Resumo: O presente trabalho tem por objetivo o estudo do patrimônio cultural enquanto espécie de meio ambiente e a importância da preservação deste para a sadia e digna condição de vida dos que habitam as cidades. Serão abordados aspectos da legalidade da preservação, notadamente o tombamento e discutidas as possibilidades da existência de outras formas de se preservar o patrimônio histórico e cultural das cidades como a construção de áreas e equipamentos públicos voltados ao resgate da memória e valores culturais da localidade, assim considerados como patrimônio imaterial.
Palavras-chaves: meio ambiente; patrimônio cultural; preservação; urbano; qualidade de vida; sustentabilidade; memória; urbanismo; meio ambiente artificial; sustentável
Abstract: This work aims to study the cultural heritage as kind of environment and the importance of preserving this for healthy and dignified living conditions of those who inhabit the cities. aspects of the legality of preservation will be addressed, notably tipping and discussed the possibilities of the existence of other ways to preserve the historical and cultural heritage of cities such as building areas and public facilities aimed at the recovery of memory and cultural values of the locality, as well considered as intangible heritage.
Sumário: Introdução. O Patrimnio Cultural. Lei de Crimes Ambientais. Conclusão. Referência.
INTRODUÇÃO
Muito se discute sobre a evolução urbana de forma que não degrade os vestígios da história e a cultura do povo de um determinado lugar. A memória das cidades, na sua grande maioria, quando existente, se restringe aos museus, residências de épocas e alguns outros sítios culturais. No entanto, existem outras formas de preservação e de resgate da história e da cultura das cidades que pode ser realizado concomitante a sua evolução, por meio de intervenções de cunho urbanístico. Isso pode ocorrer por meio das ações Estatais na construção de praças parques e monumentos, que sirvam como embelezamento paisagístico, mas também como instrumento de resgate da cultura e da história do seu povo. A construção de novos equipamentos públicos, principalmente em áreas que são marcos históricos importantes daquela localidade, podem, também, servir para esse resgate e preservação da sua identidade cultural.
“A valorização do patrimônio cultural e a necessidade de reabilitar os centros históricos, na atualidade, constituem premissas básicas dos debates sobre o desenvolvimento sustentável nas cidades latino-americanas, pois esses centros representam a síntese da diversidade que caracteriza a própria cidade” (FUNARI, 2009, p. 29).
O Brasil é uma nação fruto da destruição dos ecossistemas nacionais, já que é o quinto maior país em extensão territorial[1], segundo o site oficial do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), chegando a ocupar 1,7% da superfície da Terra e 47,3% da América do Sul. Porém seria irracional acreditar que o ambiente apresentado hoje é o mesmo da descoberta, em 1.500, pois é de conhecimento comum que a natureza sofre modificações, tanto pelo tempo quanto pela ação do homem.
“(…) tirante catástrofes naturais infrequentes, é a ação humana a que maiores e mais generalizados impactos traz, modificando por inteiro a face do planeta, alterando o meio físico e químico, extirpando e transformando ecossistemas inteiros, apagando espécies e florestas c poluindo o ar, o solo e as águas com substâncias tóxicas e perigosas”. (BENJAMIN, 1999, p. 49).
É importante levar em consideração que a população mundial veio a triplicar nos últimos anos, o que faz com que questões muito pontuais ganhem maior força e acabem por criar diferentes ciclos de degradação do meio ambiente, além de possuírem desenvolvimento cada vez mais complexo e com um crescimento exorbitante.
Tão significativo quanto proteger os ambientes existentes, deve-se incluir, como tutela Estatal, constitucionalmente prevista, a criação de novos monumentos e espaços de fruição pública no quadro do processo de urbanização necessário, de forma a garantir à posteridade o conhecimento e a materialização dos valores daquela comunidade, por meio da produção de um ambiente artificial agradável, que proporcione lazer, seja aprazível e eleve a autoestima das pessoas que ali residem ou visitam. Como afirma Funari (2009, p. 31), “Diante da complexidade do assunto, percebeu-se que a valorização dos centros históricos não poderia estar dissociada da apreciação do contexto territorial e da paisagem urbana”.
