O papel exercido pelos princípios e pela argumentação jurídica no pós-positivismo frente à efetiva tutela dos direitos fundamentais

Resumo: No mundo contemporâneo plural e heterogêneo, discuti-se, não raramente, a legitimidade e racionalidade de dadas decisões judiciais. Isso se dá, por consagrar a Constituição princípios como dignidade da pessoa humana, cidadania, igualdade, entre outros. Este trabalho visa a discutir a evidência, tendo como norte o papel exercido pelos princípios e pela argumentação frente à efetiva tutela dos direitos fundamentais.  

Palavras-chave: Princípios. Argumentação Jurídica. Direitos Fundamentais.

Abstract: In the contemporary world plural and heterogeneous, to discuss, not infrequently, the legitimacy and rationality of judgments given. This is achieved by the Constitution enshrine principles as human dignity, citizenship, equality, among others. This paper aims to discuss the evidence, with the U.S. the role played by the principles and arguments against the effective protection of fundamental rights.

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Keywords: Principles. Legal arguments. Fundamental Rights.

Sumário: Introdução. 1 O direito para Robert Alexy. 2 No que consiste a teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy? 2.1 A argumentação jurídica como um caso especial da argumentação prática geral. 2.2 As regras para o discurso prático geral. 2.3 As regras de transição entre os discursos jurídico e prático geral. 3 A teoria da argumentação jurídica e os direitos fundamentais. Conclusão. Referências.

Introdução

No mundo jurídico atual, os direitos humanos parecem ser o único consenso ético-político. Esse paradigma impõe a necessidade de se saber como esses direitos se legitimam frente aos problemas contemporâneos e as atividades dos órgãos legislativo, executivo e judiciário (principalmente).

Os direitos fundamentais resultam de uma evolução histórica ocorrida por meio das lutas e rupturas sociais que buscavam a dignidade humana e a consolidação dos direitos fundamentais para resguardá-la dos abusos de poder praticados pelo Estado. Observa-se, assim, constituírem uma variável no decorrer dos últimos séculos, cujo conjunto se modificou e continua se modificando, em virtude dos marcos históricos e dos interesses pelo poder.

Há algum tempo, comemoramos os cinquenta anos da promulgação da Declaração Universal de Direitos do Homem[1], que resultou no fim dos regimes totalitários. Comemoramos, também, atualmente, os vinte anos da entrada em vigor da nossa Constituição Federal.

A Declaração Universal representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda metade do século XX. É uma síntese do passado e representa um ideal para o futuro eis que, sem os direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia[2].

A luta pelos direitos fundamentais manifesta-se, atualmente, mais visivelmente num plano globalizado, não só ao nível proclamatório das declarações, mas, sobretudo, na defesa dos direitos mais elementares das pessoas na edificação de uma ordem jurídica internacional efetiva, através de um sistema de direitos fundamentais em permanente mutação, na busca de um “estatuto de humanidade”.

Não se pode negar que, se por um lado ainda estamos distantes da plena efetivação dos direitos fundamentais, é certo, também, que há uma tendência crescente à conscientização da sociedade para a concretização desses direitos (fundamentais) da pessoa.

A mudança de paradigma (TORRES, 2011) implica a reaproximação entre o direito e a ética (embasada em uma filosofia pós-metafísica – isto é, anti-essencialista – e de um contexto político plural) e entre liberdade e justiça, bem como a assunção dos princípios constitucionais no ordenamento jurídico, seja a dos princípios fundamentais seja a dos princípios vinculados às ideias de liberdade, justiça e segurança.

O novo paradigma é, sobretudo, pós-positivista[3], no sentido de que pretende superar a prática legalista. O que se põe à mostra é uma ruptura de padrões até aqui vivenciados e a sua substituição por outros, cujos modelos não guardam mais identidade de significado com aqueles que informaram os ditames jurídicos e políticos que se tinham como certos até então.

No plano dos direitos fundamentais, presenciamos o problema da decidibilidade dos conflitos, enquanto uma ciência prática. Na base de toda essa transição tem-se o momento de um mundo sem ideologias, baseado num mínimo de interesses. O mundo cosmopolita, hoje, visa ao capital. O utilitarismo lucrativo é, há muito, a "política" mais reverenciada. Desta forma, o constitucionalismo contribui efetivamente para a universalização dos direitos fundamentais[4].

Observa-se, então, que a evolução dialética da história afigura-se-nos que pelo menos no campo da proteção dos direitos fundamentais, o gênero humano está em progresso de civilização contínuo. O direito não é o que se afirma. O direito contemporâneo nada mais é do que a afirmação do homem no seu tempo. Um tempo de homens de todos os tempos, e para todos os homens. Nota-se que devido ao multiculturalismo, observa-se a presença de um discurso etnocêntrico para a legitimação dos direitos e a necessidade de uma hermenêutica diatópica[5], ou seja, de ampliar ao máximo a consciência de incompletude mútua (cultura mais forte X cultura inferior) através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé na cultura[6].

Nesse contexto, no que tange a atividade judicante (decisória), desenvolvemos noutro local[7] que a proposta atual – pós-positivista pretende superar, no positivismo jurídico, os problemas por ele não resolvidos, envolvendo a determinação do direito no caso concreto, além do alegado poder discricionário do julgador.

