Resumo: O presente artigo aborda o paradoxo existente entre a necessidade de segurança e de celeridade na prestação jurisdicional. Esse paradoxo dá origem a outro, o que existe entre o crescente poder discricionário conferido aos juízes e a padronização dos procedimentos e decisões judiciais.
Palavras-chave: Celeridade. Segurança. Discricionariedade. Padronização. Decisões. Judiciais.
Abstract: This article discusses the paradox between the need for security and speed in judge’s activity. This paradox leads to another, which exists between the growing discretion granted to judges and standardization of procedures and judgments.
Keywords: Quickly. Security. Discretion. Standardization. Decisions. Court.
Sumário: Introdução. O Processo. Mudança necessária de procedimentos ou de ritos? Efetividade, celeridade e informatização. Necessidade de padronização. Padronização e discricionariedade. Juízes legisladores? Conclusão. Referências Bibliográficas.
Introdução
Nos últimos trinta anos os temas que mais têm ocupado os processualistas são a efetividade e a duração do processo judicial.
O processo judicial efetivo vem sendo entendido de forma dúplice. De um lado, seguindo a máxima Chiovendiana de que o processo deve dar a quem tem direito exatamente aquilo a que tem direito[1]. O processo efetivo seria aquele que culminaria em uma prestação jurisdicional que garantiria ao vitorioso uma tutela cujo conteúdo efetivo é o mais próximo possível do conteúdo do direito lesionado ou ameaçado de lesão. De outro lado o processo só é verdadeiramente efetivo quando dota o poder judiciário e as partes de instrumentos capazes de implementar no mundo real (extra-processual) os efeitos de suas decisões.
Além disso, o outro grande tema é a duração do processo. Ainda que o processo seja de fato efetivo e desemboque em uma prestação jurisdicional adequada e exequível pouca utilidade terá se o tempo consumido com sua realização for demasiadamente extenso, por vezes superior a vida dos demandantes.
Formulados esses problemas e com genuíno desejo de soluciona-los os processualistas brasileiros se entregaram ao sedutor “canto da sereia” da efetividade e da celeridade do processo.
A resposta aos anseios dos processualistas veio pela via de alterações legislativas e com a adoção dos meios digitais pela justiça. Nas décadas de 1990 e 2000 foram introduzidas várias modificações no vigente código de processo civil para atender a esse clamor. Cabe ressaltar que essas modificações, no mais das vezes, apenas ressuscitaram velhos institutos do revogado código de processo de 1939[2]. O ciclo de adaptações no ordenamento com vistas a uma maior efetividade chegou, ao que parece, a seu termo com a edição da emenda constitucional 45 que, dentre outras coisas, garante, como direito fundamental, a razoável duração do processo. Como complemento a essas alterações legislativas o CNJ passou a exigir dos magistrados o cumprimento de “metas” decisórias.
Passado algum tempo do início das “ondas” de efetividade e celeridade que varreram o direito processual há que tentar responder algumas novas questões que emergiram com o novo quadro.
A palavra processo é, etimológica e historicamente, ligada a uma função que se desenvolve no tempo por via de um conjunto de atos interligados de forma sistêmica e dirigidos a um fim. Daí porque um processo instantâneo é uma contradição em termos. Além de contraditório um processo instantâneo é perigoso.
O direito processual foi desenvolvido historicamente, como uma forma de proteção dos cidadãos contra o uso arbitrário da força pelos detentores do poder. Essa arbitrariedade ocorre de duas formas: A) pelo uso da força em favor de alguém se que se apure quais são as razões daquele contra quem se usa a força e; B) pela adoção de medidas exageradas e imprevistas contra o derrotado na demanda judicial.
Para atingir a esses objetivos que, em última análise sintetizam o valor da segurança, é preciso que se sacrifique uma parte das tão almejadas celeridade e efetividade.
Impõe-se, então, a fixação dos objetivos da legislação processual. Esse intento só pode ser levado a cabo tendo-se em mente que quanto mais célere, menos efetivo e mais inseguro será o processo e quanto mais seguro menos célere e efetivo. Parece óbvio que ninguém, em sã consciência, afirmará que um desses valores (segurança, celeridade e efetividade) deve prevalecer a ponto de obliterar totalmente o outro. Então resta a questão, deve-se dar ênfase à efetividade, celeridade ou a segurança?
Com a resposta a essa questão é que os objetivos do processo judicial podem ser estabelecidos. Em suma, pretende-se um processo seguro com o máximo de efetividade e celeridade possíveis? Ou se quer um processo rápido com o máximo de segurança e efetividade possíveis? Ou ainda, um processo com extrema efetividade é o máximo de segurança e rapidez? A ausência de respostas claras a essas questões produzem uma verdadeira esquizofrenia na legislação e na prática judicial.
Por outro lado imaginar que alterações pontuais na legislação e que a simples substituição de “papel por computador” será capaz de dar celeridade ao processo judicial é, no mínimo, ingenuidade. Mudar a “mídia” do processo não resolve os problemas processuais e procedimentais que estão no centro da questão. A informatização passa pela compreensão da necessidade de uma adequação dos ritos a tecnologia da informação. Temos ritos feitos para o papel, com formalidades e prazos adequados a mídia impressa. Só com a adequação desses ritos a mídia digital é que os verdadeiros benefícios da tecnologia da informação poderão ser alcançados.
