O financiamento do agronegócio e a responsabilidade dos agentes financeiros nos impactos ambientais

Resumo: O segmento de agronegócio brasileiro tem se destacado mundialmente pela capacidade de produção crescente, sendo, hoje, uma importante fonte de divisas para  o País, bem como vem contribuindo de maneira importante para a manutenção da estabilidade financeira do Brasil. Nesse processo, também as instituições financeiras se fazem presentes, injetando nesse mercado consideráveis volumes de recursos por via de seus financiamentos e empréstimos destinados ao agronegócio, tanto com recursos de conta próprios, quanto pelo repasse de recursos estatais. Dessa crescente demanda por produção, decorre um sem número de ações danosas ao meio ambiente, pois as atividades ligadas ao agronegócio têm relação direta com as questões ambientais. O presente trabalho procurará demonstrar a conexão existente entre os financiamentos bancários e os danos causados por seus clientes mutuários ao meio ambiente. Também abordará as questões ligadas à legislação ambiental e como a doutrina tem se manifestado sobre as possibilidades de responsabilização civil objetiva nos casos de danos ambientais. Do estudo dessas variáveis, espera-se demonstrar a real possibilidade de responsabilizar, também, os agentes financeiros, pelos danos ambientais causados pelos seus financiados, pela aplicação conjugada de princípios, teorias e legislação existentes no ordenamento jurídico, mediante interpretações mais extensivas da norma.[1]

Palavras chave: Responsabilidade Civil. Danos Ambientais. Legislação Ambiental. Financiamentos. Bancos. Ordenamento Jurídico. Agronegócio.

Abstract: The Brazilian agribusiness sector it’s known worldwide for its increasing production capacity, it is today one of the country’s most important wealth incoming sources and plays an important role on Brazil’s economic stability.  In this matter, financial institutions also do their part injecting significant amount of private and public resources through loans and financings to agribusiness.  As a result of the always growing production needs and agribusiness activities there is an unnumbered harmful act against the environment.  This work will demonstrate the existing connections between bank loans and financing and the harm caused to the environment by those who take and use these financial resources.  It will also look at the legislation and how the doctrine came up linking civil responsibilities to environmental harms. Based on existing laws, theories and a wider understanding of legal concepts we expect to demonstrate the true possibility to also blame banks and other financing agents for damages caused by those who used these money sources to harm the environment.

Keywords: Civil responsibility, environmental damages, environmental laws, financing, banks, agribusiness, legal concepts.

Sumário: 1.  Introdução. 2. Do agronegócio e economia – panorama brasileiro. 2.1. Do breve histórico sobre o agronegócio brasileiro. 2.2. Do agronegócio e o interesse governamental. 2.3. Do papel dos financiamentos agrícolas. 3. Da proteção ambiental e agronegócio. 3.1. Do princípio do desenvolvimento sustentável. 3.2. Do instituto da responsabilidade civil. 3.3. Do nexo causal e a responsabilidade objetiva em dano ambiental. 4. Do risco ambiental como possibilidade de responsabilização dos agentes financeiros. 4.1. Dos financiamentos agrícolas e danos ambientais. 4.2. Das instituições financeiras e a gestão ambiental. 5. Conclusão. Referências bibliográficas.

1 INTRODUÇÃO

Diante de um processo de globalização crescente, altamente focado no lucro e na ampliação cada vez mais concentrada de riqueza, tem sido o agronegócio um dos setores econômicos mais nevrálgicos na estrutura de desenvolvimento das nações e, para tanto, o investimento em capital intensivo tem sido uma constante.

Desse crescimento resultou uma necessidade de fluxo de capitais sem precedentes, o que acabou por chamar a atenção dos grandes conglomerados financeiros, dado que a indústria do agronegócio, pela modernização e aplicação de técnicas de produção em larga escala, tornou-se, também, em um negócio milionário, dentro de uma cadeia produtiva altamente complexa e interligada.

Assim, alicerçados pelas crescentes injeções de recursos por parte dos grandes conglomerados financeiros e apoiados pelas políticas governamentais focadas em superávits econômicos, o setor agroindustrial avança de maneira quase irrefreável e, nessa esteira, vem deixando um rastro de impactos ambientais.

Em que pesem as ações das entidades governamentais responsáveis pela segurança do meio ambiente, que sabidamente não vem conseguindo enfrentar de maneira eficiente os problemas ambientais brasileiros, uma melhor e mais ampla aplicação do conceito do “Risco/Proveito” ou da “Teoria do Risco” parece ser uma necessidade atual, superando a já obsoleta e inadequada “Teoria da Culpa” nos casos inerentes aos danos ambientais.

Em decorrência de uma maior amplitude desses conceitos, provavelmente seriam os agentes financiadores do agronegócio mais facilmente trazidos à responsabilidade pelos danos causados pelos seus já lucrativos clientes e, dessa feita, torná-los, efetivamente, parte integrante da rede de proteção ambiental.

Caberia, então, o questionamento sobre a existência ou não da responsabilidade das instituições financeiras, enquanto fomentadoras das atividades ligadas ao agronegócio, quando da ocorrência de danos ambientais ocasionados pelos seus parceiros financiados.

Uma vez que tal responsabilidade passe a ser imputada aos agentes financeiros, pelos referidos danos ambientais provocados pelos empreendimentos do agronegócio, poder-se-ia esperar uma redução no volume de ocorrências da espécie, pelo envolvimento mais efetivo dessas mesmas casas de crédito.

No direito pátrio, a responsabilidade civil sempre se alicerçou na imperiosa demonstração da existência de três requisitos basilares: o ato ilícito, o dano provocado e o nexo causal, ou, em outras palavras, o pressuposto da culpa para que se estabeleça a obrigação de corrigir ou reparar o dano imposto.

No entanto, diversos doutrinadores já defendem, há tempos, que todo o racional que cerca e caracteriza a responsabilidade civil, moldada na teoria da culpa ou teoria subjetiva, já não mais apresenta a eficácia necessária para a entrega da tutela jurisdicional.

Nesse sentido, dada à complexidade das relações sociais do nosso tempo, é pacífico afirmar que já se faz perceber uma clara tendência no sentido da adoção da teoria do risco, ou seja, da responsabilidade objetiva, pois melhor se ajusta aos tempos modernos, ampliando, de forma inegável, as chances de reparação daquele a quem o dano lesou.

Abarca essa tendência, Rui Stoco, quando proclama:

“A insatisfação com a teoria subjetiva, magistralmente posta à calva por Cáio Mário, tornou-se cada vez maior, e evidenciou-se a sua incompatibilidade com o impulso desenvolvimentista de nosso tempo. A multiplicação de oportunidades e das causas de danos evidenciaram que a responsabilidade subjetiva mostrou-se inadequada para cobrir todos os casos de reparação”. (STOCO, 1999, P.76)

Assim, o agronegócio, movido por esse mesmo impulso desenvolvimentista, numa corrida por maiores taxas de crescimento e produtividade, apoiados hodiernamente pelos grandes conglomerados financeiros, vem se transformando num dos maiores agentes agressores do meio ambiente, onde o lucro se sobrepõe a direitos inclusive fundamentais como o da preservação da natureza para as gerações futuras, tutela essa expressamente positivada no caput do artigo 225 da nossa Carta Magna:

“Art.225. Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

Pelo exposto, poder-se-ia perseguir a responsabilidade civil objetiva das instituições financeiras quando da ocorrência de danos ambientais gerados por seus financiados, em especial no agronegócio, ainda que não se possa provar a culpa daquelas, mas, muito principalmente, pela existência do nexo causal, devidamente tangibilizado pelo contrato de empréstimo entre as partes, aplicando-se, para tal fim, a teoria do risco.

Por fim, em caso de validação da hipótese anterior, seria coerente afirmar que da responsabilização civil objetiva das instituições financeiras, nos casos em tela, resultaria uma considerável redução dos fatos geradores de danos ambientais por parte dos seus mutuários, pelo fato de que naturalmente se transformariam tais instituições, em verdadeiros fiscais ambientais, senão movidos por um impulso cívico, mas por uma necessidade de protegerem seus capitais investidos.

Assim, como objetivos gerais do presente trabalho, pretende-se demonstrar a existência de responsabilidade civil objetiva das instituições financeiras em relação aos danos ambientais causados por seus mutuários do agronegócio, bem como comprovar a existência de nexo causal existente entre as instituições financeiras e os danos ambientais provocados pelos seus financiados do agronegócio.

Adicionalmente, no que diz respeito aos objetivos específicos, o estudo pretende: a) investigar a relação existente entre os financiamentos do agronegócio e os impactos ambientais; b) determinar a relevância dos financiamentos destinados ao agronegócio em relação à economia brasileira; c) pesquisar a participação dos financiamentos ao agronegócio na matriz negocial dos bancos brasileiros; d) pesquisar, no direito comparado, a aplicabilidade da teoria do “risco x proveito” e a consequente responsabilização objetiva; e) pesquisar a jurisprudência no sentido de comprovar se há uma tendência pela adoção da teoria do risco nas decisões do judiciário nacional, tanto monocráticas como colegiadas;

Para tanto, serão utilizados como referencial teórico da presente pesquisa a legislação, doutrina e jurisprudência.

No que se refere à legislação, será pesquisada, na legislação pátria, a Constituição Federal, o Código Civil, orientações de órgãos nacionais e internacionais, Acordos Internacionais, Código Florestal, Lei de Crimes Ambientais, Estatuto da Terra, artigos científicos, teses e monografias, além de periódicos especializados.

Serão estudadas, ainda, doutrinas que tratem de Direito Agrário, Direitos Sociais, Direitos Humanos, Direito Civil, Direito Ambiental, Direito Internacional, Tratados e Convenções Internacionais dos quais o Brasil seja signatário, dentre outras fontes doutrinárias que se apresentarem correlatas ao tema delimitado.

Também será analisada a jurisprudência produzida a respeito do tema, nas diversas instâncias decisórias, analisando os dispositivos no sentido de identificar os pontos principais que embasaram as decisões dos julgadores monocráticos e colegiados.

Dentre a doutrina a ser objeto de análise, destaca-se o livro Da Responsabilidade Civil, de Aguiar Dias, considerado um dos principais expoentes doutrinários nacionais em matéria de responsabilidade civil e defensor da aplicação da teoria do risco como forma de buscar maior equidade e melhor repartição dos danos.

Como reforço doutrinário, também serão utilizados os conceitos de Carlos Roberto Gonçalves, especificamente em sua obra Comentários ao Código Civil, cujo foco situa-se entre os artigos 927 a 965 do novo Código Civil, tratando da responsabilidade civil nos seus mais diversos aspectos.

Outra fonte de pesquisa tomará lugar na utilização do livro Direito Civil – Volume IV – Responsabilidade Civil, de Sílvio Rodrigues, onde se pode fazer um exame sobre as questões afetas à responsabilidade civil sob a ótica do novo Código Civil, instituído pela lei 10.406/02, todavia, traçando um paralelo com o diploma superado, o que facilita a compreensão das mudanças ocorridas, dentro de uma visão mais moderna e humanista do instituto da responsabilidade civil.

O método de abordagem a ser utilizado na pesquisa será o dedutivo, que parte de regras gerais aplicáveis a uma situação particular, bem como, serão utilizados os seguintes métodos de procedimento: a) histórico, analisando a evolução do agronegócio brasileiro e a sua relação de interdependência com o sistema financeiro nacional, procurando estabelecer uma relação de causalidade entre esses dois agentes econômicos, demonstrando a existência de uma busca simbiótica pelo lucro, em detrimento de princípios ambientais já consagrados, como o da prevenção e da precaução; b) dedutivo, buscando construir um processo de raciocínio lógico, partindo de ideias e conceitos gerais que proporcionem o alcance de uma conclusão sobre o tema proposto; c) estudo de caso, buscando na jurisprudência pátria os embasamentos e racionais utilizados nos julgados afetos ao tema proposto, procurando identificar novas tendências e novas formas de se buscar a equidade nos eventos que incorrem em dano ambiental pela ação do agronegócio.

2 DO AGRONEGÓCIO E ECONOMIA – PANORAMA BRASILEIRO

2.1 DO BREVE HISTÓRICO DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO

Davis e Goldberg apresentam o primeiro conceito de agronegócio, englobando a soma das operações de produção e distribuição de suprimentos agrícolas; das operações de produção na fazenda; do armazenamento, processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a partir deles. (VALOIS, 2007).

A história do agronegócio brasileiro se confunde com a própria história do país e até o nome da pátria originou-se daquele que foi o primeiro produto de interesse da coroa portuguesa na então jovem colônia, o conhecido Pau-Brasil, bastante demandado pelas cortes europeias, por conta das suas características de corante para tecidos, bem como a sua larga utilização na construção de navios, o que rendeu consideráveis lucros à Coroa Portuguesa enquanto durou o seu ciclo extrativista. (PRADO JR, 2008).

No decorrer do século XVI deu-se a expansão da ocupação territorial no Brasil Colônia por meio da doação de terras, no sistema conhecido como sesmarias, baseando a exploração da terra na monocultura da cana-de-açúcar mediante a utilização de mão-de-obra escrava. Dessa fórmula resultou a grande expansão de um sistema fundiário baseado em latifúndios, bem como fomentou outro mercado, tão lucrativo quanto à própria cultura da cana-de-açúcar, chamado de Tráfico Negreiro. (BOXER, 2003).

O cultivo da cana-de-açúcar, que durou por volta de dois séculos, foi alavancado pelo grande desenvolvimento experimentado na Europa, que com o fim das epidemias, redução da fome e pestes, bem como a expulsão dos mouros, colocou o Brasil como principal fornecedor europeu e mundial de açúcar. (PRADO JR, 2008)

Na esteira do crescimento da monocultura da cana-de-açúcar a colônia começa a desenvolver, também, atividades pecuárias, sendo o gado, a princípio, utilizado como força motriz dos grandes engenhos, além do fornecimento de carne e couro.

Como o desenvolvimento da cultura da cana exigia cada vez mais terras, e as mais indicadas para tal mister eram as localizadas no litoral, a consequência disso foi a interiorização da atividade pecuária, que saindo o Rio São Francisco, saiu da Bahia chegando até o Piauí e Maranhão. (PRADO, 2008).

De acordo com Fausto (1995), mais adiante, na Era Imperial (1822-1889) o peso da agricultura era extremamente relevante, sendo que aproximadamente 80% da ocupação das pessoas estava ligada à produção agrícola e apenas 13% ocupavam-se com o setor de serviços e 7% se dedicavam à indústria.

Nas regiões Norte e Nordeste já se produzia o algodão, notadamente nos estados do Maranhão, Pernambuco, Alagoas e Paraíba, sendo as demais culturas para subsistência das fazendas ou para comércio local.

Segundo Vainfas (2002), por volta do ano de 1820, o Brasil já exportava algo em torno de 11 milhões toneladas de cacau e apenas seis décadas depois, atingimos mais de 70 milhões de toneladas. Nos anos compreendidos entre 1821 a 1825, exportamos mais de 40 milhões de toneladas de açúcar, valor que atingiu mais de 238 mil toneladas ao final de 1885.

Até 1850 a produção de borracha era irrelevante, mas rapidamente, por volta de 1890, esse item já representava a terceira maior pauta de exportações brasileiras, atingindo a notável marca de 24 mil toneladas no início de 1900. (FAUSTO, 1995).

