O Impacto da Pandemia no Brasil, em 2020, na Incidência da Violência Doméstica contra Mulher, em Especial, o Feminicídio

Kátia Maria Brasil Abude[1]

Resumo: Este trabalho surgiu a partir da inquietação pessoal, diante da divulgação na mídia de casos reiterados de feminicídio ocorridos, no Brasil, em um curto lapso temporal. Busca-se, assim, uma reflexão acerca da incidência da violência doméstica contra a mulher no Brasil, no ano de 2020, em especial, o feminicídio, e as medidas necessárias para o seu enfrentamento. Seu objetivo é analisar o delito de feminicídio, como uma das modalidades de violência doméstica praticada contra a mulher e elencar as ações necessárias para o seu combate. Para a realização do trabalho, utilizou-se o método descritivo qualitativo, através da realização de pesquisa bibliográfica, e levantamento de dados estatísticos e coleta de informações oriundas de órgãos oficiais, bem como os divulgados na mídia. Diante dos dados apresentados e da pesquisa realizada, foi possível concluir que a violência de gênero permanece presente na realidade brasileira, vitimando muitas mulheres, fazendo-se necessário o fortalecimento de ações oriundas dos órgãos estatais e da sociedade civil organizada a fim de tornar eficaz a punição, a prevenção e a erradicação desta forma de violência, que é resultado de uma sociedade eminentemente patriarcalista e machista.

Palavras-chave: Mulher. Violência doméstica. Feminicídio. A lei Maria da Penha e suas alterações recentes. As medidas preventivas.

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Abstract:This work arose out of personal concern, in view of the repeated media reporting of femicide cases that occurred in Brazil in a short period of time. Thus, a reflection is sought about the incidence of domestic violence against women in Brazil, in the year 2020, especially feminicide, and the necessary measures to face it. Its objective is to analyze the crime of femicide, as one of the modalities of domestic violence practiced against women and to list the necessary actions to combat it. To carry out the work, the methodological approach used the qualitative descriptive method, through the conduct of bibliographic research, and the collection of statistical data and the collection of information from official bodies, as well as those published in the media. In view of the data presented and the research carried out, it was possible to conclude that gender violence remains present in the Brazilian reality, victimizing many women, making it necessary to strengthen actions from state agencies and organized civil society in order to make effective the punishment, prevention and eradication of this form of violence, which is the result of an eminently patriarchal and sexist society.

Keywords: Woman. Domestic violence. Femicide. The Maria da Penha law and its recent amendments. Preventive measures.

 

Sumário: Introdução. 1.Desenvolvimento. 1.1. O fenômeno da violência doméstica contra a mulher e suas facetas. 1.2. A Lei Maria da Penha e suas alterações recentes. 1.3 O impacto da Pandemia de Covid-19 para a incidência do feminicídio. 1.4. Feminicídio: o crime de gênero que persiste. 1.5. Medidas preventivas de combate ao feminicídio. Considerações finais. Referências bibliográficas.

 

Introdução

A sociedade mundial é uníssona ao se reportar ao ano de 2020 como um ano difícil para todos, independente da classe social que ocupa. Para alguns, foi marcado pela perda de um ente querido, ou do emprego; para outros, a necessidade abrupta de se adaptar as novas ferramentas da tecnologia, ao acúmulo das atividades profissionais, com os afazeres de casa e acompanhamento das atividades escolares dos filhos, culminando com a convivência diária e ininterrupta de todos os membros da família. Sem dúvida, foi um ano emblemático por conta da incidência da pandemia do novo Corona Vírus que tem o isolamento social como uma das recomendações previstas para inibir a propagação do vírus. Essa medida, entretanto, expôs à mulher a uma situação de vulnerabilidade maior para a perpetração de comportamentos violentos, potencializados diante do estabelecimento de tensões psicológicas e econômicas decorrentes do aumento no tempo de convivência cotidiana, na redução da renda per capita familiar, no aumento do consumo de álcool, corroborados pela dificuldade de formalizar denúncia às autoridades policiais.

Tal cenário, considerado pela Organização Mundial de Sáude (OMS),[2] como de saúde pública mundial, propiciou o enfrentamento de uma realidade inexorável que é o aumento da violência doméstica praticada contra a mulher, culminando, por vezes, no crime mais grave e letal que é o feminicídio.

No Brasil, em Dezembro, mês que costumeiramente são enaltecidos sentimentos como amor, perdão, cumplicidade, solidariedade, foi amplamente divulgado pela imprensa, que, só no estado do Rio de Janeiro, mais dois crimes foram incluídos nas estatísticas e tiveram repercussão nacional. O primeiro ocorreu no dia 24 de dezembro de 2020, quando a Juíza Arronenzi foi morta com 16 facadas desferidas pelo ex-marido, fato ocorrido na frente das três filhas menores de 18 anos, na Barra da Tijuca, quando a vítima foi encontrá-lo para entregar as filhas que iriam passar a noite de Natal com o pai. Cinco dias após esse episódio, tem-se conhecimento de mais um feminicídio. O local da consumação do delito foi o Complexo do Alemão, tendo a vítima, Roberta Pedro de Oliveira, sido morta também por facadas desferidas por seu ex-companheiro, ao retornar à casa para retirar seus pertences. Malgrado os fatos mencionados tenham ocorrido, coincidentemente, no mesmo Estado, essa não é uma realidade isolada do estado do Rio de Janeiro. Fato é que, diariamente, nos deparamos com a incidência do delito de feminicídio em todo o território nacional, conforme será visto oportunamente.

