Resumo: Breve panorama sobre o instituto do contrato, sua evolução frente ao modelo social vigente e sua relação com o Direito.
Sumário: 1– As relações econômicas e o Direito Empírico. 2 – O Contrato e sua ligação com o modelo econômico
1. As relações econômicas e o direito empírico.
A Humanidade desde sua remota origem tem como característica principal o espírito coletivo, essa natureza gregária que Nietzsche conceituou de pensamento de rebanho é encarada por Aristóteles como qualidade do comportamento humano, nesse sentido, o Estagira adverte que “o homem é um animal político”[i] e fora da sociedade ele é um “selvagem ou um deus”[ii].
Tendo em vista a procedência do comportamento humano, podemos identificar que desde os primórdios da sua existência, a troca de bens e o convívio social sempre estiveram presentes em seu cotidiano. A sociedade assumiu posição de destaque nesse árduo labor de suprir essa fome humana de coletividade, segundo Duguit ela vem unificar a “comunhão de necessidades e interesses individuais” [iii] destinando-se a “suprimir os conflitos entre os homens” [iv], Leclerq a define como “união durável e vista de um fim comum”. [v]
Portanto, ao percorrermos o sinuoso caminho da evolução social, torna-se notório que esse ideário intercambial é inerente ao ser humano e por isso precede qualquer forma de normatização. A transformação das sociedades, tanto no campo espacial quanto no campo temporal, abriu caminho para uma serie diversificada de mutações no âmbito das relações, esse fenômeno conseqüentemente gerou incertezas e surpreendeu os legisladores de forma sistemática. Isto, porque “Ubi societas, ibi jus” ou seja, onde há sociedade, há direito. Sendo assim, o Direito sempre buscou se enquadrar à realidade, aperfeiçoando sua técnica e criando mecanismos de proteção social, tendo por principal intento coibir abusividades, visando à segurança econômica através do Estado, que é instituição fundamental para organizar e harmonizar o convívio humano.
Segundo o pensamento de J. Griedt, “somente o Estado é uma sociedade perfeita, pois apenas ele pode satisfazer todas as necessidades humanas” [vi], portanto, afim de regular as relações econômicas, o Príncipe como denominou Maquiavel, precisa criar uma ordem jurídica por meio de comandos que venham a submeter às relações econômicas erigidas da necessidade do convívio social, a uma série de princípios que devem nortear a circulação de riquezas, permitindo-se agir inclusive de forma compulsória para disciplinar a vida econômica e social de seus integrantes, ou seja, diretamente relacionada ao bem comum, pois como John Locke afirmou “ele é a expressão do pacto social, a serviço do povo”. [vii]
Dentro do contexto sócio-econômico, com o fim de submeter às relações da espécie às regras do positivismo jurídico, surge inevitavelmente à figura do contrato, um instituto jurídico que abarca o comportamento e a relação de natureza humana no que concerne a atividade econômica e as sujeita ao império do Direito, verdadeiro instrumento de jurisdicionalização dessas costumeiras manifestações.
Por obvio, o contrato não se consagrou de imediato, ele se desenvolveu ao lado da civilização mundial, tendo como fator congruente o plano econômico, que passou a ser disciplinado de forma integral pelo Direito. Nesse alto patamar da evolução da sociedade civil, o contrato foi erigido à categoria autônoma do pensamento jurídico, verdadeiro instituto “dentre as instituições modernas do Estado de Direito” [viii]. No entanto, embora goze de certa autonomia dentro do direito é necessário observar que nenhum instituto jurídico pode ser compreendido isoladamente, ou seja, fora da realidade econômica e social, inexorável sem se preocupar com a complexidade do comportamento humano. Nesse diapasão, constatamos que o instrumento é uma edificação da ciência do direito, sendo impossível sua compreensão sem antes remontar o fato que originou sua construção por parte da Ordem Jurídica. Só é possível visualizar a verdadeira dimensão da idéia de contrato, tendo como norte da nossa pesquisa a idéia de que é indissociável a relação jurídica da realidade econômico-social. Não sendo possível identificá-lo com um conceito puro e exclusivamente jurídico.[ix]
Ainda que se busque tentar estudar de forma autônoma, única e exclusivamente pelo prisma jurídico, essa figura chave do direito civil, a pesquisa já estará comprometida no nascimento pela inobservância do conceito econômico, uma vez que não há de se falar em contrato senão para viabilizar judicialmente uma operação financeira. Portanto, deve haver uma proximidade estreita entre ambos os conceitos, é necessário uma ligação direta, a relação econômica é a fonte do contrato e o direito seus pilares, “representa por assim dizer, o invólucro ou a veste exterior, sem a qual resultaria vazia, abstrata, e, conseqüentemente, incompreensível”.[x]