Entre os anos de 1821 e 1860, foram exportadas mais de três milhões de toneladas de café, número que pulou para quase sete milhões de toneladas entre os anos de 1861 e 1889. (CALMON, 2002)

No ano de 1850, conforme Fausto, Boris e Devoto (2005) o império atingiu o maior valor em exportações de toda a América Latina, posição essa que permaneceria até o final da monarquia, sendo a maior parte das exportações oriundas de produtos agrícolas.

Sobre essa época, que gera inclusive muita controvérsia sobre o papel da monarquia, cabe ressaltar as palavras do historiador Heitor Lyra:

“O Império, sob o ponto de vista do progresso e do desenvolvimento material do país, não foi o atraso e a estagnação, de que ainda hoje é acusado por quantos não se querem dar ao trabalho de estudar e conhecer melhor esse período da nossa História. E a verdade é o que o Brasil era, de fato, e de direito, sob este e outros aspectos, a primeira Nação da América Latina. Essa hegemonia ela iria conservar até o último dia da Monarquia” (LYRA, 1977, p.9).

Depois do ciclo da cana-de-açúcar o Brasil experimentou, entre os anos de 1800 até 1930, o ciclo do café, que inicialmente instalou-se entre o Rio de Janeiro e São Paulo e, posteriormente, avançou pelas chamadas terras roxas do estado do Paraná. Atribui-se a introdução do café no Brasil ao militar luso-brasileiro Francisco Palheta, nos idos do século XVIII, num suposto contrabando das sementes da planta da Guiana Francesa.

Nesse período, abundância de terras e utilização de mão-de-obra subempregada, na sua grande maioria de imigrantes europeus que por aqui aportaram em substituição à mão-de-obra escrava, por ser esta mais cara do que aquela, fizeram do país um grande ator no mercado de café mundial, ao ponto de poder controlar os preços internacionais, aumentando, significativamente, os lucros dos produtores nacionais. (FURTADO, 2007).

Um dos fatores de equilíbrio desse mercado foi a intervenção do governo, que comprava estoques reguladores, mantendo o alto preço do produto no mercado. Todavia, com a grande depressão de 1929 e o colapso dos mercados internacionais, o Brasil teve dificuldades em tomar recursos externos e a política de incentivo ao café teve de ser reformulada.

Não obstante, como há época o governo de Getúlio Vargas ainda estava em fase de estabilização, deixar os produtores de café sem apoio seria suicídio político e a manutenção da política de compra dos estoques teve de ser mantida.

Outro importante ciclo foi o da borracha, compreendido entre metade do século XIX até a segunda década do século XX. Em 1818, Dunlop desenvolve o pneumático para bicicletas, sendo esta aplicação utilizada na fabricação de pneus, pelas mãos dos irmãos Michelin. Como a indústria automobilística iniciava a sua trajetória de crescimento, tanto Europa como Estados Unidos passaram a demandar grandes quantidades de látex, fazendo do Brasil líder mundial no mercado de borracha em 1912. (CED/UFSC, s/d)

Com o aumento da oferta, agora por outros países, especialmente pelo contrabando das seringueiras e o advento da I Guerra Mundial, os preços da borracha entraram em colapso, colocando a região em processo de recessão, já que a economia estava basicamente centrada na venda desse produto.

Por fim, logo após o fim da I Guerra Mundial, as indústrias passaram a utilizar borracha sintética, muito mais barata e de ciclo produtivo mais rápido, ocasionando um êxodo sem precedentes da região, o consequente sucateamento da indústria e o fim de um ciclo econômico pujante. (CED/UFSC, s/d)

Mais à frente, já na década de 70, o país entre em outro grande ciclo que permanece até os dias atuais. Agora chagava a hora do cultivo de um grão que literalmente mudou a forma de produção e a economia do país.

O plantio da soja, introduzido a partir de sementes trazidas da Ásia e dos EUA, proporcionou a ampliação das fronteiras agrícolas brasileiras, passando pelos estados do centro-oeste, chegando até a Amazônia.

O sistema de cultivo adotado emprega altos índices de mecanização e o modelo é o de monocultura extensiva, o que gera alta produtividade e lucros consideráveis que se fazem crescer ano após ano, dado as modernas tecnologias de plantio, aliadas a uma cadeia produtiva bastante extensa e agregadora de valor.

Segundo os últimos dados apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em seu Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) em 2011 superaremos em mais de 155,6 milhões de toneladas, entre a produção de cereais, leguminosas e oleaginosas.

No que diz respeito à área plantada, atingimos em 2012 o total de 50,6 milhões de hectares, o que significa um acréscimo de 4% em relação à área colhida em 2011, sendo a produção de arroz, milho e soja responsáveis por 90,9% do volume da produção. Os dados completos dessa pesquisa podem ser acessados no sítio do IBGE[2].

Nessa esteira de crescimento, impossível não perceber o fabuloso desenvolvimento do agronegócio brasileiro nos últimos 20 ou 30 anos, quer pelos investimentos vultosos em novos equipamentos, desenvolvimento de pesquisas e novas técnicas de produção, onde o próprio papel do Estado, via organismos como a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias – EMBRAPA agregam relevantes contribuições.[3]

Conforme os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – MIDIC atingimos a marca de US$ 482,3 bilhões com as exportações, com ampliação de 25,7%, quando atingiu US$ 383,7 bilhões.

Com base nesses números, o agronegócio brasileiro já representa, em termos de PIB, 22,15% de toda a riqueza nacional produzida. De acordo com o acompanhamento realizado pelo CEPEA-USP, os valores do PIB do Agronegócio evoluíram de R$ 648 milhões, em 2004, para R$ 917 milhões em 2011, apresentando um crescimento da ordem de 42% no período. Os dados completos podem ser acessados no sítio do CEPEA-USP[4].

2.2 DO AGRONEGÓCIO E O INTERESSE GOVERNAMENTAL

Impulsionando os números pujantes do agronegócio brasileiro estão presentes fatores de suma importância, dentre os quais se destacam o incentivo à exportação, ampliação do crédito rural, investimentos em pesquisa e modernização tecnológica, com o consequente desenvolvimento de novas cultivares[5], fatores estes que tem feito a produtividade brasileira crescer mais do que a produtividade mundial, conforme apontam estudos do Ministério da Agricultura, Abastecimento e Pecuária – MAPA[6]

Não se pode deixar de mencionar as vantagens comparativas decorrentes da nossa geografia privilegiada, com clima favorável, solo altamente fértil e abundância de água. Somos um dos poucos países onde a atividade agrícola e pecuária podem ser levadas a termo em áreas temperadas e tropicais, atributos esses que nos permitem, por exemplo, duas safras de grãos por ano.

Nossas dimensões continentais nos oferecem em torno de 388 milhões de hectares em terras propícias ao cultivo, com alto teor de fertilidade, o que nos garante excelentes índices de produtividade, dos quais, aproximadamente 90 milhões ainda por serem explorados.

De acordo com Rodrigues (2006), o país possui 22% das terras agricultáveis do mundo, além de elevada tecnologia utilizada no campo, dados esses que fazem do agronegócio brasileiro um setor moderno, eficiente e competitivo no cenário internacional.

No entanto, em que pesem discussões acaloradas de diversos setores da sociedade brasileira, impossível não creditar grande parte do sucesso do agronegócio brasileiro à atuação pontual do governo, quer por atividades de fomento, via crédito, quer por auxílio tecnológico, via autarquias específicas como a EMBRAPA ou mesmo pelos direcionamentos extraídos das diversas políticas agrícolas sob a responsabilidade do Estado.

Um atual e claro exemplo da participação – e direcionamentos estratégicos – do governo federal nas atividades do agronegócio pode ser encontrado na leitura do Plano Agrícola e Pecuário 2011/2012, que pode ser encontrado no sítio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA[7].

O documento indica um orçamento da ordem de R$ 107,21 bilhões para o período 2011/2012, o que significa um aumento da ordem de 7,2% em comparação com a safra passada, destinando recursos para as operações de custeio, investimento e comercialização, bem como subsídios aos agricultores para contratação do seguro rural.

Uma importante inovação do referido plano atual é o direcionamento de recursos públicos para retenção e compra de matrizes[8], bem como para a recuperação de pastagens, dado que já somos os maiores exportadores de carne do mundo. Também, de forma inovadora, o governo destinou especial atenção à produção de cana-de-açúcar e agro energia, além de assegurar recursos para a estocagem de suco de laranja, esta última uma importante pauta das nossas exportações, em concorrência direta com os EUA.

Outra importante preocupação do novo plano agrícola e pecuário pode ser percebida pela melhoria das técnicas destinadas à sustentabilidade da atividade do agronegócio, com a consolidação do programa chamado de Agricultura de Baixo Carbono – ABC[9].

Cabe aqui ressaltar os objetivos colimados pelo Governo Federal, por intermédio do MAPA, a serem perseguidos pelos diversos atores do segmento de agronegócio brasileiro, constantes do Plano Agrícola e Pecuário 2011/2012:

“a) Expandir de 161,5 milhões para 169,5 milhões de toneladas a produção de grãos, fibras e oleaginosas. Esse aumento de 5% vai assegurar o abastecimento interno, contribuindo para maior regularidade de preços, bem como parda ampliar os excedentes exportáveis, com consequente geração de divisas para o País; b) Estimular o desenvolvimento sustentável da agropecuária, incentivando especialmente as práticas agronômicas que assegurem a mitigação dos gases causadores de efeito estufa. É a chamada agricultura de baixo carbono; c) Incentivar a recuperação de pastagens, fomentar o aumento da produtividade pecuária e renovação do plantel, como forma de aumentar a oferta de carne bovina; d) Estimular a renovação e ampliação das áreas cultivadas com cana-de-açúcar. Isso permitirá aumentar a produção e, consequentemente, a estabilização da oferta de etanol; f) Garantir apoio à comercialização para os citricultores; g) Garantir volume adequado de recursos do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), sobretudo a taxas controladas; h) Reforçar o apoio a médio produtor rural; i) Manter e aperfeiçoar os programas específicos de investimento”. (MAPA-Plano Agrícola e Pecuário 2010/2011).

Todavia, para que tais objetivos sejam atingidos a plena carga, o Plano Agrícola e Pecuário 2011/2012, do MAPA prevê medidas que possam dar estímulo à produção, conforme segue:

“a) elevação e unificação dos limites de financiamento para custeio e comercialização, em apenas uma faixa, de R$650 mil (aumentos de até 225%); b) elevação dos limites para investimento com recursos controlados do crédito rural (depósitos à vista e poupança rural), de R$200 mil para R$300 mil; c) simplificação das normas do crédito rural, para facilitar a aplicação por parte dos agentes financeiros e dar maior agilidade operacional; d) criação de duas novas linhas de investimento no crédito rural, à taxa fixa de 6,75% ao ano; e) pecuária: financiamento de até R$750 mil para aquisição de matrizes e reprodutores bovinos e bubalinos, com prazo de pagamento de cinco anos, incluídos até 18 meses de carência; f) cana-de-açúcar: financiamento de até R$1 milhão pelo crédito rural para implantação ou renovação de canaviais, com prazo de pagamento de cinco anos, incluídos até 18 meses de carência; g) exclusão da exigência do prazo mínimo de dois anos para o investimento com recursos obrigatórios das exigibilidades dos depósitos à vista (Manual de Crédito Rural MCR, Capítulo 6, Seção 2)”. (MAPA-Plano Agrícola e Pecuário 2010/2011).

Termos como “abastecimento interno”, “regularidade dos preços”, “excedentes exportáveis” e “geração de divisas” nos dão uma clara visão da importância do agronegócio no desenvolvimento do país e a sua contribuição inafastável e cada vez mais relevante na busca do equilíbrio econômico e financeiro da nação[10].

Seria, pois, uma temeridade se os governos não reservassem para sua custódia as diretrizes desse segmento, usando-o, inclusive, como poderoso instrumento de políticas públicas, como abastecimento interno, controle da inflação pelo equilíbrio da demanda, e distribuição de renda pela criação de empregos, aumento do saldo da balança comercial, acumulando divisas em moeda estrangeira, bem como um melhor controle da taxa de juros via regulação da produção.

Outra importante razão para o gerenciamento/intervenção do Estado nas questões do agronegócio também pode ser claramente visualizada no Plano Agrícola e Pecuário 2011/2012, no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável do segmento, pois que os impactos ambientais, não podendo ser de todo eliminados, necessitam ser mitigados, regulando os interesses do capital privado, do próprio Estado e da sociedade, colocando-os em linha com as premissas constitucionais de proteção do meio-ambiente.

Estes temas serão melhor abordados nos capítulos que seguem, todavia, como se pode observar pelo que consta do aludido plano, a Agricultura de Baixo Carbono é uma realidade, conforme abaixo:

“[…] Criado na safra 2010/2011 e instituído pela Resolução do Banco Central do Brasil nº 3.896, de 17 de agosto de 2010, o Programa para Redução da Emissão de Gases de Efeito Estufa na Agricultura (Programa ABC) está sendo contemplado com um montante de R$ 3,15 bilhões para financiar práticas adequadas, tecnologias adaptadas e sistemas produtivos eficientes que contribuam, em última instância, para a mitigação da emissão dos gases causadores de efeito estufa. O programa financia a recuperação de áreas e de pastagens degradadas, a implantação e a ampliação de sistemas de integração lavoura-pecuária-florestas, correção e adubação de solos, implantação de práticas conservacionistas de solos, implantação e manutenção de florestas comerciais, implantação de agricultura orgânica, recomposição de áreas de preservação permanente ou de reserva legal e outras práticas que envolvem produção sustentável e culminam em baixa emissão de gases causadores do efeito estufa. A partir dessa safra o Programa ABC incorpora os programas de investimento originalmente lançados, como: Programa de Plantio Comercial e Recuperação de Florestas (Proflora) e Programa de Estímulo à Produção Agropecuária Sustentável (Produsa), simplificando o processo de concessão de crédito ao produtor rural e tornando as taxas de juros mais atrativas para aquelas finalidades antes financiadas nos programas incorporados pelo ABC.” (MAPA-Plano Agrícola e Pecuário 2010/2011).

2.3 DOS FINANCIAMENTOS AGRÍCOLAS NA ECONOMIA BRASILEIRA

No tópico anterior, procurou-se evidenciar o grande interesse político no segmento do agronegócio e a presença do Estado como principal agente normatizador, regulador e importante financiador dessa atividade.

Assim foi que entre as décadas de 60 e 70, experimentou-se um significativo aumento na oferta de crédito agrícola no país, facilitando a modernização da agricultura brasileira, em parte pelo financiamento dos bancos privados, que por lei eram obrigados a aplicar no setor um percentual em torno de 10% de seus depósitos, em conformidade com os direcionamentos do Sistema Nacional de Crédito Rural – SNR, criado pela lei 4.595/64 e montado pela Resolução do Conselho Monetário Nacional, de 22 de setembro de 1967.

Há que se registrar que o Sistema Nacional de Crédito Rural – SNR carregava uma orientação estratégica de modernização conservadora do agronegócio brasileiro, ou seja, os recursos eram direcionados fortemente para produtos que estivessem integrados à agroindústria, aos grandes produtores, ao custeio da safra e bastante concentrados nas regiões Sul e Sudeste.