Para que os tribunais não se tornem nem obsoletos nem arbitrários há que se pensar em três direções: A) qual o tipo de tutela jurisdicional será prestada (processo); B) como garantir a segurança contra os abusos e as arbitrariedades nas decisões judiciais(processo e procedimento); C) como adequar o andamento dos feitos (ritos) as novas tecnologias.
No presente artigo a discussão sobre essas questões serão introduzidas. Mais do que fornecer respostas o que se pretende aqui é trazer a luz o que está sob o discurso da efetividade e da celeridade. Para isso o texto está dividido em três partes, a primeira dedicada ao processo aqui entendido como meio para obtenção de uma tutela jurisdicional específica, a segunda dedicada ao procedimento enquanto técnica de cognição e instância das questões levadas a apreciação do poder judiciário e, por fim, a terceira parte que aborda a questão da adequação dos ritos a nova tecnologia da informação.
O Processo
Em determinado ponto do desenvolvimento histórico ocidental os detentores do poder optaram por retirar dos particulares a possibilidade de resolver seus desentendimentos pela força própria. Esse movimento é contemporâneo da criação do Estado Nacional.
O Estado tem como uma de suas características principais o monopólio da violência. Esse monopólio retira dos cidadãos a possibilidade da justiça de mão própria. De fato com a monopolização do uso da força pelo Estado a autotutela passa a ser criminalizada[3]. No entanto as instituições sociais só sobrevivem na medida em que, por um lado coagem e limitam a ação individual e por outro a facilitam (GIDDNES, 2010). Ao impedir a “justiça de mão própria” o Estado se viu coibido a criar uma forma de composição dos conflitos que emergem entre os indivíduos.
Para que os indivíduos tenham como resolver seus conflitos intersubjetivos sem o recurso à força própria foi lhes concedido o direito de pleitear ao Estado, como titular do monopólio da violência, que os substitua no uso da força para a solução de tais conflitos. Mas o uso da força de forma indiscriminada não é admissível para os padrões valorativos do mundo ocidental[4]. Disso decorre a necessidade de um sistema para que o Estado possa avaliar se aquele que requer o uso da força contra outro o faz de forma legítima. Esse sistema criado para a avaliação da pertinência ou não do uso da violência contra certos indivíduos, no Brasil, é o conjunto de atos, funções e poderes exercidos pelo poder judiciário, em última análise, a jurisdição[5].
Formalmente essa possibilidade de submeter ao Estado o desejo de que a violência seja usada contra outro indivíduo foi sintetizada no conceito de “pretensão a tutela jurisdicional”. Assim é lícito afirmar que todos aqueles que desejem o uso da força contra outros, seja para prevenir lesões ou repará-las, podem exercer contra o Estado a sua “pretensão a tutela jurisdicional”, pretensão essa que corresponde a uma obrigação estatal de prestar tal tutela[6]. É bom deixar claro, desde já, que mesmo aquele que acredita ter o direito ao uso da força sem que de fato o tenha ou aquele que sabe não ter esse direito mais afirma ter, também são titulares da pretensão a tutela jurisdicional, em outras palavras, o direito de exigir do Estado a tutela jurisdicional não está condicionado ao fato dessa tutela ser de acordo com os interesses de quem exige. A tutela jurisdicional é prestada com uma resposta do Estado, ainda que ela seja negativa (CASTELO, 1993).
Mas em que consiste a tutela jurisdicional? Como ela é prestada? Como ela pode ser requerida?
A tutela jurisdicional deve ser prestada de acordo com o direito que se pretende impor ao outro. É claro, até para o mais leigo dos leigos, que o despejo de um imóvel é coisa bem diferente de um divórcio e assim por diante. Daí a afirmação que a cada direito que se alega lesionado ou ameaçado de lesão corresponde a um tipo de tutela específica[7].
Essa tutela é requerida e, eventualmente, obtida por via de um processo. Pode-se então, nesse ponto, definir processo como sendo o meio pelo qual o Estado irá avaliar e determinar qual tipo de tutela jurisdicional deve ser prestada para cada caso específico, ou como o meio adequado para o interessado pleitear a tutela que julga adequada ao seu direito, ou ainda, pela ótica do Estado/Juiz, como a relação que se estabelece entre o judiciário e o interessado com vistas ao cumprimento da obrigação de prestação jurisdicional.
Com essas definições em mente, durante milénios, a sociedade ocidental condicionou a prestação de certo tipo de tutela jurisdicional a correta escolha pelo interessado do processo a ser usado. Essa forma de proceder trazia dois grandes inconvenientes: o primeiro era que frente ao grande número de processos possíveis o interessado tinha que acertar qual era o adequado a sua pretensão material[8]. E o erro conduziria ao fracasso; o segundo problema é, poderíamos chamar, a criatividade da realidade. Como as relações pessoais, portanto os direitos, são capazes de tipos e combinações quase infinitas, em muitas situações que havia o direito mas não havia o processo próprio para o seu exercício o que acabava por inviabilizar o direito em si.