Fomentamos ainda, por maior que fosse a formalidade defendida, que há, no positivismo jurídico, o reconhecimento de princípios e de sua normatividade, sendo a maneira de encará-los o ponto de transição entre o positivismo jurídico e o pós-positivismo, vez que na primeira teoria os princípios eram elementos justificadores do poder discricionário do julgador, e neste último, realizam uma “ponte” para a superação dessa discricionariedade.

Aludimos que identificado o problema da validade formal bem como o do poder discricionário do julgador no positivismo jurídico, ao final do século XX, o mundo jurídico sentiu a necessidade de se elaborar uma teoria que demonstrasse qual deva ser o conteúdo legítimo do direito, que não imponha a visão de mundo de poucos a uma maioria e, ao mesmo tempo, assegure uma segurança jurídica, pois o mundo plural apresenta grande diversidade política, sociológica e moral, devendo o direito considerar essas distinções quando da resolução dos fatos da vida.

O pós-positivismo retrata uma novíssima forma de encarar o direito. Apesar de promover muitas perguntas quanto à decidibilidade, as respostas racionais são escassas, principalmente, no que concerne a aliança entre o direito e a moral. Consideramos a teoria procedimental de Robert Alexy destacável nesta jornada, pois com sua concepção dos princípios e da argumentação jurídica, apresenta considerável caminho a ser seguido frente à efetiva tutela dos direitos fundamentais.

1 O direito para Robert Alexy

Para Alexy (2004), a despeito das teorias positivistas separarem o direito e a moral por meio de um conceito de direito com validade puramente formal, corroborada pela legalidade em conformidade com o ordenamento e a eficácia social, teorias não-positivistas tendem a vinculá-los (direito e moral), concebendo o autor a correção material como um componente do conceito de direito

“o direito é um sistema de normas que (1) formula uma pretensão de correção, (2) consistindo na totalidade das normas que pertencem a uma Constituição geralmente eficaz e que não são extremamente injustas, bem como à totalidade das normas promulgadas de acordo com esta Constituição, que possuem um mínimo de eficácia social ou de probabilidade de eficácia e não são extremamente injustas a qual (3) pertencem princípios e outros argumentos normativos nos quais se apoia o procedimento de aplicação do Direito e/ou tem que se apoiar a fim de satisfazer a pretensão da correção” (ALEXY, 2004, p. 123). 

Nesses termos, Alexy (2004) enfatiza que um sistema desprovido de pretensão à correção não possa ser considerado sistema jurídico, e que na prática os sistemas jurídicos a formulam. Que os elementos ora citados (legalidade em conformidade com o ordenamento, eficácia social e a correção material) referem-se, além da constituição, às normas postas em conformidade com essa constituição, existindo uma estrutura escalonada, excluindo-se normas extremamente injustas da seara do direito. E por fim, que incorpora-se ao direito o procedimento de sua aplicação, pois tudo aquilo em que se apoia ou que tem que se apoiar alguém que aplica o direito almejando a sua correção o direito abarca. Ou seja, que princípios não identificados como jurídicos sobre as bases da validade de uma constituição bem como demais argumentos normativos fundamentadores de decisões pertenceriam ao direito.

Nota-se assim, Alexy considera direito e moral como “aliados”, que por meio de princípios bem como de argumentação jurídica, buscam uma aplicação justa para o direito. Entendamos melhor a questão. Alexy (2008) concebe princípios e regras como espécies de normas jurídicas, por mais que sejam distintos. Para o autor, as regras são aplicáveis na maneira do “tudo ou nada”. Assim, se uma regra é válida, deverá ser aplicada na sua totalidade. Logo, em se tratando de um conflito entre regras, para que apenas uma delas seja considerada válida, deveremos tomar alguns cuidados, pois se considerarmos determinada regra como válida a fim de aplicá-la ao caso, como consequência, além da desconsideração da outra regra pela decisão, sua invalidade será declarada, a não ser que essa regra encontre-se em uma situação que excepcione a outra.

Os princípios, de outro modo, são normas que ordenam que algo se realize na maior medida possível, em relação às possibilidades jurídicas e fáticas. São, por conseguinte, mandamentos de otimização, caracterizados pela possibilidade de satisfação em diferentes graus e de acordo com as aduzidas possibilidades fáticas e jurídicas (ALEXY, 2008). Os princípios podem ser encarados como razões em favor de determinado posicionamento argumentativo, atribuindo-se peso à luz do caso concreto, quando de uma colisão:

“As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com outro, permitido –, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com maior peso têm precedência […]” (ALEXY, 2008, p. 93-94). 

Importante frisarmos que antecipadamente nenhum princípio tem primazia sobre os demais, e que o uso da ponderação torna possível vislumbrar-se o maior peso de um princípio com relação a outro em dado caso, sem que haja a invalidação do princípio tido como de peso menor. Ademais, em outro caso, poderá haver a redistribuição dos pesos de uma maneira distinta, inclusive oposta.

Isso se dá, por que segundo Alexy (2008), os princípios equiparam-se a valores, apesar de não tratarem-se destes. Para o autor, princípios dizem respeito a um conceito deontológico (de dever ser), enquanto que os valores atinem a um conceito axiológico (de bom, de melhor), não obstante estarem intimamente ligados, possibilitando-se colisão, bem como o sopesamento, tanto de princípios como de valores, vez que a realização gradual dos princípios corresponde à dos valores.