Para além de causar o consternamento e a indignação diante da incidência de tais fatos, esse trabalho se justifica diante da necessidade de se pensar e estudar sobre o assunto, para, a posteriori, promover ações tangíveis capazes de interromper o ciclo da violência doméstica perpetrada contra a mulher, vislumbrando a efetiva garantia dos direitos de igualdade, liberdade, proteção e, sobretudo, a promoção da dignidade da pessoa humana. O fim colimado do presente artigo é abordar aspectos doutrinários atinentes ao delito de feminicídio, bem como acerca do conceito e da incidência da violência doméstica praticada contra a mulher e elencar as ações necessárias para o seu combate.

Para tanto, o percurso metodológico utilizado está embasado em pesquisas bibliográficas de caráter descritivo qualitativo, através de uma revisão literária acerca da temática, caracterizada a partir de subsídios encontrados em livros, artigos, dissertações, teses, jurisprudência, seguida da coleta de informações e dados estatísticos, oriundos de órgãos oficiais, priorizando a obtenção de dados atuais.

 

1 Desenvolvimento

1.1 O fenômeno da violência doméstica contra a mulher e suas facetas

A incidência da violência doméstica contra mulher advém do processo histórico e social intrinsecamente relacionado ao gênero. Para Saffioti (2001, p.129), o termo gênero “indica rejeição ao determinismo biológico suposto no uso de palavras como sexo e evidencia que os papéis desempenhados por homens e mulheres são uma construção social.” Esse imaginário social estabelecido atribui diferentes escalas de poder para o homem e para a mulher, sendo concedido e ocupado pelo gênero masculino um lugar privilegiado e de destacado poder, em detrimento da desvalorização e subalternidade feminina.

Infere-se, assim, que a relação de homem e mulher é desvelada para além da diferença anatômica e fisiológica, e a questão de gênero, consequentemente, perpassa da ótica meramente biológica, culminando na desigualdade produzida e reproduzida de diferentes formas, garantindo o poder do homem sobre a mulher. Esse cenário é replicado diante da incidência da violência do homem praticado contra a mulher, ficando explícita a “coisificação” desta última, e a equivocada ideia de ser ela propriedade do outro, sendo-lhe supostamente chancelado a possibilidade de agredi-la, desfigurá-la ou matá-la.

Antes do advento da Lei nº 11.360/2006 (Maria da Penha), era explícita a autoridade absoluta de um gênero sobre o outro, o poder patriarcal inconteste e a presença da mulher, à margem da proteção integral hoje existente, sendo, essa mulher, fruto de uma educação cerceadora e submissa e considerada incapacitada, desde a mais tenra idade, para prover-se e a seus filhos.

Estudiosas como Saffioti (1994) defende a tese de que a violência contra a mulher, está presente em todas as camadas sociais. Trata-se de um fenômeno democrático porque atinge todas as classes sociais, independente de etnia, raça, idade, religião ou estrato social. Não se furta, entretanto, da seguinte ponderação: “É óbvio que as classes abastadas dispõem de muitos recursos, políticos e econômicos, para ocultar a violência doméstica” (Saffioti, 1994, p. 168).

O Movimento Feminista Brasileiro que surge no século XIX, visando a defesa dos direitos da mulher relacionados à educação, ao direito ao voto e a abolição da escravatura, frente às desigualdades emergentes à época, traz à baila discussões acirradas acerca da defesa da equiparação dos direitos entre homens e mulheres que encontram, no Brasil, o devido respaldo jurídico com o advento da Carta Magna de 1988, diante da necessidade de respeito ao princípio basilar da dignidade da pessoa humana.

O Brasil, por reconhecer a importância desse tema, tornou-se signatário de todos os tratados internacionais que objetivam reduzir e combater a violência de gênero.

 

1.2 A Lei Maria da Penha e suas alterações recentes

A publicação da Lei nº 11.360/2006, denominada a Lei Maria da Penha, representa um marco regulatório significativo no âmbito jurídico ao prever, de forma inusitada, a tipificação e definição das modalidades de violência doméstica e familiar contra a mulher, nas suas diversas formas, a saber: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Emerge como uma possibilidade jurídica, ofertada pelo legislador, oriunda dos movimentos da sociedade civil organizada e com o escopo de resguardar os direitos da mulher, ao estabelecer que a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

Perfilhando esse entendido, estudiosos como Campos (2010), afirma que a Lei Maria da Penha trouxe consigo um paradigma jurídico novo ao proporcionar uma proteção específica para a mulher.

O Conselho Nacional de Justiça/ CNJ, ao se reportar sobre esse eixo temático, publicou no portal, no dia 24 de Julho de 2020 a seguinte ponderação: “A Conferência das Nações Unidade sobre os Direitos Humanos (Viena, 1993) reconheceu formalmente a violência contra as mulheres como uma das formas de violação dos direitos humanos. Desde então, os governos dos países-membros da ONU e as organizações da sociedade civil estão imbuídos na ideia de adotar as medidas necessárias para eliminar esse tipo de violência, já reconhecida como um grave problema de saúde pública (Portal do CNJ)”.

