Resumo: O presente trabalho se restringe a identificar e analisar se a judicialização do direito fundamental à saúde, concedido por meio de liminares, viola o princípio do acesso universal e igualitário estabelecido na Constituição Federal. Para tanto, no primeiro momento, realiza-se um estudo sobre a evolução histórica do direito à saúde. Em seguida, abordam-se a eficácia e a aplicabilidade das normas em conjunto com as regras e princípios constitucionais. Na sequência, discorre-se sobre o instituto da judicialização, correlacionando-o com os princípios da reserva do possível, do mínimo existencial e da proporcionalidade. Por fim, apresentam-se as jurisprudências predominantes nos Tribunais brasileiros, as quais impõem ao Estado o dever prestacional de cumprimento imediato das liminares, criando assim, uma nova forma de acessar o SUS. Perpetuando a desigualdade no acesso às políticas públicas sem considerar que as necessidades individuais são infinitas, mas os recursos públicos não. Ademais, o método de pesquisa utilizado na realização desse trabalho foi o método dialético, por meio de pesquisas em doutrinas, legislação e jurisprudências.
Palavras chave: Direito à Saúde. Direitos Fundamentais. Equidade. Políticas Públicas. Judicialização.
Abstract: Federal Constitution of 1988 Constitution to health, when defining health as a fundamental social right inherent in human survival, whose access must be guaranteed in a universal, egalitarian way. Faced with the growing demand for non-judicial protection of individual subjective rights, a matter of collective rights of an unknown. In this sense, this work restricts itself to identifying and analyzing whether the judicialization of the fundamental right to health, granted through injunctions, violates the principle of universal and equal access established in the Constitution. For that, in the first moment, a study was carried out on an evolutionary history of the right to health. Next, an effectiveness and applicability of the rules in conjunction with constitutional rules and principles. Following, the institute of the judicialization correlated with the principles of the reserve of the possible, existential minimum and proportionality. Finally, presentation of the prevailing jurisprudence in our Courts, imposing the state's duty to render immediate compliance with the injunctions. Creating a new form of access to the SUS, perpetuating an inequality without public policy access without considering how individual needs are endless, but public resources do not. The method of reading, research and research in Legislation, doctrines and jurisprudence.
Keywords: Right to Health. Fundamental Rights. Equity. Public Policy. Judiciary.
Sumário: Introdução. 1. Recurso extraordinário 661.256/SC: análise doutrinária e jurisprudencial sobre a desaposentação. 1.1 Apresentação do caso. 1.2 Solução dada pelo Tribunal 1.3 Discussão da solução dada pelo Tribunal com base na doutrina em decisões divergentes e/ou convergentes. Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
O direito à saúde é um bem jurídico indissociável do direito à vida e está tutelado no ordenamento jurídico brasileiro como um direito fundamental social. O modelo de atenção à saúde está centralizado nos princípios constitucionais de integralidade, universalidade e equidade.
Segundo estabelece o artigo 196, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), a garantia desse direito se dará mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, com acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Entretanto, diante da omissão reiterada da Administração Pública na efetivação do direito à saúde, a população tem encontrado no Judiciário uma nova forma de acessar o sistema público.
Nesse sentido, o presente trabalho se restringe a identificar e analisar se a judicialização do direito fundamental à saúde, concedido por meio de liminares, viola o princípio de acesso universal e igualitário estabelecido na Constituição Federal.
Para tanto, no primeiro momento, faz-se um breve resgate histórico sobre a trajetória e consolidação do direito à saúde, de modo a valorizar a conquista histórica que foi eleger a saúde pública ao patamar de universal e gratuita.
Em seguida, diante da colisão dos direitos fundamentais, busca-se verificar qual é o caminho para harmonizar esse conflito. A resposta surge na da ponderação dos direitos, no sopesamento de valores, eis que se está diante da eficácia e aplicabilidade das normas associadas ao conjunto de regras e princípios constitucionais que norteiam a matéria.
Na sequência, aborda-se o instituto da judicialização, correlacionando-o com os princípios da reserva do possível, do mínimo existencial e da proporcionalidade.
Por fim, apresentam-se as jurisprudências predominantes nos Tribunais brasileiros, nos quais se consolidou a tese do direito subjetivo na judicialização da saúde.