Alexy (2008) delimita que a visão do nível dos princípios mostra que neles estão reunidas coisas extremamente diversas. Mas, mais importante que referir-se a essa diversidade é a constatação de sua indeterminação, pois no mundo dos princípios há lugar pra muita coisa, podendo-se chamá-lo de mundo do dever-ser ideal, surgindo as colisões, tensões, conflitos, exatamente, no momento em que se tem de passar do espaçoso mundo do dever-ser ideal para o estreito mundo do dever-ser definitivo ou real. Alexy então, em busca do estabelecimento de um critério racional para a aplicação do direito, sugere que por meio da argumentação jurídica permite-se revelar o verdadeiro sentido de dado princípio e do valor a ser amparado no caso concreto.

2 No que consiste a teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy?

Alexy (2001) identifica a teoria da argumentação jurídica como um caso especial da argumentação prática geral (ou da argumentação moral), que conjuntamente às regras e princípios formam um procedimento, apto a estabelecer a melhor decisão para o caso concreto (decisão carreada de racionalidade). Isso porque, há muito já se concebe que o julgador, quando da prolação de sua sentença, em certos casos, faz uso de “elementos” que transcendem as regras jurídicas existentes, de modo a reclamar a existência de um critério racional para o controle desse juízo que ultrapassa o texto.

É bem verdade que dois dos principais positivistas europeus já haviam identificado que o julgador faz uso de certos “elementos” que transcendem as regras jurídico-positivas no seu ato de julgar. 

Kelsen (2006), na obra Teoria Pura do Direito, em alusão à sua chamada norma geral argumenta que a norma do escalão superior não pode vincular em todas as direções (sob todos os aspectos) o ato do qual é aplicada. Tem sempre de ficar uma margem, ora maior ora menor, de livre apreciação, de tal forma que a norma do escalão superior tem sempre, em relação ao ato de produção normativa ou execução que aplica, o caráter de um quadro ou moldura a preencher por este ato. Mesmo uma ordem mais pormenorizada possível tem de deixar àquele que a cumpre ou executa uma pluralidade de determinações a fazer.

Hart (2009), neste diapasão, em O Conceito de Direito aduz que se o mundo no qual vivemos tivesse apenas um número finito de características, e estas, juntamente com todas as formas sob as quais podem se combinar fossem conhecidas por nós, poderíamos então prever de antemão todas as possibilidades. Poderíamos criar normas cuja aplicação a casos particulares nunca exigiria uma escolha adicional. Poder-se-ia tudo saber e, como tudo seria conhecido, algo poderia ser feito em relação a todas as coisas e especificado antecipadamente por uma norma. Esse seria um mundo adequado a uma jurisprudência “mecânica”. Esse não é, evidentemente, o nosso mundo; os legisladores humanos não podem ter o conhecimento de todas as combinações possíveis de circunstâncias que o futuro pode trazer.

A repeito escreve Alexy que:

“Há casos em que a decisão de um caso isolado não segue logicamente quer de afirmações empíricas tomadas junto com normas pressupostas ou proposições estritamente fundamentadas de algum raciocínio (juntamente com proposições empíricas), nem pode essa decisão ser totalmente justificada com a ajuda das regras da metodologia jurídica; nesses casos deve-se concluir que quem decide tem de ser discreto, na medida em que o caso não seja completamente regido por normas jurídicas, regras do método jurídico e doutrinas de dogmática jurídicas. Então ele pode resolver entre várias posições” (ALEXY, 2001, p. 19).

Importante alertar, esta atividade que transcende as regras jurídicas não deverá ser exercida de maneira a impor convicções arbitrárias e subjetivas de quem julga, havendo necessidade, neste ponto, da observância de uma fundamentação racional, que inevitavelmente tratar-se-á de juízos práticos em geral, sendo certo que a decisão correta para dado caso a eles encontra-se relacionada.

Nesse sentido, Robert Alexy concebe o Direito como um sistema de regras, princípios e procedimentos, visando aferir a resposta correta (racional) para dado caso, fazendo uso, principalmente, da argumentação jurídica, entendida como um caso especial da argumentação prática geral.

2.1 A argumentação jurídica como um caso especial da argumentação prática geral

Objetivando a correção de enunciados normativos, influenciado, principalmente, pela teoria do consenso da verdade de Habermas, Alexy (2001) considera que o discurso jurídico é um caso especial do discurso prático geral.

Mas em virtude de qual motivo além do fato de que ambas lidam com questões práticas, seria a argumentação jurídica um caso especial da argumentação prática geral?

Segundo Robert Alexy (2001), a teoria da argumentação jurídica deve ser entendida como uma atividade linguística preocupada com a correção das afirmações normativas, bem como um discurso dedicado à exatidão das afirmações normativas do discurso prático. Para o autor, o ponto de ligação existente entre o discurso prático geral e o discurso jurídico é exatamente a preocupação de ambos com a correção das afirmações normativas. Consubstanciado nessa afirmação, Alexy concebe o discurso jurídico um caso especial, por sofrer algumas limitações, como a sujeição à lei válida, a consideração dos precedentes e a observação da dogmática.

Em virtude do referido, para Alexy (2001), o relacionamento entre a argumentação jurídica e a argumentação prática geral deve ser entendido de uma forma integrativa, uma vez que os argumentos gerais e aqueles especificamente jurídicos devam ser combinados em todos os níveis e aplicados conjuntamente[8].

