Resumo: As redes sociais têm impactado de forma direta as relações de trabalho atuais, servindo muitas vezes forma indistinta como prova para empregados e empregadores nos dissídios surgidos, criando assim uma nova dinâmica nas relações de trabalho e no processo trabalhista. Devido a omissão legislativa trabalhista, é utilizado o Código de Processo Civil para o deslinde da questão probatória, em que autoriza qualquer meio de prova como instrumento hábil em um processo. Assim, em função do impacto ocasionado em tais relações, será analisada qual será sua força probante nos dissídios trabalhistas.
Palavras-chave: Internet; Redes sociais; meios de prova; justiça do trabalho.
Abstract: Social networks have impacted directly to current labor relations, often serving interchangeably as proof for employees and employers in labor disputes that have arisen, creating a new dynamic in labor relations and labor process. According to the labor legislative omission is used the Code of Civil Procedure for the disentangling of evidential matter in authorizing any evidence as an effective instrument in a process. Thus, due to the impact caused in such relationships will be analyzed what the evidential weight in labor disputes.
Keywords: Internet; Social networks; evidence; work justice.
Sumário: Introdução. 1. A internet e as redes sociais. 1.2 As transformações da sociedade com o advento das redes sociais. 1.4 A nova dinâmica da relação de emprego com o advento das redes sociais. 1.5 A liberdade de pensamento do empregado nas redes sociais. 1.5.1 A privacidade do empregado. 1.6 O poder diretivo do empregador. 2. O impacto das redes sociais nas relações de trabalho e seus aspectos probatórios. 2.1 Prova: importância caracterização e finalidade. 2.3 Os meios de prova admitidos no direito processual do trabalho. 2.3.1 Documento eletrônico. 2.3.2 Ata notarial. 2.4 A força probante dos atos praticados nas redes sociais e sua admissão como prova na justiça do trabalho. 2.4.1 Contradita de testemunha por amizade intima comprovada por amizade em Facebook. 2.4.2 Desídia por uso das redes sociais. 2.4.3 Demissão por justa causa embasada por ato lesivo contra a honra e boa fama por publicação em Facebook. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Na presente pesquisa tem-se como objetivo estudar o impacto das redes sociais nas relações de trabalho e sua força probante. A sociedade moderna esta cada vez mais conectada, as redes sociais estão presentes na vida de quase todos os brasileiros, tornando-se item indispensável para a “sobrevivência” no mundo atual, um fenômeno inexplicável e de intangível alcance, que impacta em todos os contemporâneos círculos de convivência e, inclusive, nas relações de trabalho.
A CLT publicada em 1942 no tocante aos meios de prova é praticamente insubsistente, pois de seus poucos artigos, a maioria tratam da oitiva testemunhal, e desse modo, o direito processual comum surge como balizamento para o impasse havido, ocorrendo uma grande problemática em relação ao magistrado em função do seu amplo poder discricionário, pois poderá aceitar ou não publicações em redes sociais como provas. Assim, surge a seguinte indagação: de que forma as redes sociais alteraram as relações de trabalho e qual o valor probante que esta possui na justiça especializada, já que não possui expressa previsão legal?
Com a popularização da internet e a larga utilização de smartphones, acessíveis assim por grande parcela da população, as redes sociais, tais como: Facebook, Instagram, Twitter, Youtube, LinkedIn e outras, as relações interpessoais do chamado “mundo moderno” tornaram-se ainda mais céleres e dinâmicas, causando grande impacto nas relações de trabalho e seus dissídios propostos junto à justiça especializada, pois largamente estas redes sociais estão servindo de prova, tanto para empregadores como para empregados, sendo tema latente nos tribunais, nas mais controvertidas matérias.
Nas relações de trabalho a utilização destas ferramentas não poderia ser diferente, pois são aplicadas diariamente no intuito de auxiliar a produtividade, buscando assim otimizar o tempo e integrar as informações, perdendo muitas vezes os limites de razoabilidade e proporcionalidade de seu uso, os quais com frequência extrapolam as normas convencionadas entre as partes.
Além disso, algumas ferramentas de relacionamento social servem também como “murais de publicações”, aonde de forma desenfreada se expõe sentimentos, angústias, decepções e opiniões sobre diversos temas e pessoas, fundamentados sobre o preceito de liberdade do pensamento e da livre manifestação, esquecendo assim o direto da vida privada e intimidade dos outros, incorrendo em muitas faltas graves as quais podem inclusive servir como motivos justificadores de rescisões de contrato de trabalho por justa causa.
Muitas destas ferramentas estão servindo de prova em dissídios propostos na Justiça do Trabalho. Muitas testemunhas estão sendo contraditadas por alegação de vinculo de amizade ou inimizade com as partes envolvidas na relação processual, sendo utilizado como prova o rol de “amigos” do Facebook, tendo assim a necessidade do referido estudo. Algumas demissões por justa causa estão sendo efetivadas por empresas e reconhecidas pelos órgãos julgadores, por ter o funcionário utilizado o Facebook para denegrir e depreciar a imagem de seu empregador.
No presente trabalho seguindo o método dedutivo, inicialmente, serão estudados os números das redes sociais através de recentes pesquisas, e após, o resultado que tais números se transcendem dentro das relações de trabalho para encarar-se de que modo a doutrina e jurisprudência têm enfrentado o tema. Do mesmo modo, será analisada a liberdade de expressão do empregado dentro das relações de trabalho.
Inicialmente, serão abordados os dados que traduzem a importância das redes sociais na atual sociedade, e logo após, a forma que isso será abordado no contexto probatório e a sua consequente força em situações específicas na justiça do trabalho.
1. A INTERNET E AS REDES SOCIAIS
Primeiramente, antes de se adentrar nas redes sociais, insta tratar da internet como uma ferramenta tecnológica, que poderia ser tratada de forma tão importante como a invenção da roda, pois pode levar as pessoas para qualquer lugar, mas com a enorme diferença que na internet a pessoa não sai fisicamente do lugar.
Marcel Leonardi explana a respeito do atual comportamento da sociedade através do nascimento da internet:
“[…] a utilização e a dependência dos diversos serviços e facilidades oferecidos pela Internet modificaram radicalmente o comportamento humano. A visão original do principal criador da Word Wide Web era a de um espelho que refletisse as relações sociais. Nem mesmo ele imaginou que boa parte da interação humana passaria a ocorrer por meio da Internet”[1].
Grandes corporações que antes tinham dificuldade em monitorar as atividades desenvolvidas e a produtividade de sua equipe, atualmente, possuem grandes aliados. Diversos são os aplicativos que permitem de forma on-line através localização de GPS, saber precisamente todos os trabalhos realizados ou aqueles que deixaram de ser prestado, trazendo assim uma maior efetividade em seu controle, fato este que na elaboração da legislação trabalhista sequer poderia ter sido imaginado.
Atualmente, se tem dúvidas, mas afinal, o que é uma rede social? Toda e qualquer forma de relacionamento social é uma forma de rede social? Raquel Recuero explica:
“Sites de redes sociais foram definidos por Boyd & Ellison (2007) como aqueles sistemas que permitem i) a construção de uma persona através de um perfil ou página pessoal; ii) a interação através de comentários; e iii) a exposição pública da rede social de cada ator[2]”.
Dessa forma, não é qualquer aplicativo de celular ou qualquer página da internet que se transforma em rede social, como é o caso do Whatsapp: ele é apenas um aplicativo de troca de mensagens, não há a construção de uma pessoa através de um perfil e a interação através de comentários públicos, ou ao menos comentários que ficariam disponíveis para a visualização dos amigos.
As redes sociais podem ter diversos fins, reunindo grupos de pessoas com interesses coligados, ou simplesmente para usufruir serviços e vantagens da rede. Causam grandes inquietações nas relações de trabalho, nas quais empregados e empregadores ainda estão descobrindo seus limites e efeitos, frente às infinitas possibilidades que trazem esta nova forma de se relacionar, as quais estão sendo implementadas a passos largos, destarte Cristiane Maria Freitas de Mello a respeito do assunto:
“É inquestionável a crescente substituição do diálogo oral pela comunicação nas redes sociais, sobretudo entre jovens. Paulatinamente, as pessoas estão usando as redes sociais como veículo da própria fala cotidiana, o que revela uma transformação comportamental que merece ser analisada com cautela pelo Judiciário”[3].
É inegável que com o advento das redes sociais a sociedade passou por transformações significativas, as quais também foram sentidas nas relações de trabalho criando um fenômeno ainda desconhecido e pouco estudado. Em muito a dinâmica da comunicação foi aperfeiçoada, deu-se um significativo salto na globalização, aproximando pessoas que mesmo distante a milhares de quilômetros, as quais independentes de seu fuso horário ou onde possam estar, passam a ficar conectadas com um simples toque.