2 A SAÚDE COMO POLÍTICA PÚBLICA
A positivação dos direitos humanos foi resultado de um intenso processo de lutas sociais contra a discriminação e opressão, tomando proporções mundiais a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Segundo Piovesan (2002), a Declaração Universal de 1948 visa estabelecer o respeito à dignidade da pessoa humana como foco central de toda discussão sobre o reconhecimento universal dos direitos humanos.
“[…] Desde o preâmbulo, é afirmada a dignidade inerente a toda pessoa humana, titular de direito iguais e inalienáveis. Vale dizer, para a Declaração Universal a condição de pessoa é o requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos. A universalidade dos direitos humanos traduz a absoluta ruptura com o legado nazista, que condicionava a titularidade de direitos à pertinência de uma raça (a raça pura ariana). A dignidade humana como fundamento dos direitos humanos é concepção que, posteriormente, vem sendo incorporada por todos os tratados e declarações de direito humanos […]” (PIOVESAN, 2002, p. 146).
Nessa direção, a Constituição brasileira promulgada em 1988 incorporou como núcleo central do ordenamento jurídico (dentre outros) o princípio da igualdade e dignidade da pessoa humana como valor supremo, estabelecendo, desde então, um conjunto de direitos e garantias sociais preconizados como direitos fundamentais.
Dessa forma, em relação à política de saúde pública no Brasil, existem dois momentos importantes que merecem destaque: a oferta de serviços públicos antes e depois da Constituição.
Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, a política de saúde era organizada em duas frentes, quais sejam, a saúde pública e a medicina previdenciária. A saúde pública estava centralizada nas campanhas sanitárias de combate às endemias com ações seletivas e fragmentadas. Enquanto que a medicina previdenciária estava voltada somente para algumas categorias profissionais de trabalhadores com vínculo empregatício.
Para Faleiros (2000), aquele momento sintetiza a clara ampliação das desigualdades socioeconômicas entre os brasileiros no setor saúde, pois 40 milhões de brasileiros não tinham nenhum acesso aos serviços médicos.
“[O] setor privado seria para os ricos; os planos de saúde para um pequeno grupo seleto da classe média; os serviços públicos para trabalhadores/operários com registro em carteira de trabalho, pagantes da previdência. Já para os pobres/miseráveis, somente a caridade, feita em geral por entidades filantrópicas com apoio estatal” (FALEIROS, 2000, p. 60).
Com a promulgação da Constituição de 1988, o projeto de saúde pública defendido no movimento pela Reforma Sanitária, o qual elegeu a saúde como um direito universal inerente à personalidade e cidadania, foi aprovado pela Assembleia Constituinte.
“As principais propostas debatidas por esses sujeitos coletivos foram à universalização do acesso; a concepção de saúde como um direito social e dever do Estado; a reestruturação do setor através da estratégia do Sistema Unificado de Saúde, visando um profundo reordenamento setorial com um novo olhar sobre a saúde individual e coletiva; a descentralização do processo decisório para as esferas estadual e municipal, o financiamento efetivo e a democratização do poder local através de novos mecanismos de gestão – os Conselhos de Saúde” (MOTA, 2008, p. 96).
Nota-se, que o sistema de saúde pública sanitarista e de assistência médico-hospitalar fragmentado e restrito aos que podiam pagar foi substituído por um sistema universal, descentralizado e com financiamento público. O novo modelo de atenção à saúde está centralizado nos princípios constitucionais de integralidade, universalidade e equidade.
Destaca-se, que a Constituição Cidadã incorporou como núcleo central do ordenamento jurídico o princípio da igualdade e dignidade da pessoa humana como valor supremo. Desde então, estabeleceu-se um conjunto de direitos e garantias sociais preconizados como direitos fundamentais e estampados ao longo de diversos artigos constitucionais.
Portanto, a CF/88 trouxe mudanças significativas para o ordenamento jurídico pátrio, uma vez que alterou radicalmente o panorama da saúde pública brasileira e inseriu avanços históricos de correção das injustiças sociais da época.
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, Constituição, 1988, art. 196).
Nessa perspectiva, percebe-se que a saúde é um direito fundamental, constitucionalmente tutelado. Ainda, segundo Sarlet (2007a), os direitos fundamentais integram ao lado da definição da forma de Estado, do sistema de governo e da organização do poder a mesma importância, não ficando apenas adstrita na parte da constituição formal, mas também elemento nuclear da constituição material.
O direito à saúde está estampado na Constituição Federal, nos artigos 5º, § 1, 6º e 196. Entretanto, por se tratar de norma programática, dois anos após a promulgação da Carta Maior, foi sancionada a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, denominada de Lei Orgânica da Saúde, a qual traça os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).