“Essa abertura temática permitiu que construções menos prestigiadas ou mais populares, como moinhos, mercados públicos ou estações de trem, fossem reconhecidas como patrimônio, incluindo nesse rol produções contemporâneas e bens culturais de natureza intangível, como expressões, conhecimentos, práticas, representações e técnicas. Por outro lado, alterações nas leituras do patrimônios como monumentos isolados promoveram a valorização da noção de conjunto e a superação de visões da arquitetura como obra de arte independente” (FUNARI, 2009, p. 32)
A urbanização das pequenas cidades, dependentes apenas das transferências constitucionais e que representam 70% dos municípios brasileiros, invariavelmente, é realizada sem que haja nenhum estudo ou planejamento técnico do ponto de vista ambiental, como também sem qualquer amparo legal do ponto de vista de leis locais voltadas à sua preservação. Tal fato se dá, na grande maioria dos casos, pela falta de condições financeiras destes municípios para a contratação de técnicos especializados e assessoramento administrativo qualificado.
Essa realidade traz à tona verdadeiras aberrações no que diz respeito a obras desprovidas de uma execução racional, incluindo-se as praças, que muitas vezes são feitas com projetos padrões e sem que insiram, funcionalidade, identidade com o seu povo ou atratividade turística.
No que concerne à competência legislativa em matéria ambiental, é do tipo concorrente, ou seja, podem ser originadas leis de quaisquer das esferas e órgãos dos poderes públicos. O que possibilita a todos os legisladores, nos âmbitos municipal, estadual e federal criar normas de proteção ao patrimônio cultural edificado, respeitando os conceitos, peculiaridades e interesses de cada ente.
É possível a construção de um ambiente artificial pautado no direito a um meio ambiente digno por ser aprazível, mas também que traga a lembrança do passado recente ou remoto e que seja sustentável, permitindo às futuras gerações o seu conhecimento e desfrute. São inúmeras as possibilidades de valoração da história local, suas lendas, os acontecimentos importantes, bem como a própria criação dos municípios.
O Patrimônio Ambiental Artificial, onde se inclui o patrimônio cultural ambiental, se encontra principalmente nas cidades, constitui-se em uma espécie de ecossistema criado pelo homem para servir de seu habitat. O seu estudo e preservação tem como fito a qualidade de vida dos cidadãos moradores, ligada também à sustentabilidade.
Quanto à categoria de bens culturais, enquadra-se tanto monumentos de excepcional beleza, como àqueles que pela ligação histórica com determinada comunidade passa integrar a sua memória, constituindo-se, dessa forma, patrimônio da coletividade e como tal amparado pelas legislações estaduais, municipais ou da União com respaldo constitucional, muito embora possam ser cotidianamente agredidos de todas as formas possíveis.
Dessa forma, como leciona Édis Milaré:
“Uma vez aceito o caráter holístico do meio ambiente como produto das interações e relações da sociedade humana com o mundo natural, o meio ambiente construído, ou artificial, passa a ser objeto das políticas ambientais. Estas últimas não contemplam apenas os ecossistemas com seus recursos e serviços; além disso, atentar para as relações causa-efeito da ação antrópica sobre o universo natural, a ação que se desenvolve no meio e sobre o meio. Só assim se explica a extensão cada vez maior do artificial. Sendo assim, o meio ambiente artificial cai sob a alçada do Direito, não apenas do Direito do Ambiente, mas, ainda, de outros ramos da ciência jurídica, nomeadamente o Direito Urbanístico e as regulamentações específicas, como os Códigos de Obras, entre outras.” (MILARÉ, Édis. Ed. 2014, pg. 602).
O PATRIMÔNIO CULTURAL
O Patrimônio Cultural constitui-se do próprio Meio Ambiente Cultural. É formado pelos bens históricos, artísticos, paisagísticos, ecológicos, turísticos, científicos e sociais que caracterizem um povo, um lugar.
A noção de patrimônio como legado de um povo e conjunto de bens e valores que representam uma nação, conquanto não seja um tema abordado recentemente, adquire cada vez mais espaço nas pesquisas produzidas por antropólogos, arqueólogos, arquitetos, geógrafos, historiadores, sociólogos e profissionais de diversos eixos temáticos, fixando-se como objeto de estudo verdadeiramente interdisciplinar, conforme aponta Canini (2005, p. 164).