Indubitavelmente, a Lei Maria da Penha é inovadora ao incluir, dentre outras medidas, a proibição do estabelecimento de penas pecuniárias, a possibilidade de renunciar exclusivamente perante o Juiz, a retirada da competência para julgamento dos casos de violência doméstica dos juizados especiais criminais com a criação de juizados especializados para o julgamento dos crimes nela previstos, de acordo com o artigo 14 da citada lei. Recentemente, foram estabelecidas novas alterações. A Lei nº 13.641/18, incluiu um novo tipo penal, o art.24-A, referente ao descumprimento de medida protetiva de urgência, que prevê: “Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois)anos.§ 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas.§ 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança.§ 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.”

Em 17/09/19, a Lei nº 13.871/19, acrescentou os §§ 4º, 5º e 6º ao art. 9º da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006(Lei Maria da Penha) passando a estabelecer o seguinte: “Art.9º ………………………………………………………………………………§4ºAquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher fica obrigado a ressarcir todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a tabela SUS, os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o total tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e familiar, recolhidos os recursos assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços.§ 5º Os dispositivos de segurança destinados ao uso em caso de perigo iminente e disponibilizados para o monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas terão seus custos ressarcidos pelo agressor.§ 6ºO ressarcimento de que tratam os §§4º e 5º deste artigo não poderá importar ônus de qualquer natureza ao patrimônio da mulher e dos seus dependentes, nem configurar atenuante ou ensejar possibilidade de substituição da pena aplicada. (NR)

 

2.3 O impacto da Pandemia de Covid-19 para a incidência do feminicídio

No ano de 2020, com o advento da Pandemia de Covid-19, estabeleceu-se o isolamento social como o mecanismo mais eficaz para combater a sua disseminação. Tal medida, entretanto, exacerbou os conflitos familiares ao impor, à mulher vítima, a sua convivência permanente com o seu agressor no lar, com o gravame de ficar impossibilitada de denunciá-lo, diante do impedimento de se locomover.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos [3]publicou a Declaração 1/20, de 09 de abril de 2020 com o escopo de evocar aos Estados suas obrigações internacionais com relação ao Covid-19 e aos Direitos Humanos. Nessa seara, estabelece que: Tendo em vista as medidas de isolamento social que podem levar a um aumento exponencial da violência contra mulheres e meninas nas suas casas, é necessário enfatizar o dever do Estado de devida diligência estrita com respeito ao direito das mulheres a viverem uma vida livre de violência e, portanto, todas as ações necessárias devem ser tomadas para prevenir casos de violência de gênero e sexual; ter mecanismos seguros de denúncia direta e imediata; e reforçar a atenção às vítimas (CIDH- Declaração1/20).”

Com o propósito de buscar subsídios para atender tais demandas, foi instituída a Portaria nº 70, de 22 de abril de 2020, estabelecendo um Grupo de Trabalho destinado à elaboração de estudos para indicações de soluções ao Conselho Nacional de Justiça voltadas a priorizar atendimento às vítimas de violência doméstica e familiar durante o isolamento social em decorrência da pandemia do Coronavírus.

De acordo com a reportagem veiculada no Portal Brasil de Fato, em 10/10/2020, durante a pandemia, mais precisamente, no período entre os meses de março e agosto, uma mulher foi morta a cada nove horas no Brasil, atingindo uma média de três mortes por dia.

O legislador, com o fulcro de promover a celeridade na prestação jurisdicional às mulheres vitimadas, e considerando o aumento de casos de violência doméstica no país promovido por conta do Covid -19, publicou, no dia 08. 07. 2020, a Lei nº 14.022/2020, oriunda do PL 1.291/2020, tendo-se como autora a deputada Maria do Rosário (PT-RS) e mais 22 integrantes da bancada feminina no Congresso.

A relatora, senadora Rose de Freitas (Podemos-ES), ampliou o alcance das medidas também para pessoas com deficiência que sofram violência doméstica e familiar. Em nota veiculada no Portal de notícias do Senado Federal, a senadora assim se pronunciou: “É a construção a favor de uma mulher presa dentro de um cenário, sofrendo as consequências da violência, da cultura machista que ainda perdura. Isso não é pouca coisa”- avaliou Rose, na aprovação do projeto.

A senadora Soraya Thronicke (PLS-MS), por sua vez, afirmou que no período de isolamento social, houve aumento de 30% no índice de violência doméstica. Durante a votação do texto acrescentou ainda: O que o projeto traz é justamente a possibilidade de atendimento a essas vítimas de violência, de tornar esse tipo de atendimento essencial. Precisamos estar sempre atentos, porque a violência contra a mulher se encontra em todas as classes sociais e muitas vezes essas mulheres sofrem caladas” – disse Soraya durante a votação do texto (Fonte: Agência Senado).”

A nova lei determina o funcionamento ininterrupto de órgãos e serviços de atendimento a vítimas de violência doméstica em todo o país, tornando-os como essenciais. A norma ainda estabelece a proibição da interrupção e da suspensão dos prazos processuais nas hipóteses de incidência de violência doméstica durante a pandemia, incluindo-as como “de natureza urgente”.

Estabeleceu também ao poder público o ônus de adotar as ações para garantir a manutenção do atendimento presencial de vítimas de violência, ao promover alterações na Lei Maria da Penha e no Decreto 10.282/2020, que define os serviços considerados essenciais durante a pandemia.