Até meados da década de 80 o modelo de financiamento ao setor do agronegócio envolvia recursos do Tesouro Nacional com juros subsidiados que eram repassados pelos agentes financeiros estatais e de economia mista, mediante o ajuste das taxas de juros via equalização, ou seja, os bancos, notadamente o Banco do Brasil, efetuavam os empréstimos à juros mais baratos do que os custos de captação e, posteriormente, faziam o ajuste da diferença do custo do dinheiro no mercado, à débito do Tesouro Nacional. (REZENDE, 2003).

Para tanto, havia sido instituído um mecanismo chamado Conta Movimento, onde o Banco do Brasil sacava os recursos, à ordem do Tesouro Nacional, na medida necessária para atender às demandas de crédito para cada período de safra, de modo a garantir a continuidade dos negócios da espécie. (GREMAUD, VASCONCELOS E TONETO JR, 2002).

Este modelo encontra exaustão na década de 80, também chamada pelos economistas da década perdida. No início da década o mundo enfrentou a segunda crise do petróleo, com consequências econômicas negativas como aumento das taxas de juros internacionais e o inevitável aumento do déficit público e da inflação.

Já em 1986, o governo federal decide encerrar o mecanismo da Conta Movimento em função da deterioração das contas públicas, uma vez que os saques, agora a descoberto por falta de recursos do Tesouro, tinham um efeito nefasto sobre a inflação. O que se viu foi uma redução drástica dos recursos subsidiados e a consequente redução da oferta de crédito ao agronegócio.

Aliado a esse movimento de acerto das contas públicas, viu-se o produtor rural diante de um quadro complexo e de difícil solução, pois além da redução do volume de recursos para financiamento de suas atividades, os preços dos produtos, diante da crise mundial, também foram fortemente deprimidos e o setor viu seus lucros reduzirem em patamares preocupantes (SERVILHA, 1994).

A saída encontrada pelo sistema político foi, ainda em 1986, aumentar os percentuais das exigibilidades de financiamento dos bancos, sobre seus saldos de depósitos à vista, para até 30% nos casos dos grandes bancos, 20% para os médios e 10% para os pequenos, tendo como reflexo um aumento superior a 80% nos recursos destinados ao agronegócio. (GASGUES E VILLA VERDE, 1996).

Paralelamente, conforme leciona Servilha (1984), a edição da Resolução n˚ 937 do Conselho Monetário Nacional, de 1˚ de agosto de 1984, havia permitido aos bancos comerciais realizarem operações de crédito rural com seus recursos de conta própria (também ditos livres), ou seja, fora da regra das exigibilidades, de acordo com seus interesses comerciais e estratégicos, além de poderem praticar taxas de mercado.

Em função da redução de recursos, ainda em 1986, foi autorizada a criação da Caderneta de Poupança Rural[11], também chamada Poupança Verde, que de um lado aliviava a pressão por recursos oriundos do Tesouro Nacional e de outro, dotava o sistema financeiro de uma poderosa fonte de captação de recursos destinados ao financiamento agrícola.

Mas, para Gasgues e Villa Verde (1996), os problemas não foram resolvidos, muito pelo contrário, agravaram-se em função da situação econômica pela qual passava o país, bem como por uma decisão tomada em 1989, pelo Conselho Monetário Nacional, que determinou a proibição da cobrança de taxas de juros acima de 12% a.a. nos empréstimos lastreados pela Poupança Rural, diminuindo ainda mais, já em 1990, para 9% a.a. o teto máximo, o que causou sérios prejuízos aos bancos, obrigando o Tesouro Nacional a cobrir a diferença.

Com isso, a safra 1989/90 apresentou um péssimo desempenho, bem abaixo das previsões esperadas, provocando redução no abastecimento interno e pressões inflacionárias. Com o objetivo de sanar os problemas até então vividos, em agosto de 1990, decide-se aumentar os preços mínimos de garantia de alguns produtos, como arroz, feijão e milho, além de corrigir os valores básicos de custeio, que norteiam os financiamentos agrícolas, para a safra 1990/91. (IPEA, 2000)

Todavia, em função do confisco de ativos ocorrido no governo Collor, há época dessas medidas, a escassez de recursos obrigou o Conselho Monetário Nacional a prorrogar, pelo prazo de uma safra, os financiamentos originados com lastro na Poupança Rural[12].

Além disso, foram necessárias medidas adicionais como a criação de uma nova linha de crédito que pudesse ser garantida por caução de apólice de seguro ou de contrato de venda no mercado futuro, como forma de incentivar o sistema financeiro a usar seus recursos livres, mas com riscos mitigados.

Portanto, a partir do agravamento da crise fiscal brasileira, ocorrida na década de 80, conforme observado por Massuquetti (1999), o que se viu foi a drástica redução de recursos públicos destinados ao suprimento das demandas de crédito do setor agrícola, e, já nos anos 90, percebe-se uma clara opção política pela redução das intervenções estatais na economia, passando esta a ficar cada vez mais vinculada ao mercado, o que resultou em um aumento da participação da iniciativa privada nos financiamentos da espécie.

Dos exemplos acima se pode perceber a dependência do setor de agronegócios de financiamentos, quer para custeio, investimentos e mesmo para comercialização, sendo que tais demandas não podem mais ser supridas apenas com recursos governamentais, ainda que estes sejam imprescindíveis.

A recente estabilização da economia brasileira, que teve início com o advento do Plano Real, ainda no Governo Sarney, tendo continuidade assegurada nos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, parece continuar no atual governo da presidente Dilma, como se pode verificar pelo artigo publicado pelo renomado periódico inglês, Financial Times, elogiando as medidas políticas e econômicas brasileiras, reconhecendo, ainda, nossa desenvoltura, tanto no mercado interno, quando no externo, a despeito da crise mundial atual.[13]

Este período de estabilidade dos últimos anos deu impulso considerável ao agronegócio brasileiro, como já demonstrado anteriormente pelos relevantes números que apresenta. A existência de perspectivas ainda mais promissoras acaba por estimular novos investimentos em tecnologia e aumento da produtividade, o que de fato tem ocorrido safra após safra.

Assim, desse mercado evoluído também participa o sistema financeiro, desenvolvendo uma série de novas soluções que possibilitem ao empresário do agronegócio viabilizar seus projetos com novas fontes de captação de recursos, fugindo das formas tradicionais de financiamento, aliviando as contas públicas e deixando para o governo os financiamentos que de fato são de relevância social, como, por exemplo, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF[14] que busca o desenvolvimento da agricultura familiar.

Cada vez mais o financiamento da atividade do agronegócio advém dessas novas fontes de captação, bem como pelo financiamento de outros entes privados que participam da extensa cadeia desse segmento, como, por exemplo, as grandes esmagadoras de grãos que acabam por antecipar os recursos necessários aos produtores, assegurando o fornecimento de sua matéria-prima.

A emissão de papéis oriundos da comercialização dos produtos, como CDCA[15], ou mesmo vinculados à safra futura, como as LCA’s[16], são exemplos de mecanismos modernos que o sistema financeiro coloca à disposição do agronegócio, além de soluções de proteção de preços, frente às volatilidades do mercado internacional, também são exemplos de apoio ao agronegócio.

Assim, dada a grande complexidade que as operações de agronegócio demandam, bem como da extensa cadeia produtiva envolvida nesse segmento econômico, tem sido cada vez mais relevante e essencial ao desenvolvimento desses negócios, o financiamento bancário, quer por vias convencionais, com ou sem subsídios estatais, quer por modernas e intrincadas engenharias financeiras envolvendo grandes fundos de pensões, nacionais e estrangeiros.

Podemos depreender dessa relação cada vez mais complexa, que as instituições financeiras demonstrem crescente interesse nesses mercados, ofertando soluções creditícias também cada vez mais elaboradas e, naturalmente, cada vez mais lucrativas para os partícipes desse setor econômico, particularmente aos bancos, pois sua atuação se dá em todas as fases do processo, desde a produção, comercialização, industrialização até a distribuição[17].

3 DA PROTEÇÃO AMBIENTAL E AGRONEGÓCIO

3.1 DO PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

O termo desenvolvimento sustentável foi utilizado, pela primeira vez, por Maurice Strong, em 1973, na sua tentativa em demonstrar e propor uma nova modalidade de desenvolvimento econômico, alicerçado no equilíbrio do meio ambiente, balanceando de forma harmônica os dois interesses.

O conceito de desenvolvimento sustentável, como se vê, vem sendo discutido há um bom tempo, mas o assunto tomou uma dimensão internacional e ganhou corpo a partir da divulgação do Relatório Brundtland, em 1987. A partir desse estudo é que se verificou o desenvolvimento gradativo de uma consciência no sentido de equacionar o desenvolvimento econômico e social às questões ambientais.

Nesse sentido, o Direito Ambiental apropria-se do conceito de desenvolvimento sustentável, tornando-o um princípio norteador e basilar, buscando relacionar as questões ambientais aos interesses do Direito Econômico, dentre os quais, a necessidade de se adotar o chamado consumo sustentável, colocando por terra o entendimento baseado no senso comum de que um seria excludente do outro.

Desse novo olhar o desenvolvimento sustentável apresenta-se como arauto de mudanças e quebra de paradigmas, clamando por um novo senso de justiça no sentido de melhor equacionar os interesses sociais e econômicos, atuando como uma espécie de bússola para os anseios da sociedade, das organizações e do Estado.

Como já vimos nos tópicos anteriores, o Direito Ambiental, longe de apresentar-se de forma antagônica ao Direito Econômico, deu a este uma nova perspectiva, um novo paradigma a ser superado no sentido de atingir o tão desejado desenvolvimento sustentável.

Uma definição esclarecedora para o Direito Econômico pode ser encontrada nas palavras de Cristiane Derani:

“Direito Econômico é a normatização da política econômica como meio de dirigir, implementar, organizar e coordenar práticas econômicas, tendo em vista uma finalidade ou várias e procurando compatibilizar fins conflituosos dentro de uma orientação macroeconômica. Em primeiro plano está o funcionamento do todo e não a regulamentação do comportamento individual isolado”. (DERANI, 2001, p.61).

Ainda sobre a relação existente sobre o Direito Ambiental e o Direito Econômico, as atividades conexas entre os dois ramos podem ser benéficas, quando o segundo procura realizar-se pela preservação do primeiro, ou totalmente prejudiciais, quando os interesses econômicos sobrepujam os interesses coletivos e difusos das questões ambientais. Sobre tais possibilidades, Derani continua:

“A relação entre Direito Econômico e Direito Ambiental é quase simbiótica, derivada da forte interação entre economia e ecologia, sendo que a primeira procura sua sobrevivência na segunda. Tal relacionamento pode ser simbiótico como seria o adequado ou pode ser parasitário, quando a economia ocasiona a perda ou escassez dos recursos ambientais”. (DERANI, 2001, p.70).

Muito embora a conceituação do desenvolvimento sustentável seja algo bastante flexível, pois que flutua por entre as diferentes ideologias, visões políticas e nível de desenvolvimento econômico de cada sociedade, uma constante em tais definições reside na clara necessidade de proteção das gerações futuras – direito difuso – bem como na premente necessidade de obter do meio ambiente aquilo que seja o estritamente necessário, evitando ou mitigando, ao máximo, os danos ambientais.

É assim que nos esclarece Ana Camargo:

“O desenvolvimento sustentável busca simultaneamente a eficiência econômica, a justiça social e a harmonia ambiental. Mais do que um novo conceito, é um processo de mudança onde a exploração de recursos, a orientação dos investimentos, os rumos do desenvolvimento ecológico e a mudança institucional devem levar em conta as necessidades das gerações futuras.” (CAMARGO, 2003, P.72).

Continua, ainda, a mesma autora, quando nos faz lembrar que:

“O desenvolvimento sustentável não é tarefa somente para uma geração; é um processo a ser instituído, um projeto global que demandará tempo, compromisso, e esforço de várias gerações. A sugestão de mudança implícita em sua concepção, suas dimensões e seus desafios certamente precisarão de algum tempo para revelar toda a sua complexidade e a sua importância assim como para seu pleno amadurecimento e sua completa aceitação – como tem ocorrido com todas as transformações importantes pelas quais a humanidade já passou”. (CAMARGO, 2003, p.96).

Como se pode verificar, as ideias e conceitos que cercam o desenvolvimento sustentável estão em constante mutação, formando um sistema complexo, interdependente e bastante dinâmico, como também o são o desenvolvimento econômico, os avanços científicos e as intermináveis necessidades humanas.

Todavia, alguns pilares sobre desenvolvimento sustentável parecem ser consenso. Alguns deles podem ser encontrados na declaração das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, referendados que foram pela Conferência de Johanesburgo[18]:

“a) sociedade – a compreensão das instituições sociais e do papel que desempenham na mudança e no desenvolvimento, assim como nos sistemas democráticos e participativos que dão a oportunidade de expressar opiniões, eleger governos, criar consensos e resolver controvérsias; b) meio ambiente – consciência dos recursos e da fragilidade do meio ambiente físico e dos efeitos das atividades e decisões humanas sobre o meio ambiente, com o compromisso de incluir as questões ambientais na elaboração de políticas sociais e econômicas; c) economia – consciência em relação aos limites e ao potencial do crescimento econômico e seus impactos na sociedade e no meio ambiente, com o compromisso de reduzir os níveis de consumo individual e coletivo, em relação à preocupação com o meio ambiente e justiça social.”

No que diz respeito às dimensões abrangidas pelo desenvolvimento sustentável, Sachs elege as seguintes:

“a) econômica – possibilitar uma alocação e uma gestão mais eficientes dos recursos em um fluxo regular dos investimentos públicos e privados; b) cultural – respeitar as especificidades de cada ecossistema, de cada cultura e de cada local; c) ecológica – intensificar o uso dos recursos potenciais dos vários ecossistemas – com um mínimo de dano a eles – para propósitos socialmente válidos; limitar o consumo de combustíveis fósseis e de outros produtos facilmente esgotáveis ou ambientalmente prejudiciais; reduzir o volume de resíduos e poluição; reciclar e conservar; limitar o consumo material; investir em pesquisa de tecnologias limpas; definir e assegurar o cumprimento de regras para uma adequada proteção ambiental; d) espacial – voltar-se para uma configuração rural-urbana mais equilibrada e uma melhor distribuição territorial de assentamentos humanos e atividades econômicas; e) social – consolidar um processo de desenvolvimento baseado em outro tipo de crescimento e orientado por outra visão do que é uma “boa” sociedade.”

No mesmo relatório da UNESCO se pode encontrar uma importante e esclarecedora informação, que põe por terra conceitos distorcidos e baseados no senso comum sobre a relação existente entre pobreza e riqueza das nações e a sua relação com desenvolvimento sustentado:

“Processos de desenvolvimento não sustentáveis pressionam os recursos naturais enquanto padrões não sustentáveis de produção e consumo, especialmente nos países desenvolvidos, ameaçam a fragilidade do meio ambiente natural, intensificando a pobreza em outros lugares. Entretanto, devemos ter o cuidado extremo de considerar a pobreza como a causa do desenvolvimento não sustentável, pois são os ricos que têm os maiores níveis de produção e consumo não sustentáveis. Os ricos estão aptos a fazer escolhas, enquanto os pobres, presos em um círculo de privação e vulnerabilidade, não podem fazê-lo. Enquanto os ricos podem adotar padrões de desenvolvimento sustentável e mostram-se relutantes em fazê-lo, os pobres não têm alternativa além de fazer uso do seu entorno imediato.”