“Se, de um lado, o inventário dos bens materiais passou a ser tarefa de arqueólogos, museólogos ou gestores de diferentes instituições de preservação de memória, de outro lado, são os antropólogos que passaram a se destacar no projeto de mapeamento da cultura. Não obstante, a cultura imaterial, enquanto patrimônio, não é algo mapeável conforme os modelos ensinados pela cartografia, o que pode ser feito com bens móveis ou imóveis, como prédios e obras de arte ou mesmo sítios arqueológicos. Os mapas da cultura devem expressar, numa cidade, que existe diversidade cultural e diversidade de modos de apropriação desta cidade; que os diferentes grupos que a constituem possuem os seus próprios mapas, não redutíveis à espacialidade do arquiteto, do urbanista ou do geógrafo; que uma cidade, e tudo o que ela possui, não é uma, mas várias cidades […]”. (CERQUEIRA, 2005, p. 94).
A Constituição Federal brasileira de 1988 define o nosso patrimônio cultural como sendo composto de bens materiais e imateriais:
“Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”. (grifo nosso)
Desta forma, a Carta Magna de 1988, complementa a composição de patrimônio histórico, artístico nacional explícito no artigo 1° do Decreto Lei n° 25 de 1937[2], inserindo também os bens imateriais.
Os bens materiais podem ser exemplificados pelas construções civis, monumentos, logradouros, obras de artes, objetos históricos, documentos e outros de natureza tangível e que são importantes para a cultura de um povo, dentre outros. Já os bens imateriais, de natureza intangível, podem ter como exemplo os costumes, danças, idiomas, receitas, festas e outras manifestações de uma determinada sociedade. Pode-se citar como exemplo, o conhecimento tradicional das comunidades indígenas e das comunidades locais, associada ao patrimônio genético, seja de valor real ou potencial, como especificado no artigo 8° da Lei 13.123/2015:
“Art. 8° Ficam protegidos por esta Lei os conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético de populações indígenas, de comunidade tradicional ou de agricultor tradicional contra a utilização e exploração ilícita.
§ 1o O Estado[3] reconhece o direito de populações indígenas, de comunidades tradicionais e de agricultores tradicionais de participar da tomada de decisões, no âmbito nacional, sobre assuntos relacionados à conservação e ao uso sustentável de seus conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético do País, nos termos desta Lei e do seu regulamento.
§ 2o O conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético de que trata esta Lei integra o patrimônio cultural brasileiro e poderá ser depositado em banco de dados, conforme dispuser o CGen[4] ou legislação específica.
§ 3o São formas de reconhecimento dos conhecimentos tradicionais associados, entre outras:
I – publicações científicas;
II – registros em cadastros ou bancos de dados; ou
III – inventários culturais.
§ 4o O intercâmbio e a difusão de patrimônio genético e de conhecimento tradicional associado praticados entre si por populações indígenas, comunidade tradicional ou agricultor tradicional para seu próprio benefício e baseados em seus usos, costumes e tradições são isentos das obrigações desta Lei.”
Nesse sentido, a doutrina e os operadores do direito têm tratado como interligados a questão ambiente natural e cultural e a própria sociedade na luta pela sustentabilidade e uma melhor qualidade de vida, busca salvaguardar os bens de relevante valor e que seja referencial ”de fazer, ser e viver dos diferentes grupos formadores da nação”.
“[…] O patrimônio cultural – ou seja, o que um conjunto social considera como cultura própria, que sustenta sua identidade e o diferencia de outros grupos – não abarca apenas os monumentos históricos, o desenho urbanístico e outros bens físicos; a experiência vivida também se condensa em linguagens, conhecimentos, tradições imateriais, modos de usar os bens e os espaços físicos. Contudo, a quase totalidade dos estudos e das ações destinadas a conhecer, preservar e difundir o patrimônio cultural continuam se ocupando apenas dos monumentos (pirâmides, locais históricos e museus). […]. Só na última década as ciências sociais […] se interessaram pela produção cultural imaterial. Seus enfoques teóricos e metodológicos, com mais capacidade para examinar sociedades complexas, permitem uma melhor avaliação dos contextos modernos em que se transformam bens simbólicos tradicionais, e assim surgem novos referentes de identificação coletiva”. (CANCLINI, 1994, p. 99).