Admite-se a possibilidade do não cumprimento da norma alhures citada, por razões de segurança sanitária. Todavia, a obrigatoriedade do atendimento presencial permanecerá nos casos mais graves; ou seja, quando houver consumação, tentativa ou risco potencial à vítima para os crimes de feminicídio, estupro, estupro de vulnerável, corrupção de menor, satisfação de lascívia com criança e adolescente, lesão corporal grave, dolosa, de natureza gravíssima ou seguida de morte, e ameaça com uso de arma de fogo. Raciocínio similar há de ser adotado na hipótese de descumprimento das medidas protetivas de urgência forem descumpridas.

Também fica garantida a realização prioritária de exames de corpo de delito para crimes que envolvam violência doméstica e familiar.

Outra alteração significativa da norma legal alhures reportada, refere-se à inserção de atendimento on line[4], pelos órgãos de segurança pública, de forma a garantir o atendimento a denúncias que cheguem por celular ou computador, inclusive com o compartilhamento de documentos, sendo ainda, estabelecido que as autoridades competentes também poderão adotar medidas protetivas urgentes de forma on-line nos casos em que o agressor tenha que ser afastado imediatamente do lar ou de local de convivência com a vítima.

Conforme consta no Portal Agência Senado, em 08.07.2020: “[…] também poderão ser determinadas pela internet outras medidas como suspensão da posse ou do porte de armas, aproximação ou qualquer contato com a vítima, seus familiares e testemunhas; proibição da presença em locais que possam representar risco à vítima; restrição ou suspensão de visitas a dependentes menores; prestação de alimentos e acompanhamento psicossocial do agressor (Portal Senado/ Segurança).”

Com o escopo de assegurar a resposta célere das medidas, a norma prevê que juízes, delegados e policiais tem o poder discricionário para avaliar as provas coletadas eletronicamente ou por audiovisual, ainda que sejam exibidas em momento anterior à lavratura do boletim de ocorrência.

Por seu turno, todas as medidas de proteção já em vigor serão automaticamente prorrogadas enquanto durar a pandemia, devendo o agressor ser devidamente avisado quanto à prorrogação, ainda que por meio eletrônico.

A coordenadora do Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher do Ministério Público da Bahia (Gedem/MP-BA), Dra. Sara Gama, em entrevista concedida no Jornal A Tarde, no dia 21.12.2020, salientou a dissonância existente entre o vanguardismo da Lei Maria da Penha e o contexto social no qual foi constituído o Código Penal, em 1940. Segundo ela: “Uma ameaça, no contexto normal, é vista como algo de menor potencial ofensivo, mas no contexto da violência doméstica, a ameaça adquire uma força muito maior, pois aquele agressor conhece a vítima, sabe a rotina dela, quem são os parentes, onde ela trabalha[…].”

 

1.4 Feminicídio: o crime de gênero que persiste

Por seu turno, é oportuno destacar a incidência da modalidade mais grave de violência perpetrada contra a mulher que é a letal. Introduzido no Ordenamento Jurídico Pátrio, através da Lei nº 13.104/2015, o tipo penal denominado feminicídio, para Guilherme Nucci, nada mais é do que uma modalidade de homicídio qualificado, quando a vítima é mulher. Acrescentou-se, assim, o inciso IV ao art. 121, § 2º, do Código Penal, afirmando ser qualificado o crime quando praticado “contra a mulher por razões da condição do sexo feminino”. Nesse ínterim, teve o legislador a cautela de explicar a condição do sexo feminino, ao estabelecer, no § 2º -A “ I- violência doméstica e familiar; II- menosprezo ou discriminação à condição de mulher” e tornar o crime hediondo , nessas hipóteses.

Trata-se, portanto, de um crime de ódio voltado para o gênero, por razões da condição do sexo feminino. O sujeito passivo do tipo penal é a mulher, independente da sua orientação sexual, tendo o legislador adotado o critério biológico para definir o conceito de mulher. Dessa forma, somente poderá ser considerado sujeito passivo do delito de feminicídio a pessoa portadora de um registro oficial (certidão de nascimento, documento de identidade) onde conste, expressamente, o seu sexo feminino, conforme trouxe à baila o professor Rogério Greco (2015)[5] ao comentar o novel jurídico em epígrafe.

Em que pese o esforço legislativo na adoção de medidas para coibir a violência praticada contra a mulher em suas relações domésticas e afetivas, em especial a que ceifa a sua vida, as notícias e os dados disponíveis demonstram o crescente número de casos desta extirpe, gerando inquietações sobre a aplicabilidade e a eficácia da Lei n. 11.340/2006, suas ulteriores modificações, bem como o próprio Código Penal Pátrio.

O Brasil é o 5º país no mundo, em um grupo de 83, em que se matam mais mulheres, de acordo com o Mapa da Violência de 2015, organizado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), informação também veiculada pelo Conselho Nacional de Justiça, no dia 24 de Julho de 2020. Só no mês de Dezembro de 2020, sete casos de feminicídio foram veiculados na mídia, a saber: Viviane Ribeiro do Amaral, 45 anos, de Niterói (RJ), Thalia Ferraz, 23 anos, de Jaraguá do Sul (SC), Evelaine Aparecida Ricardo, 29 anos, Campo Largo (PR), Loni Priebi de Almeida, 74 anos, de Ibarama (RGS), Ana Paula Porfírio dos Santos, 45 anos, de Recife e Aline Arns, 38 anos, de Forquilhinha (SC), Roberta Pedro de Oliveira, 26 anos, no Complexo do Alemão (RJ).

