Resumo: O presente artigo trata da evolução normativa do Direito Ambiental Internacional, bem como, do importante papel desempenhado pelas normas e instrumentos da soft law junto a esse processo. Analisa as peculiaridades desse novo ramo do direito, além de proporcionar uma reflexão acerca da sua importância.
Palavras-chave: Soft law, direito ambiental internacional, meio ambiente
Sumário: Introdução; 1. Dos primórdios da proteção ambiental ao surgimento de uma regulação jurídica internacional; 2. A identidade própria e autônoma do Direito Ambiental Internacional; 3. A normatividade flexível e a presença da soft law; conclusão; Referências
INTRODUÇÃO
O reconhecimento por parte da opinião pública mundial e dos governos quanto à necessidade de regulação e proteção do meio ambiente emergiu recentemente. Foi somente a partir da década de 70 que surgiram normas ambientais de alcance globais, cujos efeitos conduziram a uma adequação das normas internas às novas exigências e padrões internacionais.[1]
Vários foram os motivos que conduziram à internacionalização do Direito Ambiental, dentre eles, a constatação de que a solução dos danos e conflitos ambientais rompe com a tradicional concepção de soberania e responsabilidade, rumando para um estágio de cooperação regional e global.
Diante de tais constatações, no presente artigo será visto como ocorreu a evolução desse novo direito. Serão analisadas as suas principais características que permitiram a criação de uma identidade própria e autônoma ao regular os interesses do meio ambiente per si, independentemente de qual significado tenha para os interesses meramente econômicos que o homem muitas vezes lhe confere. Também, será analisada, especificamente, a influência da soft law enquanto instrumento de construção de uma nova maneira de pensar e construir o direito, baseada na busca por um desenvolvimento normativo futuro e progressivo.
1. Dos primórdios da proteção ambiental ao surgimento de uma regulação jurídica internacional
A preocupação com questões ligadas à natureza não é algo recente na história da humanidade. Há quem afirme que “sempre houve normas voltadas para a tutela da natureza”.[2] Entretanto, até o início do século XX predominava uma concepção de que os recursos naturais seriam suficientes para atender a todas as demandas da humanidade sem haver a necessidade de o homem zelar pela natureza e, principalmente, sem ter de mudar seus padrões de consumo e de produção de bens. Assim, um elemento diferenciador dessa fase origina-se na preocupação quanto à proteção do meio ambiente ligada a questões diretamente vinculadas aos interesses do homem, não havendo uma preocupação do meio ambiente por ele próprio. Isso decorre do fato de que havia pouca crítica a essa atuação humana descompromissada, tendo em vista que não havia emergido uma consciência de preservação ambiental. Muito pelo contrário, o que prevalecia era uma idéia de que o meio ambiente teria condições de se recuperar da poluição das águas e da atmosfera. Outro fator que merece destaque nessa fase da história da humanidade é que certas ciências de observação da natureza, como a física e a química, por mais que já fossem desenvolvidas, não se ativeram para as “ameaças ao desequilíbrio natural causado pela ação do homem”.[3] Nesse mesmo sentido, também há quem referira que os grandes mestres da teoria social, como Marx, também estavam voltados apenas para a sociedade, sem jamais avaliar o “potencial destrutivo das tecnologias que foram sendo desenvolvidas a partir da Revolução industrial”, e nem de “prever a possibilidade de qualquer desastre no futuro de um mundo que ia se tecnificando com uma rapidez cada vez maior”.[4]
Esse contexto fez com que a proteção do meio ambiente permanecesse por muito tempo ligada a uma visão antropocêntrica e utilitarista, estritamente vinculada a fatores econômicos e de abrangência local. As normas eram criadas para regulamentar situações emergenciais ou catastróficas, envolvendo, especialmente, questões transfronteiriças, de onde se verifica não haver uma preocupação prévia a ocorrência desse tipo de situação. As obrigações existentes possuíam um caráter obrigacional muito fraco, tendo em vista que as normas eram criadas mais no sentido de impor obrigações de não fazer (não matar certas espécies) do que de fazer (agir em respeito a natureza). Eram normas que não impunham grandes sanções em caso de descumprimento, bem como eram formuladas através de orientações no sentido de que os Estados deveriam considerar a possibilidade de estabelecerem determinadas condutas.[5]
Em vista dessas peculiaridades, os temas ambientais eram abordados de forma fragmentada e não de forma ampla e em conjunto. Com isso, os problemas ambientais continuaram a ser tratados sob este prisma durante muitos anos, alterando-se parcialmente a forma como as questões eram discutidas. Entretanto, com a influência da globalização emergiu uma nova fase para o tratamento do meio ambiente.[6] Isso se manifestou claramente após o término da Primeira Guerra Mundial e durante o entre-guerras onde houve um incremento na prática da diplomacia multilateral, especialmente no âmbito das organizações internacionais que a época desapontaram, em especial, a Liga das Nações. Nesse período, foi intensa a participação das organizações internacionais na discussão da proteção ambiental através da prática de negociações e da adoção de tratados multilaterais. Muitos desses tratados, inicialmente versaram sobre temas já regulados internamente em cada um dos Estados.