2. O Contrato e sua ligação com o modelo econômico.
O contrato é o instrumento basilar das operações econômicas, sendo assim ele sofre constantes mutações em conseqüência da evolução do modelo econômico em determinado período histórico, ou seja, ele acompanha o desenvolvimento financeiro de cada momento. Portanto, cabe ao Estado promover a disciplina jurídica em relação ao seu projeto político de organização sócio-econômica, “Daí resulta que o próprio modo de ser e de se conformar do contrato como instituto jurídico, não pode deixar de sofrer a influência decisiva do tipo de organização político-social a cada momento afirmada”.[xi]
Dessa forma, podemos afirmar que o instituto sofre uma metamorfose sempre que alterada a ideologia política de um Estado, esse instrumento é caracterizado por seu mimetismo que linearmente segue o pensamento Governamental. O Estado reflete a realidade histórica, sociológica e cultural do povo, moldando assim seu padrão legal, é a conseqüência do consentimento dos indivíduos segundo Rousseau, por isso essa ligação, “Não há senão uma lei que, por sua natureza exige um consentimento unânime; é o pacto social; porque a associação civil é o mais voluntário de todos os atos do mundo; uma vez que todo homem nasceu livre e senhor de si mesmo, não há quem possa, sob qualquer pretexto, sujeita-lo, sem sua permissão”.[xii]
Para comprovar essa teoria podemos observar que a partir da revolução francesa o conceito de contrato aderiu ao liberalismo econômico fabricado pela revolução industrial e pela burguesia emergente. O foco econômico deixou de ser baseado na Aristocracia, na nobreza da linhagem, para então possuir como pilar, a livre iniciativa, refletida nas aspirações da burguesia. Nesse cenário do século XIX, a Liberdade como ideologia passou a ser o centro das atividades econômicas, assim como afirmou o filósofo Jean-Jacques Rousseau, o Contrato Social é uma forma de defesa e proteção da pessoa e dos bens de cada sócio, da maneira que “unindo-se cada um a todos, não obedeça todavia senão a si mesmo e fique tão livre quanto antes”.[xiii] Com a consagração do “Laissez Faire” e a liberdade de empresa, a autonomia individual encontrou na figura do contrato o seu instrumento de atuação, seu marco liberal.
O espelho dessa liberdade plena emergida do iluminismo, tão exaltada por Montesquieu, Voltaire e Rousseau, refletia também no contrato, principalmente no que diz respeito à liberdade absoluta dos contratantes pelas obrigações assumidas e suas respectivas responsabilidades perante o pacto firmado. A relação assumida possuía força de lei, era o princípio do Pacta sunt servanda, “um principio que, além da indiscutível substância ética, apresentava também um relevante significado econômico: o respeito rigoroso pelos compromissos assumidos é, de fato, condição para que as trocas e as outras operações de circulação da riqueza se desenvolvam de modo correto e eficiente segundo a lógica que lhes é própria, para que se não frustrem as previsões e os cálculos dos operadores”.[xiv]
Com a evolução do Estado Liberal e a transformação da sociedade feudal em sociedade capitalista, surge um novo modelo econômico o regime capitalista puro. Nesse novo sistema, o contrato adquiriu funções fundamentais no que tange as operações econômicas, principalmente tornando-as previsíveis e calculáveis, Max Webber asseverou que essas características eram fundamentais para o individuo inserido na operação como também para o funcionamento do próprio sistema.[xv]
Ademais, o contrato era inexorável, não se admitia em hipótese alguma que o livre ajuste acordado pelos contratantes, tendo em vista a soberania da autonomia da vontade, fosse extinto ou alterado por ação unilateral, ou por qualquer decisão judicial. A ideologia era de que não haveria injustiças nas clausulas estipuladas por livre consenso e sob esse prisma o Estado não poderia intervir na vontade dos contratantes, pois assim estaria violando o próprio conceito de justiça. Os únicos limitadores da autonomia da vontade eram os bons costumes e a própria ordem pública, que em suma era a preocupação com algumas questões de interesse privado relevantes para a sociedade.
