Resumo: Este ensaio procurou analisar, sem a pretensão de esgotar o tema, as relações jurídicas e sociais que alcançam o menor frente à proteção que lhe é assegurada pela legislação pátria, especialmente no que tange ao banco de horas e compensação de jornada de trabalho, a partir de uma interpretação sistemática da Constituição Federal, das normas da Organização Internacional do Trabalho, do Código Civil de 2002, do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Consolidação das Leis do Trabalho.
Sumário: Introdução. 1. Das normas protetivas no ordenamento jurídico interno e internacional. 1.1. Constituição da República Federativa do Brasil. 1.2. Do Estatuto da Criança e do Adolescente. 1.3.. Consolidação das Leis do Trabalho. 2. Das normas internacionais de proteção ao trabalho do menor. 3. Da duração do trabalho, do banco de horas e da compensação da jornada prevista no art. 413 da CLT. 4. Conclusão. Bibliografia.
INTRODUÇÃO
Diante do processo de formação física, psíquica e intelectual que se deparam a criança e o adolescente, a sociedade, no âmbito interno e internacional, vem editando regras protetivas dessas faixas etárias de fronte ao mercado de trabalho.
Sempre que esse tema vem à baila, a resposta de alguns pais e empregadores desavisados, parece ensaiada: “melhor trabalhar que ficar na rua aprendendo ou fazendo o que não presta”. Errado. O correto seria: “melhor estudar, conviver com a família e preparar-se para, após adquirir a maturidade e os conhecimentos necessários, qualificar-se para um bom emprego no mercado de trabalho”. Todos os que tiverem contato com este material, entendem o quão importante é a disponibilidade de tempo para dedicar-se ao estudo e o quanto isso possibilita a conquista de empregos com salários dignos, pois se encontram em extrema vantagem diante daqueles que pouco puderam estudar ante o surrupiamento de horas que poderiam ser dedicadas ao estudo, ao revés, eram comprometidas com atividades laborais. A estes, restarão, os postos de trabalho de baixa remuneração. Sem olvidar o atraso ao desenvolvimento do país, que carece de mão obra qualificada para se destacar no mercado internacional.
Daí o Princípio da Condição Peculiar de Pessoa em Desenvolvimento: este princípio justifica os dois primeiros na medida em que reconhece a vulnerabilidade e a fragilidade da criança e do adolescente para a tutela dos seus próprios direitos. Este princípio, portanto, se harmoniza com o Princípio da Isonomia, conferindo tratamento desigual a pessoas desiguais, na medida dessa desigualdade e também o Princípio da Participação Popular: a sociedade esta convocada para ao lado do Estado e da família tutelar os direitos da criança e do adolescente. Este princípio se harmoniza com a democracia participativa prevista no art.1, CF. No direito da criança deve-se assegurar instrumentos efetivos de participação popular alguns inclusive criados pelo ECA (Lei n. 8.069/90):
(1) Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente (art.88);
(2) Conselho Tutelar (art.131 e ss.);
(3) Entidades de Atendimentos não governamentais (art.90 e ss.);
(4) Auxiliares Voluntários do Juízo – são os comissários de menores do terceiro milênio (art.94)
1.DAS NORMAS PROTETIVAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO INTERNO E INTERNACIONAL:
1.1. DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL:
A dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho são fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1o, III e IV, da CF).
Dispõe, ainda, o nosso constituinte, do PRINCÍPIO DA PRIORIDADE ABSOLUTA, nos termos do art. 227 da Magna Carta: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” E segue dispondo sobre a proteção especial no § 3o , de referido dispositivo: “§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I – idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II – garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III – garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola;”
No Capítulo II, do Título II, Dos Direito Sociais, o art. 6o relacionou os direitos sociais nos seguintes termos: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação[1], o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”, enquanto o art. 7o, caput, determinou: “ Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:” e o inciso XXXIII, previu: “XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;”
Cuidou o nosso constituinte, no Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, nos parágrafos 2o e 3o: “§ 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”
1.2. DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
O artigo 1o da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), trata do princípio da proteção integral: “Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente” Mais do que um princípio, trata-se de uma doutrina universal que inspirou a confecção de diplomas legais por todo o mundo. No Brasil, a doutrina adentrou por força da Constituição Federal de 1988 e dois anos depois pela Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, ela foi explicitada. Ficou assim sepultada a doutrina da situação irregular e com o ECA foi expressamente revogado o Código de Menores.