O STF em notícia publicada em seu site no dia 11 de janeiro de 2010, elucida essa nova composição do patrimônio histórico e artístico nacional e a possível divergência entre a Lei e CF:
“Por entender que a interpretação jurisprudencial do artigo 1º do Decreto-Lei n° 25/1937 – que organiza a proteção do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – está em desconformidade com a Constituição Federal de 1988, a procuradora-geral da República em exercício, Sandra Cureau, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 206. Com a ação, a PGR busca nova interpretação do dispositivo, no sentido de incluir no enunciado da norma o conceito amplo de bem cultural, conforme os artigos 215 e 216 da Carta Magna vigente.
Apesar de reconhecer o Decreto-Lei nº 25/1937 como um “marco legal que instituiu o tombamento no contexto brasileiro, dando início aos trabalhos de preservação em âmbito nacional”, a autora entende que a interpretação que ainda se faz do artigo 1º da norma deve ser superada. Segundo a PGR, não cabe mais o entendimento jurisprudencial de que somente merecem proteção patrimonial os sítios ou paisagens de feição notável e os bens vinculados a fatos memoráveis da história brasileira que tenham excepcional valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou artístico.
Conforme argumenta a autora, desde a década de 1980, e especialmente com o texto constitucional de 1988, houve significativa mudança de perspectivas no que se refere à proteção patrimonial no país, a qual se converteu em direito fundamental de dimensão coletiva e expressão de fraternidade. Também cita, na ação, fundamentos internacionais que vêm agregar esse novo posicionamento, tais como a Convenção Europeia para a Proteção do Patrimônio Arqueológico, o Conselho da Convenção Europeia sobre o Valor do Patrimônio para a Sociedade e a Convenção de Nairóbi, realizada pela Unesco em 1976.
Além disso, na visão da PGR, a Constituição de 1988 ampliou a ideia de patrimônio cultural, que “começou a ser formulada como fator, produto ou imagem de constituição e identidade dos povos, vinculada ao sentido de pertença e multiplicidade de elementos formadores da sociedade humana e à preservação de sua memória”. A interpretação do conceito, previsto no artigo 1º do Decreto-Lei 25/1937 continua, no entanto, englobando apenas o tratamento excepcional do valor do bem cultural.
Para a procuradora-geral em exercício, “o que importa, agora, é a atenção especial que se dá à cultura material e imaterial dos grupos sociais formadores da sociedade”, valorizando não mais somente o fundamento estético, mas o conceito de patrimônio relacionado à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, isto é, levando em consideração os bens culturais e históricos, como um reflexo dos valores, das crenças, dos conhecimentos e das tradições.
Com base em tais argumentos e apontando a presença dos pressupostos autorizadores da concessão de medida cautelar (fumaça do bom direito e perigo na demora), a PGR pede ao Supremo que julgue procedente a ADPF, dando-se interpretação conforme os artigos 215 e 216 da Carta Magna vigente, do art. 1º do Decreto-Lei n° 25/1937.”
A relação do homem com o meio em que vive, a sua interferência, atribui um valor diferenciado a determinados bens, que passam a servir como critério de identidade de um grupo, de um povo ou até de toda a humanidade, sendo esse o motivo para a proteção especial desse patrimônio.
Patrimônio Cultural é gênero, enquanto Patrimônio histórico é espécie. Para ilustrar podemos dizer que tudo o que é tombado[5] é histórico. No entanto, nem tudo que é Patrimônio cultural é histórico. O IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, é o órgão federal responsável pelo controle e proteção desses bens, de valores históricos, paisagísticos, artísticos, arqueológicos, paleontológicos, ecológicos e científicos. Cada estado e município brasileiro, podem dispor de órgãos com a mesma natureza, de interesse regional e local.
Há uma necessidade, como forma de fortalecimento de uma determinada nacionalidade, de se conhecer e recuperar o seu Patrimônio Cultural. A sua projeção para o futuro, precisa de uma referência baseada em um lastro de conhecimentos, arte e memória. Sem isso, essa sociedade estará fadada a ser apenas receptora e nunca criadora de conhecimento e cultura. Como bem disse Sérgio Turino, “O empobrecimento cultural, a degradação ambiental e a perda de perspectivas criativas prosperam no terreno fértil do desrespeito e do desconhecimento do Patrimônio Cultural” (REVISTA PRINCÍPIOS N° 100).
