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Importante partícipe das relações de consumo, alvo central da tutela jurídica especial do direito consumerista, é o consumidor o verdadeiro protagonista desse microssistema jurídico.
É a conceituação de consumidor que gera o campo de incidência do Código de Proteção e defesa do Consumidor.
Consumidor possui notório e reconhecido traço marcante de ser vulnerável pois não possui controle sobre a produção de bens de consumo ou de prestação de serviços, além de ser submetido ao poder econômico e decisório dos fornecedores, daí o porquê o CDC conceder-lhe prerrogativas crucias tais como a indenização plena em face de acidente de consumo, a inversão do ônus da prova e, ainda, a responsabilidade objetiva e solidária dos ingerentes na cadeira produtiva.
Veio o art. 2º do CDC a definir consumidor e assim o expressou como sendo destinatário final sem perder enfoque principal que é a sua subordinação econômica.
Cláudia Lima Marques sintetizou as duas grandes tendências do consumerismo, a saber: a dos finalistas e a dos maximalistas. E recomenda a leitura da definição do art. 2º através do art. 4º, I do CDC, com a inclusão, portanto, da vulnerabilidade.
Os finalistas foram os pioneiros desse ramo jurídico, e assinalam que a definição positivada significa pilar central de toda a tutela especial. A expressão destinatário final propõe interpretação mais restrita como bem requerem os princípios basilares do CDC (arts. 4 e 6).
Restringe a figura do consumidor àquele que adquire e/ou utiliza produto ou serviço para uso próprio e de sua família, seria de caráter não profissional. Para essa corrente doutrinária o que caracteriza a relação de consumo é a sua causa, estando excluído o profissional, podendo, contudo, demonstrar sua vulnerabilidade no caso concreto.
Quanto aos maximalistas estes, enxergam no CDC um novo regulamento de mercado do consumidor e serve para amparar o consumidor, e também até o consumidor profissional.
Assim o CDC seria um código geral sobre consumo e vige para todos agentes do mercado.
A definição do segundo artigo é meramente objetiva e, por destinatário final deve se entender como destinatário fático do produto, aquele que finalmente retira do mercado e o utiliza, o consome.
Há no conceito de consumidor nítido aporte econômico o que discrepa de certa forma de toda filosofia consumerista. Os maximalistas aplicam o CDC sem distinção às pessoas jurídicas, ainda que fornecedoras de bens e serviços.
A vulnerabilidade econômica também é critério a ser considerado para se realizar a distinção e configuração de consumidor.
Há inclusive a ressalva nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor – pessoa jurídica a indenização poderá ser limitada em situações justificáveis.
Desta forma, o CDC operou como fonte inspiradora do CC de 2002 que se refletiu nos seus arts 421 e 422 prevendo a função social do contrato e, a boa-fé objetiva, e a interpretação mais benéfica em prol do aderente nos chamados contratos de adesão.
O parágrafo único do art. 2º do CDC é traz como consumidor a coletividade, sobretudo quando indeterminados. É aquele que se encontra numa situação de usar ou consumir estabelecendo relação atual e fática e não se ocupa apenas da aquisição efetiva mas também da potencial a aquisição.
A tutela coletiva do consumidor se evidencia e se impõe diante dos danos causados por um produto alimentício, farmacêutico nocivo à saúde, ou então, por automóvel ou aparelho que portando graves defeitos possam colocar em risco à vida, segurança e a saúde dos consumidores.
Basta que se comprove é nexo causal entre o defeito e o dano. Essa tutela incide sobre os chamados interesses difusos (art. 81, I CDC) e, salienta o professor José Carlos Barbosa Moreira que se caracterizam em primeiro lugar pela pluralidade de titulares, com o número indeterminado e, ao menos para fins práticos, é indeterminável.
Em segundo lugar, pela indivisibilidade do objeto do interesse, cuja satisfação necessariamente aproveita em conjunto. Não se pode esquecer que a acepção dos interesses ou direito do consumidor comporta duas categorias, os chamados interesses ou direitos coletivos propriamente ditos e os interesses individuais homogêneos de origem comum.