Além de disciplinar a descentralização político-administrativa, estabelece a forma de gestão e financiamento entre as três esferas do governo, ressaltando os princípios da promoção, prevenção e proteção. Assim, a referida lei prevê:
“Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. […]
Art. 3º Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais” (BRASIL, Lei nº 8.080, 1990).
Nesse propósito, a legislação infraconstitucional supratranscrita reafirma o direito à saúde e dispõe sobre as atribuições e o funcionamento do Sistema Único de Saúde. Além disso, criou-se a Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que “dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde”. Dentro desse arcabouço de normas que regem o SUS, também se encontram a Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde/1996 (NOB-SUS), a Norma Operacional da Assistência à Saúde 01/2002 (NOAS-SUS 01/02), bem como decretos, resoluções e portarias.
3 OS DIREITOS E AS GARANTIAS FUNDAMENTAIS
3.1 A EFICÁCIA E A APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
A eficácia das normas está relacionada à sua capacidade de produzir efeitos jurídicos. Desse modo, para melhor entendimento sobre a matéria, é preciso traçar um paralelo entre eficácia jurídica, eficácia social e efetividade.
Segundo Barroso (2006, p. 82), a eficácia jurídica “são os efeitos que a regra jurídica suscita através do seu cumprimento”. Já a eficácia social diz respeito à “concretização do comando normativo, sua força operativa no mundo dos fatos” (BARROSO, 2006, p. 82). Por fim, a efetividade só é alcançada por meio da materialização no mundo dos fatos “simboliza a aproximação entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social” (BARROSO, 2006, p. 82).
Por sua vez, Silva (1999) entende que todas as normas constitucionais guardam conteúdo jurídico e são dotadas de eficácia. O que ocorre, no entanto, é que nem todas as normas de direitos fundamentais manifestam de imediato a plenitude dos efeitos jurídicos pretendidos, necessitando ser complementadas por legislação infraconstitucional superveniente.
Em relação à aplicabilidade das normas constitucionais e eficácia social, o supracitado doutrinador desenvolveu a Teoria Tricotômica, ou seja, separou as normas constitucionais em três espécies: normas de eficácia plena, contida e limitada. Então, as definiu da seguinte forma:
“Na primeira categoria incluem-se todas as normas que, desde a entrada em vigor da constituição, produzem todos os seus efeitos essenciais (ou têm a possibilidade de produzi-los), todos os objetivos visados pelo legislador constituinte, porque este criou, desde logo, uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto. O segundo grupo também se constitui de normas que incidem imediatamente e produzem (ou podem produzir) todos os efeitos queridos, mas preveem meios ou conceitos que permitem manter sua eficácia contida em certos limites, dadas certas circunstâncias. Ao contrário, as normas do terceiro grupo são todas as que não produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte, por qualquer motivo, não estabeleceu, sobre a matéria, uma normatividade para isso bastante, deixando essa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado” (SILVA, 1999, p. 84).
Consoante o entendimento acima, o que se constata é que as normas de eficácia plena são aqueles dispositivos normativos que definem seu conteúdo de forma clara e objetiva, bastando haver a sua publicação para alcançarem vigência e eficácia. São, portanto, normas de aplicabilidade direta, imediata e integral.
As normas de eficácia contida são igualmente dotadas de aplicabilidade direta e imediata, porém não integral. Assim, produzem seus efeitos com a publicação, mas necessitam de regulamentação por lei infraconstitucional posterior para a manutenção e equilíbrio de sua eficácia.
No que se refere às normas de eficácia limitada, são de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida. A sua publicação não gera efeitos essenciais e, para atingir sua eficácia social, é necessária a elaboração de norma ulterior que defina os parâmetros e aplicabilidade do seu conteúdo. São normas definidoras de princípio programático. Contudo, embora as normas programáticas não produzam seus efeitos de imediato, são normas dotadas de eficácia jurídica.
Esse também é o entendimento apresentado por Sarlet (2007,a), ao classificar a eficácia material das normas em três modalidades: a) eficácia plena –aquelas diretamente aplicáveis, ou seja, que geram direito subjetivo imediato; b) eficácia contida – possuem aplicação mediata ou indireta e dependem de regulamentação/suplementação; e c) eficácia limitada – geram imediata interpretação hermenêutica, mas estão sujeitas à restrição dos seus efeitos por lei.