Para tentar sistematizar o processo o legislador brasileiro editou o código de processo civil de 1973, que, com muitas alterações ainda está em vigor.[9]
O sistema do código buscou resolver os problemas apontados com a instituição de processos e tutelas genéricas que servissem para a defesa de todos os direitos e os separou em três categorias distintas as quais nomeia respectivamente de “processo de conhecimento”, “processo de execução” e “processo cautelar”.
A primeira tutela, a sentença, é produto do processo de conhecimento e se restringia a uma operação lógica de subsunção do fato apurado à norma jurídica com obtenção de um resultado de conteúdo necessariamente declaratório e com tipos e cargas de eficácia variáveis[10]. A sentença assim proferida segue um procedimento próprio (sobre o qual se falará em seguida) e adota critérios de certeza que conduzem depois de cumpridos os prazos e formalidades, a imutabilidade de seu conteúdo.
A segunda tutela jurisdicional, o ato executivo, é produto do processo de execução. O ato executivo é aquele pelo qual o poder judiciário determina aos demais órgãos do Estado o uso da violência contra o indivíduo, em outras palavras, o ato executivo é aquele em que o poder judiciário determina que se mude a situação física de pessoas ou coisas. Para que esse ato seja levado a cabo de forma legítima (seguindo a tradição ocidental) se faz necessária uma sentença prévia onde já se tenha discutido se o uso da violência é ou não legítimo, ou então que a parte requerente seja titular de um documento com um grau de certeza equiparável ao da sentença (título executivo extrajudicial)
Por fim a terceira tutela, a medida cautelar, é destinada, exclusivamente, a proteção das eficácias de uma sentença futura. Todo processo, seja o digestivo ou o judicial, demanda tempo, ocorre que, muitas vezes, no decurso do tempo natural do processo o objeto material da demanda pode vir a se deteriorar. Como uma prestação jurisdicional inútil seria incentivadora do uso da justiça de mão própria é de interesse do Estado preservar a utilidade de suas decisões, para esse fim são instituídas as medidas cautelares que devem preservar o objeto litigioso sem satisfazer antecipadamente aos interesses do pleiteante.
Além desses três tipos de processo o código manteve, por amor à tradição, um capítulo destinado aos procedimentos especiais que são de natureza fundamentalmente cognitiva (processos de conhecimento com procedimentos próprios) que são, na verdade, um processo para cada direito que se alega violado ou ameaçado de lesão.
Em resumo o código de processo civil do 1973 está fundado em dois pilares: A utilização de um único feixe de tutelas para todo e qualquer direito e na separação dos tipos de tutela por ele consagrado. Esse segundo pilar pode ser resumido na frase tão repetida pelos processualistas: “onde se conhece não se executa e onde se executa não se conhece”.
Na teoria estava tudo ótimo. O código gozava de uma razoável unidade sistêmica. Na prática, devido a problemas materiais (excesso de demandas, falta de pessoal e de estrutura) a dinâmica imaginada pelo legislador tinha dois sérios inconvenientes que se relacionavam entre si. O primeiro, em função de problemas estruturais, era o tempo excessivo que se levava para alcançar a efetiva solução do problema, muitas vezes esse tempo era contado em décadas e gerações e não em meses ou anos. O segundo problema era a patrimonialização das relações. Como a tutela jurisdicional demorava demais a ser prestada, quando havia ameaça de lesão a direito ou quando se tratava de uma obrigação que não fosse originalmente pecuniária, a satisfação do direito acabava por se converter no pagamento ao lesado de uma quantia em dinheiro.
Esses problemas desencadearam um movimento pela efetividade e celeridade na prestação da tutela jurisdicional. Para atender a esses anseios o Estado, de braços dados a renomados processualistas, optaram por introduzir micro-reformas no código de processo civil, ao invés de atacar os problemas estruturais do poder judiciário, com isso se sacrificou toda a estrutura sistemática do código e, por que não dizer, a segurança jurídica, sem que os problemas apontados fossem, de fato solucionados.
No final da década de 80 do século passado os problema crônicos e estruturais do poder judiciário se fizeram sentir com mais força. O Estado Brasileiro passou, então, a ser o maior “cliente” do poder judiciário. Ao adotar medidas de legalidade duvidosa que traziam grandes prejuízos aos cidadãos a União Federal provocou um verdadeiro “engarrafamento” na máquina judiciária. Máquina essa que já sofria com problemas crônicos de sub-dimensionamento e outros de natureza estrutural[11].
Nesse momento são misturados ingredientes potencialmente explosivos: um aumento abrupto de demandas; uma estrutura insuficiente e um modelo processual baseado no dogma de que a prática de atos executivos deveria, necessariamente, ser precedido de um processo cognitivo onde se fosse capaz de formular um juízo definitivo sobre o tema.
A mistura desses ingredientes trouxe a luz à lentidão, e porque não dizer quase total ineficácia, do nosso poder judiciário.
A solução encontrada pelos operadores do direito (advogados e juízes) foi a criação informal de um processo híbrido. Com o uso do processo cautelar e do procedimento das medidas cautelares inominadas se criou um tipo de tutela jurisdicional que condensava cognição sumária e execução imediata.
Em outra frente, esses mesmos operadores do direito, começaram a “modificar” os procedimentos e os efeitos atribuídos a uma série de recursos com o uso, ora de mandado de segurança, ora da própria ação cautelar inominada[12].