Sob uma falsa sensação de liberdade os horários foram dilatados, passou-se a “fazer mais em menos tempo”, o gerenciamento e gestão das atividades são feitos a distância em “real-time”, e de forma muito eficaz. Passa-se a estar conectado de forma inconsciente, a mesma informação de um simples “check-in” causa tranquilidade a familiares, mas inquietações para empregadores, pois, nunca foi tão fácil produzir prova sem o ponto eletrônico de que está à disposição do empregador.
Quase toda a coletividade, de certa forma, está conectada por redes sociais, atualmente pessoas e empresas relacionam-se de forma dinâmica e frenética, com sede de informações, constituindo assim grandes conglomerados virtuais os quais giram em torno de objetivos e interesses comuns, sem a existência de uma linha hierárquica, estando todos participantes em uma mesma linha horizontal.
Levando ao entendimento de que importante ponto a ser observado nas relações mantidas através das redes sociais é que diante do livre arbítrio de fazer parte deste grupo, exercendo um caráter democrático de participação, os vínculos sociais são fortalecidos frente aos interesses e objetivos comuns.
1.2 As transformações da sociedade com o advento das redes sociais
As redes sociais, criadas através da existência da internet, possibilitam uma vivência universal sem precedentes. É inegável o avanço tecnológico e nos grandes centros é praticamente impossível viver imaginando os dias atuais sem a internet, sendo um meio indispensável de acesso para todos.
Porém, com todos os dados trafegando em uma mesma base, nunca ocorreu tamanha exibição da população, seja pela exposição voluntária, seja pelo fato que mesmo fazendo transações individuais, tudo está à vista de quem, caso porventura, queira descobrir. Acerca do assunto, Alessandro Hirata assevera:
“Além disso, há uma ameaça à privacidade percebida em relação a colocar demasiada informação pessoal nas redes sociais, permitindo produzir um perfil do comportamento de um indivíduo. Com isso, criam-se verdadeiros arquivos de informações de cada usuário, com os mais diferentes dados sobre o seu comportamento social, econômico e pessoal; tais informações podem ser utilizadas para os mais diversos fins.
Mesmo que esses dados sejam públicos, a sua coleta e posterior organização e classificação para a utilização em fins – comerciais, por exemplo – levam à importante questão sobre a invasão de privacidade. Vale lembrar ainda que tais dados, mesmo depois de apagados pelos usuários de redes sociais, permanecem sob controle dessas redes, que os armazenam para fins econômicos seus e de terceiros”[4].
O autor ainda explica uma ação movida por Max Schrems em face do Facebook, que após muitas tentativas, conseguiu um CD do site com 1.200 páginas, com todas as suas informações ocorridas na rede social. Absolutamente tudo que Max fez em sua rede social, estava lá armazenado, inclusive fatos que acreditava ter “deletado”, os quais o Facebook continuava armazenando. Da mesma forma que temos uma ferramenta que nos ajuda desde os meios profissionais até os pessoais, nunca se pode invadir a esfera privada de alguém com tamanha facilidade.
No Brasil, na pesquisa realizada pela Secretaria de Comunicação Social do Gabinete da Presidência da República em 2014, apontou que é de 51% o percentual de entrevistados que ainda não utilizam a internet. Contudo, entre os usuários, a exposição é intensa e com um padrão semelhante: 76% das pessoas acessam a internet todos os dias, com uma exposição média diária de 4h59 de 2ª a 6ª feira e de 4h24 nos finais de semana. Os dados mostram que 65% dos jovens com até 25 anos acessam internet todos os dias. Entre os que têm acima de 65 anos, esse percentual cai para 4%. Ou seja, o uso da internet é muito mais frequente entre os jovens. A pesquisa ainda demonstra:
“O uso de aparelhos celulares como forma de acesso à internet já compete com o uso por meio de computadores ou notebooks, 66% e 71%, respectivamente. O uso de redes sociais influencia esse resultado. Entre os internautas, 92% estão conectados por meio de redes sociais, sendo as mais utilizadas o Facebook (83%), o Whatsapp (58%) e o Youtube (17%)”[5].
Há pesquisas que demonstram que os efeitos das redes sociais pode ser tão devastador a ponto de ser equiparado com uma droga nociva. A pesquisa, realizada pela Universidade de Bergen, na Noruega, foi publicada no periódico Psychological Reports, conforme segue:
“ A pesquisadora descobriu vários fatores sobre a dependência em Facebook, como suas principais vítimas: as mulheres e os mais jovens. Pessoas tímidas, ansiosas e inseguras socialmente também estão no páreo. De acordo com Cecilie, indivíduos com essas características de personalidade têm maior facilidade em se comunicar por meio das mídias sociais do que pessoalmente. Já pessoas mais organizadas e ambiciosas são menos suscetíveis à dependência, segundo a pesquisa.
De acordo com o estudo, os sintomas do vício em Facebook são semelhantes aos da dependência química. Mas como descobrir se você é ou não viciado na rede? Em janeiro de 2011, a pesquisadora realizou testes com 423 estudantes, sendo 227 mulheres e 196 homens. A partir disso, criou um teste, batizado de “Escala Bergen para o Vício em Facebook”, para identificar os dependente”s[6].
Assim, a carência de se estar conectado o tempo todo, a ânsia por novidades e exposição se realizadas em caráter demasiado e sem controle, podem ensejar a necessidade de tratamento médico, pois se caracterizado o vício, outros auxílios serão devidos para o tratamento da pessoa. Isso mostra o caráter perverso da internet na vida privada, podendo causar transtornos em várias áreas sociais.
1.3 A nova dinâmica da relação de emprego com o advento das redes sociais
Seria inocência demais imaginar que tamanha importância com o nascimento e consequente crescimento da internet, aliado ao fato da explosão das redes sociais, não traria reflexos no mundo do direito, em especial relações que tendem a perdurar no tempo, que são as relações de emprego.
Marcelo Oliveira Rocha aborda em seu livro, escrito em 2004, sem o “boom” das redes sociais, mas sob a égide dos novos desafios trazidos com a internet, as novas situações criadas entre empregado e empregado com o advento do seu uso nas relações de trabalho:
“Trata-se de um problema trabalhista decorrente da mais nova tecnologia conhecida. A polêmica vem crescendo rapidamente nos países avançados, onde a grande maioria das pessoas trabalha no computador. Na realidade brasileira esse problema também se encontra acentuado. Extrai-se das informações obtidas pelos meios de comunicação, inclusive da própria Internet, revelações de usos mais absurdos, que vão desde a pornografia até os negócios pessoais, passando pelos bate-papos, piadinhas, notícias dos sindicatos, convites para reuniões, divulgação de poesias, receitas culinárias, temas de espiritualismo, comunicações de aniversários, nascimentos, casamentos e falecimentos, dentre outros. Existem vários problemas gerados pelo uso indevido dos computadores. O primeiro deles é a sobrecarga da memória e da rede. Em segundo lugar, há o tempo subtraído do trabalho que é usado para preparar e enviar mensagens ou “surfar” na Internet. Em terceiro lugar, o tempo gasto por todos os empregados que têm de ler enormes quantidades de mensagens. Tudo isso reduz a produtividade do trabalho”[7].
O autor, logo após, continua com seus pensamentos, alegando que o uso da internet é mais discreto quando comparados com outros meios que poderiam causar prejuízo ao empregador, como o telefone, fax, xerox, mas agora com a internet capturar o empregado que está navegando na internet e não trabalhando, com certeza virou tarefa muito mais difícil. Para estancar esse mal, o autor traz as seguintes soluções:
“Com o intuito de frear essa atividade, grande número de empresas já definiu normas proibindo o uso do computador para toda e qualquer atividade que saia da rotina de trabalho. Algumas colocam um aviso na primeira tela de forma que, todos os dias, ao abrir o computador, o empregado é lembrado da proibição. Outras vão além e informam que as operações dos usuários são diariamente monitoradas com aquele fim. E as mais avançadas já instalaram softwares complexos que fazem isso automaticamente, emitindo, inclusive, as punições aos infratores, a exemplo do que fazem os radares do trânsito com os motoristas imprudentes”[8].