No que tange ao fato do direito fundamental à saúde ser uma norma programática, a garantia desse direito não pode ser interpretada de maneira limitada, sob pena de violar princípios constitucionais, bem como acentuou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso Mello:
“O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2000).
Portanto, no entendimento do ministro, o direito fundamental à saúde é indissociável do direito à vida.
Em síntese, entende-se que, para o direito fundamental à saúde alcançar sua efetividade, o conteúdo do preceito legal não pode ser interpretado de forma isolada. Mas, em conjunto com as regras e princípios constitucionais que buscam a igualdade material e a justiça social.
3.2 A NATUREZA DAS REGRAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
A Constituição Federal promulgada em 1988 inaugurou o Estado Democrático de Direito, incorporando ao núcleo central de seu ordenamento jurídico o princípio da dignidade da pessoa humana como valor supremo. Dessa forma, a CF/88 pode ser compreendida como um sistema jurídico aberto de princípios e regras fundamentais de diferentes graus de abstração normativa.
Percebe-se que além da norma positivada, existe também o instituto das regras e dos princípios no direito contemporâneo. Assim, conhecer as diferenças entre esses institutos é elemento fundamental para aplicabilidade das normas de direitos fundamentais.
Para Alexy (2008), a distinção entre regras e princípios é uma das colunas-mestras do edifício da Teoria dos Direitos Fundamentais e, com isso, um ponto de partida acerca dos limites e possibilidades para efetivação dos direitos fundamentais. Na sua visão, “toda norma é uma regra ou um princípio” (ALEXY, 2008, p. 85).
A partir disso, o autor estabelece que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível e dentro das possibilidades jurídicas reais existentes; são mandamentos de otimização. As regras, por sua vez, são normas que contêm mandamentos definitivos, que podem ser cumpridos ou não, de forma que, se forem válidas, devem ser cumpridas em sua exata exigência Alexy, (2008).
Ainda, segundo o autor, a principal distinção entre regras e princípios não é a de grau, mas sim uma distinção qualitativa.
No mesmo tom é a argumentação de Canotilho (2003, p. 1255), ao afirmar que as regras “são normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem qualquer exceção”. Ao passo que,
“Os princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de tudo ou nada; impõem a optimização do direito ou de um bem jurídico, tendo em sua conta a reserva do possível, fáctica ou jurídica” (CANOTILHO, 2003, p. 1255).
Desse modo, estabelece-se que a principal distinção entre regras e princípios reside no grau de abstração. Enquanto os princípios apresentam vários graus para sua concretização, as regras prescrevem imperativamente uma exigência que pode ser ou não cumprida.
Outra contribuição conceitual sobre a Teoria dos Princípios é a definição proposta pelo estudioso Ávila (2005, p. 70), o qual discorre:
“As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos.
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.”
Na concepção do autor, as regras são normas preliminares decisivas e têm aspiração de gerar uma solução específica, já os princípios são normas complementares e preliminarmente parciais e não têm a pretensão de gerar solução específica, mas de contribuir, ao lado de outras razões, para a tomada de decisões.
Havendo conflito entre as regras, Alexy (2008, p. 91) apresenta como solução a cláusula de exceção ou declaração de invalidez de uma das normas conflitantes, afirmando que tal conflito “somente pode ser solucionado se introduzir, em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma das regras for declarada inválida”. Ou seja, não existe ponderação diante de regras conflitantes, de modo que esse conflito se resolve na dimensão de validade.
Já os princípios, por sua vez, admitem ponderação em caso de conflitos. Sobre isso, Alexy (2008) explana que as colisões entre os princípios ocorrem na dimensão do peso, sendo que, no sopesamento de interesses, um dos princípios terá que ceder. Contudo, entende que o princípio cedente não deve ser considerado inválido, mas somente inapropriado para aplicação naquele caso específico.
O autor ainda designa a solução para o enfrentamento das tensões principiológicas como precedência condicionada. Isso quer dizer que o intérprete, à luz do caso concreto, estabelecerá a relação de precedência condicionada entre os princípios constitucionais concorrentes, fixando as condições sob as quais um princípio tem precedência em face de outro.
Cabe destacar que precedência condicionada só é utilizada no caso concreto, não tendo, assim, caráter absoluto. Portanto, a sua utilização não garante sempre o mesmo resultado.