Na véspera de Natal, Viviane foi assassinada com 16 facadas desferidas pelo ex-marido, fato ocorrido na frente das três filhas menores de 18 anos; Thalia foi morta a tiros pelo ex-companheiro diante dos parentes; Evelaine não resistiu ao tiro deflagrado pelo namorado durante a ceia; Loni foi atingida na cabeça com um tiro deflagrado pelo ex-companheiro que, em seguida, cometeu o suicídio; No dia 25, Anna Paula foi morta a tiros pelo marido, no interior da residência do casal, fato ocorrido na presença da filha de 12 anos de idade e Aline também foi baleada pelo ex-companheiro, também em casa, no início da noite. No dia 29, Roberta foi morta a facadas pelo ex-companheiro, quando retornou à casa para retirar seus pertences.

A sequência desses episódios repugnantes fomentaram a manifestação do Exmo. Ministro do STF, o Dr. Gilmar Mendes, que, no dia 25 de Dezembro de 2020, assim se manifestou em sua rede social: “O gravíssimo assassinato da juíza Viviane Arronemzi mostra que o feminicídio é endêmico no país, não conhece limites de idade, cor ou classe econômica. O combate a essa forma bárbara de criminalidade quotidiana contra as mulheres deve ser prioritário.”

O presidente do STF e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Luiz Fux, ao se referir à morte da juíza Viviene Arronenzi emitiu, em nota pública, o seguinte pronunciamento: “O Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça, por meio do seu Presidente e do Grupo de Trabalho instituído para o enfrentamento da violência doméstica contra a mulher, consternados e enlutados, unem-se à dor da sociedade fluminense e brasileira e à dos familiares da Drª Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, magistrada exemplar, comprometendo-se, nessa nota pública, com o desenvolvimento de ações que identifiquem a melhor forma de prevenir e de erradicar a violência doméstica contra as mulheres no Brasil.

Tal forma brutal de violência assola mulheres de todas as faixas etárias, níveis e classes sociais, uma triste realidade que precisa ser enfrentada como estabelece a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, Convenção de Belém do Pará, ratificada pelo Brasil em 1995.

Deve ser redobrada, multiplicada e fortalecida a reflexão sobre quais medidas são necessárias para que essa tragédia não destrua outros lares, não nos envergonhe, não nos faça questionar sobre a efetividade da lei e das ações de enfrentamento à violência contra as mulheres. O esforço integrado entre os Poderes constituídos e a sensibilização da sociedade civil, no cumprimento das leis e da Constituição da República, com atenção aos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, são indispensáveis e urgentes para que uma nova era se inicie e a morte dessa grande juíza, mãe, filha, irmã, amiga, não ocorra em vão. Lamentamos mais essa morte e a de tantas outras mulheres que se tornam vítimas da violência doméstica, do ódio exacerbado e da desconsideração da vida humana. A morte da juíza Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, no último dia 24 de dezembro de 2020, demonstra o quão premente é o debate do tema e a adoção de ações conjuntas e articuladas para o êxito na mudança desse doloroso enredo. Pela magistrada Viviane Vieira do Amaral Arronenzi. Por suas filhas. Pelas mulheres e meninas do Brasil(Portal do CNJ).”

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no interrégno de janeiro a agosto do ano passado, o Estado com maior índice de feminicídio foi São Paulo com 79 casos, seguidos de Minas Gerais, com 64 casos, estando a Bahia, em 3º lugar, com 49 casos.

No Estado da Bahia, conforme informações fornecidas pela Coordenação de Documentação e Estatística da Polícia Civil – CDEP[6], no ano de 2020, foram 111 feminicídios registrados, seguidos de 108 tentativas, sendo devidamente distribuídos conforme a tabela abaixo:

Os números retratam a persistência desse crime de gênero, e revelam o aumento significativo dos registros de tentativa de feminicídio no segundo semestre do ano de 2020, com 81 registros de ocorrências em números absolutos, representando um aumento de 200%, se comparado com o primeiro semestre do mesmo ano, quando ocorreram 27 feminicídios. Evidencia-se, assim, que, de fato, o isolamento social imposto pela pandemia é um dos fatores preponderantes para o aludido acréscimo, seja na forma consumada ou tentada. Ressalte-se ainda que os números supra citados revelam apenas os casos que chegaram ao conhecimento de uma Unidade Policial no estado da Bahia. Infelizmente, permanece a denominada “cifra oculta” que são os casos de tentativa de feminicídio e outras modalidades de violência doméstica contra a mulher que permanecem ocultas para a sociedade.

Em recente entrevista concedida ao Jornal A Tarde, a defensora pública Firmiane Venâncio do Carmo, mestra no tema Mulheres, Gênero e Feminismo pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), evidencia tratar-se de uma modalidade de crime que não ocorre de inopino. Para ela, o feminicídio é o extremo de “uma violência que vem se mostrando ao longo de anos, ao longo de fases”. E acrescenta: “A ameaça é das violências mais graves que uma mulher pode sofrer, porque potencialmente você não sabe se aquele mal prometido vai ser concretizado. De forma igual, as violências psicológicas, as violências morais[…] violências que são tomadas como menores, mas são o começo de algo que pode se agravar e pode ter um desfecho letal como o feminicídio”, analisa a defensora (Jornal A Tarde, 21.12.2020).”