Como vimos até aqui, há uma ligação inafastável entre os diversos sistemas econômicos e o Direito Ambiental. Dessa relação, já dita simbiótica, surgiu a necessidade do legislador em melhor aparelhar nosso ordenamento jurídico para fazer frente ao desafio de buscar o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental.

Para tanto, esclarece Geraldo Vieira Simões Filho:

“A legislação ambiental constitui toda a ordem jurídica nacional brasileira aplicável ao regime regulador do meio ambiente, compreendendo desde (a) as normatizações internacionais (tratados e outros atos jurídicos celebrados na comunidade internacional) trazidas ao nosso sistema constitucional, na conformidade dos procedimentos de estilo neste campo, e (b) as disposições de princípios e normas efetivamente inscritos no texto supremo, até a extensa tipologia normativa infraconstitucional realizadora das estipulações da Lei Fundamental nacional, a saber: (c) constituições estaduais e leis orgânicas municipais, (d) leis complementares e leis ordinárias federais, (e) medidas provisórias, (f) leis delegadas, (g) resoluções o Senado Federal, (h) decretos federais, portarias ministeriais, resoluções de órgãos e instituições ambientais, etc., ao lado, ainda, de (i) leis ordinárias estaduais e competentes regulamentações.”

Cabe ressaltar o julgado do Supremo Tribunal Federal – STF, elevando o conceito de desenvolvimento sustentável à condição de princípio constitucional, pois segundo aquela corte suprema:

“A questão do desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, II) e a necessidade de preservação da integridade do meio ambiente (CF, art.225): O princípio do desenvolvimento sustentável como fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia. O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.” (grifo nosso). (ADI 3.540-MC, Rel. Min. Celso Mello, DJ 03/02/06).

Nossa Carta Magna também se manifesta, em diversos artigos, sobre as questões ambientais, quer de maneira explícita, quer de maneira implícita. Em relação aos comandos explícitos, importante ressaltar dois importantes artigos que demonstram a ligação entre desenvolvimento econômico e os preceitos de sustentabilidade.

Nesse sentido, sobre o art. 170 da CF/88, versando sobre a função social da empresa e o condicionamento à livre iniciativa, leciona José Afonso da Silva:

“O art.170, III, ao ter a função social da propriedade como um dos princípios da ordem econômica, reforça essa tese. Mas a principal importância disso está na sua compreensão como um dos instrumentos destinados à realização da existência digna de todos e da justiça social. Correlacionando essa compreensão com a valorização do trabalho humano (art. 170, V), a defesa do meio ambiente (art. 170, VI)”. (SILVA, 2006, p.712).

Ainda sobre o mesmo artigo 170 da CF/88, continua o doutrinador:

“(…) a defesa do meio ambiente merecerá exame mais devagar nos comentários ao art. 225 (infra), mas é importante destacar aqui que, tendo sido elevado ao nível de princípio da ordem econômica, isso tem o efeito de condicionar a atividade produtiva ao respeito do meio ambiente, e possibilita ao Poder Público interferir drasticamente, se necessário, para que a exploração econômica preserve a ecologia, especialmente com o aditamento que a Emenda Constitucional 42/2003 acatou ao dispositivo, de tal sorte que a defesa do meio ambiente pode ser feita inclusive mediante tratamento diferenciado, conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. É de extrema importância essa adição, porque reforça a possibilidade de intervenção do Poder Público para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art.225).” (SILVA, 2006, 714).

Em contrapartida, em análise do art. 225 da CF/88, no que tange ao direito ao meio ambiente, José Afonso da Silva pontua que:

“(…) Veja-se que o objeto do direito de todos não é o meio ambiente em si, não é qualquer meio ambiente. O que é objeto do direito é o meio ambiente qualificado. O direito que todos temos é à qualidade satisfatória, ao equilíbrio ecológico do meio ambiente. Essa qualidade é que se converteu em um bem jurídico. Isso é que a Constituição define como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (…) esses atributos do meio ambiente não podem ser de apropriação privada, mesmo quando seus elementos constitutivos pertençam a particulares. Significa que o proprietário, seja pessoa pública ou particular, não pode dispor da qualidade do meio ambiente a seu bel-prazer, porque ela não integra sua disponibilidade (…) são bens de interesse público, dotados de um regime jurídico especial, enquanto essenciais à sadia qualidade de vida e vinculados, assim, a um fim de interesse coletivo”. (SILVA, 2006, págs. 835 e 836).

Continuando, ainda sobre o art. 225 da CF/88, porém agora versando sobre a conservação ecológica, o autor nos revela que:

“O conceito de conservação ecológica é de fundamental importância, porque compreende a preservação, a manutenção, a utilização sustentada, a restauração e a melhoria do ambiente natural. Define-se como a gestão da utilização da biosfera pelo ser humano, de tal sorte que produza o maior benefício sustentado para as gerações atuais, mas que mantenha sua potencialidade para satisfazer as necessidades e as aspirações das gerações futuras. É nesse sentido que a Constituição prescreve que é dever do Poder Público e da coletividade defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput).” (SILVA, 2006, págs. 837 e 838).

Do exposto até aqui, sobre as questões que cercam o desenvolvimento sustentável, se pode vislumbrar o tamanho do impacto que as atividades empresariais, em especial aquelas ligadas ao agronegócio e toda a sua cadeia produtiva, trazem ao meio ambiente e o tamanho do esforço, ainda por ser feito, para encontrarmos o melhor equilíbrio possível entre o interesse econômico e a tutela ambiental.

3.2 DO INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

No direito Pátrio, a responsabilidade civil alicerçou-se na imperiosa demonstração da existência de três requisitos basilares: o ato ilícito, o dano provocado e o nexo causal, ou, em outras palavras, o pressuposto da culpa para que se estabeleça a obrigação de corrigir ou reparar o dano imposto.

Encontramos uma boa definição de responsabilidade civil nas palavras do doutrinador Carlos Roberto Gonçalves: “Responsabilidade civil é, assim, um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário”. (GONÇAVES, 2003, p.7).

Reforçando esse entendimento, mas no sentido mais amplo de justificar a imperiosa necessidade de se reparar o dano causado pelo agente que o motivou, cabe recordar os ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira:

“Como sentimento humano, além de social, a mesma ordem jurídica repugna que o agente reste incólume em face do prejuízo individual. O lesado não se contenta com a punição social do ofensor. Nasce daí a ideia de reparação, com estrutura de princípios de favorecimento à vítima e de instrumentos montados para ressarcir o mal sofrido. Na responsabilidade civil está presente uma finalidade punitiva ao infrator, aliada a uma necessidade que eu designo de pedagógica, a que não é estranha a ideia de garantia para a vítima, e de solidariedade que a sociedade humana deve-lhe prestar”. (PEREIRA, 1990, p.15).

Oriundo do projeto de lei 734-B/75, o Código Civil vigente no ordenamento jurídico brasileiro mantém, como regra geral, o instituto da responsabilidade civil subjetiva, em função da exigência de conduta culposa em relação ao dano causado, seja por imprudência ou negligência, estando contemplada, ainda que de maneira implícita, a ocorrência de imperícia do ato, conforme consta do Art.186 daquele diploma legal, In verbis: “Artigo 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

No entanto, diversos doutrinadores já defendem, há tempos, que todo o racional que cerca e caracteriza a responsabilidade civil, moldada na teoria da culpa ou teoria subjetiva, já não mais apresenta a eficácia necessária para a entrega da tutela jurisdicional.

Nesse sentido, pela complexidade das relações sociais do nosso tempo, é pacífico afirmar que já se faz perceber uma clara tendência no sentido da adoção da teoria do risco, ou seja, da responsabilidade objetiva, pois melhor se ajusta aos tempos modernos, ampliando, de forma inegável, as chances de reparação daquele a quem o dano lesou, pois:

“A teoria da culpa, resumida com alguma arrogância, por VON IHENG, na fórmula “sem culpa, sem nenhuma reparação”, satisfez por dilatados anos à consciência jurídica, e é, ainda hoje, tão influente que inspira a extrema resistência oposta por autores insignes aos que ousam proclamar a sua insuficiência em face das necessidades criadas pela vida moderna, sem aludir ao defeito da concepção em si mesma.” (DIAS, 1983, p.36)

Não obstante ser a responsabilidade civil subjetiva adotada pela doutrina majoritária, o próprio Código Civil, numa clara demonstração do legislador, acabou por ampliar o rol de possibilidades de responsabilização objetiva, notadamente pela adoção da Teoria do Risco[19], claramente apontada no parágrafo único do artigo 927:

“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. (grifo nosso).

Abarca essa tendência, Rui Stoco, quando proclama:

“A insatisfação com a teoria subjetiva, magistralmente posta à calva por Cáio Mário, tornou-se cada vez maior, e evidenciou-se a sua incompatibilidade com o impulso desenvolvimentista de nosso tempo. A multiplicação de oportunidades e das causas de danos evidenciaram que a responsabilidade subjetiva mostrou-se inadequada para cobrir todos os casos de reparação.” (STOCO, 1999, p.76).

Conforme se vê, o agronegócio, movido por esse mesmo impulso desenvolvimentista, numa corrida por maiores taxas de crescimento e produtividade, apoiado pelos grandes conglomerados financeiros, vem se transformando num dos maiores agentes agressores do meio ambiente, onde o lucro se sobrepõe à direitos, inclusive fundamentais, como o é da preservação da natureza para as gerações futuras, tutela essa expressamente positivada no caput do artigo 225 da nossa Carta Magna:

“Art.225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

Assim, dado o exposto, vislumbra-se a existência de responsabilidade civil objetiva das instituições financeiras, quando da ocorrência de danos ambientais gerados por seus financiados, em especial no agronegócio, ainda que não se possa provar a culpa daquelas, mas, muito principalmente, pela existência do nexo causal, devidamente tangibilizado pelo contrato de empréstimo entre as partes, aplicando-se, para tal fim, a teoria do risco.

Seria coerente afirmar que da responsabilização civil objetiva das instituições financeiras, nos casos em tela, resultaria uma considerável redução dos fatos geradores de danos ambientais por parte dos seus mutuários, pelo fato de que naturalmente se transformariam em verdadeiros fiscais ambientais, senão movidos por um impulso cívico, mas por uma necessidade de protegerem seus capitais investidos.

Parece ser bastante razoável pensar na responsabilidade objetiva dos agentes financeiros no caso de impactos ambientais causados pelos seus clientes financiados e a legislação vigente, apesar de esparsa, nos deixa margem para assim pensarmos e agirmos. Sem pretensão de esgotar o assunto, seguem alguns exemplos:

a) Lei 6.938/81 – Lei da Política Nacional do Meio Ambiente => em seu artigo 12 e parágrafo único determina que devam constar dos projetos a realização de obras e aquisições de equipamentos destinados ao controle de degradação ambiental e a melhoria da qualidade do meio ambiente. Também importante a redação do artigo 14, § 1º que assegura a aplicação das penalidades previstas “…independentemente da existência de culpa…”;

b) Lei 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais => dispõe sobre sanções penais e administrativas oriundas de condutas lesivas ao meio ambiente, como se pode verificar nos seus artigos 2º, 3º e 4º que tratam do concurso de crimes por pessoas jurídicas, bem como a sua desconsideração. No artigo 72, § 8º, inciso IV, que dentre outras sanções restritivas de direitos, determina que seja suspensa a participação das empresas faltosas em financiamentos de estabelecimentos oficiais de crédito;

c) Lei 11.105/05 – Lei de Biossegurança => em seu artigo 20 preconiza a responsabilidade solidária aos responsáveis por danos ao meio ambiente e a terceiros, “por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa”.

Ao aplicarmos a Teoria do Risco, tomamos por base não mais a culpa, mas sim os riscos que devem ser assumidos por qualquer agente quando do exercício de suas atividades, ou seja, a culpa dá lugar ao risco, pois assumindo determinado curso de ação, deve esse mesmo agente, até mesmo pelo proveito que tirará de seus atos, assumir os riscos inerentes.

Embasado nessa doutrina, Carlos Roberto Gonçalves, a respeito do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, assevera que:

“A inovação constante do parágrafo único do art. 927 do Código Civil será significativa e representará, sem dúvida, um avanço, entre nós, em matéria de responsabilidade civil. Pois a admissão da responsabilidade sem culpa pelo exercício de atividade que, por sua natureza, representa risco para os direitos de outrem, da forma genérica como consta do texto, possibilitará ao Judiciário uma ampliação dos casos de dano indenizável. Pode-se antever, verbi gratia, a direção de veículos motorizados ser considerada atividade que envolve grande risco para os direitos de outrem”. (GONÇALVES, 2003, p.32).

Reforça esse entendimento, Silvio Rodrigues, quando nos ensina sobre a responsabilidade objetiva:

“Na responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente. A Teoria do Risco é a da responsabilidade objetiva. Segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade, cria risco de dano para terceiros, deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade ou comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem o direito de ser indenizada por aquele.” (RODRIGUES, 2002, p.10).

Cabe ressaltar que também a Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 12 a 17, se valeu da teoria do risco-proveito para afastar a teoria da culpa, ou seja, não é a culpabilidade, mas sim a relação de causalidade, o nexo entre causa e efeito que são suficientes para a imputação da responsabilidade objetiva.

Nesse sentido, mais uma vez o pensamento de Carlos Roberto Gonçalves nos vem socorrer, quando afirma que:

“Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a Teoria do Risco. Para essa teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a ideia de risco, ora encarada como ‘risco-proveito’, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi onus).” (GONÇALVES, 2003, p.29).

Como se pode ver, pela Teoria do Risco-Proveito, o deslocamento da noção de culpa para o conceito de risco determina que aquele que recebe os bônus da atividade alheia também responderá pelo ônus que essa atividade vier a dar causa. É teoria usada no exemplo dos empregados da caldeira: o empregador deve arcar com as desvantagens, já que recebe as vantagens do trabalho.

Nessa linha de raciocínio, ensina Maria Helena Diniz:

“A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de equidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda).” (DINIZ, 2004, p.48).

Importante as ponderações de Alvino Lima, apontando as dificuldades da entrega jurisdicional nos casos ambientais:

“Dentro do critério da responsabilidade fundada na culpa não era possível resolver um sem-número de casos que a civilização moderna criava ou agravava; imprescindível se tornava, para a solução do problema da responsabilidade extracontratual, afastar-se do elemento moral, da pesquisa psicológica do íntimo do agente, ou da possibilidade de previsão ou de diligência, para colocar a questão sob um ângulo até então não encarado devidamente, isto é, sob o ponto de vista exclusivo da reparação, e não interior, subjetivo, como na imposição da pena. Os problemas da responsabilidade são tão somente os da reparação de perdas. Os danos e a reparação não devem ser aferidos pela medida da culpabilidade, mas devem emergir do fato causador da lesão de um bem jurídico, a fim de se manterem incólumes os interesses em jogo, cujo desequilíbrio é manifesto, se ficarmos dentro dos estreitos limites de uma responsabilidade subjetiva”. (LIMA, 1994, p.49)

Outra teoria que embasa o instituto da responsabilidade objetiva é a do Risco-Criado, onde a responsabilidade não é mais a contrapartida de um proveito ou lucro particular, mas sim a consequência inafastável da atividade em geral.