A reboque dessa realidade vieram primeiro a doutrina teorizando a respeito do fenômeno e depois o legislador “homologando” essas práticas e introduzindo outras que tinham por escopo resolver o problema da deficiência da prestação jurisdicional, tais como a institucionalização da antecipação de tutela pelo artigo 273 do CPC e a modificação dos efeitos atribuídos ao recurso de agravo.
Em princípio essas alterações ajudaram a desafogar o judiciário, mas como elas não foram acompanhadas das reformas estruturais e dos investimentos necessários logo se verificou que, embora tenha-se melhorado, a situação está longe de ser resolvida.
De outro lado a opção por não criar um novo código mas sim implementar pequenas reformas acabou por criar uma grande confusão com o fim do sistema então vigente.
A separação entre processo de conhecimento e processo de execução foi desfeita, o dogma da inexistência de execução sem título foi modificado, as mediadas sumárias não cautelares passaram a ser admitidas em todos os processos e em qualquer fase dos procedimentos, o processo cautelar foi, basicamente, extinto, com a introdução da possibilidade da concessão de medidas cautelares incidentes em todas as fases do processo (parágrafo 7º do artigo 273 do CPC).
Enfim, essa distonia entre o sistema formal e as mudanças introduzidas no código acabou por gerar uma esquizofrenia onde cada julgador e cada tribunal age de forma independente e diversa criando praxes processuais que acabam por se tornar verdadeiras legislações processuais paralelas.
Hoje se encontra em discussão no Senado Federal um anteprojeto de lei para a instituição de um novo código de processo civil. Esse é o momento oportuno para que se abra a discussão a respeito do tipo de processo civil que queremos e precisamos para o futuro dos tribunais. É um momento imperdível para que se crie um novo sistema que, com a adoção de regras claras, diminua a insegurança e a arbitrariedade vigentes. A chave para esse sistema talvez esteja na adequação dos procedimentos e ritos às novas tecnologias da informação.
Mudança necessária de procedimento ou de ritos
A apresentação dos termos procedimento e rito como sinônimos é comum em quase todos os compêndios de direito processual. No entanto uma simples leitura do índice do CPC mostra a diferença.
Tome-se como exemplo o processo de conhecimento. O que difere o processo de conhecimento do processo de execução e do processo cautelar é a tutela jurisdicional que se pode obter com cada um. No processo de conhecimento essa tutela é uma sentença, no processo de execução é um ato executivo e no processo cautelar uma medida cautelar.
No processo de conhecimento há dois tipos de procedimentos, o procedimento comum e os procedimentos especiais. Nesse caso a diferença entre um do outro é a extensão e a profundidade com que a matéria levada ao poder judiciário será analisada. Usando a terminologia desenvolvida por Kazuo Watanabe pode-se dizer que o procedimento comum é de cognição plena e exauriente, já os procedimentos especiais são sumários e/ou de cognição parcial (WATANABE, 1999).
A classificação é binária. Os procedimentos são de cognição plena quando possibilitam o exame pelo poder judiciário de toda matéria de fato e de direito envolvida na demanda apresentada. Os procedimentos de cognição parcial quando essa cognição é limitada. A limitação à cognição pode ser imposta sobre as alegações do autor, sobre as alegações do réu ou sobre os meios de prova.
A adoção de procedimentos de cognição parcial tem vantagens e desvantagens. As vantagens estão ligadas a possibilidade de se obter uma prestação jurisdicional mais célere na medida em que o tema que deve ser analisado é reduzido. A principal desvantagem, que pode em última análise anular a vantagem criando uma “soma zero”, é a criação de exceções reservadas. Pelo princípio constitucional da inafastabilidade da análise pelo poder judiciário de toda e qualquer matéria que seja de interesse de alguém toda vez que um procedimento limita às alegações ou os meios de prova a serem utilizados pelas partes cria as chamadas exceções reservadas que nada mais são do que a possibilidade de levar ao judiciário, de novo, a mesma questão pela via de outro procedimento com o recurso às provas/alegações que não puderam ser usadas no procedimento de cognição parcial. Assim, por exemplo, nas ações possessórias é vedada a discussão sobre o direito de propriedade, logo essa discussão poderá ser levada ao poder judiciário por via de uma ação de cognição plena.
A outra distinção entre cognição exauriente e cognição sumária diz respeito a profundidade do exame das questões apresentadas. Os procedimentos exaurientes são aqueles em que o poder judiciário analisa os fatos de forma mais profunda e detalhada, e só profere uma decisão depois da exaustiva argumentação das partes. A decisão tomada com base nesse tipo de procedimento é apta para a produção da coisa julgada material, isto é, as questões decididas com base em procedimentos de cognição exauriente não poderão ser rediscutidas pelo poder judiciário.
Os procedimentos de natureza sumária nada tem haver com o rito sumário. A adoção desses procedimentos se funda em uma apreciação “sumária” das questões alegadas, neles o julgador profere sua decisão sem que se esgote toda a apreciação da prova e sem que às partes formulem todas as suas alegações. São decisões que sempre serão objeto de revisão quando da colheita de todas as provas e da apreciação de todas as alegações permitidas. Nesse sentido se afirma que as decisões proferidas ao fim desse tipo de procedimento são provisórias e incapazes de produzir coisa julgada. Os procedimentos sumários são os adotados na apreciação de pedidos de decisões liminares e em outros tipos de antecipação concedidas no curso do procedimento.