Dentre os seus objetivos, estavam a ampliação dos seus campos de abrangência ao contar com a participação de cada vez mais Estados.
Após a segunda metade do século XX, quando a degradação ambiental já era alarmante, a comunidade internacional percebeu que os problemas ambientais diziam respeito a uma preocupação mais ampla. Essa constatação fez surgir, ainda que gradativamente, uma nova concepção onde se incluiu nas questões ambientais a preocupação com a natureza por ela própria e não somente enquanto objeto de interesse ao homem. Entretanto, “a transformação da mentalidade de subjugação da natureza ao ser humano e da existência de contradição entre humanidade e natureza ainda não foi totalmente superada, conforme se pode facilmente constatar no discurso que contrapõe proteção ambiental ao desenvolvimento econômico-social”.[7]
Assim, a partir dessa constatação de que algo precisava ser feito, começaram a surgir as primeiras regras para a proteção do meio ambiente em âmbito mundial. Estas visavam não apenas as atividades causadoras de danos à saúde humana, mas também, as atividades causadores de danos ao próprio meio ambiente. Em vista disso, também se buscou reconhecer que a proteção ambiental deveria abranger não apenas os interesses das atuais gerações mas também das futuras, o que demonstra a necessidade de utilização racional dos recursos naturais, constituindo-se com isso um “direito intergeracional”.[8]
Foi, portanto, após a Segunda Guerra Mundial que se instaurou um sistema jurídico que passou a pregar a cooperação internacional e a segurança coletiva, a fim de melhorar a convivência na Terra. Isso se intensificou a partir de 1945 com a criação da ONU, onde as deliberações da Assembléia Geral serviram como fonte importante para a evolução da proteção ambiental em âmbito internacional.
O surgimento de uma regulamentação em favor do meio ambiente não possui uma data certa a qual possa ser considerada como um marco oficial de criação do Direito Ambiental Internacional. O que se percebe claramente é que o debate mundial acerca da internacionalização da proteção ao meio ambiente se intensificou a partir dos anos 60 em virtude do incremento das relações multilaterais entre os Estados, no intuito de assinarem vários acordos ambientais. Justamente por isso, uma significativa parcela de doutrinadores internacionalistas passou a considerar o ano de 1960 como o “ano do nascimento do direito internacional do meio ambiente”.[9] Contudo, há também quem considere que o ponto inicial desse novo direito foi a publicação, em 1962, do livro Silent Spring de Rachel Carson. Há, ainda, quem reconheça que o surgimento do Direito Ambiental Internacional surgiu no ano de 1968, ano em que foram criadas regras da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, da Convenção Africana para Proteção da Natureza e dos Recursos Naturais e da convocação pela Assembléia Geral das Nações Unidas para a realização em 1972 da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano.[10]