Assim, a pessoa passa a responder pelos danos sofridos por terceiros mesmo que não tenha tido proveito com a situação, ou seja, toda pessoa que, ao exercer alguma atividade, expõe alguém a suportar um risco de dano, deverá repará-lo caso esse dano venha ser efetivado, mesmo que sua conduta não seja culposa.

Para Caio Mário Pereira, a teoria do risco criado é a que melhor se adapta às condições de vida social, fixando-se na ideia de que, se alguém põe em funcionamento qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que essa atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, a um erro de conduta. (PEREIRA, 1990).

Percebe-se, do exposto, a relevância do tema da responsabilidade civil, em especial a objetiva, dos agentes financiadores do agronegócio, como forma de envolver não apenas o agente primário da ação provocadora de danos ambientais, mas também aqueles que fomentam tais atividades, tendo como pano de fundo o seu próprio interesse financeiro na busca pelo lucro.

3.3 DO NEXO CAUSAL E A RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM DANO AMBIENTAL

De conformidade com o art.14, § 1º, da Lei 6.938/81, recepcionado pelo art. 225, §§ 2º e 3º, da CF/88, o ordenamento jurídico brasileiro adotou a responsabilidade objetiva em questões relacionadas ao dano ambiental, tomando como base a suposição de atividades que ofereçam riscos à saúde e ao meio ambiente, cabendo, pois, ao empreendedor o cuidado em prevenir tais riscos (Princípio da Prevenção)[20], bem como recepcioná-los em seu processo produtivo (Princípio do Poluidor-Pagador)[21].

Pela doutrina de Noronha (1988), encontramos basicamente três riscos que explicam a responsabilidade objetiva e que são inerentes à certas atividades:

“(…) o risco de empresa, o risco administrativo e o risco-perigo. Esses riscos podem ser sintetizados dizendo-se: que quem exerce profissionalmente uma atividade econômica, organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços, deve arcar com todos os ônus resultantes de qualquer evento danoso inerente ao processo produtivo ou distributivo; que a pessoa jurídica pública responsável, na prossecução do bem comum, por uma certa atividade, deve assumir a obrigação de indenizar particulares que porventura venham a ser lesados, para que os danos sofridos por estes sejam redistribuídos pela coletividade beneficiada; que quem se beneficia de uma atividade potencialmente perigosa (para outras pessoas ou para o meio ambiente), deve arcar com eventuais consequências danosas.” (NORONHA, 1988, p.37)

Nesse sentido, buscando diferenciar a responsabilidade objetiva da subjetiva, encontramos em Perales (1997), importantes esclarecimentos:

“Enquanto que na responsabilidade civil subjetiva a imputação do dano irá ligar-se à ideia de previsibilidade, na responsabilidade objetiva, o requisito da previsibilidade não existe, sendo que o critério de imputação do dano ao agente se amplia, quase aproximando-se de um enfoque puramente material, de tal modo que, com a prova de que a ação ou omissão foi a causa do dano, a imputação é quase automática.” (PERALES, 1997, p.157).

Isso nos leva à conclusão de que nosso ordenamento jurídico impõe àqueles que se dedicam ao exercício de atividades classificadas como de responsabilidade objetiva, o encargo de trabalhar com juízo de previsão, aceitando as possibilidades danosas inerentes e tais atividades.

Afastada a culpa, nos casos de responsabilidade objetiva, restam a ação (ou omissão), o dano e o liame que os une, ou seja, o nexo causal. Para Asina (1979), o nexo de causalidade é um elemento objetivo, pois alude a um vínculo externo entre o dano e o fato da pessoa ou da coisa.

Clarificando um pouco mais o conceito de causa, como a principal amálgama entre o ato e o dano, encontramos em Raimundo Barros:

“Causa é um acontecimento fático, capaz de produzir um resultado danoso. Situa-se entre a ação ou a omissão do causador do acidente e o próprio dano. Sem a causa o dano inexistiria. Por sua vez, concausas (que podem ser preexistentes ou supervenientes) são outras causas que têm a capacidade de influenciar o processo de relação de causalidade já em andamento. Assim, a concausa superveniente poderá interromper o desencadeamento do nexo causal, assumindo, ela própria o resultado. Já a concausa preexistente não tem o poder de substituir a causa do acidente, embora possa interferir no resultado”. (BARROS, 2000, p. 34).

Conforme Perales (1997), a maioria das teorias sobre causalidade percorrem caminhos similares para determinar o conceito de causa, partindo de informações de cunho fático à partir da análise da realidade, distinguindo causalidade jurídica da causalidade científica, pois enquanto esta última, para estabelecer uma relação de causa e efeito, exige um alto grau de prova, no direito a busca por essa resposta passa por encontrar o sujeito agente e à ele atribuir a responsabilidade cabível, residindo tais juízos em probabilidades e não em certezas absolutas.

Em que pesem as diversas teorias existentes e as acaloradas discussões doutrinárias sobre quais seriam os limites e as possibilidades em se atribuir a responsabilidade e riscos aos empreendedores, basicamente nos deparamos com duas principais correntes: Teoria do Risco Integral e a Teoria do risco Criado.

Versando sobre as duas teorias, temos Alonso (2000) apregoando que pela via do risco integral, todo e qualquer risco que esteja ligado à uma atividade empreendedora será absorvido, integralmente, pelo processo produtivo de tal atividade; por outro lado, pela adoção do risco criado, necessário será eleger, dentre todos os fatores considerados de risco, apenas aquele de maior periculosidade e, por isso mesmo, mais adequado e apto à gerar possíveis danos, para, então, imputar-se a responsabilidade.

Assim, a teoria do risco criado apresenta-se como uma doutrina bastante limitadora em face às atuais necessidades ambientais e as já mencionadas complexidades das modernas relações humanas, sejam elas comerciais ou não, pelo fato de incidir unicamente sobre às atividades consideradas perigosas, sendo este perigo, intrinsicamente ligado à tais atividades, o fator de risco a ser evitado e que será o condutor da responsabilização, limitando, pois, que seja a responsabilidade  objetiva aplicada na sua plenitude.

Diversamente, a Teoria do Risco Integral encontra-se plenamente justificada pela outorga que lhe é dada pelo art. 225, caput, da CF/88, no sentido de tutelar, adequadamente, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, tendo como resultado a incolumidade dos bens ambientais.

“A indenização é devida somente pelo fato de existir a atividade da qual adveio o prejuízo, independentemente da análise de subjetividade do agente, sendo possível responsabilizar todos aqueles aos quais possa, de  com alguma maneira, ser imputado o prejuízo. Esse posicionamento não admite excludentes de responsabilidade, tais como o caso fortuito, a força maior, a ação de terceiros ou da própria vítima.” (LUCARELLI, 1994, p.15).

Importante ressaltar que a Teoria do Risco Integral é defendida por diversos doutrinadores e operadores do direito, como Jorge Nunes Athias, Sérgio Cavalieri Filho, Édis Milaré, Nelson Nery Jr, José Afonso da Silva e Sérgio Ferraz. Ainda, segundo Édis Milaré:

“O dever de reparar o dano independe da análise da subjetividade do agente e, sobretudo, pelo fato de existir a atividade da qual adveio o prejuízo (…) O poluidor deve assumir integralmente todos os riscos que advém de sua atividade, como se isto fora um começo da socialização do risco e do prejuízo. O interesse público, que é a base do Direito Ambiental, encontra na responsabilidade civil objetiva uma forma de convivência com a atividade particular, voltada, normalmente, para o lucro.” (MILARÉ, 1996, p.33).

Ainda na mesma linha de raciocínio, dita Nelson Nery Jr que:

“A indenização é devida independentemente de culpa e, mais ainda, pela simples razão de existir a atividade da qual adveio o prejuízo: o titular da atividade assume todos os riscos dela oriundos. Dessa maneira, não se operam como causas excludentes de responsabilidade, o caso fortuito e a força maior. Ainda que a indústria tenha tomado todas as precauções para evitar acidentes danosos ao meio ambiente, se, por exemplo, explode um reator controlador de emissão de agentes químicos poluidores (caso fortuito), subsiste o dever de indenizar. Do mesmo modo, se por um fato da natureza ocorrer o derramamento de substância tóxica existente no depósito de uma indústria (força maior), pelo simples fato de existir a atividade há o dever de indenizar.” (NERY JR, 1984, p.172)

Ressalte-se, ainda, o pensamento de Annelise Monteiro Steigleder, quando alerta para a necessidade de uma entrega jurisdicional mais abrangente pelo entendimento extensivo da Lei 6.938/81, bem além do conceito de atividades perigosas, registrando que:

“Entendemos que, o fato de a responsabilidade objetiva fundamentar-se no risco da atividade não significa que sua aplicação seja restrita às atividades perigosas, interpretação que conferiria uma aplicabilidade excessivamente limitada ao referido dispositivo da Lei 6.938/81 e que não é compatível com o objetivo posto na Constituição de proteger o meio ambiente e combater a poluição em todas as suas formas. Portanto, aplica-se tanto aos danos gerados por atividades perigosas como àqueles desencadeados por uma atividade profissional qualquer, partindo-se da premissa de quem exerce uma atividade econômica deve arcar com todos os custos atinentes à prevenção e reparação dos danos ambientais, aplicando-se, ainda, o princípio do alterum non laedere[22]. Ademais, as externalidades negativas não são geradas apenas por atividades perigosas, constituindo característica da sociedade de riscos contemporânea, que necessita um sistema eficiente de canalização da responsabilidade, evitando-se a socialização dos riscos […] Havendo mais de uma causa provável do dano, todas serão reputadas eficientes para produzi-lo, não se distinguindo entre causa principal e causas secundárias, pelo que a própria existência da atividade é reputada causa do evento lesivo. Cuida-se aqui da aplicação, em matéria de nexo de causalidade, da teria da conditio sine qua non[23], cujo mérito é a potencialidade de atenuar o rigorismo do nexo de causalidade, substituindo-se o liame entre uma atividade adequada e o seu resultado lesivo pelo liame entre a existência de riscos inerentes a determinada atividade e o dano ambiental, fundado em juízos de probabilidade […] na teoria da equivalência das condições, basta que o dano possa estar vinculado à existência do fator de risco, o qual é reputado “causa” do dano, pelo que qualquer evento condicionante é equiparado à causa do prejuízo, sem a exigência de que este seja uma consequência necessária, direta e imediata do evento. Fundamentam a adoção do mero fator risco, em substituição ao requisito de uma causa adequada perfeitamente identificada, vinculada a uma atividade perigosa, a percepção de que a atividade é realizada no interesse da pessoa ou empresa e o princípio do alterum neminem laedere”. (STEIGLEDER, 2003, págs. 50,51,53).

Diante do que até aqui foi exposto, seria seguro afirmar que é perfeitamente possível, e mesmo necessário, uma interpretação menos obtusa no que diz respeito ao nexo de causalidade. Nesse sentido, acompanhando o raciocínio de Steigleder:

“[…] Atenua-se o nexo de causalidade, que se transforma em mera “conexão” entre a atividade e o dano, falando-se em dano “acontecido” porque, a rigor, não se exigirá um nexo de causalidade adequada entre a atividade e dano. Todos os riscos abrangidos pela atividade deverão ser internalizados no processo produtivo e, se o dano ocorrer, haverá uma presunção de causalidade entre tais riscos e danos.[…] Essa conexão é presumida e extraída dos princípios da precaução e do poluidor-pagador, com o que se redefine os objetivos da responsabilidade civil, que migram de uma perspectiva nitidamente privada e voltada para a proteção individual, para uma perspectiva ampliada de garantia de incolumidade dos bens de titularidade difusa, percebendo-se aqui a funcionalização social da responsabilidade civil”. (STEIGLEDER, 2003, p.54).

Na verdade, tal sistemática de apuração de responsabilidade, em matéria ambiental, já se pode encontrar no ordenamento pátrio, por exemplo, na Lei Federal 7.809/89, que versa sobre agrotóxicos e nas Resoluções 257 e 258 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, de 30.06.1999 e 26.08.1999, que versam sobre pneus e pilhas/baterias de telefones celulares, respectivamente.

Com base nessa nova racionalidade de apuração dos responsáveis por danos ambientais, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em jurisprudência recente, decidiu, sobre embalagens tipo pet, o que segue:

“Ação civil pública – Dano Ambiental – Lixo resultante de embalagens plásticas tipo “pet” (polietileno tereftalato) – empresa engarrafadora de refrigerantes – responsabilidade objetiva pela poluição do meio ambiente – acolhimento do pedido – obrigação de fazer – condenação da requerida sob pena de multa – inteligência do art. 225 da CF, Lei 7.347/85, arts. 1º e 4º, da Lei Estadual 12.943/99, 3 e 14, § 1º, da Lei 6.938/81.

1.Se os avanços tecnológicos induzem o crescente emprego de vasilhames de matéria plástica do tipo “pet” (polietileno tereftalato), propiciando que os fabricantes que delas se utilizam aumentem lucros e reduzam custos, não é justo que a responsabilidade pelo crescimento exponencial do volume do lixo resultante seja transferida apenas para o governo ou a população. 2. A chamada responsabilidade pós-consumo no caso de produtos de alto poder poluente, como as embalagens plásticas, envolve o fabricante de refrigerantes que delas se utiliza, em ação civil pública, pelos danos ambientais decorrentes. Esta responsabilidade é objetiva, nos termos da Lei 7.347/85, artigos 1º e 4º da Lei Estadual 12.943/99, e artigos 3º e 14, § 1º, da Lei 6.938/81, e implica na sua condenação nas obrigações de fazer, a saber: adoção de providências em relação à destinação final e ambientalmente adequada das embalagens plásticas de seus produtos, e destinação de parte dos seus gastos com publicidade em educação ambiental, sob pena de multa.” (TJPR, ApCiv 18652100, 8ª Câm. Civ., rel. Des. Ivan Bortoletto, j. 05.08.2002).

Este importante julgado, diferentemente da grande maioria, desvincula-se de maneira importante de preceitos tradicionais e ainda arraigados à máxima de Montesquieu em que “o juiz é a boca da lei”, ainda largamente utilizado por nossos operadores do Direito. Ampliando a análise da responsabilidade objetiva e, por consequência, facilitando a entrega jurisdicional, no que tange aos danos ambientais, o presente julgado encontra-se aderente ao correto cumprimento do comando existente no art.225, caput, da CF/88.

Importante observar que a punição foi imposta não ao agente que de fato causou o dano, ou seja, quem realmente colocou as embalagens do tipo “pet” no rio, causando sérios danos ambientais, mas sim ao fabricante das referidas embalagens, pela simples existência do produto. Em suma, o produto e não o ato de jogá-lo no rio é que se tornou o fator de risco e o fio condutor que levou ao dano ambiental.