Luiz Guilherme Marinoni agrupa os tipos de procedimentos segundo determinados “cortes” e a composição entre eles. Segundo esse autor o corte da cognição pode ser: horizontal (sumária e exauriente) ou vertical (plena ou parcial) (MARINONI, 2010).
Os quadros a seguir tornarão essa questão mais clara:
No direito processual brasileiro são inúmeros os exemplos de procedimentos que adotam uma combinação variada das técnicas de cognição. As ações que adotam os procedimentos especiais possuem, em regra limitações quanto a matéria que pode ser alegada pelo autor. A ação de desapropriação, por exemplo, limita as alegações do réu. Já o mandado de segurança limita os meios de prova que podem ser utilizados.
Já a sumarização é utilizada em procedimentos com cognição plena ou parcial, sempre que há a concessão de liminares/antecipações sejam cautelares ou satisfativas.
A questão que hoje se apresenta aos processualistas é a aptidão do direito processual para realizar, de forma célere e efetiva, o direito material daqueles que pleiteiam a tutela jurisdicional. Há vários meios para se atingir a esse fim, uns mais eficientes que outros. Seria a adoção de procedimentos sumários e de cognição parcial um desses meios? Quais as vantagens e desvantagens da adoção desse caminho?
O direito processual é fenômeno recente na história ocidental. Até meados do século XIX direito de recorrer ao Estado em busca de proteção ou reparação era visto como uma extensão do direito material violado ou ameaçado de violação (SILVA, 2000). O problema era, então, como explicar as sentenças de improcedência. Ora, se o direito de requerer uma tutela do Estado era uma extensão do próprio direito a ser tutelado o que acontecia quando, ao final da demanda, se chegava a conclusão que o direito não existia? Havia aqui um paradoxo. O indivíduo buscava a tutela Estatal porque era titular de um direito violado ou ameaçado de violação. O que legitimava a busca da tutela do Estado era a titularidade desse direito. Quando o Estado concluía que o direito invocado não existia automaticamente afirmava não existir o direito de demandar. Mas, de fato, a demanda já tinha se dado e chegado ao fim. Seria então o ato de demandar sem ter o direito um ilícito? Só quem, de fato fosse titular do direito material poderia ir a juízo? Ou ainda, só a sentença de procedência seria tutela jurisdicional?
Esses problemas foram resolvidos com a teorização sobre o direito de ação. Muitas foram às teorias que ainda se apegavam ao vínculo entre o direito de demandar e o direito material posto em causa[13]. No Brasil somente na década de 1980 é que a teoria abstrata, que afirma a total autonomia entre o direito processual e o direito material objeto da demanda, foi aceita de maneira uniforme pelos tribunais.
Como na vida, na teoria, nada é perfeito. A solução do problema da improcedência com a construção de um direito processual autônomo criou outros.
Com a teoria concretista da ação direito processual e direito material eram uma só coisa. Sempre que o direito material era violado surgia para o seu titular uma “ação” própria, cada direito tinha a sua ação e cada ação tinha a sua forma específica (procedimento e rito) de ser pleiteada junto ao poder judiciário.
Com o advento da teoria abstrata da ação e da autonomia do processo civil deixou de existir, em grande medida, essa correlação entre direito material violado, direito de ação e procedimento. A possibilidade de demandar junto aos tribunais, ação, passou a ser compreendida como um direito subjetivo público e incondicionado do qual são titulares todos aqueles que afirmam ter um direito violado ou ameaçado, independentemente desse direito existir ou não.
O passo seguinte foi criar procedimentos e regras comuns para o recurso ao poder judiciário sem que esses procedimentos fossem referidos à qualquer direito material em especial. Por um lado essas medidas facilitaram o acesso a tutela jurisdicional já que não era mais requisito “acertar” a ação que se deveria ajuizar. Bastava que se soubesse a tutela jurisdicional desejada (sentença, ato executivo ou medida cautelar) e o rito adequado. Por outro lado acabou-se por criar a “ordinarização” do processo. Com um único tipo de “ação” os ritos e os procedimentos tiveram que ser alongados para poder contemplar a defesa de todos os direitos violados ou ameaçados. O mesmo aconteceu com o processo de execução que se “monetarizou”. A forma de uniformizar a tutela executiva se deu pela conversão em dinheiro de todos os tipos de obrigações não cumpridas (fazer, não fazer, entregar, etc…).
Não seria mais possível conceder uma tutela específica para cada tipo de direito. Mesmo questões relativamente simples tinham que se submeter ao processo de conhecimento e ao procedimento comum. A diferença entre os ritos (sumário e ordinário) pouca ou nenhuma influência exerciam no tempo que levava cada demanda. A necessidade de adotar um processo e procedimento únicos e comuns a todos os direitos acabou por criar um fetiche da regra processual. O cumprimento de todas as etapas do processo de forma quase religiosa passou a ser um fim em si mesmo, mas talvez o mais grave tenham sido os efeitos deletérios sobre o processo de execução. A substituição de todo e qualquer inadimplemento por um quantia em dinheiro se tornou uma verdadeira licença para o descumprimento de obrigações específicas.
