Resumo: Ofuncionalismo é um só mas não é uníssona em doutrina estrangeira a maneira de explicá-lo e mesmo de visualizá-lo. Tem-se a priori as três correntes basilares sobre o tema quais sejam: 1. Teoria do Funcionalismo Radical; 2. Teoria do Funcionalismo Moderado; 3. Funcionalismo Limitado.
Sumário: Introdução; 1 Desenvolvimento histórico; 2 Teoria do funcionalismo Penal; 3 A teoria funcionalista bifurcada; Conclusões; Referências.
Introdução:
O funcionalismo é um só, mas não é uníssona em doutrina estrangeira a maneira de explicá-lo e mesmo de visualizá-lo. Tem-se, a priori, as três correntes basilares sobre o tema, quais sejam: 1.ª) Teoria do Funcionalismo Radical; 2.ª) Teoria do Funcionalismo Moderado; 3.ª) Funcionalismo Limitado.
Na Alemanha, Espanha e Portugal houve quem encontrasse um furo na escola penal do finalismo, discordando das idéias propostas por Welzel, pai da ciência finalista. A ácida crítica residiu nas seguintes premissas:
“A definição de dolo eventual e sua delimitação da culpa consciente. Welzel resolve o problema através de considerações meramente ontológicas, sem perguntar um instante sequer pela valoração jurídico-penal: a finalidade é a vontade da realização; como tal, ela compreende não só o que autor efetivamente almeja; como as conseqüências que sabe necessárias e as que consideram possíveis e que assume o risco de produzir. Assim sendo, conclui Welzel que o dolo, por ser finalidade jurídico-penalmente relevante, finalidade esta dirigida à realização de um tipo, abrange as conseqüências típicas cuja produção o autor assume o risco de produzir. O pré-jurídico não é modificado pela valoração jurídica; a finalidade permanece finalidade, ainda que agora seja chamada de dolo. E aqui é surge a crítica elaborada pela escola funcionalista. O funcionalista já formula a sua pergunta de modo distinto. Não lhe interessa primariamente até que ponto vai a estrutura lógico-real da finalidade; pois ainda que uma tal coisa exista e seja unicamente cognoscível, o problema que se tem à frente é um problema jurídico, normativo, a saber: o de quando se mostra necessária a pena por crime doloso. O funcionalista sabe que, quanto mais exigir para o dolo, mais acrescenta na liberdade dos cidadãos, às custas da proteção de bens jurídicos; e que quanto menos exigências formular para que haja dolo, mais protege bens jurídicos, e mais limita a liberdade dos cidadãos.” (GRECO, Luís, artigo intulado “ Introdução à dogmática funcionalista do delito”, publicado na Revista Jurídica, Porto Alegre, Jul. 2000, p. 39).
No mesmo sentido, determinaLuhmann ao dizer que “diante das necessidades dos sistemas, dos subsistemas, e até das relações intra-sistêmicas, aparece à pressão seletiva. Pode-se afirmar que a complexidade implica contingência, que, por sua vez implica pressão seletiva. Quanto maior a complexidade, maior a pressão seletiva”. (Luhmann, Niklas. El derecho de La sociedad. México. UniversidadIberoamericana, 2002).
Jacobs foi precursor da teoria da prevenção geral positiva fundamentadora que em linhas gerais pregava os seguintes dizeres: que a aplicação da pena evidencia que o agente do crime não se conduziu acertadamente, servindo de orientação aos cidadãos para o cumprimento das normas em geral, com função nitidamente educativa. Por isso, contraposta ao Direito Penal Mínimo (Jacobs, Günter. La imputación objetiva em derecho penal. Tradução. Manuel CancioMeliá. Madrid: civitas, 1999).
Desenvolvimento histórico:
O marco histórico delimitador de escolas teóricas penais; qual seja: A obra dos delitos e das penas cujo precursor foi CesareBonesana, o Marques de Beccaria. Tal obra data de 1976, data relevante no plano filosófico-penal (nos primórdios do garantismo penal) sendo contemporâneas as Declarações de Direito Americanas, bem como contemporânea ao movimento denominado iluminismo.
A simbiose do iluminismo é a valorização do homem como pessoa humana. Experimentou-se a concretude na maior revolução que o homem já sentiu: a revolução do pensamento. Até então prevalecia a teocracia e o Direito Penal estava trabalhando a serviço do seu senhor maior que vestia a capa do poder. Era utilizado o Direito Penal para instrumentalizar tal poder.Características de tal período são os processos da denominada Santa Inquisição, que se realizavam secretamente, com inversão de ônus da prova para o réu, com a possibilidade de tortura para se extrair do réu ou acusado a confissão.