Presentes estão no julgado as características peculiares de que se revestem os danos ambientais, notadamente indiretas e difusas e que percorrem causas que muitas das vezes encontram-se veladas, escondidas mesmo.

Desse julgado, percebe-se que descoberta do tal nexo de causalidade é tarefa por demais complexa e difícil, pois que os danos:

“Se processam através do Unwelt, num percurso causal muitas vezes oculto. Assim, a prova de um nexo de causalidade entre a atividade poluente e o dano é muitas vezes difícil, senão impossível, pois normalmente não existe uma ligação direta entre ambos”. (SENDIM, 1998, p.40).

Assim é que se faz mister a necessária busca no sentido da responsabilização integral pelos riscos ambientais gerados, inclusive valendo-se da substituição dos critérios de certeza pelos critérios de probabilidade na determinação da causa que gerou o dano, em especial nos casos em que o nexo de causalidade encontre-se oculto pelas chamadas contaminações sinérgicas ou múltiplas causas, conectando-se os riscos da atividade ao dano gerado. (NERYJR, 1992)

4 DO RISCO AMBIENTAL COMO POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES FINANCEIROS

4.1 DOS FINANCIAMENTOS AGRÍCOLAS E DANOS AMBIENTAIS

Com base nos números até aqui expostos, impossível não perceber o fabuloso desenvolvimento do agronegócio brasileiro nos últimos 20 ou 30 anos, quer pelos investimentos pesados em novos equipamentos, pelo desenvolvimento de pesquisas e novas técnicas de produção, onde o próprio papel do Estado, via organismos como a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias – EMBRAPA agregam relevantes contribuições.

Evidentemente que um volume financeiro dessa magnitude necessita de apoio governamental e privado para fazer girar toda a cadeia produtiva do agronegócio, justamente onde entram as instituições financeiras, tendo o BNDES e o Banco do Brasil SA, exercido papel relevante no apoio a esse segmento.

Todavia, com o atual estágio de desenvolvimento atingido pelo segmento de agronegócios, também o sistema financeiro privado vem injetando recursos e financiando as atividades agroindustriais brasileiras, quer por empréstimos destinados à comercialização, quer por investimentos de longo prazo, voltados para a modernização do parque de máquinas e melhorias e ampliação das instalações produtivas.

Assim, percebendo as possibilidades de lucro inerentes ao agronegócio, cuja pauta de produção volta-se, em larga escala, ao mercado mundial, bem como a vasta cadeia produtiva característica desse segmento, o sistema financeiro não apenas investiu recursos, mas modernizou as relações negociais dos intervenientes desse negócio.

Uma série de soluções financeiras, como LCA, emissão de Debêntures, ofertas públicas de ações de empresas agroindustriais na bolsa de valores, CPR, além de outras operações mais sofisticadas, como Derivativos[24] e operações de Private Equity[25], destinadas aos mercados mais elaborados e investidores altamente qualificados, alavancaram sobremaneira os negócios da espécie. (GONÇALVES et all, 2005) .

Nesse ponto encontramos, pois, uma conexão entre o sistema financeiro e o segmento do agronegócio que merece maior atenção, tanto das autoridades governamentais, quanto, principalmente, da sociedade organizada, passando pelos organismos de controle e proteção do meio-ambiente e órgãos reguladores da economia e finanças.

De um lado temos, então, um segmento que bate seus recordes de produção de forma recorrente, quer pelo aumento da produção de grãos, via ganhos de produtividade e aplicação de novas tecnologias, quer pela ampliação da área plantada, alicerçados por um sistema financeiro cada vez mais ávido por negócios e maiores lucratividades.

Por outro lado, temos uma necessidade cada vez mais crescente de buscarmos saldos positivos na balança comercial brasileira, como forma de ampliarmos nossas reservas internacionais e dar maior estabilidade e credibilidade à nossa economia e, nesse mister, o agronegócio, como já visto, dá significativa parcela de contribuição pela pujança dos seus números.

Há que se considerar, pela relevância atual, a crescente demanda mundial por alimentos, que encontra no Brasil um dos principais fornecedores mundiais, potencializado pelo fato de que muitos outros países importantes na produção de alimentos já terem explorado, quase que na sua totalidade, suas áreas agricultáveis, como é o caso dos EUA, restando para estes países a busca incessante por ganhos de produtividade, os quais apresentam limitadores por exaustão.

Da junção de todos esses fatores, chegamos, então, no dilema do desenvolvimento sustentável, com uma equação que se apresenta com, no mínimo, quatro variáveis complexas, mas que necessitam de solução rápida e harmônica entre si, a saber:

a) o mundo apresenta demandas crescentes por alimentos e o Brasil é considerado um dos fornecedores mais habilitados à suprir tal necessidade, quer pela nossa reconhecida competitividade no setor, quer pela existência de considerável área agricultável ainda por ser explorada; b) temos um sistema financeiro dos mais modernos do mundo, considerado sólido e de boa gestão e controle, o que agrega segurança e, consequentemente, atrai cada vez mais investidores, inclusive estrangeiros, mas que acabam por exigir lucratividades crescentes e o agronegócio se apresenta como uma boa alternativa de ganhos para os Bancos; c) temos um governo que trabalha focado na manutenção da estabilidade econômica do país e, para tanto, uma das fórmulas tem sido ampliar o saldo da balança comercial brasileira e, por isso, tem interesse no crescimento das exportações do segmento agroindustrial brasileiro; d) Por fim, da conjunção dos três interesses anteriores, temos colocado o desafio do chamado desenvolvimento autossustentável, onde o equilíbrio entre o crescimento econômico deve encontrar harmonia com as práticas de proteção do meio-ambiente”.

Considerando que o capitalismo moderno, aliado ao processo de globalização, encontra no sistema financeiro o seu maior ponto de apoio, evidentemente que nas questões inerentes ao agronegócio seria lógico e natural esperar uma maior parcela de responsabilidade desses mesmos agentes financeiros no sentido de mitigar os riscos ambientais que tais empreendimentos apresentam.

Constantemente vemos notícias veiculadas dando conta de diversos impactos ambientais provocados pelas atividades afetas ao agronegócio, com danos praticamente irreversíveis ao meio-ambiente. Uso intensivo de agrotóxicos e a consequente contaminação de rios e lençóis freáticos, queimadas sucessivas que degradam o solo, assoreamento dos rios pelo desrespeito à proteção das matas ciliares e o desmatamento desordenado que provoca erosão e desertificação de áreas inteiras, são alguns exemplos conhecidos.

Nesse sentido, tem a mídia investido na divulgação desses danos por larga publicidade, notadamente nos casos de maiores danos, dado que o interesse da sociedade organizada tem sido crescente em relação a esses acontecimentos, mas, curiosamente, em tais reportagens, dificilmente vemos alguma matéria questionando o agente financeiro que injetou recursos naquele empreendimento causador do dano.

Geralmente as matérias buscam explicações com os agentes diretos causadores dos danos e dos órgãos estatais, bem como agregam pareceres de técnicos em matéria ambiental, mas, invariavelmente, nunca do agente financiador que fomentou o respectivo empreendimento danoso.

No sistema financeiro, uma das atividades mais nevrálgicas consiste em manter controlados e mensurados os diversos riscos a que estão sujeitos em suas atividades comerciais. Sabem os bancos que os riscos não podem ser eliminados na sua integralidade, todavia, com sistemas adequados de gestão, tais riscos podem ser mitigados no sentido de que, em se incorrendo neles, seus impactos sejam reduzidos no limite do possível.

Assim, conforme Securato, basicamente os agentes financeiros trabalham quatro grandes grupos de riscos, a saber:

“Risco de Mercado: indica a possibilidade de se incorrer em perdas e prejuízos em função da oscilação de preços, índices e taxas em relação às posições adotadas pelos bancos em seus ativos e carteiras;

Risco de Liquidez: um dos principais riscos para sistema financeiro, indica a incapacidade de determinado agente em honrar seus compromissos em função do descasamento entre seus ativos e passivos e pode ser originado por uma falta de liquidez do próprio mercado ou do fluxo de caixa da instituição;

Risco de Crédito: está relacionado com o retorno dos capitais investidos, ou seja, a capacidade apresentada pelos tomadores de crédito em solver seus débitos nas datas avençadas. O risco de crédito também é um fator crítico da operação bancária, pois afeta os demais riscos numa espécie de efeito cascata, além de influenciar, diretamente, o custo do dinheiro numa correlação positiva, ou seja, quanto maior o risco de crédito de uma operação, tanto maior será o custo do dinheiro dessa mesma operação.

Risco Operacional: como o próprio nome indica, está diretamente relacionado a processos internos, pessoas, sistemas operacionais ou mesmo eventos externos. Pode se desdobrar em Risco Legal, por conta de operações realizadas fora dos quesitos legais vigentes, em Risco de Imagem, em função de perdas ocasionadas por percepções negativas do mercado em relação ao comportamento e práticas da organização e também em Risco Ambiental, decorrentes de impactos causados ao meio-ambiente em função de suas operações diretas ou indiretas (danos causados por mutuários, por exemplo)”. (SECURATO, 1996).

Neste último risco, o ambiental, é que desejamos centralizar o foco do estudo, ou seja, a responsabilidade do agente financeiro no que diz respeito ao dano ambiental provocado pelos seus clientes financiados, notadamente nos financiamentos ao agronegócio, mediante a aplicabilidade da responsabilidade civil objetiva aos agentes financiadores do agronegócio.

4.2 DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E A GESTÃO AMBIENTAL

Como já visto até o momento, os Bancos se constituem nos grandes fomentadores da economia moderna, quer pela via do financiamento das atividades empresariais, quer pela disponibilização de soluções em serviços bancários, mas, de toda sorte, são hoje, indubitavelmente, o grande motor econômico do mundo.

No que diz respeito aos financiamentos, possuem as instituições financeiras aparatos tecnológicos e recursos humanos altamente capacitados para efetuar análises de crédito no sentido de mitigar seus riscos e, dessa feita, garantir o adequado e tempestivo retorno dos capitais mutuados.

Além disso, na concepção de Fran Martins, os bancos superam a simplória definição de serem meros intermediários financeiros, sendo, na verdade, verdadeiros “mobilizadores de crédito”, visto que são sujeitos das operações e dos contratos que realizam, sendo, pois:

“(…) empresas comerciais que têm por finalidade realizar a mobilização do crédito, principalmente mediante o recebimento, em depósito, de capitais de terceiros, e o empréstimo de importâncias, em seu próprio nome, aos que necessitam de capital.” (MARTINS, 2007, p.497).

Todavia, dentre os diversos fatores de riscos existentes e que carecem de análise cuidadosa por parte dos agentes financeiros, até a década de 80 os bancos não estavam preocupados com possíveis riscos ambientais a que estariam submetidos ao financiar projetos potencialmente poluidores, visto ter sido realizada, em 1990, uma investigação empírica com bancos europeus, onde se concluiu que estas instituições não estavam interessadas em sua própria situação ambiental, nem da de seus clientes. (Esquivel, 2003).

No Brasil, com o advento da Lei 6.938/81, que discorre sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, inovou o legislador ao sedimentar o conceito de poluidor indireto e, assim o fazendo, trouxe ao agente financiador de atividades consideradas potenciais em dano ambiental, a obrigatoriedade de fiscalizar tais empreendimentos e, consequentemente, impondo-lhe a responsabilidade solidária caso ocorram, de fato, degradações ambientais relacionadas a tais financiamentos.

Sobre a Lei 6.938/81, Humberto Adami pontua que:

“[…] O artigo 225 da Constituição Federal do Brasil encerra o dever do Poder Público, de preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, mas também impõe o mesmo dever à Coletividade. Incluir-se neste conceito constitucional de Coletividade é para os bancos, públicos ou privados , uma prioridade urgente, pois, não se pode admitir que os bancos pretendam estar fora da coletividade. Lei de Política Nacional de Meio Ambiente: artigos 3o, 12o e 14o. A Lei da Política Nacional de Meio Ambiente em seus artigos 3º, 12º e 14º, traz dispositivos que, aplicados às instituições financeiras, em amplo sentido, eleva o financiamento, o crédito, ao nível de instrumento de controle ambiental. […]os financiamentos, principalmente aqueles de incentivo governamental, deverão incorporar a componente ambiental quando de seu deferimento, a partir da realização de estudos de impacto ambiental prévios à análise dos projetos e ao deferimento do crédito, tal como já vem ocorrendo no âmbito do Banco Mundial. Entidades de financiamento são as instituições que lidam com dinheiro, sem qualquer subterfúgio ou filigrana jurídica, como pretendem alguns, ou outras interpretações destituídas de fundamento. Compreendem-se, neste setor, não só os bancos tradicionais, mas também as cooperativas, autarquias, sociedades de economia mista, bancos múltiplos e de investimento, e até fundos de pensão, enfim, todas aquelas instituições que possam, em sentido amplo, encaixar-se na expressão “entidades ou órgãos de financiamento e incentivo governamental”, pois, do contrário, estarão violados o princípio e o espírito do artigo 225, da Carta Magna, no que se refere ao dever de defender e preservar o meio ambiente, a ser cumprido pelo Poder Público e pela coletividade. Assim, os bancos poderiam ficar inseridos nos deveres de indenização de reparar os danos ambientais causados, responsabilidade está qualificada como objetiva, ou sem perquirição da culpa, valendo considerar apenas o nexo de causalidade.” (Grifo nosso). (SANTOS JR., 1998).

Em 1992 realizou-se, no Brasil, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – CNUMAD, encontro que ficou mundialmente conhecido como Eco-92, onde representantes de mais de 170 países reuniram-se na chamada “Cúpula da Terra” e produziram uma série de documentos e planos de ações a serem perseguidos pelas nações signatárias do encontro.

Muito embora as instituições financeiras privadas não tenham sito citadas, ao menos de maneira expressa, os agentes financeiros internacionais como BID e BIRD tiveram seu papel destacado como agentes importantes para o atingimento do objetivo de se instituir uma nova política ambiental e que para tal, os financiamentos, de qualquer origem, deveriam ser, doravante, direcionados para projetos e empreendimentos que estivessem aderentes aos princípios e diretrizes emanados do referido encontro.

Mais adiante, em novembro de 1995, o então Ministro do Meio Ambiente Carlos Minc Baumfeld, em conjunto com cinco bancos estatais e de economia mista, assinaram a chamada Carta de Princípios para o Desenvolvimento Sustentável, que ficou conhecida como “Protocolo Verde”[26]. O objetivo do protocolo era a incorporação, por parte dos bancos signatários, da dimensão ambiental nos seus sistemas de análise de viabilidade dos projetos financiados, priorizando e apoiando aqueles que apresentassem melhores condições de sustentabilidade. (ALIMONDA e LEÃO, 2005).