O Direito em si, só possuía mera função suplementar, regras básicas que só diziam respeito aos efeitos naturais do acordo ou normas de direito público, ele não era alternativo mas sim complemento da vontade. O Judiciário somente se manifestava quanto à execução dos contratos não cumpridos e a inobservância dos mesmos firmados em desacordo com as normas de ordem pública. A ideologia liberal pregava que a vontade era a lei em si, o pacto era a própria expressão do querer, se existe a sujeição do contratante, “é porque assim o quis, pois assim como o contrato marca o começo da vida jurídica, a vontade individual é o princípio do contrato.” [xvi]
As obrigações de jaez civil só eram relevantes para os próprios sujeitos da relação, no Liberalismo a preocupação com a segurança se sobrepunha a relevância da subjetiva justiça contratual, essa ficava a cargo dos envolvidos no negócio, competentes para ajustarem os termos mesmo não equânimes, em nome da liberdade. Desta maneira Savigny perpetuando o que Ulpiano já doutrinava em matéria filosófica,estabeleceu uma divisão do direito quanto ao destinatário, “no direito público, o Estado é fim e o individuo ocupa lugar secundário, no direito privado o individuo é o fim e o Estado relegado à segundo plano” [xvii], no entanto o chefe da escola austríaca, pai do positivismo jurídico, Hans Kelsen, criticava essa posição alegando que “ todo o direito é público, em relação à sua origem e validez, porque todo direito encontra princípio e eficiência no poder estatal, emanando da autoridade e implicando na sanção do poder do Estado.” [xviii]
Todavia, no que diz respeito à transformação histórica do regime governamental, em substituição ao ocaso do Estado Liberal no século XX, vem a tona o Estado do Bem-Estar Social, ou Welfare State, que possuía por intento a Social-democracia, defendendo o capitalismo industrial e fazendo concessões na ordem social. Não bastava somente pregar a liberdade e a igualdade dos homens, mas sim garantir também os direitos sociais e econômicos dos cidadãos. A atuação Estatal nesse novo plano, não podia mais obedecer os ditames das liberdades contratuais do modelo anterior, fazia se necessário a intervenção para disciplinar e limitar a vontade das partes, mantendo essa coerência, Kant, apesar do seu protecionismo no que toca a liberdade, refletiu que o objetivo do direito é delimitar a mesma, que simultaneamente permite essa postura, assim sendo, em primeiro lugar vem à liberdade, seguida da lei, logo após os atos externos livres e compatíveis com outras liberdades, logo “a melhor forma de governo não é aquela que torna a vida agradável mas aquela que garante a ordem jurídica.” [xix]
O estopim para esse recente deslocamento de conduta do Estado, era justamente a sapiência da verdadeira intenção dos pressupostos liberais na contratação, ou seja, a falsa liberdade e igualdade dos agentes, principalmente em razão da dependência de uns para com outros em se tratando da famigerada subordinação social. Era inconcebível fora do campo filosófico uma liberdade absoluta, o paroxismo anterior desse conceito não podia mais permear o Estado Social de Direito, uma vez que era evidente o desnível entre os contratantes e eram abissais as diferenças econômicas, morais, técnicas e cognitivas desses sujeitos. Aquela tão defendida idéia utópica de igualdade era na verdade uma grande falácia em beneficio do atilamento de certos contratantes em relação à debilidade de outros. A intervenção jurídica veio então suprir as desigualdades e os desequilíbrios, objetivando o restabelecimento da efetiva equidade, visando à proteção e a luta pelo primado da justiça contratual ao invés da indiferença do Estado predecessor. Sua interferência era legal e legitima pois tinha em foco o interesse do grupo. Mesmo mitigado de seu formato original, o instituto ainda possuía a força de seus direitos subjetivos, e ainda indispensável e relevante frente à circulação de riquezas, portanto eles ainda eram “instrumentos úteis a serviço do desenvolvimento social, mas num plano de efetiva convivência, e sob o pálio da justiça contratual, valorizando acima de todo o princípio dogmático a relação de equivalência”.[xx]
Imperioso era equilibrar o útil ao justo, o lucro ao equânime, adotando critérios pautados na razoabilidade.
O Direito positivo era a ferramenta ideal para impulsionar a força estatal, “o conjunto de regras, organização e conduta que consagradas pelo Estado se impõe de forma coercitiva visando à disciplina e a convivência social.” [xxi] Confirmando essa idéia o eminente Rui Barbosa certa vez asseverou, “Dentro da lei a força de qualquer governo sério é incomensurável.” [xxii] Segundo Leon Duguit “o Estado não é mais do que a força a serviço do Direito” [xxiii] ou como Von Ihering afirmou “o direito é a política da força”. [xxiv] Finalizando Paupério seguino a ideologia de kelsen conclui “o Estado sem direito é um mero fenômeno de força e o Direito sem Estado uma simples norma sem efetividade.” [xxv]
Com a conseqüente evolução do Estado Social até o nosso atual modelo, percebemos que àquelas idéias liberais que foram a bandeira da revolução francesa e vigoraram durante os séculos XVIII e XIV, e conseqüentemente nortearam a idéia de contrato, não sobrevivem mais no nosso sistema contemporâneo que optou pela adoção de uma característica intervencionista, a interferência tornou-se latente tanto por parte dos legisladores quanto por parte do Judiciário.
O instituto continua vivo e atual, assim como a autonomia da vontade, que agora tem em sua órbita princípios éticos como os da boa-fé e o da lealdade, frutos de uma progressão sistemática do direito, não como uma desesperada tentativa de rechaçar a liberdade dos sujeitos, mas sim com a intenção de aglutinar a responsabilidade social e alcançar a Justiça. Nesse diapasão, o professor norte americano John Rawls em sua Teoria Social, discorre com propriedade sobre o assunto e levanta argumento interessante, “a Justiça numa democracia de proprietários consiste em realizar uma sociedade como sistema equitativo de cooperação entre cidadãos livres e iguais.” [xxvi]
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