A reação a esses problemas surgiu na doutrina com o movimento da tutela jurisdicional dos direitos. Segundo esse movimento o direito processual não tem fim em si mesmo e deve servir como meio para a realização do direito material invocado. É claro que não se pretendia, com isso, voltar a teoria concreta da ação e extinguir a autonomia do direito processual. O direito processual é reconhecido como autônomo, mas com o objetivo claro e definido de realizar, concretamente, o direito material objeto das demandas. Em outras palavras, embora o direito de ação continue sendo um direito subjetivo público e incondicionado não mais seria usado um procedimento único e rígido para todos os direitos postos em questão.
Para que se possa prestar uma tutela específica para cada direito individualizado há duas possibilidades: A) Retorno aos vários tipos diferentes de ação, uma para cada direito violado ou ameaçado; B) Ampliação dos poderes dos magistrados para que eles possam adequar os procedimentos e os meios executivos à efetividade dos direitos em questão de forma discricionária. A opção da legislação e da doutrina brasileira tem sido a ampliação dos poderes dos magistrados. Não podemos esquecer que esse aumento dos poderes trás sérios riscos a segurança jurídica e ao Estado de Direito.
Se por um lado é necessária a criação de meios para que o titular de um direito consiga realizá-lo por outro devem ser garantidos dois outros direitos: A) ampla defesa daquele contra quem o direito é afirmado e; B) o direito de saber, previamente, quais as consequências de seus atos, é o velho princípio fundador das liberdades públicas segundo o qual não há crime sem leia anterior que o defina.
Os problemas acima apontados podem ser minimizados com a séria e estrita obrigação dos magistrados de fundamentarem suas decisões. Hoje em dia a obrigação de fundamentação é meramente formal na medida em que nossa corte constitucional afirma que os juízes não são obrigados a responder a todos os argumentos suscitados pelas partes[14].
O aumento do poder discricionário dos magistrados no estabelecimento dos procedimentos e, não mais na escolha, mas na criação de meios executivos (tal como permite a atual redação do artigo 461 parágrafo 5º do CPC), tende a descambar, rapidamente, para a arbitrariedade com a implantação da pior das ditaduras a “ditadura dos juízes”[15].
A conexão dessas medidas com a adoção de procedimentos especiais (no sentido de procedimentos de cognição sumária ou parcial) é evidente. O exercício de poderes discricionários pelos magistrados se dará individualmente e acabará por criar uma quantidade expressiva de exceções reservadas que tendem a agravar, ainda mais, os problemas que às reformas buscam resolver.
O primeiro ponto a se considerar é o impacto da discricionariedade sobre a celeridade dos feitos. Conceder aos magistrados poderes para atribuir, em cada caso específico, o melhor procedimento a adotar, a extensão e o limite dos julgados e os meios de execução, significa afirmar que em cada caso específico o juiz deverá, criar uma nova rotina, um novo procedimento e um novo rito. Como essa criação, para atender a demanda de efetividade das tutelas, deve ser individual, cada lide deve ser minuciosamente examinada em todos os seus pequenos detalhes, não mais poderá o magistrado se valer dos grandes modelos esquemáticos com os quais a legislação processual é construída. A regra de que “cada caso é um caso” valerá não apenas para o conteúdo dos atos decisórios, mas também, para todos os aspectos formais do processo. É obvio que a atenção individual e específica para cada um dos detalhes do procedimento e do rito demandará um tempo infinitamente maior do que o despendido com o uso de esquemas legais pré-determinados. Com isso a tensão existente entre celeridade/segurança é estendida para o par celeridade/efetividade. Dito de outra forma, se a discricionariedade for usada como meio para o aumento da efetividade das decisões judiciais haverá, inevitavelmente, um sacrifício da tão almejada celeridade.
O outro problema reside no conceito de discricionariedade. Não se pode confundir discricionariedade com arbítrio, sob a pena da violação direita ao artigo primeiro da Constituição que afirma o Brasil como um Estado de Direito.
O ato discricionário é aquele em que o agente público avalia a conveniência e oportunidade da prática de determinado ato previsto em lei. Esses critérios de conveniência e oportunidade devem ser exercidos dentro dos limites traçados pelo direito com vistas ao melhor atendimento dos interesses públicos. Para que esses critérios possam ser aferidos os atos, ainda que discricionários, devem ser fundamentados (CARVALHO FILHO, 2000). É no limite legal e na exigência de fundamentação que reside a diferença entre arbitrariedade e discricionariedade. Arbitrário é o ato motivado apenas pela subjetividade sem amparo legal e sem uma justificativa explícita.
Os seres humanos são extremante complexos, os valores e as opiniões são formados por uma série de fatores aos quais nem o próprio agente tem total acesso consciente, por isso não há como se alcançar a neutralidade necessária a uma decisão puramente objetiva. Não há neutralidade. Todas as decisões e, por que não dizer, os pensamentos, são ditados pelas pré-compreensões que o indivíduo possui sobre o tema. Para que não se caia em um irremediável solipsismo as ações precisam ser justificadas aos outros para que sua legitimidade e pertinência sejam postas a prova.
