridiano. Lisboa, 1972;

 

http://www.uel.br/pessoal/jneto/gradua/historia/recdida/ConstituicaoEUARecDidaPESSOALJNETO.pdf

 

Fernandes, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Páginas 279 até 281. 9º edição. Editora Juspodivm. Salvador, 2017

 

1,2 Dallari, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. Página 55 a 57. Editora Saraiva. São Paulo, 2013

3,4,5,6 Miranda, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Páginas 9 a 19. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2009

7 O Neocolonialismo da (Ásia e África) foi um período da História Contemporânea onde as Potencias Europeias, com o pretexto de uma missão civilizatória dos chamados “povos inferiores”, buscavam novos mercados para seus produtos e matérias-primas para as respectivas Metrópoles.

7,8 Dallari, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. Página 21 a 30. Editora Saraiva. São Paulo, 2013

9,10,11,12,13,14,15 Miranda, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Páginas 54, 60, 61 e 101. Editora Forense. Rio de Janeiro, 2009

16,17,18,19,21,22,23,24,25,26 Montesquieu, Barão de. Do Espírito das Leis. Páginas 168 até 178. Editora Martin Claret. São Paulo, 2010

20 Dallari, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. Página 215. Editora Saraiva. São Paulo, 2013

27,28,29 David, Rene. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. Página 438 a 447. Editora Meridiano. Lisboa, 1972

30,31,32 David, Rene. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. Página 438 a 447. Editora Meridiano. Lisboa, 1972

34,35http://www.uel.br/pessoal/jneto/gradua/historia/recdida/ConstituicaoEUARecDidaPESSOALJNETO.pdf. (acesso em 28/02/2019)

33 David, Rene. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. Página 438 a 447. Editora Meridiano. Lisboa, 1972

36,37,38,39http://www.uel.br/pessoal/jneto/gradua/historia/recdida/ConstituicaoEUARecDidaPESSOALJNETO.pdf.(acesso em 28/02/2019)

Pedrosa, Ronaldo Leite. Direito em História. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2008;

40,41 Fernandes, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Páginas 262 até 264. 9º edição. Editora Juspodivm. Salvador, 2017

42O episódio que ficou conhecido como a “Noite das Garrafadas” estava diretamente relacionado ao contexto do momento histórico que se passava na Europa, em especial na França com o mal-estar da burguesia em relação ao autoritarismo do rei Carlos IX

43,44 Pedrosa, Ronaldo Leite. Direito em História. Página 355 até 359. 6º edição. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2008

45,46,47,48 Pedrosa, Ronaldo Leite. Direito em História. Página 359 até 361. 6º edição. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2008

49Ob.cit página 364.

50 Pedrosa, Ronaldo Leite. Direito em História. Página 366. 6º edição. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2008

51,52Pedrosa, Ronaldo Leite. Direito em História. Página 366. 6º edição. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2008

53,54,55,56Fernandes, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Páginas 264 até 268. 9º edição. Editora Juspodivm. Salvador, 2017

57Pedrosa, Ronaldo Leite. Direito em História. Página 373. 6º edição. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2008

58 Havia poucas indústrias nesta época, sendo que eram da Primeira Revolução Industrial e forneciam toda a infraestrutura para a exportação do café.

59 Dentre as várias revoltas que ocorreram durante a vigência da Constituição de 1891, no meio urbano destacou-se a “Revolta da Vacina” e da Chibata, enquanto no meio rural houve as revoltas de Canudos e do Contestado.

60,61,62,63,64Fernandes, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Páginas 268 até 272. 9º edição. Editora Juspodivm. Salvador, 2017

65,66Pedrosa, Ronaldo Leite. Direito em História. Páginas 390 e 391. 6º edição. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2008

67,68 Fernandes, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Páginas 273 até 274. 9º edição. Editora Juspodivm. Salvador, 2017

69 Pedrosa, Ronaldo Leite. Direito em História. Página 394. 6º edição. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2008

70,71,72,73Fernandes, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Páginas 273 até 277. 9º edição. Editora Juspodivm. Salvador, 2017

74,75,76,77 Pedrosa, Ronaldo Leite. Direito em História. Página 400 a 405. 6º edição. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2008

78, 79 Fernandes, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Páginas 279 até 281. 9º edição. Editora Juspodivm. Salvador, 2017

80 Durante o Regime Militar, estava em vigor a chamada Doutrina de Segurança Nacional, cuja finalidade era integrar o particular na defesa do Estado Nacional e estabelecer um protecionismo sobre as áreas de interesse econômico e político.

81,82,83,84,85 Fernandes, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Páginas 279 até 281. 9º edição. Editora Juspodivm. Salvador, 2017

86,87,88,89 Pedrosa, Ronaldo Leite. Direito em História. Página 410 a 413. 6º edição. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2008

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