Por sua vez, Rafael Fernandes Maciel explica que não há como se desprender da atual tendência mundial da intercomunicação, bem pelo contrário, o empregador deverá estar adepto às atuais relações:
“As políticas que se preocupam em orientar e tratar adequadamente os riscos oriundos do uso da tecnologia da informação não raramente apenas relacionam proibições vinculadas à segurança de dados, deixando de tratar as mídias sociais e seus impactos à reputação do negócio. Não basta à corporação definir regras ou proibições para uso das redes sociais durante o horário de trabalho. Proibir seu uso é ir contra as tendências mais modernas de networking empresarial, além de pouco efetivo. Isso porque o acesso às redes sociais é cada vez mais originado de dispositivos móveis, nada adiantando o bloqueio via desktops ou redes wireless da companhia. Além desse impedimento técnico, o bloqueio total gera antipatia com os colaboradores e pode ser fator relevante no incremento dos negócios. Por exemplo: como os vendedores da sua empresa podem ficar sem interagir nas redes sociais? Eles precisam explorar ao máximo esses relacionamentos, incrementando a rede de contatos e, consequentemente, aumentando as vendas”[9].
Ou seja, bloquear não adianta, as redes sociais deverão ser uma aliada, principalmente na área comercial, vista a visibilidade ofertada por essas ferramentas de contato, além do fato de “trancar” o acesso aos sites das redes sociais ser praticamente inútil, pois se o empregado quiser, ele as acessa pelo celular, dispositivo que atualmente é de porte pessoal básico.
Para tentar prevenir, Alan Balaban explica que em razão da impossibilidade de previsão de todos os fatos que possam vir ocorrer nas relações de trabalho, empregado e empregador devem adotar o bom-senso como balizador de suas relações, e ainda como forma de se resguardar:
“[…] a melhor forma de resolver qualquer problema no pacto laboral envolvendo meios tecnológicos é a necessidade de que seja elaborado um contrato de trabalho escrito entre empregado e empregador, com cláusulas especificas em face do trabalho que será desenvolvido e incluindo os meios tecnológicos que serão utilizados.
Ainda, deve ser criado um regulamento interno da empresa que explique exatamente como aquele meio tecnológico deve ser utilizado. O que pode? O que não pode? Como deve ser utilizado?
Por fim, após criar os mecanismos acima, os empregadores devem respeitar o seu empregado, tanto em seu íntimo como em sua pessoa, não ultrapassando qualquer limite do que está pactuado, bem como, o empregado deve respeitar os mesmos diplomas para que tenha garantido todos os seus direitos”[10].
Dessa forma, deveria ser instituído um meio termo, nem proibir, mas também não poderia se deixar a situação de qualquer forma, sem aviso e controle algum patronal. O empregador deverá perceber, de acordo com a natureza da atividade exercida (existem atividades que são necessárias concentrações máximas do funcionário, e nenhuma informação poderá retirar o seu foco, nesses casos sim, se defende a total proibição do uso da internet, ou inclusive de telefones), se pode ser permitido certo acesso dos empregados aos meios de comunicação conectados à internet, e notar como que ocorre a dinâmica empresarial com a liberdade do empregado em acessar tais conteúdos que não guardariam relação direta com o serviço. Assim, de acordo com o caso concreto, poderá se analisar se há exacerbada utilização da internet para outros fins, deturpando o horário de trabalhado que deveria ser destinado aos desígnios do empregador.
1.5 A liberdade de pensamento do empregado nas redes sociais
Desde o surgimento do Estado Liberal, sempre tem sido objeto de dúvidas e indagações acerca de até onde a liberdade de pensamento poderá ir. A liberdade de pensamento não se apresenta de uma única forma, mas se traduz em liberdade de consciência, liberdade de crença, liberdade de manifestação do pensamento e a liberdade de expressão, todas elas garantidas na Constituição Federal como direitos fundamentais no art. 5º, IV, IV e IX. Antes mesmo da Constituição, através da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, já foi consagrado tal ideia desde 1789.
Adentra-se em um assunto mais complexo, devendo se debruçar sobre a questão da existência ou não da liberdade de pensamento do empregado frente à fidúcia que se presume na relação de trabalho e o poder diretivo do empregador e de sua honra e imagem, tema este que tem apresentado grandes divergências de entendimento nos tribunais. A respeito do assunto, o TST em matéria elucidativa a respeito do tema, explica tal garantia individual:
“A liberdade de pensamento é caracterizada como direito da personalidade. Trata-se de garantia individual que protege a sociedade contra o arbítrio e as soluções de força. O ministro do Tribunal Superior do Trabalho Alexandre Agra Belmonte, porém, observa que essa liberdade pode sofrer restrições na relação de trabalho, desde que se levem em conta três critérios: a necessidade da regra imposta, a adequação dessa regra e a proporção em que ela é imposta. "O principal critério é que a liberdade de pensamento e expressão do empregado não pode atentar contra a finalidade principal da empresa", explica. "Para além disso, é livre e protegida contra qualquer regulação abusiva"[11].
Assim, o Ministro entrevistado na matéria, Alexandre Agra Belmonte, expõe que são necessários três critérios para o cerceamento da liberdade de pensamento, que seria a necessidade de regra imposta, a adequação e a proporção da regra no caso concreto. Deverá ser analisada qual a principal finalidade da empresa e se a manifestação do funcionário está ferindo tal fim. Caso a resposta para esse dilema seja negativa, o empregado estará livre para se manifestar, assim como acobertado com o seu direito e garantia fundamental de liberdade.
Cristiane Maria Freitas de Mello traz que:
“O Exercício do direito de crítica do empregado nas redes sociais, sem cometimento de crimes e evitando o abuso com a utilização de termos excessivos, insultosos e desnecessários, tendentes a afetar o regular funcionamento da organização do trabalho ou o correto cumprimento do contrato, é pleno, dada a importância da liberdade de expressão no Estado Democrático, como refração do pensamento e da consciência, e para a preservação do direito de identidade do empregado”[12].
Sustentando assim que as críticas realizadas pelo trabalhador nas redes sociais, desde que devidamente fundadas, podem ser realizadas pelos empregados e não devem ser utilizadas contra este, o qual estaria sob guarida do texto constitucional, frente ao principio de liberdade de expressão e manifestação dos pensamentos.
Alexandre Agra Belmonte escreveu de forma bastante elucidativa sobre o tema:
“O relacionamento do trabalhador com a empresa ou seus dirigentes e colegas de trabalho é de natureza pessoal, não lhe cabendo tornar público assuntos que não dizem respeito ao conhecimento alheio. A relação de trabalho é estabelecida com base na reserva de informações e na fidúcia que deve orientar o relacionamento interno. Revelar estratégias, segredos empresarias ou ofender a imagem do empregador podem levar diretamente à despedida, por justa causa”[13].
Trazendo desta forma que as redes sociais não podem ser entendidas como “campo sem limite”, aonde tudo seria possível ser dito, sem a devida responsabilização, devendo assim em sua visão, ser este o entendimento aplicado aos contratos de trabalho.
Outro ponto que poderia se relacionar ao fato da liberdade de pensamento do empregado, está a sua privacidade, porém, na verdade, acredita-se no presente estudo que tais circunstâncias não se misturam, pois como afirmado Sandra Lia Simón a respeito da privacidade ou vida privada:
“Vida privada é tudo aquilo que o indivíduo quer ocultar do conhecimento público e intimidade seria tudo aquilo que ele quer deixar apenas o seu próprio âmbito pessoal, oculto também de pessoas de seu convívio mais próximo”[14].
Assim, para essa pesquisa, não seria o fato de se discutir a sua privacidade, pois no momento que há a formação do perfil social público na internet, onde há o acesso às informações da pessoa na rede social, deixa-se de falar nisto, e em razão disso, é mais pertinente o debate a respeito da liberdade de pensamento.