Independentemente de qual seja o exato momento do surgimento desse novo direito, é importante ressaltar que se está diante um direito autônomo e com características bastante peculiares. Sua produção normativa é impulsionada por meio do exercício da diplomacia parlamentar e da regulamentação realizada no âmbito das organizações internacionais. Isso faz com que seja um direito que passou a ter um desenvolvimento mais rápido no plano internacional do que no plano interno, muito embora, atualmente, já exista um equilíbrio entre ambos.[11] Aliado a isso, percebe-se que a tutela do meio ambiente, por meio do surgimento de um novo direito, requer uma análise complexa e em sintonia com os atuais dilemas sócioambientais[12] em que se encontra submetida toda a humanidade. Desta forma, passa a prevalecer um entendimento de que o Direito Ambiental do século XXI não deve ser confundido com a mera proteção dos bens naturais. Nesse sentido, Paulo de Bessa Antunes entende que o direito necessita de uma compreensão ecológica onde se busque questionar a sua visão antropocentrista, de modo a romper com os conceitos de direito público e direito privado, bem como romper com os conceitos de direito interno e Direito Internacional.[13] Trata-se, portanto, de um direito com caráter horizontal, pois abrange diferentes ramos. Além disso, possui, ainda, uma natureza inter e multidisciplinar e que se apresenta influenciado por critérios finalistas, ao contrário dos demais ramos em que o fim a ser atingido não é algo determinante, desde que as relações se processem de modo adequado.[14]
Assim, além de se manifestar como um direito positivado (hard law), com obrigações claras e bem definidas, ele também se apresenta em forma de um direito flexível (soft law), caracterizado pelo surgimento de conteúdos e sentidos diversos, especialmente nos casos em que é impossível avançar com regras impositivas ou em que a regulação por normas jurídicas tradicionais não alcançariam êxito. Esse novo elemento, presente, essencialmente no Direito Ambiental Internacional, tem exercido uma função extremamente importante para a evolução do tratamento ambiental, tendo em vista que serve como um impulsionador para a criação de novas regras[15] e responsabilidades em favor do meio ambiente. Por esta razão, a soft law, é considerada como um “cavalo de tróia dos ambientalistas”.[16] Essa afirmação se confirma facilmente tendo em vista que sua aparência “inofensiva”, quando acompanhada de um amplo apoio da comunidade internacional, exerce uma força moral extremamente forte que, muitas vezes, até superam a força conferida a normas jurídicas tradicionais.
Em vista dessas peculiaridades, decorrentes da criação do Direito Ambiental Internacional, não há como negar que se está diante de uma realidade em constante construção. Embora ainda permaneça incerta qual a participação da soft law nesse processo de transformação do Direito Internacional Público, é certo que este é um ramo que tutela bens extremamente importantes e que enfrentarão, cada vez mais, violações se algo de efetivo não for posto em prática imediatamente. Por esta razão, já existe uma conscientização mais abrangente acerca de questões ambientais e do interesse que provocam. Isso pode ser visto pela crescente conscientização por parte dos governos e da opinião pública internacional para tratar do tema em âmbito mundiais, especialmente, após realização, por parte da ONU, de duas conferências internacionais – Estocolmo e Rio de Janeiro.[17] Entretanto, ainda falta, por parte desses mesmos atores, um comprometimento ambiental, pois não basta apenas ter consciência do que precisa ser feito, é necessário agir. Os meios que serão empregados para isso ainda estão sendo discutidos e, por certo, a compreensão sobre esses novos elementos e maneiras de se criar direito ou regras desprovidas de obrigatoriedade fazem parte dessa contínua evolução.