Em entrevista concedida nas redes sociais no dia 12.01.2021, o Promotor de Justiça, Dr. David Gallo,[7] que atua em casos de feminicídio na Bahia, se diz “assustado com o aumento do número de feminicídio e violência doméstica no Estado.” E acrescenta: “ocorrem em média de dois a três feminicídios por semana na Bahia. Sem contar vários tipos de violência doméstica, que virou uma praga. Isso se deve à impunidade e à cultura do homem brasileiro, que ainda acha que a mulher é propriedade dele”.

 

1.5 Medidas preventivas de combate ao feminicídio

Reconhecer que é vítima de violência e denunciá-la, indubitavelmente, é o primeiro óbice a ser superado pela vítima. Araújo et al, ao se pronunciar sobre as dificuldades para realização da denúncia assim se manifestou: “O momento da denúncia é um momento de ruptura, é um momento onde a mulher admite que sofre violência e precisa de ajuda. Pode ser que nesse momento ela não esteja segura se quer mesmo denunciar e punir seu agressor – ás vezes quer só intimidá-lo, na esperança de mudar a relação – que seja, mesmo assim é um movimento importante que pode resultar ou não em mudança”

Nesse sentido, a defensora pública Firmiane, também se pronunciou. Para ela, o registro dos casos é fundamental. Prosseguiu afirmando o seguinte: “Por mais que saibamos que nossas estruturas não são as mais ideais, nós precisamos confiar nessas instituições. E são essas estruturas que acabam evitando que um número maior de feminicídios aconteçam”, enfatiza.

Em âmbito nacional, a rede de atendimento e proteção de combate a essa modalidade de delito, tem se fortalecido paulatinamente. Em tempos de pandemia, criou-se o aplicativo “Direitos Humanos Brasil” propiciando a realização de denúncia on line de violência de qualquer natureza. Há também os números Disque 100 e Disque 180 que continuam funcionamento mesmo no período da pandemia.

Vale destacar que, não obstante a denúncia seja fundamental, trata-se apenas da ponta do iceberg, posto que é o primeiro passo a ser tomado para que sejam acionados os órgãos que participam da rede de proteção à mulher vítima de violência doméstica. Significa dizer que, ela, de per si[8], não atinge o resultado almejado. Necessário se faz que os órgãos governamentais e não governamentais que atuam no combate a essa modalidade de violência, sejam eficazes e, promovam ações hábeis a acolher e interromper o ciclo da violência. Nesse viés, urge pontuar o papel imprescindível dos profissionais da Saúde e da Segurança Pública, por serem, via de regra, os que integram a linha de frente desse ciclo. Como mencionado por Schuengue (2020)[9], […] fato é que, os profissionais de saúde, sobretudo os que atuam nas unidades de atenção básica, em muitos casos, são o único suporte para essas mulheres. O profissional precisa estar atento e sensível aos sinais que a mulher pode apresentar, como medo, ansiedade, ferimentos incompatíveis coma história, dificuldade em se comunicar, falta de autonomia nas questões da saúde sexual e reprodutiva (Schuengue, 2020)”.

Os diversos canais de comunicações disponíveis incluindo as redes sociais, e, sobretudo a imprensa, desempenham um papel fundamental para impedir que tais condutas sejam banalizadas, ignoradas e deixem de causar a indignação da sociedade. Não se pode perder a capacidade de se indignar diante da incidência de condutas desta extirpe que, diariamente, afligem as mulheres. Portanto, é fundamental a realização do acolhimento devido, deixando para a vítima a nítida percepção de que não se trata de mais um caso, mas daquele caso específico, que envolve uma mulher e seu histórico, incluindo suas relações familiares, seus sonhos, expectativas futuras, filhos, enfim, a sua vida.

Nessa linha de raciocínio, a gerente de projeto do Instituto AzMina, Marília Moreira, em entrevista concedida ao Jornal A Tarde, no dia 21 de dezembro de 2020, informa que, no Estado da Bahia, a maior parte das vítimas de feminicídio ou tentativa de feminicídio não contavam com medidas protetivas (MPs) e menos de 5% das que contavam com MPs sofreram esse tipo de crime, o que demonstraria a eficácia da ferramenta. Malgrado a importância desse dado, a falta de informação, por vezes, leva muitas mulheres a não procurar esse recurso. E acrescenta: “A maior parte desses agressores é de parentes, companheiros, pais dos filhos dessas mulheres, o que faz com que elas queiram dar um fim na violência que sofrem, mas sem envolver a polícia”. È fundamental difundir a possibilidade existente de aplicação de uma medida protetiva autônoma, que permite a solicitação sem necessidade de registrar um boletim de ocorrência.

Nesse ínterim, é oportuno destacar o teor da Lei nº 14.022/2020 que alterou a norma específica, tendo o legislador reconhecido o estado de calamidade pública decorrente da pandemia de coronavírus e, como tal, imputou ao poder público o dever de promover uma campanha informativa de prevenção à violência e de acesso a mecanismos de denúncia.

Outra medida de prevenção relevante consiste no investimento na educação formal (escolas, faculdades e universidades) e na seara familiar para que sejam revistos rotineiramente, conceitos referente à cultura do machismo, a igualdade de gêneros, ao respeito ao próximo.