1.6 O poder diretivo do empregador
O empregador possui o seu poder de comando, que nada mais é a qualidade conferida a ele para controlar as ordens no contrato de trabalho. Cinthia Machado de Oliveira e Leandro do Amaral Dorneles abordam a respeito dos poderes patronais e quais as atribuições decorrentes desse poder de comando:
“Os poderes patronais de manifestam-se através de cinco prerrogativas básicas juridicamente alcançáveis ao empregador, a saber:
a) Poder de regulamentar a relação de emprego – ao empregador cabe decidir acerca de algumas prerrogativas inerentes à melhor execução dos serviços, no que o contrato de trabalho revela sua face adesiva. As empresas podem estabelecer regulamentos, versando, por exemplo, sobro o plano de cargos e salários, normas disciplinares e outros.
b) Poder de dirigir a prestação pessoal de serviços – o empregador, ou aquele por ele designado, determina a prestação de serviços de seus empregados, especificando, distribuindo e orientando o cumprimento das tarefas determinadas.
c) Poder de fiscalização – intrinsicamente ligado aos anteriores, […] a prerrogativa fiscalizatória concretiza-se através do controle e supervisão de tarefas, podendo ser exercida inclusive através de revistas (não íntimas ou câmeras de vigilância, desde justificadas […]
d) Poder punitivo (poder disciplinar) – talvez a manifestação mais incisiva do poder de comando. Se ao empregador cabe a fiscalização, também a ele cabe a punição dos empregados que não acatam suas ordens. O poder punitivo basicamente se manifesta através da (d.1) advertência, (d.2) suspensão disciplinar de até 30 dias (art. 474, CLT) e (d.3) despedida por justa causa (art. 482, CLT).
e) Poder de adequar a prestação de serviço às necessidades da atividade – é o chamado jus variandi do empregador. Consiste na autonomia que o empregador possui de determinar, de forma unilateral, alterações circunstanciais na prestação de serviços, de forma a adequá-la às necessidades empresariais.”[15]
Para o presente estudo, o poder disciplinar é o que merece maior atenção, pois é o momento que o empregador poderá aplicar sanções ao empregado pelo uso das redes sociais. As formas em que se manifestam o poder punitivo poderão ser verificadas através das três punições: advertência (sem previsão legal, geralmente prevista em negociação coletiva ou regulamentos empresarias); suspensão do contrato de trabalho por até 30 dias consecutivos (art. 474 CLT) e a mais temida de todas: a despedida por justa causa encontrada no art. 482 CLT.
É justamente esse o momento do ponto de encontro no presente trabalho, quando que o uso das redes sociais levará à utilização do poder de comando empresarial a ponto do empregado sofrer alguma espécie de punição, e se isso poderá ser levado em consideração caso seja instaurada uma demanda judicial para apreciação das condutas. Tal punição deverá atender a imediatidade, conforme Alice Monteiro de Barros ensina:
“Configura-se renúncia ou perdão tácito quando o empregador toma ciência do comportamento faltoso do empregado e mesmo assim permite que ele trabalhe por um lapso de tempo relativamente longo, não comprovando estivesse neste período aguardando investigação contínua, cautelosa e criteriosa, a fim de, depois, romper o ajuste. O prazo para aferição da atualidade ficará ao prudente arbítrio do juiz, esclarecendo-se que devem sopesar-se, na sua avaliação, as dimensões da empresa e a sua complexidade organizacional.”[16]
Assim, quando o empregador tiver conhecimento do ato, se for no mesmo momento da publicação, ou em situação posterior, imediatamente, deverá advertir o funcionário, pois se não assim fizer, configurará o perdão tácito e a possibilidade de reversão da justa causa em juízo.
2.O IMPACTO DAS REDES SOCIAIS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E SEUS ASPECTOS PROBATÓRIOS
Adentrando no aspecto específico a respeito das redes sociais no mundo trabalhista e como se dará tal ponto de encontro em eventuais dissídios trabalhistas, neste novo item, inicialmente será estudado a prova de maneira genérica, para após verificar como isso ocorreu em demandas judiciais trabalhistas.
2.1. A prova: importância, conceituação e finalidade
Sergio Pinto Martins aduz:
“A prova tem natureza processual, de ser apresentada no processo, como é forma de demonstrar os negócios jurídicos praticados pelas partes. Sua natureza é mista, pois a prova pode ser feita extrajudicialmente.
O objetivo da prova é convencer o juiz a respeito dos fatos da causa”.[17]
O direito de ação todas as pessoas possuem, porém, para se sair vitorioso, a questão probatória assume grande relevo, pois é nela que irá se basear, demonstrar quem que efetivamente possui o direito no caso concreto. Amauri Mascaro do Nascimento explana a respeito de sua finalidade:
“A prova tem a finalidade de transportar, para o processo judicial, a realidade externa dos fatos que geraram a demanda, traduzindo-os, para que possam ser conhecidos pelo juiz e para que sirvam de base para os debates entre as partes.
Como meio destinado a levar para o processo a reconstituição dos fatos, poderá ter falhas e não cumprir com exatidão esse fim, situação na qual haverá a verdade real (concreta) diferente da realidade formal (imaginária), e está prevalecerá. De nada adianta ter ocorrido um fato se não pode ser provado.”[18]
Ou seja, a verdade formal (dos autos) deverá estar o mais próximo possível da verdade material (do mundo dos fatos), se isto for possível, é claro, para que o processo transmita o que de mais verdadeiro ocorreu em busca da correta aplicação da justiça.
2.2 Meios de prova admitidos no processo do trabalho
O princípio do devido processo legal, previsto no art. 5º, LIV da Carta Magna, combinado com o inciso LV do mesmo artigo, dão a abertura constitucional para o direito à prova. A CLT (de 1943) de forma escassa dedicou somente 13 artigos, em sua Seção IX, para tratar sobre provas, sendo que pelo princípio da oralidade, 12 destes artigos versam sobre a prova testemunhal e depoimento pessoal das partes, restando para somente o art. 830 abordar o tema da prova documental. Há dois artigos tratando da perícia (arts. 826 e 827). A CLT em nada prevê a respeito da inspeção judicial.
A grande problemática se faz presente quando o juiz, frente a seu amplo poder discricionário conferido pelo art. 765 CLT, decide por aceitar ou não publicações em redes sociais como provas, as quais passam a ter reflexo direto em todo o curso do processo.
Fazendo um comparativo com o CPC, que vem servindo nos casos omissos de forma subsidiária conforme autorização expressa da CLT em seu artigo 769. O direito processual comum foi muito mais abrangente em abordar a questão da prova. O CPC prevê sete meios de prova: ata notarial (seção III, art 384); depoimento pessoal e confissão (seção IV e V, arts. 385 e seguintes); exibição de documento ou coisa (seção VI, art. 396 e seguintes); documental (seção VII e VIII, arts. 405 e seguintes); testemunhal (seção IX, arts. 442 e seguintes); pericial (seção X, arts. 464 e seguintes) e inspeção judicial (seção XI, arts. 481 e seguintes). Rol muito maior que o da CLT.
Além disso, mesmo o código ainda formulado em 1973 trouxe de forma abrangente em seu art. 332 a seguinte redação:
“Art. 332 CPC/73. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.”
O novo CPC seguindo o mesmo entendimento, trouxe o que segue:
“Art. 369 NCPC. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.”
Ou seja, o CPC traz exemplos de prova, pois ele não a conceitua, não caracteriza o que seria prova, e informa que podem ser empregados todos os meios legais e moralmente legítimos. Então qualquer coisa, desde que atendidas as especificações do art. 369, poderá ser uma prova. Desta forma se deduz de que as redes sociais podem servir como prova para formar o convencimento do juiz para que assim este possa perseguir a verdade real.
Mauro Schiavi explica a respeito de quais meios de prova poderão ser utilizados e qual a motivação para qualquer meio de prova ser praticado:
“[…] além dos meios de prova elencados no Código de Processo Civil, há a admissão de qualquer meio moralmente legítimo de prova, vale dizer: o meio probatório que não atente contra moral e os bons costumes. Com isso, nota-se a amplitude probatória que consagra o Código de Processo Civil, a fim de facilitar o acesso do cidadão à Justiça e a possibilidade de demonstrar a veracidade de suas alegações em juízo. De outro lado, como é princípio fundamental da nova codificação processual civil, o contraditório deve ser observado com ênfase na fase probatória, possibilitando às partes o direito de influir eficazmente na convicção do juiz”[19].
O autor, na continuação de seus pensamentos, cita novamente o art. 369 CPC supracitado, que consagra o princípio da atipicidade das provas, permitindo que sejam aceitos outros meios de prova, desde que moralmente legítimos. Logo após, continua ao explicar a diferença entre meio e fonte da prova:
“Enquanto os meios de prova são os instrumentos legais ou admissíveis em Direito para se demonstrar a veracidade das alegações em juízo, as fontes da prova são os fatos naturais ou humanos que tenham relevância na esfera jurídica, bem como as coisas corpóreas ou incorpóreas existentes na natureza ou criadas pelo homem, das quais se originam os meios de prova”[20].
A partir do explanado, por exemplo, o Facebook seria a fonte de prova, e o meio de prova seria a ata notarial que daria fé pública para o conteúdo postado/publicado em tal rede social.
Por sua vez, Amauri Mascaro do Nascimento explica:
“Meio de prova é expressão de duplo significado.
Tanto pode designar a atividade do juiz ou das partes para a produção das provas, como também os instrumentos ministrados ao juiz no processo para formar o seu convencimento.
A palavra “prova” tem sido utilizada tanto para designar a atividade como instrumento. Podem existir meios de prova que nada provem, entendido o meio como atividade. Como também podem existir instrumentos que não demonstrem. Parece-nos que ambos os sentidos se entrelaçam, e que por meio de prova ser entendida a fonte de onde emana a convicção do juiz”[21].