2. A identidade própria e autônoma do Direito Ambiental Internacional
O surgimento de novos campos de regulação jurídica, sobretudo, após os anos 60, dizem respeito a questões essencialmente de “direitos de cidadania” formados a partir de uma “crise de legitimidade da ordem tradicional (…) [onde] o movimento de cidadãos conquista novos espaços políticos que se materializam em leis de conteúdo, função e perspectivas bastante diversos dos conhecidos pela ordem jurídica tradicional.”[18] Dentre esses novos campos, o Direito Ambiental emerge como um dos mais importantes ao lado dos direitos humanos, tanto que são tidos como direitos de terceira geração justamente por não se destinarem especificamente à proteção de interesses individuais mas sim de uma coletividade. Bobbio explica que a emergência dos direitos de terceira geração, “ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração”, conduzem à criação de uma categoria “ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata”.[19] Porém, o autor reconhece que o mais importante dos direitos dessa geração “é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído”. Bobbio chega a afirmar que “nos movimentos ecológicos está emergindo quase que um direito da natureza a ser respeitada ou não explorada, onde as palavras ‘respeito’ e ‘exploração’ são exatamente as mesmas usadas tradicionalmente na definição e justificação dos direitos do homem”.[20]
Seguindo o mesmo raciocínio, Paulo de Bessa Antunes vai mais além ao considerar que o Direito Ambiental possui uma autonomia diferenciada em relação aos demais ramos do direito que também gozam de autonomia. Na verdade, o autor compreende que não há uma autonomia legítima, pois o Direito Ambiental não se encontra colocado ao lado de outros ramos do direito, mas sim em “coordenação” com os mesmos. Justamente por isso, compreende que se trata de um direito que “impõe aos demais setores do universo jurídico o respeito às normas que o formam, pois o seu fundamento de validade é emanado diretamente da Norma Constitucional. Trazer para o Direito Ambiental a discussão sobre se este é autônomo ou não, é reproduzir uma discussão ontologicamente superada,[21] muito embora alguns autores ainda insistam nessa idéia.[22] Ainda nesse sentido, Cristiane Derani refere que
“o Direito ambiental é em si reformador, modificador, pois atinge toda a organização da sociedade atual, cuja trajetória conduziu à ameaça da existência humana pela atividade do próprio homem, o que jamais ocorreu em toda história da humanidade. É um direito que surge para rever e redimensionar conceitos que dispõem sobre a convivência das atividades sociais”.[23]
Por outro lado, a visão quanto à natureza jurídica do Direito Ambiental em âmbito internacional não goza da mesma tranqüilidade. Uma das principais críticas à autonomia do Direito Ambiental Internacional é feita por Guido Soares. Para esse autor, não existe um Direito Internacional do Meio Ambiente com características próprias e despregadas do Direito Internacional Público ou Privado, a ponto de constituir-se num ramo autônomo da ciência jurídica. Justifica dizendo que “a metodologia no tratamento das questões, as estruturas de tais direitos, bem como, a finalidade de suas normas não foram modificadas com o novo objeto”.[24] Não obstante o respeito que se tem a essa posição, não se vislumbra razões eminentemente fortes, capazes de impedir que o Direito Ambiental Internacional seja considerado como um direito dotado de autonomia. Tendo em vista as suas peculiaridades, acredita-se que se está diante de um ramo autônomo onde sua finalidade é a proteção de seu próprio objeto – o meio ambiente. Além disso, é um direito que evolui em ritmo diverso do que ocorre com o Direito Internacional Público e Privado. Uma prova disso é a forte influência da soft law nesse ramo do direito que, mesmo sendo novo, já induz a mudanças e a reflexões quanto às fontes de Direito Internacional de forma a atingir não apenas o Direito Ambiental mas os demais ramos relacionados a questões internacionais.
Aliado a tudo isso, tem-se consciência de que o desenvolvimento do Direito Ambiental Internacional ocorre de maneira progressiva, em decorrência de alguns aspectos que lhes são peculiares e que, muitas vezes, podem impedir ou dificultar o surgimento de normas mais rigorosas e efetivas. Dentre essas características, pode-se citar a funcionalidade dos meios regulatórios, a multidimensionalidade de valores e interesses e a presença de uma normatividade flexível. No presente artigo será analisada apenas a questão da progressividade e flexibilidade normativa originada pela presença da soft law junto a este ramo do direito, conforme será visto a seguir.[25]
3. A normatividade flexível e a presença da soft law
O Direito Ambiental Internacional, se comparado aos demais ramos do direito, não conta com uma regularidade e coerência na formação de suas normas. Trata-se de um direito onde a presença de normas obrigatórias mostra-se concomitantemente à presença de soft law sem a ocorrência de uma lógica temporal definida. Com isso, não se pode falar em um período em que predominou apenas um tipo de regulação. Desde o seu surgimento, conviveram normas cogentes e normas desprovidas de coercitividade, sem que isso impedisse o seu crescimento. Essa talvez seja a grande inovação trazida por este ramo à ciência do direito, tanto que tem levado alguns estudiosos a considerar que a eficácia de suas normas é maior justamente em função de sua heterogeneidade, e que isso induz ao seu próprio crescimento enquanto ramo autônomo dentro do Direito Internacional.