2.2 As regras para o discurso prático geral

Robert Alexy (2001) afirma que as regras do discurso racional não se relacionam somente com as afirmações, indo além delas, de modo a governar a conduta do orador, sendo chamadas, nesse contexto, de regras pragmáticas. Segundo este, a observação de tais regras não garante a certeza de todos os resultados, mas define referidos resultados, indubitavelmente, como resultados racionais, situando a ideia básica do discurso racional prático no fato de que a racionalidade não deva ser equiparada à uma certeza conclusiva.

Nesse segmento, o autor assevera que “discursos são séries de ações interligadas devotadas a testar a verdade ou correção das coisas que dizemos e os discursos que se preocupam com a correção de afirmações normativas são discursos práticos” (ALEXY, 2001, p. 181). 

Resta-nos então, trazer à baila as regras do discurso prático geral. Mas antes de analisarmos do que se trata, convém percorrer algumas linhas da teoria da verdade consensual de Habermas, eis que Alexy sofrera grande influência de suas ideias.

A teoria consensual da verdade de Habermas, segundo Alexy, combina a teoria do discurso com a teoria da verdade. Vejamos como isso ocorre.

Habermas considera que a verdade das afirmações empíricas é resultado da correção das expressões normativas. Ou seja, expressões normativas (ordens; julgamentos de valor), seriam justificadas do mesmo modo que afirmações empíricas.

Buscando resolver os problemas relacionados com o conceito de verdade, [9]Habermas sustenta que a condição para a verdade das afirmações erige-se no acordo potencial de todas as pessoas. Para o autor, a atribuição de predicado a um objeto está condicionada ao fato de que, só poderei fazê-lo, se todas as pessoas que puderem adentrar numa conversa comigo, dedicarem idêntico predicado ao objeto.

Ademais, no que tange a teoria da correspondência da verdade afirma Habermas[10], que uma sentença/proposição deva ser tida como verdadeira, caso haja uma correspondência entre o estado das coisas que expressa e os fatos. De acordo com Habermas, nesse viés, a verdade pode ser definida como uma correspondência entre sentença e fato.

Seguindo o paradigma e enfrentando o grande problema que surge quando se indaga o que deve contar como fato, Habermas então, promove uma distinção entre fatos e objetos, tendo aludido que fatos não devem ser encarados como objetos, uma vez que estes existem no mundo, enquanto aqueles não. Alude o autor, todavia, que os fatos dependem da linguagem, da mesma maneira que o valor da verdade das sentenças depende dos fatos, somente atendendo a esses requisitos, segundo Habermas, uma teria do consensual da verdade.

Habermas chega desse modo, à conclusão de que a verdade é uma condição da validade que anexamos aos atos constitutivos do discurso, bem como que a justificação de uma afirmação não mais depende da verdade do que é afirmado como sempre se supôs, mas sim, que a verdade do que se afirma depende da justificação de tal afirmação.

É bem verdade que, como nota Travessoni Gomes, em Verdade e Justificação[11] houve uma mudança da posição de Habermas. A partir dessa obra, Habermas entende que, no que diz respeito às ciências, isto é, à verdade epistêmica, é preciso verificar a correspondência do juízo com a realidade. Ainda segundo Travessoni Gomes, essa mudança parece não afetar o âmbito da filosofia prática em geral e, em especial o direito, pois ela se aplica apenas à filosofia teórica. Por essa razão, não a abordaremos aqui[12].

No que tange à justificação das afirmações normativas, Habermas discorre que um jogo de linguagem bem-sucedido pressupõe o reconhecimento de algumas afirmações de validade como afirmações quanto à intelegibilidade das manifestações; a verdade do elemento proposto; a correção ou sustentabilidade de seu elemento perfomativo; a veracidade do orador. A primeira refere-se a uma condição prévia, enquanto a condição de veracidade não é estabelecida por meio do discurso. Ademais, a condição de correção implícita nos atos de discurso regulativos pode ser estabelecida apenas discursivamente, juntamente com a condição de veracidade latente nos atos de discurso constatativos.

Habermas, buscando enfrentar as dificuldades que envolvem a concordância potencial de todos, por ser inatingível, tendo em vista que os que morreram já não podem participar do diálogo, e ainda que pudessem, reconhecendo a impossibilidade de se estabelecer quais seriam os seus posicionamentos, estabelece que somente um consenso bem fundamentado serve como critério. Assim, para Habermas, o significado de verdade não dependeria da hipótese de que algum consenso seja conquistado, mas antes disso, reconhece que em qualquer momento e local que adentrarmos num discurso, podemos alcançar um consenso obedecendo a determinadas condições, de modo a demonstrar que a verdade se trata de um consenso bem fundamentado, baseado na força do melhor argumento[13]

Objetivando encontrar a resposta do que torna um argumento melhor que o outro Habermas (2007) afirma, dentro de uma lógica do discurso, qual seria uma característica formal dos vínculos entre os passos de um argumento, encandeados por atos do discurso e não por sentenças, denotando-se assim como uma lógica pragmática. Habermas nos fornece a ideia de que a força de obtenção consensual dependeria de um desenvolvimento cognitivo a garantir que o sistema descritivo é adequado e que precede de toda argumentação individual.

Além do referido, Habermas descreve o princípio da universalização como o único princípio em que a razão prática se expressa. Tendo apresentado uma ideia de generalidade apoiada em sua teoria ideal de discurso.