A argumentação trazida pelo autor se encaixa melhor no atual contexto legislativo brasileiro, pois realmente, há confusão terminológica a respeito do que seria prova, não existindo, na verdade, uma situação específica que se pode utilizar de forma exclusiva a palavra em comento, sendo quase uma utopia buscar um sentido único para uma questão tão utilizada.
A discussão no meio jurídico sobre a possibilidade de utilização das publicações realizadas em redes sociais servirem como prova na Justiça não é recente, tendo em 2012 a OAB/SP proposto um grande debate entre os advogados de seu Estado, o qual teve como tema central o questionamento se mensagens postadas em redes sociais poderiam servir como prova, por ter a Constituição Federal expresso em seu Art. 5º. inciso LVI que: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;” tendo naquela época ficado divido as opiniões, aonde de um lado sob forte argumento constitucional sustentava-se que a prova constituída entre particulares não poderia se fazer presente nos autos flagrante era a ilicitude de sua obtenção, tendo do outro lado argumentos afirmativos de sua utilização, por entender que as redes sociais não poderiam ficar a margem do ordenamento jurídico, mas sim a seus serviços.
Desta forma tem-se o primeiro grande questionamento: as provas obtidas unilateralmente nas redes sociais seriam ilícitas? Grande parte dos magistrados, juristas e operadores do direito entendem que não, defendendo assim esta tese Alamiro Velludo Salvador Netto em entrevista concedida a Revista da OAB/SP, conforme segue:
“Ocorre que as mensagens postadas em redes sociais destinam-se exatamente ao público em geral, rompendo com um paradigma simples de relações confidenciais ou privadas. A dinâmica de muitos sítios eletrônicos é exatamente permitir a livre manifestação do pensamento a qualquer um, conferindo ao cidadão o poder de atingir um número ilimitado de pessoas. Outros, ainda que restritos a pessoas previamente selecionadas, igualmente outorga a possibilidade de exposição e manifestação, devendo ser utilizado com responsabilidade e parcimônia”[22].
Sendo indubitável o entendimento de que as redes sociais servem como prova e para o livre convencimento do juiz, sendo que de forma preventiva, devem ser adotadas algumas cautelas para que se tenha a eficácia e robustez pretendida, devendo assim tais publicações serem transcritas através de ata notarial e outros meios para que torne a prova confiável e válida, conforme será abordado nos próximos itens.
2.2.1 Documento eletrônico
A respeito do documento eletrônico, surgiria a dúvida se o publicado nas redes sociais poderá ser considerado como um documento eletrônico, pois a legislação não faz considerações do que seria um documento eletrônico. Atualmente, os documentos eletrônicos estão previstos como meios de prova típica previsto no art. 439 até 441 do CPC, novidade em comparação ao CPC/73. O art. 11 da Lei 11.419 de 2006 também trata do assunto, mas sem denominar o que seria.
Antônio Marques explica o que seria um documento eletrônico:
“No concernente ao documento eletrônico, uma vez que não se prende ao meio físico em que está gravado, possuindo autonomia em relação a ele, nada mais representa que uma sequência de bits que, traduzida por meio de um determinado programa de computador, seja representativo de um fato. Desta forma, percebe-se que os documentos eletrônicos possuem os mesmos elementos que um documento escrito em suporte de papel, contendo, entretanto, os seguintes aspectos: a) constam em suporte material (disquete, circuitos, chips de memória, redes); b) contêm uma mensagem, em que está escrita em linguagem convencional de dígitos binários ou bits, entidades magnéticas que os sentidos humanos não podem perceber diretamente; c) estão escritos em um idioma ou código determinado; e d) podem ser atribuídos a uma pessoa determinada com a qualidade de autor, mediante uma assinatura digital ou chave eletrônica”[23].
Então, de acordo com o autor, os dados constantes nas redes sociais seriam um documento eletrônico. Mas será que apenas assim as redes sociais seriam um meio de prova? Não teria outra forma?
No próprio site nacional dos Notários e Registradores do Brasil, aparece a dúvida, afinal, o que consta nas redes sociais, poderá ser considerado um documento eletrônico?
“Então, se a parte interessada pretender provar, em processo físico, a verdade de um fato por meio de vídeo do youtube, gravações telefônicas, textos de sites ou de rede social (facebook, linkedin etc.) ou qualquer outro tipo de gravação em mídia, deverá converter o documento eletrônico à forma impressa. Como convertê-los em escritos sem perder a força probante? O novo CPC também inovou nesse aspecto. Trouxe, em seu bojo, de forma expressa, a ata notarial como meio de prova […]”[24].
Dessa forma, para o presente estudo o contido nas redes sociais não seria um documento eletrônico como trazido pelo CPC, pois esse seria um documento do word, excel, uma música, algo que efetivamente estaria gravado em alguma memória e poderia ser retirado de um Hard Disk Drive (HD). Já um e-mail, uma rede social, algo que é acessado de qualquer lugar em sua integralidade, sem salvamentos no HD, o meio de prova mais inteligente a ser utilizado, conforme afirmado pelo próprio site dos notários, é a ata notarial, conforme será explicada abaixo, novidade trazida como meio de prova típico no novo CPC.
2.2.2 Ata notarial
Outro meio que poderia se mostrar com mais convicção o alegado nas redes sociais é a ata notarial. A ata notarial já existia na sistemática do CPC de 1973, porém, a sua previsão se encontrava no art. 982 § 1º, sobre o inventário e partilha, assim como no 1124-A, § 2º, versando sobre a separação consensual. A atividade é do tabelião, conforme determina a Lei n° 8.935 de 1994: “Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.”
Atualmente, a ata notarial está disposta no capítulo das provas, recebimento um tratamento melhorado. De acordo com a redação do CPC:
“Art. 384 NCPC. A existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados ou documentados, a requerimento do interessado, mediante ata lavrada por tabelião.
Parágrafo único. Dados representados por imagem ou som gravados em arquivos eletrônicos poderão constar da ata notarial.”
Conrado di Mambro Oliveira explica o instituto:
“[…] o tabelião é um espectador atencioso e imparcial dos fatos que presencia ou das situações que lhe constem, representando-os na ata notarial com maior exatidão. Deve presenciar os fatos e relatá-los na ata notarial de maneira veraz e objetiva, sem apreciações pessoais nem valoração desses fatos, excetuando aquelas que necessitam da aplicação do juízo estrito para atender à finalidade da ata. Ser objetivo envolve avaliar os fatos relevantes e irrelevantes, desprezando estes e descrevendo aqueles”[25].
Assim, o analisado deverá ser apenas relatado sem juízo de valor, apenas uma análise nua e crua do fato, e no caso das redes sociais, conferindo assim a um simples documento captado de uma fonte não segura, que é o computador, a declaração de veracidade por quem se tem fé pública. É uma forma de prova pré-constituída, dando segurança de sua conservação ao interessado em fazer prova aquilo em ocasião futura, dando fidedignidade ao documento.
O autor começa a polêmica em torno desse meio de prova em função das críticas existentes a respeito da unilateralidade na produção probatória, dificultando a ampla defesa e o contraditório, trazendo, inicialmente, o seguinte acórdão:
“Quanto à ata notarial, não pode prevalecer, vez que se trata de documento produzido de forma unilateral, não submetido ao crivo do judiciário, e sem a possibilidade de contraditório, ferindo, desse modo, o devido processo legal”[26].
Logo após, critica o entendimento acima firmado:
“Ora, em que pese a ata notarial ter sempre um solicitante, isso jamais poderá significar que o documento foi produzido de forma unilateral por um dos litigantes, pois quem o confeccionou não é a parte interessada, mas o tabelião de notas, no cumprimento de seu ofício e sob as penas da lei. O instrumento não é particular, e sim de natureza pública.
Portanto, quando se questiona a origem da ata notarial ou a sua neutralidade, a rigor, não se está questionando a parte processual que a juntou aos autos, mas colocando-se em xeque a isenção, a imparcialidade e o trabalho do próprio tabelião”[27].
O presente estudo se filia ao entendimento firmado pelo autor, pois a parte contrária, no seu momento oportuno, poderá se defender do apresentado pela parte que se valeu da ata notarial.