A função primária dos magistrados é a pacificação social pela via da solução dos conflitos. Para que a pacificação seja efetiva, a solução dos conflitos deve ser levada a cabo com a aplicação dos valores vigentes na sociedade, denominados de fundamentos comuns (DIJIK, 2003). Esses valores não são os pessoais do magistrado, mas os prevalentes na sociedade. Como o magistrado é membro dessa mesma sociedade, em regra, haverá a concordância entre esses dois sistemas valorativos. Mas a única forma de verificação dessa compatibilidade é pela análise dos motivos das decisões judiciais, por isso, mesmo os atos discricionários devem ser, amplamente motivados.
Há, ainda, a questão da segurança jurídica. Por segurança jurídica se entende a atribuição de previsibilidade para as consequências jurídicas dos atos praticados. Essa previsibilidade está condicionada à previsibilidade das decisões judiciais. Os deveres jurídicos somente podem ser cumpridos se estabelecidos e especificados previamente. No Estado Brasileiro o titular do poder é, constitucionalmente, o povo que exerce esse poder por meio de seus representantes no poder legislativo e no poder executivo. Esses representantes é que tem a atribuição e a prerrogativa de estabelecer os deveres jurídicos e a consequência pelo seu descumprimento.
Efetividade, celeridade e informatização
A tecnologia da informação é vista como a panaceia que resolverá todos os problemas atinentes a duração dos atos judiciais. Deve-se considerar, entretanto, que a substituição de máquina de escrever por computador e de papel por mídia digital não é informatizar. A mera substituição de meios físicos não será capaz de, sequer, minimizar o problema do tempo processual. O efetivo uso do potencial da informática depende da criação de ritos que sejam redutíveis à álgebra booleana. Os ritos vigentes no processo civil brasileiro não são pensados para o uso eficiente da informática. Por outro lado, somente a padronização dos atos e das práticas processuais é que permitirá a “digitalização” dos ritos.
Com a criação de padrões pode-se pensar em escala de trabalho para a solução de problemas. Não se quer dizer com isso que as decisões judicias devam ser sempre iguais, ao contrário, com a padronização dos ritos o magistrado poderá se concentrar, exclusivamente, na função primária de sua atividade fim, qual seja, a formação do convencimento para a prestação efetiva, correta e fundamentada da tutela jurisdicional.
Padronizar é criar categorias, inserir os objetos (atos processuais) nessas categorias e criar um padrão para a seriação desses objetos (sequencia de atos processuais) (RUSSEL, 2003). Para que isso seja possível em larga escala não adianta imaginar que um programador poderá criar um software capaz de dar conta dos ritos vigentes. É urgente a criação de ritos que se adequem corretamente às necessidades dos sistemas. Os ritos processuais vigentes são caóticos e demandam a intervenção do magistrado a cada passo. Cada ato processual abre uma infinidade de possibilidades seguintes o que impede uma única seriação, seriação essa indispensável para a efetiva informatização dos procedimentos. A padronização dos ritos favorece a democracia na medida em que o andamento dos feitos passará a ser uniforme e previsível para todos os cidadãos e contribui para a celeridade do tramite processual por permitir a sua automação.
A via adotada pelo legislador brasileiro para o incremento da efetividade da prestação jurisdicional tem sido o aumento dos poderes discricionários dos magistrados. O exercício da discricionariedade está, indelevelmente, ligado ao exame dos critérios de conveniência e oportunidade. O exame desses critérios somente pode se dar de forma individual e particular. Por outro lado o uso efetivo e eficiente da tecnologia da informação pressupõe a padronização e a generalização dos ritos. Fica fácil perceber que há uma esquizofrenia entre essas duas opções. Ou se padronizam e generalizam os ritos processuais com vistas a uma maior celeridade ou se ampliam os poderes discricionários dos magistrados. A adoção das duas medidas em conjunto irá condenar os cidadãos brasileiros ao subjetivismo judicial e a total imprevisibilidade das consequências jurídicas de seus atos. A sociedade ficará refém da interpretação pessoal e subjetiva dos magistrados que serão imbuídos do poder de criar normas gerais e abstratas para sua própria atuação.
Juízes legisladores?
Aos poderes executivo e legislativo é constitucionalmente reservada a prerrogativa para a criação de normas gerais e abstratas válidas em todo território nacional. Essas normas serão aplicadas aos casos concretos pelos próprios cidadãos, pela administração pública e, em casos extremos, pelo poder judiciário. A intervenção judicial no cotidiano das relações sociais deve ser tópica e excepcional. Essa afirmação não tem nenhum compromisso com a ideologia burguesa, ao contrário, trata-se de uma questão pragmática[16].
Os juízes ao aplicarem o direito estão criando normas individuais fundadas em normas gerais e abstratas, a verificação da compatibilidade entre ambas as normas é que servirá de critério para a correção e para a legitimidade das decisões judiciais. Na medida em que o direito brasileiro caminha por um lado para uma maior atribuição de poderes discricionários aos magistrados e, por outro, para a informatização (com a inevitável padronização dos procedimentos) o que se dá é uma paulatina transferência da atividade legislativa para a órbita do poder judiciário.