No que concerne o princípio da universalização esclarece o autor que quando tomamos consciência de que a história e a cultura são as fontes de uma imensa variedade de formas simbólicas, bem como da especificidade das identidades individuais e coletivas, percebemos também, pelo mesmo ato, o tamanho do desafio representado pelo pluralismo epistêmico. Sustenta Habermas que até certo ponto, o pluralismo cultural também significa que o mundo se revela e é interpretado de modo diferente segundo as perspectivas dos diversos indivíduos e grupos. Para ele, uma espécie de pluralismo interpretativo afeta a visão do mundo e a autocompreensão, além da percepção dos valores e dos interesses de pessoas cuja história individual tem suas raízes em determinadas tradições e formas de vida e é por elas moldada[14].

Para Habermas (2007) é essa multiplicidade de perspectivas interpretativas que explica por que o sentido do princípio da universalização não se esgota numa reflexão monológica segundo a qual determinadas máximas seriam aceitáveis como leis universais. Segundo o autor, somente na qualidade de um diálogo abrangente e voltado para o consenso que somos chamados a exercer a virtude cognitiva da empatia em relação às nossas diferenças recíprocas na percepção de uma mesma situação. Devemos então, para ele, procurar saber como cada um dos participantes procuraria, a partir do seu próprio ponto de vista, proceder à universalização de todos os interesses envolvidos. Mormente, que aqueles que participam de um tal discurso (prático) não podem chegar a um acordo que atenda aos interesses de todos, a menos que todos façam o exercício de adotar os pontos de vista uns dos outros.

Prossegue o autor (HABERMAS, 2007) que o peso sobre as decisões dos participantes de um discurso prático é a força da obrigatoriedade daquela espécie de razões que, em tese, podem convencer a todos igualmente. Tais razões denota o mesmo, não são razões que refletem preferências individuais de uma ou outra pessoa, mas razões as quais todos os participantes podem descobrir de forma conjunta.

Habermas (2007) não deixa de retratar a evidência de que a autoconsciência e a capacidade da pessoa de assumir uma posição refletida e deliberada quanto às próprias crenças, desejos, valores e princípios são requisitos necessários para o discurso prático, mas aduz haver outro requisito tão importante quanto esse, ou seja, os participantes, no momento mesmo em que encetam uma tal prática argumentativa, têm de estar dispostos a atender à exigência de cooperar uns com os outros na busca de razões aceitáveis para os outros, além de estarem dispostos a deixarem-se afetar e motivar em suas decisões afirmativas e negativas, por essas razões e somente por elas.

Habermas (2007) então, afirma que tais requisitos possam ser satisfeitos a partir dos pressupostos pragmáticos da discussão, que faculta duas condições: que cada participante individual seja livre, no sentido de ser dotado da autoridade epistêmica da primeira pessoa, para dizer “sim” ou “não”; que essa autoridade epistêmica seja exercida de acordo com a busca de um acordo racional, sendo escolhidas, unicamente, soluções racionalmente aceitáveis para todos os envolvidos e todos os que por elas forem afetados.

Ademais, segundo Habermas, a situação de discurso é ideal quando a comunicação nele existente não é impedida por fatores externos ou por restrições internas correlatas da própria estrutura de comunicação, havendo uma distribuição simétrica de oportunidades entre todos os participantes de modo a escolherem e executarem os atos inerentes ao discurso[15].

Para que haja dita simetria, Habermas credita as seguintes condições: todos os potenciais participantes num discurso têm que igualdade de oportunidades nos atos de discurso comunicativo, de modo que possam, a qualquer tempo, iniciar os discursos e conduzi-los através do diálogo e de um processo de perguntas e respostas; todos os participantes devem, nos discursos, terem a mesma chance de apresentar interpretações, afirmações, recomendações, explicações e justificações, além da oportunidade de problematizar, fundamentar ou contestar sua validade, exigindo-se que nenhuma opinião fique livre de tematização e crítica; só têm permissão para falar aqueles oradores que, como agentes, têm igual oportunidade de usar os atos do discurso representativos como expressar suas atitudes, sentimentos e intenções; são admitidos no discurso, somente, aqueles oradores que agindo como sujeitos, têm iguais oportunidades de usar atos de discurso regulativos expedindo ordens, objeções, permissões e proibições ou promessas e aceitação de promessas[16]

Enfim, por meio dessas palavras apresentamos os principais elementos da teoria da verdade consensual de Habermas, sendo oportuno, neste momento, retornar às regras do discurso prático geral de Alexy.

Segundo Alexy (2001), na busca da verdade ou correção há que se seguir algumas regras básicas como: nenhum orador pode se contradizer; todo orador apenas pode afirmar aquilo em que crê; todo orador que aplique um predicado F a um objeto tem de estar preparado para aplicar F a todo outro objeto que seja semelhante àquele em todos os aspectos importantes;  diferentes oradores podem não usar a mesma expressão com diferentes significados.

Além dessas primeiras regras, o autor criou outras referentes à racionalidade. Referidas regras dizem respeito às justificações das afirmações. Tais regras são muito importantes. Segundo elas, todo orador tem que apontar razões para o que afirma quando lhe pedem pra fazê-lo, a menos que possa citar razões que justifiquem uma recusa (é a chamada regra geral de justificação).