Por causa da possível propagação dos danos causados, considera-se também consumidor (por equiparação ou by stander) segundo o art. 17 e, garante o CDC a reparação de todos os danos causados. Vide que o dispositivo não repete o requisito da destinação final.
Importante também é destacar a distinção entre vulnerabilidade e hipossuficiência. A vulnerabilidade é presumida por lei, ao passo que a hipossuficiência deve ser analisada a cada caso concreto e resulta da situação concreta do consumidor.
Nem todo consumidor deve ser considerado hipossuficiente, mesmo sendo vulnerável.
Outra polêmica cinge-se a continuidade dos serviços públicos ditos essenciais pois não podemos entendê-los por gratuitos e não podem as concessionárias ser compelidas a prestar serviços ininterruptos se o usuário deixa de satisfazer suas obrigações relativas ao pagamento.
É evidente que deverá ser o corte de fornecimento obrigatoriamente precedido de notificação prévio ao usuário/consumidor. Por outro lado, se o usuário do serviço for pessoa jurídica de direito público, a interrupção do fornecimento é inadmissível, porque além de estar em pauta o interesse público – cuja supremacia é indiscutível, postula-se pela continuidade dos serviços que presta à população em geral.
O CDC tem múltiplos conceitos de consumidor, e, temos no art. 29 conceito exclusivo e voltado para as práticas comerciais.
O consumidor é, então não apenas aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço, mas igualmente às expostas às tais práticas. Enquanto no conceito do art. 2º do CDC temos pessoas determináveis ou não, no art. 29 o requisito identificador é apenas que estejam expostas às práticas comerciais.
Não é necessário saber a finalidade do consumo, basta o destinatário final fático com reconhecida vulnerabilidade (seja técnica, jurídica ou socioeconômica).
Não é plausível distinguir o uso privado do profissional, o importante é identificar a ausência da intermediação ou revenda. Os adeptos da corrente maximalista entendem que o CDC é código geral de consumo, por essa razão, defende a maior aplicabilidade do mesmo.
Já a corrente finalista ou subjetiva prende-se ao aspecto de ser destinatário final (econômico) para que satisfaça necessidade pessoal, e não vise desenvolvimento de atividade negocial.
É mais restrito o conceito de consumidor para o finalismo restringe-se às pessoas não profissionais. O STJ inclinava-se pela teoria maximalista ou objetiva configurando o consumidor como destinatário final ainda que utilizado no exercício profissional ou empresarial.
Mais recentemente, no entanto, a 2ª Seção do STJ entendeu pela corrente subjetiva. Criando o chamado consumo intermediário que não permite a configuração da relação do consumo e, determina a não incidência do CDC.
Segundo Arnoldo Wald o legislador pátrio no art. 2º CDC cuidou de certas pessoas jurídicas de direito civil sem caráter empresarial.
Para os maximalistas o uso profissional de bem ou serviço adquirido ou utilizado apenas afastará a caracterização de consumo, se tal produto compor diretamente a transformação posto que não teria então a destinação final e, sim a meramente intermediária.
O conceito de consumidor standard ou stricto sensu consta no art. 2º caput do CDC. Mas é extensiva á terceiros posto que equiparados por força de lei, mais precisamente pelo parágrafo único do art. 2º, 17 e 29.
Tais normas de extensão ampliam a incidência do CDC e, a lei não faz ressalva quanto a profissionalidade ou não desses terceiros equiparados. Trata o art.17 das vítimas de acidente de consumo que confere ampla responsabilização pelo fato do produto e do serviço.
E o art. 29 do CDC traça regra excepcional que amplia ainda mais a incidência da legislação consumerista.
Na tutela dos vulneráveis não há distinção entre os deveres dos fornecedores seja perante consumidores standard ou terceiros beneficiários intencionais ou incidentais.
Todos recebem o mesmo status de consumidor. Portanto se delineia um abrandamento do rigor técnico do critério finalista. A mais balizada doutrina fez analogia entre o direito do consumidor e o direito do trabalho onde assinalou similitudes desde de seu surgimento, oriundo de movimentos populares, e de convicções da opinião pública. Como por suas bases posto que ambos jurídicos foram pautados nas idéias de estabilidade e segurança.