Nos termos do artigo 2o, desta lei: “Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.”, daí porque, podemos concluir de pronto, que não há espaço, no nosso ordenamento jurídico, para contrato de trabalho em que um dos pólos contratantes seja ocupado por criança, salvo excepcionalíssimas situações previamente autorizadas pelo Juiz de Menores (Art. 406, CLT).
O artigo 60 preceitua que “Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz” , o qual deve ser interpretado à luz da CF e sistematicamente com a CLT, para logo em seguida, nos artigos 61 a 69, estabelecer as regras que cuidam da proteção do trabalho e profissionalização do trabalhador menor de idade.
1.3. CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO
Os artigos 402 a 441 da CLT, cuidam dos contratos de trabalho e de aprendizagem de trabalhadores com idade entre 16 a 18 anos ou a partir dos 14 anos, na condição de aprendiz.
Assim, é permitida a contratação de menores a partir de 14 anos, desde que, na condição de aprendiz e proibida a contratação de trabalhador com idade inferior.
É imperioso esclarecer que não estamos a tratar de trabalho ilícito e sim proibido. Tal distinção, se fez necessária, diante da hipótese do empregador descumprir a lei e contratar menores de 14 anos para desenvolverem atividade economicamente lícita. Nesta hipótese, não poderá o empregador se valer da proibição legal, por ele não observada, para se recusar a pagar os direitos trabalhistas daquele menor que lhe prestou serviços que têm por si apenas a força de trabalho, alienada antes e não paga depois.
2. DAS NORMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO AO TRABALHO DO MENOR:
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), tem se ocupado de discutir e aprovar diversas normas internacionais que objetivam a proteção do trabalho do menor. Assim, a Convenção n. 138 e Recomendação n. 146, aprovada pelo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo n. 179/1999 e promulgada pelo Decreto n. 4.134/2002.
O art. 13, letra “b”, da Recomendação n. 146, que cuida da idade mínima para admissão ao empregado, assim dispõe: “13. (1) Com relação à aplicação do parágrafo anterior e em cumprimento do Artigo 7º, parágrafo 3º, da Convenção sobre a Idade Mínima, de 1973, especial atenção deveria ser dispensada:
b) à rigorosa limitação das horas diárias e semanais de trabalho, e à proibição de horas extras, de modo a deixar tempo suficiente para a educação e treinamento (inclusive o tempo necessário para os deveres de casa), para o repouso durante o dia e para atividades de lazer;”
3.DA DURAÇÃO DO TRABALHO, DO BANCO DE HORAS E DA COMPENSAÇÃO DA JORNADA PREVISTA NO ART. 413 DA CLT:
O art. 411 da CLT, dispõe que a duração do trabalho do menor regular-se-á pelas disposições legais relativas à duração do trabalho em geral, ou seja, nos termos do art. 7o, XIII, da CF, por se tratar de norma de eficácia plena, a jornada diária de trabalho não poderá exceder à oito horas e quarenta e quatro horas semanais.
O art. 413 da CLT, incisos I e II, cuidam da prorrogação do trabalho do menor, assim dispondo:
“Art. 413 – É vedado prorrogar a duração normal diária do trabalho do menor, salvo: (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
I – até mais 2 (duas) horas, independentemente de acréscimo salarial, mediante convenção ou acôrdo coletivo nos têrmos do Título VI desta Consolidação, desde que o excesso de horas em um dia seja compensado pela diminuição em outro, de modo a ser observado o limite máximo de 48 (quarenta e oito) horas semanais ou outro inferior legalmente fixada; (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
II – excepcionalmente, por motivo de fôrça maior, até o máximo de 12 (doze) horas, com acréscimo salarial de, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) sôbre a hora normal e desde que o trabalho do menor seja imprescindível ao funcionamento do estabelecimento. (Incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)”
Nos termos do art. 59, § 2o, da CLT, poderá ser criado um sistema de controle de jornada extraordinária, que a doutrina denominou de Banco de Horas:
“Art. 59 – A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho.