Além do referido, no que tange a tais regras deve-se observar (ALEXY, 2001) que qualquer pessoa que possa falar pode participar de um discurso; todos podem transformar uma afirmação num problema, além de poderem introduzir qualquer afirmação no discurso, bem como expressar suas atitudes, desejos e necessidades; nenhum orador pode ser impedido de exercer os direitos estabelecidos por qualquer tipo de coerção interna ou externa ao discurso.

Seu terceiro grupo de regras diz respeito à divisão do ônus argumentativo. Segundo tais regras (ALEXY, 2001), quem se propõe a tratar a pessoa A diferentemente da pessoa B é obrigado a dar justificação por fazê-lo; quem atacar uma afirmação ou norma que não está atrelada à discussão necessita apresentar uma razão para fazer isso; quem apresentar um único argumento só é obrigado a produzir outros argumentos caso surjam argumentos contrários; quem oferecer uma afirmação ou unicamente manifestar-se sobre suas atitudes, desejos ou necessidades num discurso, que não valha como argumento com relação a uma manifestação anterior, necessitará justificar a interjeição quando lhe pedirem para que assim o faça.

Além das citadas regras há aquelas que Alexy (2001) denomina como sendo de justificação, significando que o sujeito que promove uma afirmação normativa que pressuponha uma regra com certas consequências para a satisfação dos interesses de outras pessoas deve ser capaz de aceitar essas consequências, mesmo na situação hipotética em que esteja na posição dessas pessoas; as consequências de cada regra para a satisfação dos interesses de cada e de todos devem ser aceitáveis para todos; toda regra tem de ser aberta, isto é, deve poder ser universalmente ensinada; as regras morais que subjazem a visão moral de um orador devem ser capazes de aguentar uma avaliação crítica nos termos de sua gênese histórica, não passando no teste uma regra moral que a despeito de originalmente passível de justificação racional, tenha num intervalo de tempo perdido a sua justificação, bem como não era originalmente passível de justificação racional e nem foram descobertos novos motivos para tal com o passar do tempo; as regras morais subjacentes às visões morais de um orador devem ser capazes de suportar a carga despendida pela a avaliação crítica no que se refere à sua gênese individual, vez que uma regra moral não suporta essa teste caso tenha sido baseada em condições injustificáveis de socialização; os limites realmente dados de realização devem ser levados em conta.

Por mais que tenha descrito tais regras, Robert Alexy (2001) reconhece que alguns problemas surgidos nos discursos práticos relacionados a questões e fatos, bem como problemas linguísticos tais como aqueles relativos a entendimento, além de questões atinentes à própria discussão prática, não podem ser sanados fazendo-se uso da argumentação prática. Sendo tal possibilidade garantida pelo que chama de regras de transição: é possível que cada orador a qualquer tempo faça uma transição para o discurso empírico; é possível que cada orador a qualquer momento faça uma transição para um discurso linguístico analítico; é possível que cada orador a qualquer tempo faça uma transição para um discurso teórico.

Destarte, referidas regras são as regras do discurso prático geral, elaboradas por Alexy. Segundo o autor, em se seguindo tais regras a probabilidade de se alcançar consensos no que diz respeito a assuntos práticos é grande. Mas contundo, reconhece o mesmo, que ditas regras possam ser incapazes de assegurar que o consenso possa ser alcançado em todo assunto bem como que o acordo conquistado seja perene e irreversível, encontrando-se escancarados à revisão, por se basear, por vezes, em pré-concepções normativas historicamente estipuladas, logo, sujeitas à mutação, reconhecendo assim, os limites do discurso prático geral.

Após falarmos sobre as regras do discurso prático geral de Robert Alexy convém analisar de que forma há uma transição para o discurso jurídico.

Segundo Alexy, há vários tipos de discussão jurídica:

“[…] Pode-se fazer uma distinção entre as discussões na ciência jurídica (dogmática-legal), deliberação judicial, debates no tribunal, tratamentos jurídicos de questões legais (quer na própria legislação ou diante de comissões ou comitês), discussão de questões legais entre estudantes ou entre juristas ou advogados ou entre pessoas juridicamente qualificadas na indústria ou administração, bem como debates sobre problemas jurídicos na mídia, onde assumem a forma de argumentos legais” (ALEXY, 2001, p. 211).

Sendo suas distinções as seguintes:

“As diferenças entre essas formas de discussão, que podem por sua vez ser divididas em outros subgrupos são múltiplas. Algumas delas, como as negociações no tribunal e as deliberações judiciais são institucionalizadas. Esse não é o caso das outras, como a discussão de questões legais entre advogados. Como algumas das formas trata-se da questão de se chegar a alguma conclusão dentro de um limite de tempo; com outras, tais como discussões da ciência jurídica (discussões dogmáticas), não existe limite de tempo. Algumas resultam em decisões comprometedoras, ao passo que outras apenas sugerem, ou estabelecem as bases para ou criticam decisões. Algumas formas, tais como as discussões públicas de julgamentos, permitem uma transição a qualquer tempo da prática legal para a prática geral dos argumentos, ao passo que para as outras, como as discussões jurídicas científicas (dogmáticas), isto não é possível sem limites” (ALEXY, 2001, p. 211).

Conforme visto, ao mesmo tempo em que há várias formas de discussões jurídicas, há várias distinções. No contexto das distinções é importante lembrar que em alguns casos há uma série de limitações bem como impedimentos no que tange a transição de uma argumentação geral para uma argumentação jurídica.

Isso nos remonta ao problema que é identificar o que diferencia a argumentação geral prática da argumentação jurídica.