Em acórdão que tratava da ausência do reclamante na audiência de prosseguimento em que foi apresentado atestado médico declarando a sua impossibilidade de comparecimento, foi comprovado que o reclamante, na mesma ocasião, estava em um parque turístico na cidade de Resende/RJ. O empregador realizou os “prints” das telas as quais foram conferidas autenticidades através da ata notarial, e conforme ressaltado pelo TRT, citado e ratificado no acórdão do TST, abaixo transcrito:
“[…] os reclamados peticionaram informando que, no período de dez dias de repouso indicado no atestado, ao contrário de estar em casa de repouso como deveria, o reclamante estava em parque turístico situado no município de Resende (RJ), em companhia de amigos, em bares e restaurantes, inclusive consumindo bebida alcoólica. Para corroborar suas afirmações juntaram cópias do ‘facebook’ do reclamante feitas através de "ata notarial" (quando o tabelião acessa o endereço da página ou site e verifica seu conteúdo, atestando data, horário, endereço e sua veracidade). […]
Insurge-se o recorrente contra a pena aplicada, arguindo sua incapacidade física e psicológica para comparecimento nessa Justiça Especializada, asseverando que se tratava de um ato judicial de grande pressão psicológica. Em suma, suas argumentações não o levam a êxito. Diz que os diálogos do ‘facebook’ não induzem a nenhuma prática condenável por parte do recorrente e que as fotos incluídas não são atuais. Todavia, esquece-se de que não são meras cópias, mas, sim, cópias autenticadas por tabelião, das quais se conclui que o autor não estava impossibilitado de comparecer à audiência designada”[28]. (grifou-se)
Assim, os próprios julgadores, nesse caso, desembargadores e ministros, conforme citado e grifado acima, deram ainda mais importância para o postado nas redes sociais, em função da ata notarial, ou seja, realmente, o documento probatório demonstrado é fiel ao publicado na rede social. Sendo assim, inegável a força probatória da rede social, ainda mais demonstrada através da ata notarial que é o meio adequado para tal visualização.
2.3 A força probante dos atos praticados nas redes sociais e sua admissão como prova na justiça do trabalho
É visível que as redes sociais podem e devem servir como meio de prova na justiça do trabalho nas mais variadas causas em função da importância e transparência que possuem na modernidade. Fabiano Zavanella explica que atualmente vivemos em um constante reality show, pois, conforme for o número de postagens e tempo que a pessoa encontra-se online, realmente, temos a sensação que se está o tempo todo sendo observado:
“Nessa linha, as redes sociais atuam como uma pseudo aproximação ou forma moderna de relacionamento, mas as limitações são evidentes e aqui talvez resida um maior cuidado ou necessidade de regramento por parte das empresas e, sobretudo, bom senso das pessoas, que se expõe de forma demasiada criando estereótipos ou preconceitos que pela velocidade da informação, depõe contra a sua imagem e o por vezes até o caráter e poucos não são os casos, aliás, bastante rotineiro, em que departamentos de pessoas nas empresas sérias e organizadas triam o modo de vida, as preferências, convicções, postura do candidato, através das redes sociais, antes de definir por sua contratação. O mundo, inevitavelmente, é um imenso reallity show, mas o julgador e principalmente o processo do trabalho, ainda detém a árdua tarefa, mesmo se tratando de um ramo patrimonial, perseguir a verdade ou se aproximar ao máximo dela para harmonizar e dar a sociedade o sentimento de pacificação social que é premissa fundamental e função do Poder Judiciário”[29].
Já é conhecida a prática do fato alegado pelo autor, que as empresas antes mesmo da contratação do empregado já fazem uma varredura da vida do empregado, seja em função de pedir certidões negativas criminais, ou pela apresentação carta de recomendação, telefones dos últimos empregadores para referência, mas atualmente, outro dado tem sido alvo de consulta: as páginas das redes sociais, pois ali é possível perceber muitas informações da vida pessoal. Dessa forma, não apenas poderá servir como meio de prova, mas também como maneira de avaliar a vida da pessoa antes mesmo de uma possível contratação. A magnitude que alcança uma publicação em uma rede social exorbita diversas áreas de convivência.
Ronaldo Lemos aborda o fato que todo o conjunto deverá ser reinterpretado em razão da nova realidade que está surgindo com as novas formas de inter-relação:
“[…] não cabe insistir no modelo de análise jurídica tradicional, de procurar no ordenamento jurídico posto as normas jurídicas aplicáveis a essa situação, sem qualquer precedente histórico. O que interessa é apreender todos os ângulos da questão, no sentido de que, ainda que as normas jurídicas aplicáveis sejam identificadas, sua eficácia resta gravemente comprometida por uma impossibilidade institucional do aparato adjudicante de conseguir fazer valer a aplicação de tais normas. Nesse sentido, inevitavelmente, devem-se considerar as transformações institucionais necessárias para que tal eficácia seja alcançada, ou considerar se faz ainda algum sentido a manutenção dessas estruturas normativas tradicionais. Em outras palavras, a questão começa a tornar-se relevante quando se inicia a partir do ponto em que a chave é se a nova realidade deve adaptar-se ao velho direito ou se o velho direito deve adaptar-se à nova realidade”[30].
Trazendo à tona o ensinado pelo autor, não adianta tentar encaixar de forma plena as redes sociais no atual ordenamento jurídico, deverá ser feita uma releitura dos artigos de acordo com o atual estágio encontrado com as novas relações sociais, assim como que isso se transformará na vivência e andamento de um processo.
Abaixo, há os principais exemplos que poderão ocorrer em juízo versando a respeito das redes sociais. Como a vivência na internet é muito dinâmica, sempre existirão novos fatos além dos aqui apontados, pois seria impossível prever e tratar todas as problemáticas ocorridas nas relações de trabalho através das redes sociais.
2.3.1 Contradita de testemunha por amizade intima comprovada por amizade no Facebook
No art. 447, § 3º Do CPC há a previsão que não poderão depor como testemunha o amigo íntimo da parte. Seguindo a mesma sorte, o art. 829 da CLT prevê o mesmo entendimento, podendo a pessoa ali ser ouvida como informante, não prestando compromisso legal em falar com a verdade. Assim, por muitas vezes se pergunta se a amizade virtual no Facebook seria suficiente para demonstrar a suspeição da testemunha alegada na lei, visto que a lei não conceitua o que seria, de fato, uma amizade íntima. As redes sociais, de certa forma, alteraram até o conceito da palavra amizade. Grande perigo podem trazer visões radicais sobre o tema, pois se sabe que o direito positivado não acompanha as transformações da sociedade devendo ser empregada a correta interpretação das palavras ali empregadas, pois como exemplo que a CLT em seu art. 829 traz que: “A testemunha que for parente até o terceiro grau civil, amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes, não prestará compromisso, e seu depoimento valerá como simples informação.” Sendo que a visão de amigo intimo empregada em 1943 é bastante diferente das amizades mantidas atualmente nas redes sociais.
A respeito do fenômeno, Rodrigo Martini explica qual seria a intenção do legislador na época da realização da CLT, assim como no CPC:
“A amizade íntima imaginada pelo legislador no século passado, certamente envolve uma relação de afinidade bem maior que a experimentada pela geração cibernética. As mídias sociais podem ser vistas como uma forma moderna de relacionamento, um novo padrão de sociabilidade, mas, em muitas vezes criam uma falsa ideia de aproximação. Seria temeroso admitir, que pelo simples fato de a testemunha ser incluída na rede social da parte, e até mesmo existir uma troca de mensagens ou fotografias em comum entre elas, a tornasse suspeita para depor em juízo, lhe retirando totalmente a isenção de ânimo, e possibilitando o acolhimento da contradita realizada pela parte contrária”[31].
Trazendo assim a compreensão de que ao se acolher tal tese de contradita, a parte somente poderia levar a juízo uma pessoa que não estivesse no seu rol de “amigos virtuais” cerceando completamente a produção de provas, pois seria uma inocência se imaginar que a testemunha não tenha nenhuma proximidade com a parte, sob o ponto de vista de desconhecer os fatos do qual se pretende provar.
A respeito do caso concreto, deverá ser analisado com cautela caso a caso, pois com certeza o amigo íntimo da parte deverá estar entre seu rol de amigos virtuais, mas a premissa contrária não é verdadeira, pois não há como se considerar amigos íntimos todos os seus amigos virtuais. Conforme se inclina boa parte do trabalho, apenas uma análise casuística poderá nos dar a solução para afinal, se a amizade virtual, poderá, ou não, comprometer o compromisso da testemunha.
Sergio Ferreira Pantaleão explica como que o fato, caso ocorra, deverá se pautar:
“A impugnação da testemunha deve ser pautada de provas robustas.
Comprovação de fotos em que a testemunha e reclamante aparecem em festas, viagens, eventos e etc., ou mensagens em que ambos pactuam agendas em finais de semana ou que confessam a condição de amigos próximos, podem ser objetos de prova.