A preservação do patrimônio cultural pode e deve ser congruente ao desenvolvimento econômico e social. Este, como dito anteriormente, está vinculado a todos os campos da ação humana e é a base da sua formação, um verdadeiro alicerce do desenvolvimento econômico, tecnológico, social e artístico. Fazem parte desse patrimônio, ainda, o conhecimento científico e tecnológico, imagens, objetos, estórias infantis, músicas, lendas, reservas naturais (degradadas ou não), além do que já foi citado e que compõe a herança de um povo. Como bem disse Sérgio Turino:
“Reforçar a identidade cultural também significa revelar contradições e romper com uma identidade aparentemente homogênea, construída apenas baseando-se em determinados marcos representativos da cultura dominante” (REVISTA PRINCÍPIOS N° 100).
A Constituição Federal tratou, ainda, de determinar os instrumentos próprios à preservação do patrimônio cultural, quando existente interesse público em sua conservação, seja em virtude da sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, seja em função de seu valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou artístico. Tais instrumentos encontram-se elencados no artigo 216, § 1°, sendo:
Inventário, o levantamento das informações de um determinado bem cultural para que sirva de fonte de conhecimento dos grupos formadores da nossa sociedade, embora ainda sem regulamentação no nosso ordenamento jurídico, tem previsão em diversos textos legais[6] e assim é definido no site oficial do IPHAN (n.d.):
“O Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) é uma metodologia de pesquisa desenvolvida pelo Iphan para produzir conhecimento sobre os domínios da vida social aos quais são atribuídos sentidos e valores e que, portanto, constituem marcos e referências de identidade para determinado grupo social. Contempla, além das categorias estabelecidas no Registro, edificações associadas a certos usos, a significações históricas e a imagens urbanas, independentemente de sua qualidade arquitetônica ou artística.”
O Inventário é realizado dentro de um determinado território em escalas que podem corresponder a uma vila, um bairro ou uma mancha ou zona urbana, levando em consideração as referências culturais existentes nesses territórios. Numa definição de Ângela Dolabela Canfora[7] (n.d.):
“O inventário é atividade sistemática e de identificação de bens culturais, resultante de pesquisa, classificação, organização e seleção. É constituído de um conjunto de informações contextualizadas sobre o bem cultural nas suas diversas funções e usos, nas diferentes expressões e significações simbólicas.
O inventário é organizado em forma de fichas cadastrais que contêm informações textuais, cartográficas e iconográficas capazes de descrever e diferenciar o bem cultural em relação ao conjunto estudado, de maneira sucinta pela identificação, localização, estado de conservação e intervenções, além de relacionar referências documentais que possam levar ao conhecimento mais aprofundado do bem inventariado.”
Todas as informações contidas no inventário deverão ser usadas tão somente para os fins específicos de preservação e proteção do acervo considerado patrimônio cultural, como forma de monitoramento de seu estado de conservação e de localização, de forma que garanta a fruição deste pela população cujo bem é referência com a coletividade de sua procedência e possui vínculos simbólicos.
O Registro é propício à proteção de bens culturais imateriais. Esse instrumento foi instituído por meio do Decreto Federal n° 3.551/ 2000:
“Art. 1o Fica instituído o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro.
§ 1o Esse registro se fará em um dos seguintes livros:
I – Livro de Registro dos Saberes, onde serão inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;
II – Livro de Registro das Celebrações, onde serão inscritos rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social;
III – Livro de Registro das Formas de Expressão, onde serão inscritas manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas;
IV – Livro de Registro dos Lugares, onde serão inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas.
§ 2o A inscrição num dos livros de registro terá sempre como referência a continuidade histórica do bem e sua relevância nacional para a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira.
§ 3o Outros livros de registro poderão ser abertos para a inscrição de bens culturais de natureza imaterial que constituam patrimônio cultural brasileiro e não se enquadrem nos livros definidos no parágrafo primeiro deste artigo.”
Os bens a serem registrados em um dos citados livros devem obedecer aos seguintes requisitos: a continuidade histórica do bem e sua relevância nacional para a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira. Esses bens, tidos como Patrimônio Cultural do Brasil serão sempre reavaliados pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural – órgão colegiado do IPHAN, no mínimo a cada 10 anos. Não havendo revalidação, o bem continuará a ter o registro como referência cultural da época em que houve tal reconhecimento.