Alexy (2001) afirma que a argumentação jurídica caracteriza-se por seu relacionamento com a lei válida, sendo que nesse contexto nem todas as questões estão abertas para o debate.

Após o referido, extrai-se que a argumentação jurídica é um caso especial da argumentação prática geral, devido, mais precisamente, ao fato de que as discussões jurídicas se preocupam com as práticas, ou seja, com o que deva ser feito ou não, além dessas questões terem a exigência de correção.

Nesse viés, necessário determinar os pontos de transição, ou seja, passar do plano da argumentação prática para o plano da argumentação jurídica.

2.3 As regras de transição entre os discursos jurídico e prático geral

Alexy (2001) propõe a transição já que os discursos jurídicos se relacionam com a justificação de afirmações normativas (aquelas que expressam julgamentos jurídicos), tendo traçado distinções entre as espécies de justificação interna e de justificação externa.

A justificação interna relaciona-se com o que se denomina silogismo jurídico[17]. Alexy (2001) enfrenta algumas questões a respeito, mas o que realmente nos importa aqui é a consideração do mesmo ao fato de que esse tipo de justificação é insuficiente para casos mais complexos, quando, por exemplo, as expressões usadas na formulação da norma permitam várias interpretações.

Segundo o autor, a justificação interna não se preocupa com a validade das premissas usadas na justificação, sendo esse um objeto, em verdade, da justificação externa. Reconhece Alexy (2001), que em muitos casos, até mesmo a norma da qual se parte não é da lei positiva sendo tarefa da justificação externa justificar tais premissas.

Robert Alexy (2001) então, nos passa a ideia de que a justificação de premissas usadas no processo de justificação interna é o assunto da justificação externa, que busca tal justificação por meio de regras como interpretação; argumentação dogmática; uso de precedentes; argumentação geral prática; argumentação empírica e as formas especiais de argumentos jurídicos.

As regras de interpretação (ALEXY, 2001) dizem respeito mais propriamente aos cânones hermenêuticos, os quais apresentam-se sob variadas formas de argumento, propiciando variados tipos de interpretações como a semântica ou gramatical; a genética, que diz respeito à intenção do legislador; a teleológica; a histórica, a comparada e a sistemática.

As regras da argumentação dogmática têm como função descobrir o que se entende por dogmática jurídica para aferir-se a natureza dos argumentos dogmáticos bem como o papel que representam no discurso jurídico. Segundo Alexy (2001), em se seguindo a terminologia mais adotada, a dogmática jurídica trata-se da mistura de três atividades: a de descrever a lei em vigor; a de sujeitá-la a uma análise conceitual e sistemática; e, a de elaborar propostas sobre a solução própria do problema jurídico.

De acordo com Alexy, referidas atividades possibilitam distingui-las nas dimensões descritiva-empírica, lógica-analítica e normativa-prática, existindo distintos modos de agir relativamente a cada uma delas:

“No contexto da dimensão descritivo-empírica é possível distinguir, em particular, a descrição e o prognóstico da prática nos tribunais e a determinação da real vontade do legislador. A dimensão lógica-analítica inclui tanto a análise de conceitos legais quanto a investigação das relações lógicas entre várias normas e princípios. Finalmente, a dimensão normativa-prática é perseguida por aqueles que fazem propostas para a interpretação de uma norma, ou para uma nova norma ou instituição e as justificam ou por aqueles que criticam uma decisão na lei com base em deficiências práticas e elaboram uma contraproposta. Existem numerosas relações entre essas dimensões. Assim, a descrição da lei em vigor pressupõe um aparato conceitual particular. A análise lógica da lei em vigor não é possível na ausência de uma descrição dela, e a fim de elaborar propostas sobre normas e decisões, é necessário ter conhecimento concreto sobre a ordem jurídica, visto que as propostas precisam se enquadrar na ordem jurídica como ela existe” (ALEXY, 2001, p. 253).

A dogmática tem como principais funções, ao nosso sentir, a de estabilização, que se dá pelo fato de soluções particulares poderem ser retidas e reutilizados por longo tempo, além da função de desenvolvimento ou progressão, que se perfaz pela possibilidade de se distinguir as proposições dogmáticas com um grau maior, havendo o desenvolvimento de maneiras de examiná-las caso a caso.

Já a regra sobre os precedentes nos leva a observar o papel atribuído à sua observação bem como o relacionamento de argumentos baseados nestes com outros argumentos possíveis no discurso jurídico.

No que concerne às regras da argumentação prática geral já falamos aqui, sendo inoportuno revivê-las neste momento.

As regras relativas à argumentação empírica se preocupam com o que deva ser considerado como fato na fundamentação jurídica. Sobre esse tipo de argumentação, Robert Alexy (2001) afirma que a sua importância reside na evidência de que em quase todas as formas de argumento jurídico, bem como em quase todas da prática geral incluam afirmações empíricas.

Por derradeiro, a última forma de justificação interna diz respeito aos argumentos especiais como a analogia, o argumentum a contrario, o argumentum a fortiori e o argumentum ad absurdum.

A respeito desses argumentos especiais escreveu Alexy:

“Todos os argumentos jurídicos especiais podem ser expressos nas formas mais válidas de inferência lógica. Isso não é muito surpreendente visto que a mesma possibilidade existe com respeito a toda forma de argumento. Seja como for, quase todos os casos requerem uma remodelação das premissas especiais que em geral permanecem desarticuladas na argumentação como ela ocorre atualmente. A formulação de formas de argumentos jurídicos como inferência lógica válida tem duas vantagens: torna possível entender sua estrutura lógica e torna aparente seu conteúdo não lógico” (ALEXY, 2001, p. 262).