Nesse sentido, Marcelo Varella chega a afirmar que “é justamente esta diversidade e flexibilidade que lhe dão maior possibilidade de se expandir”.[26] Desta forma, a flexibilidade, que em outros ramos pode ser encarada como um sinônimo de desregulamentação do direito, aqui pode e deve ser compreendida como um impulso de eficácia a temas que necessitam de um debate prévio e que, raras vezes alcançam consenso capaz de conduzir a uma regulamentação rígida, ao menos num primeiro momento.
Portanto, resta claro que o Direito Ambiental Internacional é marcado pela presença constante de normas desprovidas de obrigatoriedade, constituindo com isso um universo jurídico bastante fluido, que se reflete não apenas em sua normatividade mas também em sua aplicabilidade. Ou seja, a sua flexibilidade e a sua evolutividade manifestam-se por meio dos instrumentos utilizados, bem como pelo conteúdo das disposições adotadas. Quanto aos instrumentos, seu caráter soft é revelado pela ausência de força jurídica vinculante expressa em diversos tipos de tipos de mecanismos, dentre eles: resoluções, declarações, programas, códigos de conduta, atos finais de conferências internacionais. Quanto ao seu conteúdo, o mesmo pode ser manifestado em normas em “gestação”. Ou seja, normas ainda não totalmente consolidadas ou acabadas. Aliado a isso, é um direito que enfrenta uma forte inflação legislativa, de onde emergem normas com características peculiares, pois permitem que os instrumentos sejam revistos e emendados, o que se faz, essencialmente, através da modificação de seus anexos com conteúdo e caráter técnico.
Essas normas também denotam o caráter fluido acerca da aplicabilidade do Direito Ambiental Internacional. É freqüente o emprego de mecanismos e procedimentos de caráter flexível, até mesmo porque os instrumentos internacionais de proteção ao meio ambiente não possuem um aparato institucional desenvolvido, tais como órgãos ou instâncias dotadas de poderes de decisão assim como ocorre em assuntos ligados ao comércio, que recebe um tratamento específico junto à Organização Mundial do Comércio. No caso de tratados e convenções ambientais, são geralmente as próprias partes que se encarregam de resolver as questões que suscitam referentes à aplicação dos mesmos através da realização de reuniões consultivas ou reuniões das partes, celebradas com certa freqüência.
Outra consideração acerca das peculiaridades da soft law decorre da constatação de que as normas criadas através dessa nova sistemática de comprometimento entre os Estados visam a comportamentos futuros, especialmente em áreas que requerem muita negociação, o que, geralmente, é feito através de instrumentos de soft law.
Guido Soares sustenta haver duas finalidades à soft law, sendo elas: “a) fixar metas para futuras ações políticas nas relações internacionais; b) recomendar aos Estados adequarem as normas de seu ordenamento jurídico interno às regras internacionais contidas na soft law”.[27]
Assim, uma das peculiaridades do Direito Ambiental Internacional decorre da constatação de que, dentre as fontes devidamente reconhecidas, emergem outras formas de regulação que provocam controvérsias e discussões doutrinárias em virtude de seu caráter indefinido. A produção normativa, muito embora respeite e vise uma regulamentação jurídica e obrigatória para os Estados, por vezes acaba sendo regulada mediante instrumentos desprovidos de obrigatoriedade. Com isso, seus objetivos acabam sendo os de estabelecer metas futuras a serem realizadas pelos Estados, constituindo um universo de normas que dão origem a um direito programático.