Outra alteração histórica do pensamento filosófico é o nascimento do liberalismo, como o lema de que todo poder emana do povo. O povo é que passa a ser o detentor e a fonte de legitimação direta do Poder.
Já havia alguma sinalização do liberalismo na Magna Carta, apesar de imposta a João Sem Terra. A Magna Carta trazia cortesia e maiores vantagens aos barões em face do rei, à época João Sem Terra. Igualmente, propiciou os alicerces de uma liberdade menos arbitrária, com a previsão dentre outras coisas de um Tribunal do Júri, também do habeas corpus.
Após o iluminismo o Direito Penal evoluiu para o que se convencionou chamar de doutrina clássica. A concepção clássica do delito teve como alicerce fundamental o livre-arbítrio que servia como justificativa as penas aplicadas aos infratores do sistema.
A concepção clássica enxergava como uma função da pena a retribuição pelo mal causado; todavia o objetivo da pena era se pagar o mal com o mal (sanção). Ainda com resquícios teocráticos via na pena uma retribuição pela ofensa perpetrada a Deus.
Em seqüência a escola clássica surgiu à escola positiva, tendo como percussorCesareLombroso (1876) deslocando o problema da criminalidade para a genética humana, adotando-se a idéia de um determinismo genético.
De acordo com tal teoria o homem nasceria deliquente, portador de caracteres que o impediam ao convívio pacífico em sociedade. Contrariando, desta forma. O livre-arbítrio, posto que o homem seria responsável pelos danos que causasse pelo simples fato de viver em sociedade.
De acordo com Lambroso, o homem seria um ser condicionado por sua própria genética. A partir da idéia de condicionante genética houve uma evolução de pensamento para uma condicionante social. O homem passaria a ser visto como um produto do seu meio social. Houve, pois, o deslocamento do Direito Penal para o campo da sociologia e filosofia criminal.
Percebe-se resquícios dessa escola no Código Penal vigente que leva em consideração a personalidade do agente, bem como a sua conduta social para fins de aplicação da pena de acordo com o estampado no art. 59, CP.
De outra banda, surgem novas teorias, tal como a proposta por Jacobs, que tinha como condão a tese de que a conduta nada mais é que a ação voluntária e consciente capaz de evitar um resultado, desde que lhe seja juridicamente exigível que assim o faça. A essa teoria denominou-se funcionalista.
Por ser formalista Kant apregoou a idéia de que o Direito Penal tinha que ser tecnicista. Assim, o positivismo simbolizava a condicionante social ou genética enquanto o tecnicismo é o que convencionamos denominar de positivismo jurídico: O Direito Penal se limitava a ser mero intérprete da lei e aplicá-la ao caso concreto. Consagrou-se o princípio da legalidade na compilação dos Códigos Penais. Acentuou o tecnicismo a bipartição do Código Penal em parte geral e parte especial. A parte geral regia as premissas básicas dos sistemas. Surgia o tipo como a descrição de uma conduta.
Após temos como marco histórico a ser citado à deflagração da teoria do neokantismo através da qual a concepção neoclássica do delito se baseava no fator do conhecimento; o que deflagrou uma crise na teoria da causalidade, visto que conhecimento é raciocínio.
Assim, a escola clássica (causal), fundada no livre arbítrio, adotava a teoria da conditio sinequa non, ou seja, considera-se causa aquilo sem o qual o resultado não ocorreria da maneira como ocorreu. E essa ainda é a fórmula adotada pelo nosso vigente Código Penal. Consagração maior não pode haver do fenômeno do tecnicismo jurídico.Mas suas bases ruíram por apresentarem o defeito de levar a um regresso infinito. Assim, o mero vendedor de armas seria responsabilizado por um eventual delito de homicídio, o que nos levaria a um contra-senso de um resultado absurdo.
Dessa forma, houve de sobremaneira uma necessidade de modernização da teoria da conditio sinequa non a fim de obter um resultado mais justo ao infrator da norma.
Nesse diapasão houve o aparecimento de outra teoria denominada finalista. O sistema finalista do delito teve como lastro as contribuições filosóficas de Hans Welzel que apregoava que só seria imputável a conduta revestida de dolo ou culpa.Toda ação seria dirigida a um fim, até mesmo a ação culposa.
A evolução da teoria causal desabrochou na objetivação dos critérios de imputação do resultado, do qual são filhas a teoria da causalidade adequada e a teoria funcionalista.