Vigilância, que se trata de mais uma medida administrativa de proteção ao patrimônio cultural executada em ação integrada com os entes da administração pública e as comunidades. Nesse caso, a coletividade, na qualidade de detentora corresponsável, juntamente com o poder público, da guarda de bens culturais de interesse de preservação, devem ter orientações e recomendação técnicas que garantam a finalidade protetiva.
Diversas são as categorias de patrimônio cultural de natureza material passivos de vigilância. O objetivo é garantir a integridade do bem que seja um referencial simbólico para as populações e os indivíduos, suporte dos seus saberes e práticas culturais cotidianas.
Para se executar a vigilância com efetividade é necessário que se conheça da existência dos bens culturais objeto dessa medida protetiva. São inúmeros os casos de que objetos de grande relevância para a cultura furtados ou apropriados indevidamente e cujos desaparecimentos não são informados aos órgãos competentes e nem ao menos possuem fotografias. A informação é crucial para as ações que vêm após o conhecimento: a proteção, a conservação e segurança dos acervos culturais. É por esse motivo que a vigilância não deve, nas palavras de Angela Dolabela Canfora, ser tomada como atividade corriqueira de observação e vigília. Segundo a mesma:
“É necessário que se constitua como uma atividade sistemática de conhecimento, documentação e monitoramento, que envolve todos aqueles que convivem, que fazem uso e que são responsáveis pela segurança do patrimônio público”.
Desapropriação, que se trata de uma “aquisição forçada” de um bem privado pelo Estado. A indenização deve ser prévia, justa e em dinheiro. Ocorre nos casos em que o poder público resolve dar destinação específica ao bem em questão. No caso de patrimônio cultural, justifica-se para que seja garantida, a sua preservação e usufruto comum, como na desapropriação de casa para servir como museu público. Deve seguir todo o trâmite previsto legislação administrativa específica[8].
Tombamento, cujo instituto é: um dos mais importantes instrumentos de proteção do patrimônio cultural, já previsto no Decreto lei nº 25 de 1937 e definido como o instrumento pelo qual é garantida a proteção jurídica do bem reconhecido como de valor histórico. O tombamento pode ser compulsório, pelo Estado, ou voluntário, feito pelo proprietário do bem, quando esse se revestir dos requisitos necessários, por meio de registro nos Livros de Tombo[9].
Precisa é a definição do instituto do tombamento fornecida pela Secretaria Estadual da Cultura do Governo de São Paulo, em seu site[10] na internet:
“O Tombamento significa um conjunto de ações realizadas pelo poder público com o objetivo de preservar, através da aplicação de legislação específica, bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados”.
O tombamento gera alguns efeitos ao bem, seja ele de particulares, seja ele das pessoas de direito público. Tais efeitos encontram-se dispostos nos artigos 11 e 12 do Decreto Lei nº 12/37. Dentre esses efeitos, podemos citar como os mais importantes:
(a) dever de transcrição no registro público – após o tombamento definitivo deve ser levado a registro por iniciativa do órgão preservacionista competente, no Ofício de Registro de Imóveis no caso de bens imóveis e no Cartório de Registro de Títulos e Documentos para os móveis, restrições à alienabilidade -; (b) direito de preferência da União, dos Estados e dos Municípios no tocante à alienação onerosa de bens tombados de propriedade de particulares; (c) restrições à modificações – qualquer alteração no bem tombado tem que ser autorizado pelo órgão competente; (d) possibilidade de nela intervir o órgão de tombamento para fiscalização e vistoria – o proprietário fica sujeito a vistorias realizadas pelo órgão preservacionista, sob pena de multa; e (e) sujeição da propriedade vizinha e restrições especiais”. (GARCIA, pg 312).
Há controvérsias doutrinárias quanto à indenização. De um lado há os que defendem de que não sendo voluntário, cabe ao estado indenizar o proprietário do bem tombado. Do outro, os que asseguram que não enseja indenização ao proprietário do bem tombado, estando neste caso vinculado à função social da propriedade. No entanto, há muito tempo que o STF tem se posicionado no sentido de se fazer jus a indenização quando do tombamento de propriedade privada[11] (entendimento atual), desde que cause ao proprietário prejuízo significativo. Vale destacar que independe de tombamento a preservação de bens como, monumentos arqueológicos e pré-históricos; bens de uso comuns e os submetidos a regime especial áreas de preservação; dentre outros[12].