Buscando compreender esse fenômeno, Norbert Rouland questiona se essa flexibilidade do direito não o conduzirá à perda de uma de suas qualidades essenciais: a clareza. O autor compreende que este não é o objetivo dos teóricos do “direito maleável”, até porque “não se deve confundir o maleável não-lógico, ou o vago – que só seriam o caos – e a lógica maleável, que pode ser uma condição de eficácia do direito”.[28]
Assim, as normas de soft law são intrinsecamente vinculadas ao Direito Ambiental Internacional, pois podem servir como um primeiro passo no sentido de se evoluir para a conclusão de instrumentos de hard law, que estabeleçam normas obrigatórias para os Estados. Esta é a origem de numerosas regras aplicadas e reconhecidas já como obrigatórias. Dentre elas, podem ser citadas: o dever de informação e consulta prévia a respeito de atividades que podem causar impacto ambiental transfronteiriço, a obrigação de realizar em certos casos estudo de impacto ambiental, o dever de permitir o acesso a procedimentos administrativos e judiciais a todas as pessoas atingidas por danos ambientais, a consideração de que a atmosfera da Terra como uma parte do patrimônio comum da humanidade.[29]
Aliado a isso, são apontadas várias razões, sociológicas, políticas e jurídicas, que explicam a aparição, consolidação e desenvolvimento crescente da soft law. Pode-se elencar: a) impacto dos métodos normativos dos organismos internacionais; b) divergências entre países desenvolvidos e em desenvolvimento; c) rápida e incessante evolução da ciência e tecnologia que sugere a adoção de normas flexíveis, suscetíveis de se adequarem às mudanças que produzem.[30] Nesse último caso, deve-se relembrar que, no Direito Ambiental, muitas vezes, sequer se sabe como devem ser as regras, ou seja, qual deve ser o seu conteúdo. Isso decorre da incerteza dos temas envolvidos, que provocam dúvidas até mesmo em especialistas. Então, para evitar um vazio normativo, opera-se a criação de normas de conteúdo a ser preenchido posteriormente.
Diante dessa constatação acerca da soft law, François Ost questiona se a proteção ambiental tira alguma vantagem dessa nova forma de regulação. O próprio autor responde ser impossível dar uma única resposta à questão, tendo em vista as mais variadas formas que tomam os acordos.[31] Em face disso, importante ter em mente que essa é a grande análise a ser feita a respeito da soft law. As questões referentes ao surgimento e funcionamento da soft law não podem ser respondidas de maneira igualitária a todos os seus tipos de instrumentos e normas, isso porque, cada um possui peculiaridades próprias.
Ainda com relação à dúvida proposta por Ost, importante referir que a mesma abre portas a um outro tipo de concepção do tema, especialmente quando se constata que no Direito Ambiental Internacional “todos os processos flexíveis de formulação e aplicação do Direito produzem uma certa sensação de rechaço, ou ao menos de decepção, nos espíritos jurídicos rigorosos”.[32] Isso ocorre, principalmente, para quem acredita que “a expressão soft law emprega termos paradoxais para definir um fenômeno ambíguo, já que o direito ou é duro, e, portanto vinculante, ou simplesmente não existe”.[33]
CONCLUSÃO
O surgimento e a evolução do Direito Ambiental Internacional oferecem uma compreensão mais ampla sobre os instrumentos de produção do jus scriptum e sua adequação aos avanços da ciência e tecnologia, fato este que influencia diretamente o rumo das relações internacionais.
Trata-se de um direito que busca uma nova estrutura normativa, com a qual seja possível resolver em tempo hábil os impasses oriundos dos avanços tecnológicos, algo não obtido pelas produções normativas tradicionais. Prova disso, é que esse novo direito “tem enfrentado, com certo sucesso, as dificuldades inerentes à relativa rigidez das normas jurídicas internacionais, e a necessidade de colocá-las na máxima conformidade possível com as exigências da ciência e da tecnologia”.[34]
Por essa razão, este é o ramo do direito onde a soft law encontrou um farto terreno para se desenvolver e contribuir para a efetivação de suas normas e instrumentos cujas características lhe são próprias. Dentre essas características e finalidades, deve-se lembrar a fixação de “metas para futuras ações políticas nas relações internacionais” e a recomendação aos Estados para que ajustem “as normas de seu ordenamento jurídico interno às regras internacionais contidas na soft law”.[35]
Desta forma, o Direito Ambiental Internacional, pode ser considerado um direito autônomo e com características que lhe são peculiares. Prova disso, é que há mais de 30 anos conta com uma forte presença de normas meramente recomendatórias, as quais constituem um fenômeno de extrema importância para o seu próprio desenvolvimento. Em decorrência disso, justifica-se a necessidade de estudo e compreensão da soft law a fim de que o estudioso do direito perceba que a tradicional técnica normativa nem sempre se basta para regular assuntos conflituosos.