Dentre as diretrizes principais previstas no documento, salienta-se:

“(…) 2.considerar os impactos e custos socioambientais na gestão de ativos (próprios e de terceiros) e nas análises de risco de clientes e de projetos de investimento, tendo por base a Política Nacional de meio ambiente: a) condicionar o financiamento de empreendimentos e atividades, potencial ou efetivamente poluidores ou que utilizem recursos naturais no processo produtivo, ao Licenciamento Ambiental, conforme legislação ambiental vigente; b) incorporar critérios socioambientais ao processo de análise e concessão de crédito para projetos de investimentos, considerando a magnitude de seus impactos e riscos e a necessidade de medidas mitigadoras e compensatórias; c) efetuar a análise socioambiental de clientes cujas atividades exijam o licenciamento ambiental e/ou que representem significativos impactos sociais adversos; d) considerar nas análises de crédito as recomendações e restrições do zoneamento agroecológico ou, preferencialmente, do zoneamento ecológico-econômico, quando houver; e) desenvolver e aplicar, compartilhadamente, padrões de desempenho socioambiental por setor produtivo para apoiar a avaliação de projetos de médio e alto impacto negativo”. (PROTOCOLO VERDE, 1995).

Mais adiante, em julho de 2002, foi criada a Comissão de Responsabilidade Social e Sustentabilidade, pela Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN, tendo como missão precípua disseminar conceitos e práticas ligadas ao desenvolvimento sustentável dentro do sistema financeiro nacional, orientando os bancos no sentido de:

“a) estimular a inserção das questões de desenvolvimento sustentável no âmbito da Federação, incluindo as demais comissões; b) contribuir para que a FEBRABAN transmita à sociedade o papel e a atuação do sistema financeiro para o desenvolvimento econômico e socioambiental do país; c) representar a FEBRABAN perante fóruns e entidades que discutem temas de desenvolvimento sustentável, particularmente nos âmbitos social e ambiental; d) promover a troca de experiências relacionadas ao desenvolvimento sustentável entre os associados e desenvolver possíveis ações conjunturais; e) desenvolver e implementar políticas e práticas de investimento social da FEBRABAN.”

Um importante passo, no que tange à gestão ambiental e a responsabilidade do sistema financeiro em relação aos financiamentos de projetos sociais e ambientalmente responsáveis, foi o advento, em 2003, dos “Princípios do Equador”, lançado pela International Finance Corporation – IFC[27], também estabelecendo uma série de diretrizes socioambientais que precisam ser utilizadas pelas instituições financeiras quando do financiamento de projetos.

Ainda segundo o IFC, os riscos ambientais a que estão sujeitas as instituições financeiras são caracterizados como:

“Risco Direto – são aqueles aos quais os bancos respondem diretamente como poluidores, riscos associados às suas próprias instalações, uso de papéis, equipamentos, energia, etc. Nessa modalidade se aplica diretamente o Princípio do Poluidor Pagador, ou seja, o banco deve internalizar nos seus custos os gastos com controle de poluição;

Risco IndiretoO risco ambiental afetaria a empresa com a qual o banco tem relacionamento como intermediador financeiro, via operações de créditos ou como detentor de ativos financeiros (ações ou títulos de dívida);

Risco de Reputação – os bancos vêm sofrendo pressão do público em geral e dos organismos não governamentais (ONGs) para adotar uma política de financiamento e investimento ambientalmente correta sob pena de terem sua reputação prejudicada diante da sociedade. A imagem dos bancos junto à sociedade é importante para o sucesso conjunto de suas atividades e é considerada como parte de seu patrimônio.” (grifo nosso). (MIB[28] 1, 2003).

Também outro evento, realizado em maio de 2008, merece ser mencionado, quer pela representatividade do organizador, quer pela clara demonstração de inquietude dos participantes em relação às questões ambientais. Tratou-se do 6º Congresso de Direito Bancário, organizado pela FEBRABAN, tendo como um dos principais painéis de debates o tema da corresponsabilidade dos bancos em danos ambientais.

Neste congresso ficou evidente a preocupação das instituições em incorporar, nos seus critérios de análise e decisão de crédito, as variáveis socioambientais, bem como melhorar o monitoramento das cláusulas contratuais desses mútuos. Dentre os principais focos de preocupação ambiental dos bancos, os congressistas apontaram para três importantes temas:

“a) a imagem institucional e a credibilidade dos bancos no contexto da responsabilidade socioambiental; b) o risco do negócio, em função dos passivos ambientais atribuíveis aos tomadores de empréstimos e financiamentos (capacidade de pagamento); c) a responsabilização jurídica dos bancos.”

Desse debate, os congressistas, capitaneados pela FEBRABAN, concluíram pela necessidade de implementação de alguns procedimentos operacionais e gerenciais no sentido de mitigarem seus riscos e, dentre eles, cabe ressaltar:

“a) estruturação de auditorias ambientais; b) análise de riscos ambientais; c) proteção contratual para facilitar possíveis ações de regresso por parte dos financiadores em relação aos seus financiados; d) encaminhamento de propostas ao legislativo, no sentido de buscar a delimitação da responsabilidade indireta dos bancos em caso de dano ambiental dos seus clientes mutuários.”

Aqui já se pode perceber que as preocupações do sistema financeiro em relação aos seus financiamentos e o nexo causal desses contratos com possíveis danos ambientais, provocados por seus clientes, já atingiu um nível bastante considerável, entrando na pauta recorrente de suas discussões, notadamente no que diz respeito ao limite de sua responsabilização, pois num cenário crescente de preocupações socioambientais, tais responsabilidades tendem a se expandir muito rapidamente.

Nessa esteira crescente de preocupações ambientais, em abril de 2009 a FEBRABAN também passa a ser signatária do “Protocolo Verde”, juntando-se aos bancos públicos no perseguimento dos objetivos daquela Carta e as questões inerentes os impactos ambientais deixaram de ser catalogadas como meras preocupações, passando, definitivamente, a integrar o rol de pontos críticos dos bancos, quando da análise de projetos e financiamentos bancários.

Não obstante tais acordos e protocolos, salvo algumas exceções, tem o sistema financeiro atuado de forma bastante aquém das reais necessidades ambientais naquilo que lhe diz respeito, ou seja, no melhor e mais eficiente gerenciamento ambiental decorrentes dos seus financiamentos.

Pelo número de impactos ambientais de que se tem dado conta, na sua grande maioria alicerçados por financiamentos bancários, percebe-se que o gerenciamento ambiental das instituições financeiras ainda é bastante falho e, quando muito, bastante focado nas questões inerentes às exigibilidades de licenças e certificados, ou seja, na fase pé-liberatória dos recursos.

Nessa linha de raciocínio, sobre as atividades bancárias, esclarecem Santos e Finazzi:

“Os bancos têm por função intermediar os recursos dos agentes poupadores com as necessidades de financiamento dos agentes deficitários. Por esse motivo, possuem responsabilidades pelo desenvolvimento sustentável e o meio ambiente (WBCSD, 1997; SCHMIDHEINY e ZORRAQUÍN, 1996; HPFEMBECK, 1993). Suas atividades diretas não produzem resíduos tóxicos poluidores da biosfera. Limitam-se ao consumo de papel, cartuchos de impressão, água, energia elétrica e produção de lixo inorgânico, os quais podem ser reciclados, reutilizados ou economizados. No entanto, os produtos financeiros, especificamente os financiamentos, podem ser utilizados para fomento das indústrias que degradam o meio ambiente, caso o foco seja unicamente as necessidades dos acionistas (COWTON e THOMPSON, 2000; SCHMIDHEINY e ZORRAQUÍN, 1996). Concluem Sarokin e Schulkin (1991, p.7) que “o negócio bancário está inextrincavelmente ligado ao fluxo de matérias-primas, produtos acabados, empregos e à qualidade do nosso ambiente natural””. (SANTOS e FINAZZI, 2008).

Concluem, ainda, citando Jeucken e Bouma, (2009):

“(…) dessa forma, torna-se essencial na análise do risco de crédito dos tomadores de empréstimos e financiamentos, os aspectos inerentes à sua gestão ambiental. Quando os bancos financiam empresas ou atividades poluidoras que não manejam adequadamente seus resíduos, o risco de inadimplência é maior. A possibilidade de um desastre ambiental ou de intervenção do poder público envolvendo-as é iminente, paralisando suas atividades, interrompendo o fluxo de receitas e ocasionando a inadimplência.” (SANTOS e FINAZZI, 2008).

O gerenciamento ambiental das instituições financeiras ainda foca muito seus próprios interesses corporativos, ou seja, baseiam-se na fase pré-contratual dos seus mútuos e, nessa visão essencialmente orgânica, procuram apenas se protegerem de possíveis ações por não cumprimento da legislação vigente.

Além disso, apesar de adotarmos a responsabilidade objetiva como impulso jurídico nas questões ambientais, a quase que completa ausência de julgados nessa linha doutrinária acaba por arrefecer, em algum grau, a participação mais efetiva dos Bancos na fiscalização de seus mútuos para além da fase de análise, ou seja, na fase de vigência dos referidos contratos, procurando eximirem-se da corresponsabilidade pelos danos eventualmente gerados por seus clientes.

Seria muita ingenuidade assumir que os riscos ambientais pudessem ser percebidos única e exclusivamente na fase de análise dos pleitos, dado que a apresentação dos laudos, documentos, licenças e certificados previstos em lei não têm garantido a correta aplicação dos recursos por parte dos clientes mutuários dos bancos, pois que, evidentemente, ocorre o dano tão logo os efeitos dos financiamentos se fazem perceber no fluxo de caixa das empresas tomadoras de tais créditos.

Em outras palavras, o dano ocorre, de fato, na fase de vigência dos contratos financeiros, ou mesmo após a vigência desses. No primeiro caso, durante a vigência dos empréstimos é que deveria haver, por parte do agente financeiro, uma preocupação mais efetiva, com ações mais pragmáticas e eficientes no sentido de detectar o curso da ação danosa ao ambiente, agindo de forma a evitá-lo ou mitigá-lo.

Este, talvez, seja o verdadeiro escopo do gerenciamento ambiental que se poderia esperar das instituições financeiras, até mesmo porque a tarefa de fiscalização e acompanhamento das operações financeiras sempre foi parte integrante do conceito mais amplo do processo de operações de crédito.

Nesse aspecto, observe-se as normas emanadas do Banco Central do Brasil, especificamente sobre o crédito rural, endereçadas aos agentes financeiros, claramente expostas na página da intranet daquela autarquia.

Na seção denominada FAQ-Crédito Rural, notadamente ao constante das questões de nº 8, 17 e 18, estão contidas orientações:

Quanto às exigências essenciais para a concessão de crédito rural: a) idoneidade do tomador; b) apresentação de orçamento, plano ou projeto, exceto em operações de desconto de Nota Promissória Rural ou de Duplicata Rural; c) oportunidade, suficiência e adequação de recursos; d) observância de cronograma de utilização e de reembolso; e) fiscalização do financiador; f) liberação do crédito diretamente aos agricultores ou por intermédio de suas associações formais ou informais, ou organizações cooperativas; g) observância das recomendações e restrições do zoneamento agroecológico e do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE);

Quanto à obrigatoriedade de fiscalização dos financiamentos, por parte das instituições financeiras: a instituição financeira deve, obrigatoriamente, fiscalizar, sendo-lhe facultada a realização de fiscalização por amostragem em créditos de até R$170 mil. Essa amostragem consiste na obrigatoriedade de fiscalizar, diretamente, pelo menos 10% dos créditos deferidos em cada agência nos últimos 12 meses;

Quanto ao tempo em que as fiscalizações do crédito rural devam ocorrer: Deve ser efetuada nos seguintes momentos: a) crédito de custeio agrícola: antes da época prevista para a colheita; b) empréstimo do governo federal (EGF): no curso da operação; c) crédito de custeio pecuário: pelo menos uma vez no curso da operação, em época que seja possível verificar sua correta aplicação; d) crédito de investimento para construções, reformas ou ampliações de benfeitorias: até a conclusão do cronograma de execução, previsto no projeto; e) demais financiamentos: até 60 (sessenta) dias após cada utilização, para comprovar a realização das obras, serviços ou aquisições”. (grifo nosso). (BACEN, FAQ-Crédito Rural, s/d).

Podemos afirmar, com toda a segurança, que a gestão ambiental, muito antes de ser uma decisão discricionária por parte dos agentes financeiros, é uma obrigatoriedade, pois que sendo norma emanada do BACEN, órgão normatizador e fiscalizador das instituições financeiras, vincula estas ao correto acompanhamento dos recursos financiados.

Ressalte-se que na maioria dos casos é o próprio financiamento bancário vital para a própria existência e continuidade da atividade ou empreendimento potencialmente ou efetivamente poluidor, de onde se vê a imperiosa necessidade da fiscalização do agente financiador no sentido de verificar a regularidade e licitude da aplicação dos recursos de tais mútuos.

De fato, o tema do gerenciamento ambiental, em particular nas instituições financeiras, tornou-se recorrente. Agora, não apenas como uma ferramenta de marketing, destinada a “vender” uma preocupação ambiental para a sociedade, mas como ferramenta de gestão dos créditos pactuados com clientes.

As instituições que avançarem nessa linha de atuação, certamente terão seus riscos mitigados, ainda que não eliminados totalmente, proporcionando o retorno mais tranquilo dos seus capitais, a correta aplicação dos recursos financiados e, adicionalmente, agregando valor à sociedade pela ação subsidiária de fiscalização e proteção ao meio ambiente.

5 CONCLUSÃO

O agronegócio é parte importante da história do Brasil. Ainda como colônia, via exploração extrativista e num segundo momento, já com culturas como cana-de-açúcar e café, nosso país conseguiu expandir seus marcos territoriais num importante movimento de expansão da densidade demográfica.

Já na segunda metade do século XX, esse mesmo agronegócio, agora impulsionado por políticas agrícolas fortes e por um sistema financeiro mais atuante, notadamente após 1965, com o advento da reforma bancária promovida pelo Governo Federal, encontrou as condições necessárias para dar um salto de qualidade e de produtividade, expandindo, ainda mais, nossas fronteiras agrícolas, dessa feita para a então promissora região do Centro-Oeste brasileiro.

Assim que chegamos aos atuais patamares de desenvolvimento, representando o segmento por algo próximo aos 30% do PIB brasileiro, com representativa participação na pauta de exportações do país.

Tamanha desenvoltura cobra, evidentemente, toda a atenção das autoridades governamentais, até mesmo porque dessa pujança econômica depende a estabilidade financeira do país, atenção essa que pode ser notada por diversas ações do governo, notadamente as emanadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, quando da elaboração dos planos agrícolas e pecuários.

Mas além dos interesses econômicos e financeiros, as demandas do agronegócio também desaguam nas questões ambientais, dado que a exploração agrícola afeta, de forma direta e impactante, o meio ambiente. Nessa seara, o governo também tenta gerenciar tais impactos, procurando dar respostas à difícil equação existente entre os interesses privados, do estado e da própria sociedade.

Nessa intrincada rede de interesses conflitantes, encontram-se as instituições financeiras, que na busca desenfreada pelo incremento de seus resultados, rapidamente percebeu as possibilidades negociais existentes no mercado do agronegócio, dadas as demandas crescentes por recursos financeiros por parte dos empreendedores rurais.

Evidente que a imensa massa de recursos injetados nesse segmento proporcionou o crescimento dos negócios da espécie, tanto pelos ganhos de produtividade, com emprego de novas tecnologias, como pela rápida expansão das áreas plantadas.

Dessa complexa relação entre agronegócio, interesse governamental e sistema financeiro, surgem inúmeros problemas ambientais ocasionados pela ação danosa de alguns empreendedores rurais, na sua grande maioria financiados pelos bancos e, não raro, valendo-se de recursos públicos.