§ 2o Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.164-41, de 2001)
§ 3º Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho sem que tenha havido a compensação integral da jornada extraordinária, na forma do parágrafo anterior, fará o trabalhador jus ao pagamento das horas extras não compensadas, calculadas sobre o valor da remuneração na data da rescisão. (Incluído pela Lei nº 9.601, de 21.1.1998)”
O art. 413 da CLT esta inserido no Título III, Das Normas Especiais de Tutela do Trabalho, enquanto que o art. 59, esta inserido no Título II, das Normas Gerais de Tutela do Trabalho.
Diante disso, poderia ser adotado o regime de Banco de Horas para os trabalhadores menores de 18 anos?
O exegeta deverá enfrentar a questão utilizando-se de processo hermenêutico, consubstanciado na Lei de Introdução ao Código Civil e na doutrina:
Nos termos do art. 2o , § 2o, da LICC, – Princípio da Conciliação ou das Esferas Autônomas, a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
Na doutrina, diante da antinomia entre normas gerais e especiais, a solução é encontrada através da aplicação do Metacritério da Especialidade, segundo o qual, a norma especial prevalece sobre a norma geral. Esse critério possui base constitucional, nos termos do art. 5o, que prevê o Princípio da Isonomia ou Igualdade lato sensu.
Assim, a lei que criou o Banco de Horas (Med.Prov. n. 2.164-41/2001) não revogou as disposições do artigo 413, I e II da CLT, por se tratar de norma especial, donde se conclui a impossibilidade de se contabilizar horas extras de trabalho executado pelo menor para serem compensados no período máximo de um ano, a teor do § 2º. do art. 59 da CLT.
A questão merece maior profundidade. Poderia o menor trabalhar em jornada extraordinária, nos estritos limites do art. 413, I e II, da CLT?A solução decorre do status normativo que se dá a tratados e convenções internacionais de direitos humanos. A EC 45/2004 (Reforma do Judiciário) autoriza que eles tenham status de Emenda Constitucional, desde que seguido o procedimento contemplado no § 3º do art. 5º da CF (votação de três quintos, em dois turnos em cada casa legislativa).
De acordo com voto proferido pelo Min. Gilmar Mendes no RE 466.343-SP, rel. Min. Cezar Peluso, j. 22.11.06, tais tratados contariam com status de Direito supralegal (estão acima das leis ordinárias mas abaixo da Constituição). Nesse sentido: CF da Alemanha (art. 25), Constituição francesa (art. 55) e Constituição da Grécia (art. 28).
No histórico julgamento do dia 03.12.08, preponderou no STF (Pleno) o voto do Min. Gilmar Mendes (cinco votos a quatro). Ganhou a tese da supralegalidade dos tratados. Restou afastada a tese do Min. Celso de Mello (que reconhecia valor constitucional a tais tratados).
Diante do exposto, alhures, a Recomendação n. 146, da OIT, aprovada e promulgada pelo Brasil, cuida no seu art. 13, “b”, da vedação ao labor extraordinário do menor. Portanto, face ao status normativo de norma supralegal, os incisos I e II do artigo 413 da CLT, foram revogados a partir da entrada em vigor do Decreto n. 4.134/2002.
4.CONCLUSÃO
Ao menor, diante da proteção especial outorgada pela Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Consolidação das Leis do Trabalho e Convenção n. 138 da OIT e Recomendação n. 146 da OIT, após a entrada em vigor do Decreto n. 4.134/2002, ou seja, desde 02.02.2001, esta vedado o trabalho em jornada extraordinária.
Acadêmico de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie da cidade de São Paulo
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