A Comissão Permanente de Políticas de Prevenção às Vítimas de Violências, Testemunhas e de Vulneráveis do Conselho Nacional de Justiça, em 24 de Julho de 2020, publicou, no seu Portal, duas ações principais com o escopo de aprimorar a fiscalização e o cumprimento das decisões judiciais. Tratam-se das campanhas e ações voltadas ao fim da violência contra a mulher e da criação de um Banco Nacional de Medidas Protetivas de Urgência (BNMPU), estabelecendo para o juiz o dever de registrar as medidas protetivas de urgência nesse sistema centralizado de informações, conforme estabelece a Lei 13.827/2019.

Para além das ações mencionadas alhures, a Comissão também teve a cautela de preparar cursos, direcionados aos Juízes, de sensibilização e aprimoramento do atendimento aos cidadãos em temas que envolvam criança e mulheres, vítimas de violência, com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrado (ENFAM). Conforme consta no Portal de notícias do CNJ, uma das principais preocupações é com os julgamentos de casos por magistrados de varas únicas, que acumulam competência e, muitas vezes, não possuem instrumentos para julgar os casos de maneira mais adequada e humana. A capacitação precisa alcançar muito mais juízes, servidores e equipes multidisciplinares, para que todos ajam da forma mais adequada com essas realidades, afirmou Cristiana Ziouva ( Portal do CNJ, 2020).”

No âmbito da Polícia Civil da Bahia, segundo informações prestadas pela Diretora da Academia de Polícia da Bahia – ACADEPOL[10], disciplinas voltadas para a qualidade do atendimento nas Delegacias, em especial naquelas de atendimento à mulher, bem como o estudo epistemológico do teor da Lei Maria da Penha, os temas transversais sugeridos pela norma jurídica, tais como a violência doméstica e familiar contra a mulher, dentre elas, o feminicídio, as peculiaridades do gênero, integram o currículo anual da Escola, bem como o Curso de Formação para os candidatos aos cargos de Investigador, escrivão e delegado de polícia.

Outro mecanismo de prevenção à violência doméstica sofrida por mulheres é o dispositivo conhecido como botão do pânico. Denominado de Dispositivo de Segurança, foi implantado pioneiramente pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo, em 2013. Trata-se de um equipamento fornecido para mulheres que estão sob medida protetiva e que pode ser acionado caso o agressor não mantenha a distância mínima determinada na decisão judicial. Quando acionado, em virtude de perigo iminente de agressão, o equipamento, que conta com um GPS, emite um alerta, com a localização da mulher para uma central de monitoramento, sendo a polícia imediatamente acionada para garantir a segurança da mulher e promover a eventual prisão do agressor. O aparelho também inicia um sistema de gravação do áudio ambiente, que fica armazenado e poderá ser usado, judicialmente, contra o agressor. Segundo a juíza Hermínia Maria Silveira Azoury,[11] coordenadora das varas de violência doméstica e familiar contra a mulher do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), “0 uso do botão resulta em dois efeitos: inibidor para os agressores e encorajador para as mulheres voltarem às atividades rotineiras, como trabalhar ou mesmo sair à rua”. Conforme dados apresentados pela magistrada, quando implantado o dispositivo na capital, Vitória, foram evitadas 12 mortes de mulheres por violência doméstica.

Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), varas especializadas nos Tribunais de Justiça do Espírito Santo, São Paulo, Paraíba, Maranhão e Pernambuco mantêm parcerias com governos municipais e estaduais para o uso desse equipamento e promoção do atendimento de segurança.

A tornozeleira eletrônica com dispositivo de aproximação que fica com a mulher constitui outro exemplo de uso da tecnologia preventiva para proteger a mulher vítima de violência doméstica. Ressalte-se que será inserida a tornozeleira no agressor, e disponibilizado, concomitantemente, à vítima um dispositivo que será acionado caso o indivíduo se aproxime da mulher em distância inferior àquela que é permitida. Dessa forma, serão, a vítima e a polícia, alertados.

Conforme publicado no Portal da Câmara dos Deputados, no dia 26/10/20 encontra-se em trâmite na aludida casa legislativa Projeto de Lei 4961/20, de autoria do deputado Geninho Zuliani (DEM-SP) que visa alterar a Lei Maria da Penha e inserir a monitoração eletrônica do agressor, por meio de tornozeleira eletrônica, e o uso de dispositivo portátil de rastreamento do agressor – o chamado “botão do pânico” entre as medidas protetivas de urgência que podem ser decretadas pelo juiz, de imediato, no caso de violência doméstica e familiar.

O autor da proposta, menciona que “essa possibilidade já se encontra regulamentada em diplomas legislativos de natureza infra-legal, como atos e portarias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de tribunais de Justiça e suas corregedorias e pelas secretarias de administração penitenciária dos Estados”. Porém, destaca, “a Lei Maria da Penha infelizmente ainda não contém essa previsão legal.”

Todas essas medidas, certamente, visam promover uma maior celeridade na prestação jurisdicional.

 

 Considerações finais

A saga da violência doméstica e familiar praticada contra mulher, nas suas mais variadas facetas, tem sido praticada, há séculos no mundo pela sociedade que se recusa a reconhecer a igualdade dos gêneros.