Nesse sentido, verificou-se nas últimas décadas uma grande preocupação em relação ao desenvolvimento do agronegócio e os seus respectivos impactos altamente degradantes na natureza, inserindo-se, nesse contexto, a participação das instituições financeiras como os grandes fomentadores desse segmento pela via creditícia.

Também ficou demonstrado que a orientação constitucional pela livre iniciativa e a busca do desenvolvimento econômico não podem sobrepujar a tutela, também constitucional, do meio ambiente, sendo perfeitamente possível pensar no atingimento de ambos objetivos de forma racional, inteligente e equilibrada.

Dessa diretriz o legislador brasileiro inovou no sentido de elaborar uma legislação ambiental reconhecidamente avançada, muito além, inclusive, daquelas encontradas em países ditos desenvolvidos, quando optou que, relativamente à matéria ambiental, a responsabilização seja pela via objetiva, nos termos do artigo 15, § 1º, da Lei nº 6.938/81, recepcionada pelo artigo 225, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal de 1988.

Também parece ser evidente que as complexas relações sociais que norteiam as nossas vidas, nas suas mais abrangentes searas, incluindo-se aí as que tem conexões com o meio ambiente, já há algum tempo vem exigindo uma postura diferente e mais adequada da entrega jurisdicional.

Nesse sentido, veio a Teoria do risco suprir uma importante lacuna, tanto mais eficiente em matéria ambiental na corrente doutrinária do Risco integral, pois que se mostra mais célere e mais adequada quando a prestação exige a prevenção e a reparação de danos ambientais, dada a sua maior abrangência e poder para ultrapassar os problemas de entendimento sobre a causalidade difusa, tão fortemente caracterizada nos danos ambientais.

Doutrinadores importantes como Jorge Nunes Athias, Sérgio Cavaliere Filho, Nelson Nery Jr, Édis Milaré, José Afonso da Silva, dentre outros citados no presente estudo, são defensores da aplicabilidade da Teoria do Risco Integral, justamente para que se possa ampliar o alcance da lei aos que degradam o meio ambiente, sejam eles poluidores diretos ou indiretos.

Não obstante a quase ausência de julgados com base no Risco Integral, a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, versando sobre o lixo resultante de embalegens plásticas tipo “pet”, apresentado anteriormente neste trabalho, é uma clara demonstração de que uma interpretação mais ampla, à luz dos princípios constitucionais, é capaz de superar conceitos ultrapassados e não mais aderentes às necessidades de uma sociedade em constante mutação.

Também pelo princípio do desenvolvimento sustentável, não podem mais as instituições financeiras permanecerem voltadas para a última linha de seus balanços, ou seja, o lucro. Sua indelegável e importante participação no desenvolvimento nacional, em particular do agronegócio, deve ser pautada pelas premissas ambientais até aqui descritas.

Não se mostram suficientes, até o momento, face aos inúmeros casos de degradação ambiental originadas no campo, as ações adotadas pelas instituições financeiras no sentido de mitigar os riscos ambientais, pois a assinatura de protocolos e pactos, sem a devida aplicação dos preceitos neles contidos, acabam no campo das intenções e não das ações.

Ao que tudo indica, se não houver uma mudança drástica no entendimento de que as instituições financeiras tem uma grande responsabilidade em relação aos danos causados pelos seus clientes mutuários, a lei 6.938/81 não será aplicada na sua potencialidade.

Parece-nos claro que interpretações mais extensivas do conjunto de leis que visam proteger o meio ambiente seriam mais do que suficientes para trazer ao “banco” dos réus as instituições financeiras, pois que tal interpretação, à luz da Teoria do Risco Integral, demonstraria o nexo causal, tangibilizado pelos contratos de financiamentos, com os danos provocados pelos mutuários.

Adicionalmente, a simples análise da situação econômico-financeira dos clientes mutuários deixaria evidente que o recurso injetado pela via do financiamento é, justamente, o liame que conecta o poluidor direto, ou seja, o tomador do empréstimo, ao poluidor indireto, qual seja, o banco financiador.

Não bastasse esse vínculo contratual, há que se ressaltar a ausência de uma fiscalização mais eficiente por parte dos bancos, em descumprimento, inclusive, de normas emanadas pelo BACEN, conforme já comentado, o que demonstra uma gestão ambiental ainda incompetente para detectar, antes do dano, a disposição dos clientes mutuários em ofender o meio ambiente.

Portanto, nosso Direito Ambiental, apesar de ter avançado no sentido de elaboração de uma legislação considerada moderna, ainda não alcançou seus objetivos na totalidade, quer por uma interpretação ainda restrita da norma, quer pelo desajuste do poder econômico e dos interesses governamentais, que parecem ainda não terem captado, adequadamente, os benefícios advindos do desenvolvimento sustentável.

Do presente estudo, fica a crença, portanto, de que é possível imputar aos agentes financeiros a corresponsabilidade em caso de danos causados por seus clientes mutuários ao meio ambiente, bastando, para isso, que a legislação atual seja interpretada extensivamente à luz da Constituição Federal, tomando como base a Teoria do Risco Integral.

Também se pode antever, claramente, que dessa responsabilização solidária, na qualidade de poluidores indiretos, haveria uma grande melhoria nos procedimentos gerencias e análises de risco das instituições financeiras, transformando-as em atores importantes no que diz respeito à fiscalização do meio ambiente, não apenas por interesses econômicos, mas também pela certeza de serem atingidos pela lei, caso não atuem com diligência e responsabilidade enquanto agentes de financiamento.

Também fica evidente que, nos termos do art.225 da Constituição Federal, sendo dever de toda a coletividade defender e proteger o meio ambiente, a sensibilização da sociedade para o tema ora apresentado parece ser de fundamental importância para que as pressões por mudanças cheguem às portas dos nossos tribunais.

Assim, aparelhados que estamos pela legislação e amparados pelo crescente desejo de mudança por parte da população, seria factível acreditar na construção de uma nova jurisprudência que se mostrasse alinhada as reais necessidades de tutela do meio ambiente, colocando freios e contramedidas aos interesses puramente econômicos e descolados do tão desejado desenvolvimento sustentável.

 

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Notas:

[1] Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Direito do Centro Universitário Metodista, do IPA, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, orientado pela Profa. MsC. Carolina Machado.
[2] Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/agropecuaria/lspa/lspa_201203.pdf; Acesso em: 11/03/12.
[3]A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, foi criada em 26 de abril de 1973. A Embrapa atua por intermédio de unidades de pesquisa e serviços e de unidades administrativas, estando presente em quase todos os Estados da Federação, nos mais diferentes biomas brasileiros. Uma visão mais completa sobre a missão e o papel da EMBRAPA pode ser visualizada em http://www.embrapa.br/a_embrapa/missao_e_atuacao.
[4] O Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA) é parte do Departamento de Economia, Administração e Sociologia (DEAS) da ESALQ/USP. Os estudos e pesquisas do Cepea relacionados ao agronegócio são estruturados segundo cadeias produtivas, considerando-se também suas interligações econômicas que, em geral, são baseados em portfólios de composição diversificada (multinegócios). Disponível em: http://cepea.esalq.usp.br/cepea/. Acesso em: 12/04/2012.
[5] Segundo o glossário de termos técnicos da EMBRAPA, cultivares são formas cultivadas de algumas espécies vegetais. No caso do milho, por exemplo, o termo serve para designar tanto híbridos quanto variedades, sem distinção. Disponível em: http://www.cnpms.embrapa.br/publicacoes/milho_6_ed/glossario.htm#c. Acesso em: 03/03/2012
[6] O trabalho estima os índices de produtividade total dos fatores (PTF) para a agropecuária brasileira para o período entre 1975-2011 e discute seu desempenho comparado com indicadores do mesmo gênero estimados para as principais agropecuárias mundiais, demonstrando posição de destaque do Brasil nesse contexto. Também são analisados os efeitos das políticas sobre a produtividade no Brasil, com destaque para as exportações, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento e a evolução do crédito rural. Maiores detalhes podem ser obtidos no site do MAPA, disponível em: http://www.agricultura.gov.br/comunicacao/noticias/2012/05/produtividade-agricola-brasileira-cresce-mais-que-a-mundial. Acesso em: 08/05/12.
[7] O Plano Agrícola e Pecuário, elaborado pelo MAPA, carrega as diretrizes e objetivos para o segmento do agronegócio, elencando as medidas e direcionamentos  a serem adotados para cada ano/safra, bem como as dotações orçamentárias necessárias par cada setor. Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/file/Ministerio/Plano%20Agr%C3%ADcola%20e%20Pecu%C3%A1rio/Plano_Agricola2011-2012%20-%20ATUALIZADO.pdf. Acesso em: 12/03/12.
[8] O termo matrizes é utilizado para fazer referência às fêmeas dos rebanhos destinadas à recria e melhoramento genético. A pecuária, na safra 2011/2012, recebeu tratamento diferenciado, com ampliação dos limites de custeio e de investimento e a criação de uma linha específica para aquisição de matrizes e reprodutores de bovinos e bubalinos, com objetivo de incentivar o crescimento e a qualidade genética do rebanho.
[9] Agricultura de Baixo Carbono é um programa criado em 2010 pelo governo federal, dá incentivos e recursos para os produtores rurais adotarem técnicas agrícolas sustentáveis para mitigar e reduzir a emissão dos gases de efeito estufa – gás carbônico (CO2), gás metano (CH4) e óxido nitroso. O objetivo é que a produção agrícola e pecuária garanta mais renda ao produtor, mais alimentos para a população e aumente a proteção ao meio ambiente.
[10] Os termos econômicos “abastecimento interno”, “regularidade dos preços”, “excedentes exportáveis” e “geração de divisas” são utilizados no Plano Agrícola e Pecuário 2011/2012 como reflexo da preocupação do governo em relação à uma oferta de produtos agropecuários compatível com a demanda de consumo do país (abastecimento interno) e, nesse sentido, evitar saltos inflacionários nos preços (regularidade dos preços), bem como gerar produtos além da demanda interna no sentido de aumentar a pauta de exportações do agronegócio (excedentes exportáveis) e, dessa forma, favorecer o incremento da balança comercial por via das exportações (geração de divisas).
[11] A Resolução BACEN 1188, de 05/09/1986, instituiu a Caderneta de Poupança Rural com o objetivo de criar um mecanismo de captação de recursos ao sistema financeiro, no sentido de criar as fontes financeiras necessárias ao atendimento das demandas creditícias da agricultura brasileira. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1986/pdf/res_1188_v1_L.pdf. Acesso em: 13/11/2011.
[12] Resolução BACEN 1814, de 08/07/92, que autorizou a prorrogação das dívidas agrícolas. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/1992/pdf/res_1939.pdf. Acesso em: 12/10/2011.
[13] O artigo do Financial Times foi publicado em 02/08/2011, escrito pelo jornalista correspondente no Brasil, Joe Leahy, sob o título “Brazil enjoys succes amid global insanity”. Disponível em: http://www.ft.com/intl/cms/s/0978312e-bd25-11e0-9d5d-00144feabdc0,Authorised=false.html?_i_location=http%3A%2F%2Fwww.ft.com%2Fcms%2Fs%2F0%2F0978312e-bd25-11e0-9d5d-00144feabdc0.html&_i_referer=#axzz1wTrGS4NC. Acesso em: 04/03/2012.
[14] O PRONAF financia projetos individuais ou coletivos, que gerem renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária.
[15] Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio –  espécie de título financeiro do agronegócio – Lei 11.076/2004.
[16] Letra de Crédito do Agronegócio – espécie de título financeiro do agronegócio – Lei 11.076/2004
[17] Como exemplo desse interesse, observe-se o lucro recorde obtido pelo Banco do Brasil no ano de 2011, com forte participação de financiamentos ao setor agrícola, conforme comunicado do banco em seu site: “Maior financiador do agronegócio: carteira ultrapassa R$ 89,4 bilhões
O saldo da carteira de crédito do agronegócio atingiu R$ 89,4 bilhões, aumento de 18,0% em 12 meses, o que corresponde a 63,1% de todo o crédito bancário ao agronegócio no País. Na safra 2011/2012, foram desembolsados até dezembro/2011 R$ 26,4 bilhões em crédito rural, registrando crescimento de 19,4% em relação ao mesmo período na safra anterior. Disponível em: http://www.bb.com.br/portalbb/page118,3366,3367,1,0,1,0.bb?codigoNoticia=32929. Acesso em: 05/03/12.
[18] Representantes de mais de 150 países reuniram-se em Johanesburgo, África do Sul, em 2002, para a Cimeira Mundial do Desenvolvimento Sustentável.
[19] A Teoria do Risco, segundo Carlos Roberto Gonçalves, pressupõe que a noção de culpa dá lugar à noção do risco, presente no exercício de qualquer atividade, também conhecido como “Risco Proveito”.
[20] O Princípio da Prevenção prioriza a atenção que deve ser dada à medida que evitem qualquer início de agressão ao meio ambiente para, assim, evitar ou eliminar qualquer agente causados do dano ecológico.
[21] Pelo Princípio do Poluidor Pagador, uma vez ocorrido o dano, haverá a imposição de sanção (civil, penal e/ou administrativa), responsabilizando-se seu(s) causador(es), direto(s) e/ou indireto(s), sem diferenciar pessoas físicas ou jurídicas, regidas pelo direito público ou privado, conforme acórdão STJ – RESP nº 373654/sp (1993/0021250-8) e inciso IV do artigo 3º da Lei 6.938/81.
[22]Alterum non laeder ou alterum neminem laedere, diz respeito ao vínculo existente entre credor e devedor onde, independentemente da existência de um vínculo obrigacional (responsabilidade extracontratual), o princípio que rege essas relações é o de ninguém ofender, consagrado na máxima de Ulpiano, jurista romano nascido por volta de 150 D.C.: Suum cuique tribuere, honeste vivere, alterum non laedere (dar a cada um o que é seu, viver honestamente, a ninguém ofender).
[23]Teoria elaborada pelo jurista Von Buri para o Direito Penal, posteriormente desenvolvida entre os civilistas, propondo que todo e qualquer fato é considerado causa, ou seja, tudo que concorre para o resultado é causa. Conditio sine qua non (condição sem a qual o resultado não teria ocorrido).
[24] Derivativos são instrumentos financeiros que têm seus preços derivados (origem do nome) do preço de mercado de um bem ou de outro instrumento financeiro.
[25] Private Equity é um tipo de atividade financeira realizada por instituições que investem essencialmente em empresas que ainda não são listadas em bolsa de valores, com o objetivo de alavancar seu desenvolvimento.
[26] Foram signatários, além do Ministério do Meio Ambiente, o BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste do Brasil e o Banco da Amazônia
[27] O IFC é uma organização internacional estabelecida em 1956 para promover o crescimento e o desenvolvimento de seus países-membros por meio da promoção do desenvolvimento do setor privado.
[28] Market Intelligence Brief – MIB é uma publicação do IFC e uma iniciativa da Sustainable Financial Markets Facility, responsável pelo financiamento de programas de assistência técnica que capacitam e promovem práticas sustentáveis de negócios nos setores bancários, segurador e de investimentos.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Marcos Alex Silva dos Santos

 

Acadêmico de Direito no Centro Universitário Metodista do Sul – IPA

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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