O reconhecimento de um bem como de relevância cultural e a sua preservação não é exclusividade da função administrativa do estado, podendo ser exercida também pelo legislativo, por meio de leis apropriadas e pelo judiciário, de ofício ou por provocação. Importante ressaltar ainda que os instrumentos constitucionais de proteção do patrimônio cultural, não é um rol taxativo. No mesmo dispositivo há previsão de que possa haver outras formas de acautelamento e preservação por parte dos entes estatais do patrimônio cultural:
“§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.” (grifo nosso)
A Constituição brasileira atual dispôs que além do poder público, incumbi à própria sociedade a promoção e proteção do patrimônio cultural. Com isso a constituição acaba por definir este, como um bem ambiental difuso. Em seu livro, Tutela do patrimônio cultural brasileiro, Marcos Paulo de Souza Miranda afirma:
“a proteção do patrimônio cultural insere-se, sem dúvida, no conceito de direito fundamental de terceira geração, sendo inconteste que a tutela desse direito satisfaz a humanidade como um todo (direito difuso), na medida em que preserva a sua memória e seus valores, assegurando a sua transmissão às gerações futuras”. (MIRANDA 2006, p. 16).
Os direitos difusos[13] têm em comum a não patrimonialidade integrada à qualidade de vida e igualdade. Significa no estudo em tela que o benefício que se obtém em preservar e proteger um bem que é relevante do ponto de vista cultural, ocorre pelo princípio da igualdade e em nome do bem-estar coletivo. Como dito por Fiorillo (2005, p.224), “todo bem referente à nossa cultura, identidade e memória integra a categoria de bem ambiental difuso”.
São, portanto, direitos culturais, à luz da Constituição de 1988, verdadeiros exemplos de direitos humanos, com todos os atributos típicos a este último, como a universalidade e fundamentalidade, introduzidos na carta magna no plano do direito positivo.
Assim tem se posicionado o STF, nesse sentido:
“A questão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – direito de terceira geração – princípio da solidariedade. – o direito a integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao individuo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. Considerações doutrinárias.” (MS 22164 / SP – SÃO PAULO, Relator: Min. CELSO DE MELLO).
O norte das competências em matéria ambiental encontra-se expresso no bojo do texto constitucional. Já no artigo 23[14], inciso VI, encontramos a previsão de competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios de “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”. Legislar concorrentemente, União, Estados e Distrito Federal, em matérias de “proteção, ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico” e “responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”, são previsões, respectivamente dos incisos VII e VIII do artigo 24 da Constituição Federal de 1988.
Apesar de não está expresso “municípios” no caput do artigo 24 da Constituição, o que se extrai do artigo 30[15] do mesmo diploma legal é que, no que se refere a interesse local em matéria ambiental, os poderes municipais podem criar normas, respeitadas as disposições maiores, no sentido de que atenda as necessidades locais de preservação, defesa e proteção do meio ambiente.
LEI DE CRIMES AMBIENTAIS
A Constituição Federal de 1988, vigente no Brasil, no artigo 225, § 3º, apresenta a proteção penal do meio ambiente e estabelece que condutas consideradas ofensivas sujeitarão os infratores a sanções penais, sejam esses pessoas físicas ou jurídicas (FREITAS, 2006). Este mesmo autor afirma que tais crimes apresentam-se, em muitos casos, com descrições do comportamento do agente de difícil enquadramento ou até mesmo impossível, necessitando que a lei faça remissão a disposições externas; noutros casos para aplicação da penalização faz-se necessário a complementação de outra disposição normativa.
Um dos princípios mais relevantes que compõe o Direito Ambiental é o da prevenção, porém até que a Lei n. 9.605/98 entrasse em vigor, a maior parte dos crimes ambientais estava incluída na espécie de crimes de dano, quais sejam, aqueles que só se consumam com a efetiva lesão do bem jurídico, podendo somente penalizar o infrator após a efetivação da ação que danificasse o bem. Eládio Lecey (1998, p. 38) afirma que:
“Mais importante do que punir é prevenir danos ao meio ambiente. Pela expressividade do dano coletivo em matéria ambiental, impõe se reprimir para que não ocorra o dano. Por isso, a tipificação de muitas condutas de perigo até abstrato que, não-recomendável em matéria criminal, mostra-se necessária na proteção do meio ambiente.”