4 O ATIVISMO JUDICIAL
4.1 A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE SAÚDE
Apesar de existirem inúmeros dispositivos legais sobre o direito fundamental à saúde, nem sempre o Estado consegue prover todas as necessidades da população.
O aspecto prestacional é bem mais problemático de ser definido em seu conteúdo. “A primeira dificuldade é o fato de que a Constituição não definiu em que consiste o objeto do direito à saúde” (SARLET, 2007b, p. 12).
Além disso, o conceito de saúde evoluiu, sendo que hoje não é mais considerada como a simples ausência de doença. Conforme conceitua a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1946, s/p), a saúde “é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”. Esse é deveras um conceito ideal, mas de difícil alcance.
De acordo com Souza (2010), o conhecimento cada vez mais crescente da população sobre seus direitos, aliado à facilidade de acesso ao judiciário está levando as pessoas a judicializar suas necessidades individuais em busca por serviços e produtos não ofertados ou negados pelo Sistema Único de Saúde.
Sobre o fenômeno da judicialização, Barroso (2009, s/p) apresenta o seguinte conceito: “Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo”.
Nessa direção, se a judicialização é a transferência para a esfera do Poder Judiciário decisões que, a rigor, seriam de competência do Poder Executivo e Legislativo. O nobre doutrinador ainda esclarece que é preciso diferenciá-la de outro fenômeno, chamado de ativismo judicial. Assim:
“A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva” (BARROSO, 2009, s/p).
Como se pode notar, o ativismo judicial está relacionado à postura proativa do juiz ao interpretar a Constituição, atuando para além do que prevê a norma positivada. Já a judicialização, num conceito genérico, seria a atuação do judiciário como resultado da omissão causada pelo Executivo e Legislativo.
É inegável a legitimidade que o Poder Judiciário possui para decidir sobre a eficácia e efetividade das políticas públicas, independentemente do magistrado ter uma visão ativista ou não. De qualquer modo, o Estado tem o dever de prestar a tutela jurisdicional (artigo 5º, inciso XXXV, da CF/88).
No entendimento do ministro Gilmar Mendes, a judicialização do direito à saúde não envolve somente os operadores do direito, mas toda a sociedade,
“Nesse sentido, o denominado problema da “judicialização do direito à saúde”. Esse ganhou tamanha importância teórica e prática que envolve não apenas os operadores do direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo. Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício efetivo da cidadania, por outro, as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão perante os elaboradores e executores das políticas públicas, que se veem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área de saúde e além das possibilidades orçamentárias” (MENDES, 2012, p. 1221).
Desse modo, verifica-se que a busca pela superação do complexo problema que envolve a judicialização da política de saúde e a seriedade de seu conteúdo não está restrita somente na dimensão jurídica, envolvendo também a coletividade. Então, a discussão e reflexão sobre o tema deve envolver todos os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), com especial atenção ao quarto Poder, ou seja, a sociedade brasileira.
A intervenção do Judiciário pode contribuir para o alcance da efetivação do direito à saúde na maior medida possível. Com base nos critérios de necessidade e urgência, o juiz deve tutelar os direitos subjetivos invocados, desde que respeite e não comprometa o direito da coletividade. Assim, o que pode ser concedido a um indivíduo, não pode ser negado ao demais, de modo que a decisão deve ser extensiva a todos com necessidades semelhantes.
O acesso à saúde pública deve ser garantido por meio de políticas públicas que assegurem o acesso universal e igualitário aos seus serviços e ações, conforme prevê o artigo 196, da Constituição Federal.
“Argumentar o contrário seria defender que o sistema público de saúde no Brasil pode dispor para todos os seus cidadãos todos os melhores tratamentos para todos os problemas de saúde existentes, o que é irreal até mesmo para os países mais desenvolvidos […]” (WANG, 2009 p. 308).
Nesse sentido, a interferência do judiciário na gestão do SUS eleva a política ao um nível inalcançável de acesso aos demais cidadãos. Pois o Estado não dispõe de recursos financeiros para garantir os melhores tratamentos existentes a toda população.
4.2 O PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL E MINÍMO EXISTENCIAL
Considerando que os recursos financeiros do Estado são finitos, a questão orçamentária costuma ser argumento frequente utilizado pelo Executivo para justificar sua omissão e limitar sua atuação frente ao cumprimento das demandas judiciais.
Nesse contexto, o princípio da reserva do possível é um princípio aplicável no direito brasileiro, sendo constantemente invocado como limite fático no qual se estabelece como parâmetro a questão da insuficiência de recursos para (não) se efetivar e restringir direitos.