Apesar disso não é o direito consumerista um direito de incidência um direito de incidência geral, destina-se especialmente a proteger os consumidores mais fracos. A doutrina estrangeira assinalava Arnoldo Wald enfatiza que o consumidor é ente não profissional e, que adquire bens e serviços para suas necessidades pessoais e familiares, sendo destinatário final.
Algumas expressões na redação do CDC geraram polêmicas, uma delas foi “destinatário final” tanto em doutrina como na jurisprudência.
Em sede acadêmico-doutrinária há duas teorias: a dos maximalistas (ou objetiva) e dos finalistas (ou subjetiva). A professora gaúcha Cláudia Lima Marques aborda as ambas teorias iniciando pela teoria finalista citando Antônio Herman Benjamin e Eros Grau.
A delimitação do consumidor profere o perímetro da tutela especial consumerista. Na verdade se discute a classificação da relação jurídica de consumo, Uma tese levando-se em conta a primazia do sujeito de direito (consumidor) fulcrado em conceito econômico e, outra tese, fulcrada no conceito jurídico de consumidor, dando primazia ao objeto de direito (o ato objetivo de retirar o produto ou serviço da cadeia econômica).
Discute-se se a relação de consumo é definida pela configuração de seu protagonista (consumidor) ou pelo fim que se dá ao objeto usado e/ou adquirido (bens e/ou serviços).
Para os maximalistas basta que o produto ou serviço esteja dentro do mercado de consumo independente da qualidade daquele que adquire ou utiliza.
O consumidor é parte do sistema econômico mercadológico, é a ferramenta crucial desse mercado. O direito do consumidor é um dos direitos fundamentais de terceira geração e, mesmo assim o STJ não tem aceitado a decretação de ofício pelos tribunais estaduais das cláusulas abusivas (art. 51 do CDC).
Outro fator, é que tanto o STF quanto o STJ entendem que não incidem o CDC nos contratos celebrados anteriores a sua vigência.
O gigantismo da aplicação do CDC promove certo desprestígio do fim especial visado pelo legislador pátrio quando promulgou o CDC. Dessa forma, entende-se porque o STJ não vem aplicando a vulnerabilidade presumida.
Apesar de reconhecer a vulnerabilidade informacial, (Decreto 4680/2003) e o CC de 2002 reforçou a teoria finalista vez que adotou vários princípios e cláusulas gerais que, por si sós, são suficientes para harmonizar e equilibrar as relações entre dois empresários ou entre dois consumidores.
Não mais se recorre ao CDC ampliando o conceito de consumidor conforme deseja a teoria maximalista para buscar o equilíbrio nas relações comerciais. Superou portanto a discussão sobre o alcance da expressão “destinatário final”, se consolidando por fim, a teoria finalista.
É interessante o que Hélio Zaghetto gama aludiu que a confusão semântica-interpretativa adveio do primeiro princípio da Política Nacional de Relações de Consumo que reconhece explicitamente a vulnerabilidade do consumidor.
E, vejamos que a vulnerabilidade do consumidor enquanto pessoa jurídica é presumida pela lei, ao passo que a pessoa jurídica, terá que sua vulnerabilidade ser demonstrada no caso concreto.
Por fim, adota-se contemporaneamente a chamada teoria finalista mitigada ou aprofundada. Outro dado relevante é que a mera expectativa de direito na seara consumerista, por si só, gera direitos, atente-se para o conceito de qualidade que gera expectativa no consumidor de desfrutar razoavelmente das propriedades que lhe sejam proporcionadas ou proporcionáveis por um bem ou um serviço.
Portanto, por causa de consumidor possuir quatro acepções diferenciadas conforme os termos dos arts. 2º, 2º parágrafo único, 17 e 29 do CDC, percebemos o quão intricado é tal conceito, e reside no critério da vulnerabilidade sua maior característica, a justificar a tutela especial e protetiva desde os primórdios constitucionais (art. 170) como pela identificação do Estado democrático de Direito.
E, nesse sentido, sabedora que o direito do consumidor é direito fundamental de terceira geração, é crucial entendermos a filosofia que embala todo esse microssistema dotado de normas de ordem pública, portanto, absolutamente, cogentes e, inspiradoras da necessidade de prevenção e fiscalização quanto aos acidentes de consumo.
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
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