Na doutrina, em seara cível, a teoria da causalidade adequada foi relativizada pela teoria da necessariedade. Aplica-se a teoria da necessariedade a luz do princípio da proporcionalidade, teoria encampada pelo doutrinador Gustavo Tepedino, no Rio de janeiro. Aqui o dano surge como efeito necessário da conduta.
Por fim, chegamos ao funcionalismo. A evolução do finalismo derivou a teoria funcionalista, também denominada de pós-finalista. O sistema funcionalista brilhou no cenário jurídico albergados por duas orientações: o funcionalismo estrutural chefiado por Parsons, também conhecido como funcionalismo moderado e o funcionalismo sistêmico, liderado por Luhmann, conhecido também por funcionalismo radical.
Assim, a teoria funcionalista procurou resolver o problema da causalidade sob o prisma objetivo, sem prejuízo de se valer dos critérios subjetivos em um segundo momento. Todavia, numa fase anterior ao questionamento de uma finalidade (dolo e culpa) o intérprete passa por uma fase preliminar, de caráter objetivo. Faz-se, pois, um processo de imputação de responsabilidades lastreada em critérios pragmáticos. O processo de imputação consiste em atribuir alguém a uma relação jurídica. E, aqui, não há que se cogitar no regresso infinito, e sim imputar alguém que este ligado ao resultado delituoso.
O fim da segunda grande guerra mundial que se caracterizou, sobretudo na Europa, pelo autoritarismo. E esse autoritarismo e, inevitavelmente, o período pós-guerra foi marcada pelo garantismo penal. Um resgate ao garantismo penal. O cenário alemão se bifurcou entre funcionalistas e finalistas. Na década de 70 se formulou a idéia do moderno funcionalismo delineando o alicerce das modernas teorias do Direito Penal.
Teoria do funcionalismo Penal:
Na década de 70 surgiram doutrinadores que desenvolveram estudos voltados ao resgate dos critérios subjetivos somados ao dolo e a culpa e passaram a visualizar o Direito Penal como uma função inserida na ordem jurídica.
Em destaque a publicação da obra alemã KriminalpolitikundStrafrechssystem, traduzia em português sob a epígrafe: Política Criminal e Sistema Jurídico Penal, de autoria de ClausRoxin. Tal autor inaugurou as premissas básicas da teoria funcionalista, também conhecida como teleológico-racional que promulga a idéia de reconstrução da teoria do delito com lastro em critérios políticos criminais.
Consiste a política criminal em uma postura crítica voltada ao estudo do Direito Penal posto, expondo os seus defeitos, o que se dá tanto no campo da criação quanto da aplicação das normas penais aos casos concretos desaguando em um instrumento do Estado no combate à criminalidade.
DispõeNiklasLuhmann:
“O Estado no sistema político possui importância evidente para a política, mas o sistema político não coincide com o estado. O estado é um sistema de decisões organizadas, diferenciado no interior do sistema político, sendo, assim, uma organização delimitada através de limites territoriais.” (Luhmann, Niklas. El derecho de La sociedad. México. UniversidadIberoamericana)
A preocupação basilar de tal teoria do funcionalismo penal é a de responder, de plano, a pergunta: para que serve o Direito Penal? Preocupado em divulgar a decadência da teoria finalista Roxin apontou como único caminho viável o abandono do prisma inseguro da vontade ganhando primazia sobre ela as decisões valorativas político-criminais.
Segundo o doutrinador Luís Greco “(…) o finalista pensa que a realidade é unívoca (primeiro engano), e que basta conhecê-la para resolver os problemas jurídicos (segundo engano – falácia naturalista); o funcionalista admite serem várias as interpretações possíveis da realidade, de modo que o problema jurídico só pode ser resolvido através de considerações axiológicas, isto é, que digam respeito à eficácia e a legitimidade da atuação do Direito Penal (…)”. (Greco, Luis, artigo intitulado “Introdução à dogmática funcionalista do delito”, publicado na Revista Jurídica, Porto Alegre, Jul. 2000, p. 39)
Visando explicitar a pronta resposta sobre para que sirva os Direitos Penais duas correntes, ambas funcionalistas, propiciam conclusões bastantes técnicas sobre o assunto. Mas antes de realçarmos as suas diferenças destacam-se suas semelhanças:
A teoria funcionalista bifurcada
Trata-se da corrente funcionalista de Jacobs e da corrente funcionalista de ClausRoxin. Jacobs foi discípulo de NiklasLuhmann, sociólogo, que desenvolveu seus estudos na ótica de Jacobs, segundo ele o Direito Penal tem como função reafirmar os valores de determinada ordem jurídica.