“[…] cumpre esclarecer que a teoria da reserva do possível, também importada da Alemanha tem relação com a máxima de que “ninguém está obrigado ao impossível”, mas é aqui aplicada ao Estado no sentido de que este não teria como ser obrigado a concretizar direitos que, na realidade, exijam esforços materiais e/ou financeiros desproporcionais – o que poderia impactar significativa e negativamente o orçamento público, prejudicando outras políticas públicas. Essa teoria, porém, esbarra na regra do mínimo existencial, ou seja, na necessidade de se garantirem direitos subjetivos mínimos do cidadão perante o Estado para concretizar padrões básicos de bem-estar” (MARRARA; NUNES, 2010, p. 89).
Portanto, o Estado não pode se eximir do cumprimento de seu dever, pois a garantia do mínimo existencial está relacionada à garantia de condições dignas, isto é dizer que é obrigatório que se garanta pelo menos o mínimo existencial.
Sarmento (2010, p. 415) conceitua a regra do mínimo existencial com fundamento normativo no princípio da dignidade da pessoa humana, “uma vez que tal princípio apela tanto à liberdade material, como à democracia e ao atendimento integral de necessidades básicas das pessoas”.
Nas palavras de Farena (1997), é preciso ter prudência ao avaliar esse princípio, sob pena de relativizar a eficácia dos direitos prestacionais.
“As alegações de negativa de efetivação de um direito social com base no argumento da reserva do possível devem ser sempre analisadas com desconfiança. Não basta simplesmente alegar que não há possibilidades financeiras de se cumprir a ordem judicial; é preciso demonstrá-la. O que não se pode é deixar que a evocação da reserva do possível converta-se “em verdadeira razão de Estado econômica, num AI-5 econômico que opera, na verdade, como uma anti-Constituição, contra tudo o que a Carta consagra em matéria de direitos sociais” (FARENA, 1997, p. 14).
Observar-se que, muito embora a alegação de escassez de recursos públicos seja elemento central para justificar o princípio da reserva do possível, a necessidade de comprovação do que se alega é imprescindível na realidade fática.
Todavia, ressalta-se que ao tratar de demandas judiciais que envolvem a efetividade dos direitos fundamentais prestacionais, esse princípio não pode ser interpretado de forma isolada, mas em conjunto com os demais os princípios jurídicos, em especial, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (MOREIRA, 2011).
4.3 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Para Sarlet (2014), a aplicação do princípio da proporcionalidade tem dupla fase, ou seja, atua simultaneamente como um mecanismo de controle do excesso da legitimidade constitucional em relação às medidas restritivas, bem como, de controle da atuação estatal insuficiente no cumprimento de seus deveres de proteção. Em outras palavras, esse princípio é a manutenção do equilíbrio entre a igualdade e a necessidade, consistindo num método de controle/vetor de excessos ou omissão da atuação estatal diante dos direitos fundamentais sociais.
“De toda forma, parece sensato concluir que problemas concretos deverão ser resolvidos levando-se em consideração todas as perspectivas que a questão dos direitos sociais envolve. Juízos de ponderação são inevitáveis nesse contexto prenhe de complexas relações conflituosas entre princípios e diretrizes políticas ou, em outros termos, entre direitos individuais e bens coletivos” (MENDES, 2012, p. 1223).
Nesse sentido, havendo colisão entre os direitos fundamentais, esta deve ser resolvida conforme o modelo apresentado por Alexy (2008), mediante aplicação máxima da proporcionalidade, que é um meio para se alcançar adequação e harmonização dos bens. A intervenção deve acontecer na justa medida, com vistas à proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais.
4.4 JURISPRUDÊNCIAS SOBRE O TEMA EM QUESTÃO
Considerando tudo o que foi exposto, vejam-se algumas decisões judiciais que versam sobre a interferência do Poder Judiciário na prestação de serviços públicos por meio da judicialização.
A primeira ementa a ser analisada trata-se, de decisão de Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, em 18 de fevereiro de 2002:
“CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO (INTERFERON BETA). PORTADORES DE ESCLEROSE MÚLTIPLA. DEVER DO ESTADO. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE (CF.ARTS. 6º E 189). PRECEDENTES DO STJ E STF. 1. É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos o direito fundamental à saúde constitucionalmente previsto. 2. Eventual ausência do cumprimento de formalidade burocrática não pode obstaculizar o fornecimento de medicação indispensável à cura e/ou a minorar o sofrimento de portadores de moléstia grave que, além disso, não dispõem dos meios necessários ao custeio do tratamento. 3. Entendimento consagrado nesta Corte na esteira de orientação do Egrégio STF. 4. Recurso ordinário conhecido e provido” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2002, p. 279).