O próprio reclamante pode deixar provas em redes sociais que eventualmente seja contraditório ao que esteja alegando em reclamatória, prova esta que pode ser considerada como confissão em favor da empresa. […]
Assim como todo tema contraditório no direito do trabalho e diante da falta de normatização a respeito, cabe aos magistrados analisar caso a caso, a fim de julgar a lide de acordo com sua convicção, observados os entendimentos das cortes superiores, bem como o disposto no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (antiga LICC): “Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”[32].
Conforme se inclina boa parte do trabalho, apenas uma análise casuística poderá nos dar a solução para afinal, se a amizade virtual, poderá, ou não, comprometer o compromisso da testemunha.
Abaixo, segue trecho de uma sentença na qual ouve a oitiva como informante, justamente pelo manifesto carinho com a autora nas redes sociais:
“A Senhora Geilza, convidada pela reclamante como testemunha, somente foi ouvida como informante, tendo em vista que negou qualquer forma de amizade com a reclamante, tendo sido comprovado pela 1ª reclamada, através de fotos públicas de rede social (fl. 186), que reclamante e Geilza mantêm amizade íntima, pois das fotos adunadas aos autos, em que somente estão reclamante e Geilza, constam as legendas "minha amiga irmã", "é amor demais!" nos dizeres da reclamante. Assim, neste tópico e nos demais não será levada em consideração quaisquer das informações benéficas à reclamante prestadas pela Senhora Geilza, tendo em vista a cristalina parcialidade”[33].
No presente caso, foi comprovada a amizade íntima das partes através de provas produzidas por elas próprias.
Já nesse outro acórdão, o presenciado foi outro, conforme a ementa:
“SUSPEIÇÃO DE TESTEMUNHA. RELACIONAMENTO EM REDE SOCIAL. AMIZADE ÍNTIMA NÃO CARACTERIZADA. VALIDADE DA PROVA. No atual estágio de desenvolvimento das tecnologias num mundo globalizado e cada vez mais conectado, tornou-se corriqueiro as pessoas manterem contato por meio de redes sociais. Todavia, essa forma de contato virtual, com postagens banais, troca de fotos e mensagens superficiais, nem de longe tem a densidade daquilo que o senso comum conceitua como amizade, muito menos íntima. Em suma, não induz suspeição, mero relacionamento virtual estabelecido entre reclamante e testemunha, como usuários do sistema de comunicações. A intimidade a ponto de obstar o compromisso e a oitiva da testemunha deve ser robustamente comprovada, decorrente de laços estreitos plasmados na convivência, capazes de comprometer a isenção de quem vai depor, o que não ocorreu no caso em tela. Assim, apesar de supostamente serem “amigas” através do facebook (fato sequer comprovado nos autos), ainda existisse, essa relação virtual não enseja que se dê guarida à pretensão recursal de invalidar o depoimento da testemunha, nos termos dos artigos 829, da CLT, 405, §3º, do antigo CPC, e 447, §3º, do NCPC”[34].
No último caso, não foi comprovada a amizade séria e efetiva entre a testemunha e a parte, e em que pese a reclamada ter recorrido para a tentativa da reversão do entendimento do primeiro grau, os desembargadores mantiveram o compromisso da testemunha.
Chega-se a conclusão de que necessita o juiz perseguir a verdade dos fatos, não podendo simplesmente acatar a contradita de testemunha por simplesmente serem amigos ou terem trocado mensagens em redes sociais sob pena de comprometer a verdade dos fatos.
2.3.2 Desídia por uso das redes sociais
A desídia é umas das formas encontradas como falta grave, ensejadoras da extinção do contrato de trabalho por justa causa do empregador. Está no art. 482, alínea “e” da CLT. De acordo com o conceituado por Maurício Godinho Delgado:
“Trata-se de tipo jurídico que remete à ideia de trabalhador negligente, relapso, culposamente improdutivo. A desídia é a atenção reiterada, o desinteresse contínuo, o desleixo contumaz com as obrigações contratuais. Para autorizar a resolução culposa do contrato, exige, assim, regra geral, a evidenciação de um comportamento repetido e habitual do trabalhador, uma vez que as manifestações da negligência tendem a não ser tão graves, caso isoladamente consideradas”[35].
Assim, o empregado, em contato contínuo com as redes sociais, poderá se transformar em um desidioso, visto que falta atenção no desempenho de suas funções, torando-se desleixado, pois está o tempo todo “de olho” em suas redes socais, nos serviços de mensagens oferecidos por elas, postando em sua linha do tempo, ou apenas averiguando a vida alheia.
Ana Emília Garcia e Valdir Garcia dos Santos Júnior abordam qual que seria a matemática do tempo utilizado pelo empregado durante a sua jornada de trabalho com matérias que em princípio, não guardam relação com as suas obrigações contratuais:
“Se tomado com exemplo que uma postagem despende cerca de três minutos e um empregado tem cerca de 10 postagens por dia, além da navegação regular na rede, acrescida da observação de outras postagens, tem-se que o tempo gasto com as redes sociais pode chegar a 20% da jornada de trabalho, sem contar a natural desatenção provocada no restante do tempo, já que o Facebook envia um alerta das novas postagens dos amigos no exato momento em que elas são feitas, o que deixa o internauta sempre alerta acerca dos novos conteúdos”[36].
Abaixo, encontra-se ementa de um vigilante que sofreu a extinção do contrato de trabalho por justa causa por acesso a sites no horário de serviço, entre eles o extinto Orkut, antiga rede social que acabou sendo substituída pelo Facebook:
“A conduta do reclamante verificada efetivamente possui gravidade suficiente para a aplicação da pena de demissão por justa causa em ato único. Isso porque utilizou-se do computador da empresa para acessar sítios de conteúdo indevido, incorrendo não só em mau procedimento, como também em desídia, tendo em vista que não exerceu sua função de vigilância durante toda a noite.
[…] Aliás, quanto à proibição de uso da internet, a norma da empregadora apresenta-se perfeitamente razoável, por se tratar de empresa que presta serviços de vigilância, cujo trabalho, em razão de sua natureza, exige atenção constante.”[37]
Por evidente, se o empregado é contratado para prestar seus serviços, ele deverá presta-los com a máxima atenção, sem desviar para diversos interesses contidos na internet. O empregador, de acordo com o poder disciplinar já explicado, pode e deve aplicar as sanções devidas para coibir tal prática, sendo realizada a dosimetria punitiva de acordo com o caso concreto.
2.3.3 Demissão por justa causa embasada por ato lesivo em publicação em Facebook
Caso atual envolvendo o tema diz respeito de um empregado chamado Jonathan despedido por justa causa pelo seu empregador, o Comércio de Veículos e motocicletas Jundiaí. A alegação da falta grave ocorreu em razão do reclamante ter “curtido” comentários ofensivos à empresa realizados por outro funcionário chamado Felipe, conforme trecho retirado do acórdão:
“A justa causa decorre do fato de que na rede social Facebook você compactuou com as publicações gravemente ofensivas à honra, integridade e moral da empresa BM Motos, de seus funcionários e da sócia, Dra. Daniela Magalhães, as quais foram inseridas pelo ex-funcionário Felipe Constantino.”
O teor da conversa pela rede social Facebook foi juntado às fl. 36/37 e comprova várias ofensas a honra da Sra. Daniela Magalhães, sócia proprietária da ré (fl. 46/62), bem como houve ofensa a empresa e aos funcionários.
A participação do recorrente no diálogo foi confirmada em seu depoimento pessoal: “que reconhece os diálogos retratados nos documentos juntados pela reclamada, como sendo os que o depoente manteve com o interlocutor constante dos referidos documentos”. […]
O fato é grave, posto que se sabe o alcance das redes sociais, isso sem contar que o recorrente confirma que outros funcionários da empresa também “eram seus amigos” no Facebook.
A liberdade de expressão não permite ao empregado travar conversas públicas em rede social ofendendo a sócia proprietária da empresa, o que prejudicou de forma definitiva a continuidade de seu pacto laboral, mormente quando se constata que seu contrato de trabalho perdurado por pouco mais de 4 meses.
Por fim, a atitude do reclamante foi à causa da rescisão, não houve perdão tácito e dupla punição”[38].
Ao analisar o caso, a juíza Patrícia Martins asseverou que a participação do recorrente no diálogo foi confirmada em seu depoimento pessoal. “Efetivamente as ofensas foram escritas pelo ex-funcionário, no entanto, todas foram ‘curtidas’ pelo recorrente, com respostas cheias de onomatopeias que indicam gritos e risos.” A Juíza convocada manteve a sentença, enquadrando o funcionário na alínea “k” do art. 482 da CLT que versa a respeito do cometimento do ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, levando assim ao entendimento de que “curtir” uma publicação seria um ato de cumplicidade com a publicação realizada, reforçando assim sua intenção, devendo desta forma também ser responsabilizado pelo ato.