No início da década de 90, o Brasil acreditava possuir uma legislação do meio ambiente quase completa através da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81), do regramento da ação civil pública (Lei n. 7.437/85), da Constituição Federal de 1988 (art. 225 e outros) e legislação avulsa de grande relevância (v.g., Lei n. 7.802/89, agrotóxicos). Porém a Lei dos Crimes Ambientais – Lei n. 9.605 somente surgiu em 12/02/1998, criticada por muitos, mas conseguindo modificar diversas práticas que aconteciam contra o meio ambiente e sua preservação (FREITAS, 2006).
CONCLUSÃO
O homem ainda não conseguiu desvendar uma forma de minimizar os prejuízos que são causados ao meio ambiente tanto pela ação do tempo como pela própria ação da humanidade, porém os estudos em diversas áreas seguem em frente, inclusive na área que se refere ao Direito Ambiental.
O mundo no geral sofre consequências por causa das degradações ambientais e, ao mesmo tempo, exige uma resposta nítida vinda do Direito para a resolução deste problema. Atualmente o Brasil possui um dos mais avançados controles de sistema de proteção jurídica ao meio ambiente, além de receber caráter prioritário no que diz respeito ao cumprimento das exigências legais.
Mediante tantos problemas demonstrados pela não conservação do meio ambiente pode-se encontrar algumas iniciativas que tentam pelo menos minimizar tal problema e em diversos âmbitos; sendo assim, tratados e ações vem sendo implantados inclusive na área que diz respeito ao Direito para adoção de estratégias mais concretas que possam, além de preservar o meio ambiente, dar suporte a não extinção das histórias e culturas vivenciadas em determinados espaços.
Ao reabilitar centros históricos nas cidades é possível potencializar a caracterização individual daquele espaço, preservar os bens culturais adquiridos anteriormente (sejam estes materiais ou imateriais), contribuindo com o desenvolvimento socioeconômico do lugar e ainda desenvolver política de turismo e aproveitamento de infraestrutura voltada ao patrimônio cultural.
Faz-se necessário reconhecer que as políticas voltadas à preservação ambiental que estão diretamente ligadas à história e cultura dos povos ainda são algo muito recente e, portanto, não conseguem disponibilizar a estrutura que deveriam em sua totalidade; sendo que elas surgiram decorrentes do crescimento industrial, já que se fazia necessário demolir a história e a cultura para conseguir espaço para o desenvolvimento, a partir daí pessoas que possuíam interesse neste tipo de preservação começaram a lutar por tal.
Ao longo do tempo entendeu-se que a preservação de determinados fatos e culturas deveriam acontecer dentro do próprio setor urbano e que seria indispensável haver tal combinação e integração, percebeu-se que um iria completar o outro, auxiliando inclusive no resgate do passado e na construção do futuro. A visão que, anteriormente, reduzia a preservação histórica a recortes cronológicos voltados às questões militares e personagens emblemáticos acabou por ser modificada, ganhando maior significância uma visão mais abrangente.
Desse modo, as construções antigas e as histórias vivenciadas nelas, com e por elas passou a ter uma ênfase social-histórica, contribuindo para iniciativas legais que são utilizadas para proteção destes bens. Beneficiou inclusive construções consideradas menos privilegiadas e mais populares. No meio do Direito foram implantadas diferentes instrumentos para que esta preservação possa vir a acontecer de forma legal, assim como a depredação sobre ela pudesse ser julgada e, se necessário, condenada.
A Lei nº. 9.605/98 surgiu para complementar as ações que já existiam com o intuito de preservação do meio ambiente, assim como da memória implícita existente em certos espaços, monumentos, etc. Possui eficácia reconhecida e consegue ser executada com seriedade, seja em âmbito municipal estadual ou até mesmo federal.
Médico Veterinário Advogado especialista em Direito Administrativo e Mestrando em Direito Ambiental pela UNISANTOS – Santos – SP
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