No julgado acima transcrito, o direito à saúde é interpretado como norma de eficácia imediata e direito absoluto, devendo o Poder Executivo cumprir com ações, ainda que não esteja dentro rol de oferta e serviços disponíveis pelo SUS.
Consequentemente, a segunda decisão, refere sobre medicamento pleiteado não constando na lista da RENAME[1]. Segundo parecer do ministro Edson Vidgal, essa é uma mera formalidade e o cumprimento da decisão não inviabiliza a execução de outros serviços públicos, como se observa a seguir:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO GRATUITA. DEVER DO ESTADO. AGRAVO REGIMENTAL. 1. Consoante expressa determinação constitucional, é dever do Estado garantir, mediante a implantação de políticas sociais e econômicas, o acesso universal e igualitário à saúde, bem como os serviços e medidas necessários à sua promoção, proteção e recuperação (CF/88, art. 196). 2. O não preenchimento de mera formalidade – no caso, inclusão de medicamento em lista prévia – não pode, por si só, obstaculizar o fornecimento gratuito de medicação a portador de moléstia gravíssima, se comprovada a respectiva necessidade e receitada, aquela, por médico para tanto capacitado. Precedentes desta Corte. 3. Concedida tutela antecipada no sentido de, considerando a gravidade da doença enfocada, impor, ao Estado, apenas o cumprimento de obrigação que a própria Constituição Federal lhe reserva, não se evidencia plausível a alegação de que o cumprimento da decisão poderia inviabilizar a execução dos serviços públicos. 4. Agravo Regimental não provido” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2004, p. 172, grifo nosso).
Por fim, a terceira decisão examinada trata de demanda judicial para o fornecimento de prótese. Na decisão, o ministro Castro Meira deixa evidente o dever do Estado quanto à prestação positiva e aplicação imediata das normas programáticas, sendo a responsabilidade solidária entre os entes federados. Veja-se:
“ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO OU CONGÊNERE. PESSOA DESPROVIDA DE RECURSOS FINANCEIROS. FORNECIMENTO GRATUITO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS. 1. Em sede de recurso especial, somente se cogita de questão federal, e não de matérias atinentes a direito estadual ou local, ainda mais quando desprovidas de conteúdo normativo. 2. Recurso no qual se discute a legitimidade passiva do Município para figurar em demanda judicial cuja pretensão é o fornecimento de prótese imprescindível à locomoção de pessoa carente, portadora de deficiência motora resultante de meningite bacteriana. 3. A Lei Federal n.º 8.080/90, com fundamento na Constituição da República, classifica a saúde como um direito de todos e dever do Estado. 4. É obrigação do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo, as mais graves. 5. Sendo o SUS composto pela União, Estados-membros e Municípios, é de reconhecer-se, em função da solidariedade, a legitimidade passiva de quaisquer deles no polo passivo da demanda. 6. Recurso especial improvido” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2005, p. 230, grifo nosso).
Observa-se, que todos casos acima elencados foram julgados sob o manto de proteção dos direitos fundamentais condenaram o Poder Executivo a dispensação de medicamentos fora dos protocolos. Outrossim, de acordo com Silva (2008 s/p), essas decisões não apontam de onde sairão os recursos financeiros, e isso tem obrigado Administração Pública realocar verbas do SUS, destinadas aos outros pacientes, os quais certamente morrerão, anonimamente pela falta de assistência médica adequada.
Em matéria de direitos sociais, a análise pormenorizada do caso sub judice é uma obrigação incontornável do juiz. Não obstante, em razão do princípio da isonomia, não se pode exigir judicialmente do Estado a concessão de um bem ou serviço a um indivíduo se essa concessão não puder ser estendida a todos os que estiverem na mesma situação (SARMENTO, 2010).
Observa-se que todos os julgados apresentados foram unânimes ao reconhecer o direito público subjetivo perante o Estado. Importa ressaltar que a proteção constitucional sobre o direito à saúde é pautado em duas premissas: mediante políticas sociais e econômicas e de acesso universal e igualitário.