Cabe destacar que, de certa forma, já há existe uma evolução, ao menos acadêmica, quanto ao alcance e a função da soft law dentro do Direito Internacional Público. Há, inclusive, quem sustente a tese de que a soft law deve ser enquadrada dentre as fontes devidamente reconhecidas do Direito Internacional (rol do art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça). Tal tese é levantada por alguns autores, dentre os quais se destaca Wagner Menezes. Para este autor, “os operadores do Direito Internacional não podem dar as costas às evidências e à evolução dos institutos de produção e aplicação do Direito Internacional“. Com isso, acredita que se deve permitir uma abertura para a leitura de “novos mecanismos que podem ser adicionados ao rol de fontes do Direito Internacional, dentro de uma visão essencialmente contemporânea e oferecê-la doutrinariamente à comunidade acadêmica e aos estudiosos do Direito”. [36]
Por outro lado, deve-se compreender que a soft law, por ser um processo normativo com características que lhe são peculiares, e por não encontrar perfeita identificação com nenhuma fonte mencionada no art. 38 da CIJ, excetuando-se alguns atos unilaterais das organizações internacionais, não permite que se afirme tratar de uma verdadeira fonte formal de DIP nos termos em que hoje se conhece por fontes. Guido Soares acredita que a soft law “aparenta” possuir características de uma fonte de DIP, o que, a priori, não permite afirmar se tratar ou não de fonte do DIP.
Não obstante a existência de opiniões e fundamentos nos mais diversos sentidos a respeito da natureza jurídica da soft law, somente no campo acadêmico pode-se proceder a sua inclusão dentre as fontes de DIP. Na prática, pode-se afirmar que, diante dos valores envolvidos – em especial a proteção ao meio ambiente – a soft law poderia se enquadrar dentro das fontes materiais. No entanto, tais fontes não logram grande interesse de estudo por parte da doutrina internacionalista. Além disso, a soft law deve ser encarada como um novo processo de criação de normas e não apenas considerada como fonte material. Se isso ocorrer, estar-se-á menosprezando o seu papel de instrumento de efetivação do Direito Ambiental Internacional.
Apesar dessas constatações, não se afasta a possibilidade de se enquadrar a soft law como fonte do direito, mas não nesse momento. Isso porque a nova tendência normativa da soft law, ao criar normas não obrigatórias não é criar um direito em sua concepção atual. Porém, servir para uma reflexão acerca de qual o tipo de direito que emergirá nesse novo século; ou que já emergiu, mas ainda não foi compreendido. Assim, não se pode afirmar, categoricamente, que a soft law seja sempre direito, muito embora exista uma forte tendência nesse sentido.
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2010). Realizou estágio de doutorado (doutorado-sanduíche) com bolsa da CAPES na Università Degli Studi di Padova – Itália (fev-jun 2009). Mestre em Integração Latino-americana (Direito da Integração / 2005) e Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, ambos pela Universidade Federal de Santa Maria (2003). Atualmente é Professor Adjunto na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em regime de dedicação exclusiva. Foi professor do Curso de Dirito do Centro Universitário Franciscano e professor do Curso de Direito da ULBRA campus Cachoeira do Sul-RS. Integrou de 2005 a março de 2011 o escritório de advocacia Budó & Oliveira Advogados Associados. Foi professor no curso de pós-graduação (Especialização em Direito Ambiental Constitucional) da Universidade da Região da Campanha. É autor do livro Direito Ambiental Internacional: o papel da soft law em sua efetivação e organizador do livro Direito Ambiental Contemporâne o – Prevenção e Precaução. Intregrante do Núcleo de Direito Informacional junto a Universidade Federal de Santa Maria. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI).
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