Quando da revolução francesa os juízes gozavam de ampla liberdade para decidir e aplicar suas próprias decisões. A tripartição dos poderes teve como um de seus objetivos impedir essa prática. Segundo o Código de Napoleão o juiz era apenas a boca da lei, não podia interpretar somente aplicar a lei tal qual editada pelo poder legislativo. Com o passar dos séculos esse dogma foi relativizado e se passou a admitir a prática da interpretação, mesmo assim essa interpretação era limitada por cânones mais ou menos fixos ditados pelo positivismo jurídico do início do século XX. Ocorre que da interpretação feita com base nas regras positivistas resultavam, muitas vezes, decisões injustas e até mesmo incompreensíveis ao senso comum. No limite se chegou até mesmo a justificar regimes ditatoriais e totalitários com fundamento em interpretações positivistas. A reação a esses fatos foi o retorno a um naturalismo mal disfarçado na forma de direitos fundamentais, supostamente universais e comuns a toda a humanidade. Esses direitos ou são positivados ou servem de parâmetro interpretativo para toda a legislação vigente. O problema é que essa suposta saída para os males do positivismo deságua nos mesmos problemas. Como esses direitos universais são vagos e imprecisos (conceitos jurídicos indeterminados) podem servir para justificar qualquer coisa, até guerras e as maiores atrocidades, dependendo da interpretação que for dada como conteúdo desses supostos universais. A discussão entre positivistas e naturalistas acaba por ser inócua ambas as formas de ver o mundo se prestam à justificar as maiores barbáries. A única garantia possível dos valores básicos da sociedade brasileira é o amplo debate entre os interessados que deve preceder e suceder a cada decisão judicial. Esse debate tem como pressuposto a fixação dos seus temas e a criação de regras para o seu transcurso. Sem a ampla fundamentação das decisões e dos atos judicias não há o que debater. Sem essa fundamentação o direito estará condenado ao solipsismo e a arbitrariedade.
Ainda que não seja pela via da separação dos poderes é necessário que sejam criadas regras processuais claras para o debate prévio e para o controle posterior das decisões judiciais. Conceder aos próprios magistrados poderes discricionários para estabelecer os padrões que serão usados nos processos por eles presididos, equivale a criar um número infinito de padrões distintos, portanto equivale a não criar padrão algum, sem a padronização a tão desejada celeridade é impossível. Por outro lado a criação de regras aleatórias e discricionárias por cada magistrado é um atentado frontal a democracia e a previsibilidade das consequências das relações. Há aqui uma incompatibilidade que deve ser solucionada entre poder discricionário do magistrado, criação de padrões processuais, liberdade e democracia.
Conclusão.
É licito concluir que a necessidade de incremento da efetividade e da celeridade da prestação jurisdicional não pode se dar com o sacrifício da segurança jurídica e da previsibilidade dos efeitos das condutas dos cidadãos. De outro lado os caminhos apontados para que se crie um processo mais célere e efetivo parecem andar em círculos que não levam a lugar algum. A sumarização dos procedimentos esbarra na emergência de exceções reservadas que, ao fim, acabarão por representar um incremento no número de demandas judiciais que, por sua vez implicará em uma menor celeridade e efetividade do sistema como um todo. O alargamento dos poderes discricionários dos magistrados como forma de incremento da efetividade pela via da “tutela específica dos direitos” está, também, fadado ao fracasso, uma vez que a discricionariedade, que deve ser exercida individualmente em cada caso, é incompatível com a padronização e a generalização necessária à implantação de uma maior celeridade por via da informatização da atividade judicial, por outro turno a atribuição a cada magistrado de poderes para criar padrões aplicáveis a todos os casos que estejam sob sua responsabilidade resultaria em um caos perigoso e de utilidade duvidosa.
O fato é que esse tempo todo a doutrina e os operadores do direito estão olhando para o lado errado do problema. Não adianta criar novas formas processuais sem o aparelhamento material adequado do poder judiciário. Da mesma forma se não forem incentivadas políticas para que os cidadãos evitem as demandas judicias não haverá, nunca, um judiciário grande o bastante para dar conta de forma rápida e efetiva dos problemas que lhe são submetidos. O preocupante é que, nas últimas décadas, o movimento vem sendo exatamente o contrário, há um incentivo desavergonhado para a propositura de ações judiciais. O início do século XXI no Brasil está cada vez mais marcado por uma judicialização das relações afetivas e sociais. O judiciário passou a ser visto como um grande balcão de negócios onde todos tentam, e ganham, “uns trocados”. Dos litigantes de massa (bancos, planos de saúde, cias de telefonia) que perceberam ser mais barato ir ao judiciário do que atender corretamente seus consumidores, os próprios consumidores que ficam sempre na esperança de algo sair errado para, com isso, recuperar um pouco do dinheiro gasto até aos maridos e esposas traídos por seus cônjuges que perceberam na traição uma fonte de renda. O próprio Estado, aposta na morosidade do poder judiciário como meio de protelar o cumprimento de suas obrigações.
Enfim, se não forem implementadas políticas eficazes para a redução do número de demandas e para a “desjudicialização das relações humanas” não há solução legal, processual ou financeira para os problemas apontados que se sustente.
Advogado no Rio de Janeiro, Mestrando em Filosofia do Direito da PUC/SP
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), mais conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…
O benefício por incapacidade é uma das principais proteções oferecidas pelo INSS aos trabalhadores que,…
O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido aos dependentes de segurados do INSS que se…
A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…
A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…
A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…