É inegável o reconhecimento da importância da Lei Maria da Penha e suas ulteriores alterações por estabelecer um novo paradigma no tratamento dos casos de violência doméstica contra a mulher. Entretanto, os dados exibidos no presente estudo perfunctório, revelam que o flagelo da violência doméstica e familiar praticado contra a mulher é uma realidade latente na sua vida.

No ano de 2020, infelizmente, os números foram mais expressivos por conta da pandemia de Covid-19, sendo alvo específico do presente estudo o feminicídio. Consequentemente, exigiu-se dos órgãos governamentais e não governamentais e dos integrantes da rede de proteção um esforço hercúleo, para atuar em prol dessas vítimas diante do novo panorama social delineado. Foram inseridas, no Ordenamento Jurídico Pátrio, novas normas jurídicas reguladoras com o condão de obstar a prática dos mais diversos delitos em desfavor da mulher. Indubitavelmente, houve avanços, mas o caminho a ser trilhado ainda é árduo.

Necessário se faz reorganizar e capacitar os integrantes de órgãos e das instituições públicas que atuam na rede de proteção e assistência à mulher de forma multidisciplinar a fim que tenham o suporte e os subsídios para atender essa demanda crescente, além de investir no requisito empatia, evitando comportamentos e usos de vocábulos hábeis a fomentar a sensação de culpa na pessoa agredida, revitimizando-a. Assim, é condição sine qua non,[12]garantir a eficácia das políticas públicas existentes e ampliá-las cumprindo o paradigma da proteção integral à mulher previsto na lei específica.

É preciso investir sempre na prevenção e na implementação de uma política educacional, no âmbito institucional e familiar que torne o cidadão cônscio acerca da definição de condutas machistas e implemente ações afirmativas que retratem a indignação da sociedade diante desse pálido espectro da dramática situação social, e sejam hábeis a superá-las, afastando, in totum,[13] a objetivação do gênero feminino.

Portanto, é imprescindível a realização de uma releitura sociocultural sob a perspectiva dos direitos humanos, a fim de promover e garantir direitos igualitários de ambos os gêneros, respeitando o direito fundamental da dignidade da pessoa humana já dimensionado na Constituição Federal Brasileira.

 

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[1]      Delegada aposentada da Polícia Civil da Bahia, Especialista pela USP/SP, Mestre pela UFBa/Ba, professora das disciplinas Direito da Criança e do Adolescente e Processo Penal na Universidade Católica de Salvador – UCSAL/BA. E mail: katia.abude@pro.ucsal.br

 

[2]      A Organização Mundial da Saúde publicou o Relatório Mundial Sobre a Prevenção da Violência 2014, apresentando dados de de 133 países, que abrigam 6,1 bilhões de pessoas, o que representa 88% da população mundial. Sua publicação coincide com as propostas de inserir diversos objetivos de prevenção da violência na agenda de desenvolvimento pós-2015. Esses objetivos incluem reduzir em 50% as mortes relacionadas com a violência em todos os lugares do mundo, e eliminar a violência contra a criança e todas as formas de violência contra mulheres e meninas até 2030. A OMS concedeu a tradução e direitos de publicação de uma edição em Português para o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, único responsável pela qualidade e fidelidade da tradução em português.

 

[3]              “A Corte Interamericana de Direitos Humanos é um órgão judicial autônomo que tem sede em San José, Costa Rica, cujo propósito é aplicar e interpretar a Convenção Americana de Direitos Humanos e outros tratados de Direitos Humanos. Faz parte do chamado Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos” (https://pt.wikipedia.org).

 

[4]      – on line = conectado, em tempo real.

 

[5]      A alusão contida no texto encontra-se no artigo “Feminicídio – Comentários sobre a Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015” do professor Rogério Greco, Procurador de Justiça do MPMG, Mestre em Ciências Penais pela UFMG, Especialista em Teoria do Crime pela Universidade de Salamanca, Doutor em Direito pela Universidade de Burgos (Espanha), Professor do Curso de pós-graduação em Ciências Penais da FMD da PUC Minas.

 

[6]      A Coordenação de Estatística da Polícia Civil- CDEP é órgão integrante da Polícia Civil da Bahia responsável pela compilação e divulgação de todos os registros de ocorrências policiais no Estado da Bahia.

 

[7]      O Promotor de Justiça da Bahia David Gallo atua há 17 anos no Tribunal do Júri e concedeu a mencionada informação em entrevista concedida ao Jornalista Amaury Ribeiro Júnior, titulada “Menos de 5% dos feminicídios na Bahia chegam à justiça, diz o Promotor”, publicada na seção de noticias.uol.com.br

 

[8]      per si = para sim.

[9]          Nathália Schuengue é enfermeira pediatra pelo Instituto Fernandes Figueira e mestre em saúde da criança pela Universidade Federal do RJ.

 

[10]    A aludida informação foi prestada, mediante contato telefônico realizado com a Diretora da Academia de Polícia – ACADEPOL, no dia 10 jan. 2021.

 

[11]            A magistrada, Dra. Hermínia Maria Silveira Azoury, é a responsável pela criação do dispositivo “botão do pânico” desenvolvido mediante parceira do TJES com a Prefeitura de Vitória e o Instituto Nacional de Tecnologia Preventiva -INTP.

 

[12]    sine qua non = sem isso.

 

[13]           In totum = no todo, completamente.

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