Sofreu Jacobscriticas sobre seu posicionamento ganhando até mesmo a pecha de nazista. Isso porque sua idéia também pode ser utilizada num regime totalitário, embora nem sempre isso se dê. Como reação Jacobs sinalizou não estar apontando como o Direito Penal deve ser; mas apenas apontando como o Direito Penal foi e é. Oriunda de uma concepção funcionalista extrema ou radical a ação surge na obra de Jacobs como parte da teoria da imputação, que, por outro lado, deriva da teoria da função da pena.
Traça-se o quadro de quem deve ser punido para a estabilidade normativa. Assim, justifica-se a punição do agente pelo fato de ter agido de modo contrário à norma e cupavelmente.
De outra banda, tem ClausRoxin filiou-se ao funcionalismo moderado. Procurou dar um conteúdo a essa idéia funcional; ou seja, o Direito Penal tem por função reafirmar os valores da ordem jurídica. Recuperação e punição são conseqüências, efeitos possíveis e impossíveis no Direito Penal. Acrescentou, o doutrinador a reafirmação dos valores da ordem jurídica deve ser feita por razões de política criminal para a reafirmação de valores fundados na dignidade humana.
O núcleo fundamental do sistema formulado por Roxin apresenta-se como a mais singela necessidade de que a política criminal possa penetrar na dogmática criminalista. ( Roxin, Claus, Tratado de Derecho Penal – Parte General, Tomo I, Civitas, 1997).
A diferença entre as correntes era que Jacobs se limita a explicar o que o Direito Penal tem sido, reafirmando os valores de uma ordem jurídica. Roxin vai além; reafirmar que os valores fundados na dignidade da pessoa humana e acrescidos a uma política criminal são necessários. A política criminal consiste em uma diretriz. E é justamente nesse campo em que o intérprete e aplicador da norma trabalham com a proporcionalidade no que toca a aplicação das penas.
O funcionalismo de ClausRoxin começa, pois, a discutir alguns problemas graves. Se a finalidade do Direito Penal é a de reafirmar valores fundados na dignidade humana, então, os crimes deveriam ser tão-somente de dano. Enquanto o bem jurídico não for atingido O Direito Penal não deve atuar. Acontece que essa idéia está em contraposição com toda a legislação. Isso porque existe os crimes de perigo abstrato.
Dessa forma, o Direito Penal se antecipa a lesão. Pode estar inserido no perigo concreto, no perigo abstrato e até na precaução. Na última edição da obra de ClausRoxin, datada de 2006, ainda não traduzida para o português, após expor todo o conteúdo do Direito Penal em sua proteção ao bem jurídico reconhecido pela ordem jurídica, o autor acrescentou uma frase: “mas há crimes em que não se vislumbram um bem jurídico tutelado”.
O funcionalismo é, pois, um conjunto de teorias que vislumbram no Direito Penal a finalidade ou a função de reafirmar os valores sociais consagrados por uma determinada ordem jurídica (sem valoração: Jacobs); essa mesma ordem jurídica quando fundada na dignidade humana dentro de uma política criminal (Roxin); ou seja, como uma política criminal.
O funcionalismo penal é um só, embora sejam diversas as formas de enxergá-lo; mas todas levam nos levam a um ponto em comum; qual seja: a insegurança da conduta.
Para o funcionalismo penal o sistema jurídico só encontra segurança nele mesmo, ou seja, em sua densidade normativa. Assim, o finalismo ainda prepondera sobre nosso sistema jurídico, mas nos leva a insegurança de se enquadrar a conduta culposa dentro do que se entende por resultado final, querido e assumido pelo agente.
O funcionalismo de Jacobs teve o mérito à reafirmação da norma, mas restou incompleta em sua essência, pois a norma visa a proteger valores. Surge Roxin delimitando os valores. Na Constituição Brasileira não delimita os e continuando no limbo jurídico.
Em assim sendo, apesar de ter sido abraçado na Europa em grande escala o funcionalismo penal para que possa ser aplicado ao modelo brasileiro precisará de alguns ajustes e o primeiro ajuste passa pela própria constituição da República que poderá ser alterada via emenda constitucional elencando em primazia, como cláusula pétrea, a vida como bem jurídico maior. Não basta uma cláusula pétrea trazendo a vida, pois esta já existe, mas elencando a vida como bem maior. Isso porque a partir do momento em que a palavra vida vem seguida de uma vírgula já denota que ela é um direito fundamental que pode ser relativizado.
Advogada atuante formada pela Faculdade de Direito de Franca turma de 2011. Especialista em direito penal e processual penal pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus de São Paulo
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