Clocemar Lemes e Poliana Jacques ainda dissertam a respeito, dosando a liberdade do empregado e a fiscalização do empregador:
“Importante referir, que não são simples comentários do empregado que podem ensejar punições, deve realmente haver ofensa ao empregador, algo que realmente denigra sua imagem, que efetivamente afete seu poder diretivo até mesmo com relação aos outros empregados.
Fica claro, portanto, com base no exposto, que na relação de trabalho o empregador tem limites à sua liberdade de expressão e que esses limites decorrem do seu poder diretivo, por outro lado, permanece o direito do empregado de expressar suas opiniões, surgindo assim uma divergência de interesses e direitos, e a busca pelo equilíbrio é que garantirá harmonia na relação”.[39]
O dano ocasionado em razão da publicação do empregado deverá ser forte e robusto o suficiente para abalar tanto a relação, como, inclusive, afetar demais funcionários da empresa. Não será qualquer comentário que poderá ocasionar uma advertência, suspensão ou até justa causa.
Abaixo, nesse outro julgado, houve a divulgação de fotos, violando segredo da empresa, conforme trecho da ementa abaixo:
“RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. DISPENSA POR JUSTA CAUSA. ARTIGO 482, ALÍNEA “G”, DA CLT. DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DE FALTA GRAVE. VIOLAÇÃO DE SEGREDO DA EMPRESA CARACTERIZADA. […] é patente que o autor publicou no seu facebook informações de cunho sigiloso, o que implica quebra de fidúcia e, portanto, atrai a incidência do disposto no artigo 482, g, da CLT”. III – Nesse passo, asseverou que “é indene de dúvidas de que o reclamante tinha ciência de que era proibido tirar e publicar fotos do estaleiro, ainda que tenha impugnado o termo de confidencialidade, pois, todas as testemunhas ouvidas no processo confirmaram a ciência da aludida obrigação”. […][40]
Conforme afirmado pelo magistrado, para a publicação nas redes sociais, existe um ato consciente e voluntário, e assim, retira qualquer espécie de culpa, sendo uma conduta dolosa a praticada pelo empregado. Sendo assim, por fato incontroverso das redes sociais tratarem-se de meio legal e moralmente legítimo, sendo aplicada a hermenêutica necessária, tem-se válida a aceitação deste meio de prova, aonde já remansa pacífico o entendimento de que em todos os ramos do direito as redes sociais servem sim para formar o convencimento do juiz, em especial na justiça do trabalho.
2.3.4 Demissão por conduta pessoal do empregado desvinculada do emprego postada em rede social
Em 2009, quando as redes sociais ainda não possuíam tanta força quanto atualmente, uma professora do ensino fundamental sofreu a demissão do seu trabalho por dançar de forma sensual[41] em um vídeo publicado no Youtube, que até hoje poderá ser facilmente acessado.
Outro caso com enorme repercussão ocorreu quando uma professora da PUC/RJ publicou e comentou em seu Facebook[42] que o aeroporto parecia “aeroporto ou rodoviária?” ironizando uma pessoa que ali se encontrava, e acabou sendo afastada do cargo de direção após a publicação.
Infelizmente, não há doutrina especializada em relação ao âmbito processual dos casos acima, e muito menos foram encontradas notícias atualizadas do desfecho de cada caso. Não é a toa que as referências às matérias são todas realizas por notícias da imprensa. Em que pese não existirem doutrinadores acerca do assunto, a sua menção demonstram a importância daquilo que publicamos nas redes sociais, e conforme já citado, alcançando as mais diversas formas de convívio, até mesmo o ambiente laboral.
Na verdade, nem se sabe se tais casos viraram ações trabalhistas, até caso virasse, acredita-se que com o jornalismo que cativa esse tipo de notícia, o julgamento seria alvo de holofotes, servindo de matérias sensacionalistas, e provavelmente o juiz tornaria o caso em segredo de justiça para não causar ainda mais tumultos do que os já existentes. Atualmente, no Brasil principalmente, as notícias surgem como uma bomba, depois caem no esquecimento, não permitindo um acompanhamento dos fatos.
E por último, tem-se o caso da empregada que postou fotos em seu Facebook na 16ª Meia Maratona do Rio de Janeiro, porém, nesse mesmo período, ela estava afastada da empresa em função de atestado médico de 15 dias. O ocorrido ocasionou a extinção do contrato de trabalho da empregada, conforme ementa:
“JUSTA CAUSA – ATESTADO MÉDICO FALSO. Enfim, uma coisa é certa. A autora se encontrava no evento esportivo, conforme fotos apresentadas, certamente postadas pela própria autora na internet. Tais imagens convencem que a autora estava bem disposta, e não doente com necessidade de 15 dias de afastamento. Entendo que, de fato, em função dos atestados médicos falsos houve quebra de confiança que justifica a justa causa”[43].
De acordo com o desembargador, houve quebra da fidúcia contratual em razão da mentira realizada pela empregadora e a apresentação dos atestados médicos falsos, que não obstante tentava reverter a justa causa em juízo.
2.3.5 Indenização por danos morais por publicação realizada pelo empregador
E por fim, não apenas condutas praticadas pelo empregado, mas também pelo empregador são objetos de prova na justiça do trabalho, conforme acórdão abaixo:
“Ademais, quanto à reconhecida violação aos direitos da personalidade da reclamante, o print da postagem feita pelo preposto da 1ª reclamada no Facebook (Id 7206978), corroborado pelo depoimento da testemunha, demonstra que o superior hierárquico da autora, ao "fazer piadinhas" com os operadores empregados e, especificamente quanto à autora, tê-la chamado de "porca e balofa", evidentemente extrapolou os limites do exercício do poder diretivo, expondo a autora a situação vexatória e humilhante perante seus colegas de trabalho, comprovando abuso que excede a esfera da tolerância e deve ser reprimido pelo Poder Judiciário, ante o seu conteúdo discriminatório e preconceituoso, sendo evidente a lesão à honra, subjetiva e objetiva, e à imagem da reclamante, do que exsurge o dever de indenizar” (arts. 186, 187 e 927 do CCB)[44].
No presente caso, o chefe da empregada, no caso a reclamante da ação, foi ofendida no Facebook, e em razão disso, foi deferido pagamento da indenização por danos morais em função da violação da honra, subjetiva e objetiva, e à imagem da reclamante, conforme preceitua além dos artigos já citados pelo magistrado, o art. 5º, X da Constituição Federal.
CONCLUSÃO
A internet se transformou em um meio imediato e inédito de troca de informações rápidas a qual jamais foi alcançada por outro meio de comunicação, tendo o mundo como um todo sofrido uma mutação após o seu desenvolvimento, sendo um avanço irreversível para a sociedade. O número de exemplos relacionados ao tema jamais poderiam ser traduzidos em apenas um pequeno artigo, visto que a dinâmica que ocorre nas relações de trabalho exorbita o nível de conhecimento doutrinário e jurisprudencial hoje existente, pois o surgimento de novas formas de comunicação entre aplicativos e sites na internet é uma tendência verticalmente crescente, que apenas irão se multiplicar e proliferar através do tempo.
Assim como é indubitável a presença e a permanência da internet em todas as vidas contemporâneas, também é ressaltado o fato que apenas no caso concreto, de acordo com um exame casuístico, que será avaliado que ponto a conduta praticada ofendeu ou prejudicou o empregador, de acordo com aspectos probatórios colhidos nas redes sociais. Não existindo assim uma fórmula mágica, mas sim, análise pormenorizada a respeito do ocorrido para se sopesar as consequências do ato praticado.
Desta forma, no presente estudo, tentou-se de maneira concisa abordar como que, atualmente, ocorre a produção probatória atual de acordo com o permear das redes sociais nas dinâmicas laborais. Os magistrados encaram a situação de acordo com o caso concreto, pois apenas com a situação fática concretizada é que poderá ser realizado um estudo a respeito da admissibilidade ou não de tal meio de prova, e assim, inevitavelmente, o aparecimento uma enorme insegurança jurídica diante do fato de não se saber o que é ou não permitido no mundo virtual.
Advogado do Pinheiro Machado Advogados Associados
Professora de direito e processo do trabalho. Advogada pós-graduada em direito e processo do trabalho. Mestra em direito do trabalho pela UFRGS. Avaliadora de diversas revistas acadêmicas. Link para currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/0555594539829843
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