Portanto, conforme acentua Silva (2014, p. 478), “Essas premissas traçam o limite entre o individual e o coletivo e como se deve proteger o indivíduo, sem descuidar do coletivo. Propiciando-se isso, alcançar-se-á justiça”.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Constituição Federal de 1988 é considerada como o marco histórico da proteção constitucional à saúde, ao elegê-la como um direito social fundamental inerente à sobrevivência humana, cujo acesso deve ser garantido de forma universal e igualitária.
Entretanto, diante da judicialização excessiva do direito à saúde, o Poder Judiciário tem se posicionado favoravelmente à efetivação dos direitos individuais subjetivos, sem, contudo, considerar que existe uma coletividade também no aguardo de um parecer favorável, mas na fila do SUS. Não se pode, portanto, ignorar que o núcleo fundamental do artigo 196, da Constituição Federal, é um direito social coletivo.
Cumpre lembrar que os objetivos específicos propostos neste trabalho inicial foram: a) identificar os reflexos da judicialização da saúde; b) analisar se a judicialização cria uma nova modalidade de usuário da saúde pública; c) identificar se existe colisão entre o direito fundamental à saúde individual e os direitos coletivos; d) analisar o impacto social das liminares sob a ótica da coletividade, que depende única e exclusivamente do SUS; e e) constatar se as decisões judiciais por meio de liminares violam o princípio da divisão dos poderes e se existe interlocução entre o Poder Judiciário e o Executivo.
Em todas as jurisprudências analisadas na última seção deste trabalho constou-se, que as decisões foram favoráveis ao demandante. Portanto, coube ao Poder Executivo o dever prestacional no cumprimento imediato da decisão judicial, sob pena de sofrer sanções.
Ademais, ficou igualmente evidente o rompimento do princípio da isonomia entre os indivíduos que buscaram a tutela jurisdicional e os desafortunados que se encontram pacificamente aguardando atendimentos nas intermináveis filas do SUS. Assim, questiona-se se, aos olhos do Judiciário essa demanda é invisível.
Consequentemente, uma das consequências da intervenção judicial na área da saúde é a clara violação do princípio da igualdade, pois ao reconhecer o direito subjetivo como absoluto, cria-se uma nova forma de acessar o SUS. Intensificando assim, a desigualdade social no acesso aos bens e serviços públicos.
Contudo, em relação ao princípio da divisão dos poderes, não se constatou haver violação, pois o Poder Judiciário tem legitimidade para decidir sobre a implementação das políticas públicas, quando as normas constitucionais consubstanciarem sobre o princípio material da dignidade humana.
Considerando a problemática e complexidade que envolve o tema os desafios que se apresentam não se resolvem apenas com a aplicação imediata do que prevê a norma, mas com a convocação do Executivo para assumir suas responsabilidades. Assim, a Administração Pública deve ser obrigada a prestar esclarecimentos sobre suas ineficiências e negligências reiteradas.
Torna-se, evidente que a indústria da judicialização da saúde associado à quantidade de decisões afirmando que o direito subjetivo sobrepõe ao direito coletivo, nos leva a acreditar que chegaremos a um tempo onde a regra geral para acessar a política de saúde será a porta do judiciário, sendo exceção o Poder Executivo/SUS.
Outrossim, é preciso estabelecer parâmetros de equilíbrio para a intervenção do Poder Judiciário na política de saúde, pois determinar que o Executivo cumpra uma ordem isolada, sem previsão orçamentária, invalidando toda base jurídica que rege o sistema, não resolve o problema e tampouco o minimiza. Pelo contrário, contribui para o agravamento do problema, perpetua à omissão do Executivo, cronificando a desigualdade social no acesso ao direito fundamental à saúde. Por conseguinte, não pode ser admissível conceder a uma minoria o que não é concedido à maioria.
Conclui-se que o tema é complexo e que a solução não está restrita a uma esfera do Poder, mas ao conjunto harmônico entre Judiciário, Executivo e Legislativo. É preciso encontrar equilíbrio nessa equação. Os recursos públicos são limitados, mas as necessidades humanas não.
A efetivação do direito à saúde pela via judicial reforça o direito individual subjetivo como sendo absoluto e, como consequência, acaba condenando o direito da coletividade em promessa Constitucional.
Acadêmica do Curso de Direito da UNIVEL – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Cascavel
Advogado pós graduado lato sensu em Direito e Processo do Trabalho Mestrando em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE e Professor Assistente na Univel Centro Universitário
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