Após apresentarmos as principais características atinentes à argumentação jurídica, vale recordar, conforme mostra Alexy, que ela é uma forma especial da argumentação prática geral, requerida por motivos práticos gerais, estruturalmente dependentes de princípios gerais e exigindo argumentação prática geral, que ocorre em formas, regras e condições especiais, sendo, destarte, particularmente poderosa e redutível à tal forma de argumentação. Enfim, a argumentação jurídica (ALEXY, 2001), em certos casos, dependente da argumentação geral, no sentido de que as formas de argumentação prático gerais formam a base da primeira. Nesse diapasão o discurso jurídico é necessário em virtude da fraqueza do discurso prático geral, tendo em vista que este último busque naquele, em virtude de sua institucionalização como ciência jurídica resultados inatingíveis por sua própria força.

O que se quer dizer é que há uma inter-relação entre discursos considerados apenas distintos (discurso jurídico e discurso prático geral), mas unidos na possibilidade e necessidade de sua racionalidade. Direito e moral são entendidos, logo, como complementares entre si.

Nesse sentido, sob a ótica do autor, o direito abarca tudo aquilo em que se apoia ou que tem que se apoiar alguém que tendo a aplicá-lo almejando a correção. Ou seja, princípios não identificados como jurídicos sobre as bases da validade de uma Constituição bem como demais argumentos normativos fundamentadores de decisões podem pertencer ao direito.

3 A teoria da argumentação jurídica e os direitos fundamentais

A Constituição Federal de 1988 (SARMENTO, 2010) revela um profundo compromisso com os direitos humanos, contendo o que talvez seja o mais amplo elenco de direitos fundamentais do constitucionalismo mundial, composto não só por liberdades civis clássicas, como também por direitos econômicos e sociais, incorporando, igualmente, direitos como o meio ambiente e a proteção à cultura.

Os direitos fundamentais estão consagrados na Constituição de 1988, a princípio, no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), abrangendo, no Capítulo I, os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º da CF); no Capítulo II, os direitos sociais (art. 6º ao 11 da CF), no Capítulo III, os direitos da nacionalidade (arts. 12 e 13 da CF); no Capítulo IV, os direitos políticos (art. 14 ao 16 da CF); e, no Capítulo V, os partidos políticos (art. 17 da CF).

Falamos que os direitos fundamentais estão consagrados na Constituição Federal, a princípio, nesses termos, por tratar-se o Título II de um rol meramente exemplificativo. Isso porque, existem outros direitos fundamentais alocados na Constituição, em locais distintos do Título II.

Será que, por exemplo, resta alguma dúvida que o Título VIII da Constituição Federal, que regula a ordem social, trata de direitos fundamentais? Nele estão insculpidas normas relativas ao direito ao trabalho e seguridade social (art. 193 ao 195 da CF); à saúde (art. 196 ao 200 da CF);  à previdência social (arts. 201 e 202 da CF); à assistência social (arts. 203 e 204 da CF); à educação cultura e desporto (art. 205 ao 217 da CF); à ciência e tecnologia (arts. 218 e 219 da CF); à comunicação social (art. 220 ao 224 da CF); ao meio ambiente (art. 225 da CF); à família, criança e adolescente (art. 226 ao 230 da CF); e, aos índios (arts. 231 e 232 da CF).

Neste viés Paulo Gustavo Gonet Branco afirma que:

“O parágrafo em questão dá ensejo a que se afirme que se adotou um sistema aberto de direitos fundamentais no Brasil, não se podendo considerar taxativa a enumeração dos direitos fundamentais no Título II da Constituição (…) É legítimo, portanto, cogitar de direitos fundamentais previstos expressamente no catálogo da carta e de direitos materialmente fundamentais que estão fora do catálogo. Direitos não rotulados expressamente como fundamentais no título próprio da Constituição podem ser como tal considerados, a depender da análise de seu objeto e dos princípios adotados pela Constituição” (GONET BRANCO apud Silva, 2005, p. 39).

A despeito dessa previsão art. 5º, caput, da CF, vale analisar que apesar de:

“fazer referência expressa, tão somente a brasileiros (natos e naturalizados) e estrangeiros residentes no País, a doutrina e o STF (inclusive), entendem, mediante uma interpretação sistemática, a inclusão nesse rol, dos estrangeiros não residentes, dos apátridas e das pessoas jurídicas” (LENZA, 2011, p. 963).

Reforçando a ideia de que os direitos previstos no dispositivo constitucional ora descrito abrangem além dos brasileiros e estrangeiros residentes no país, os estrangeiros não residentes, José Luiz Quadros de Magalhães afirma que:

“Artigo 5: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” Como professora de Direito Constitucional I, sua primeira prova avaliava o conhecimento dos alunos a respeito dos direito individuais. Uma das questões estava assim proposta: Os direitos individuais relativos à vida e à liberdade no Brasil são assegurados pela Constituição Federal para as seguintes pessoas: a) Apenas para os brasileiros natos e naturalizados; b) Para os brasileiros e estrangeiros residentes no país; c) Para todas as pessoas que se encontram no território brasileiro; d) Nenhuma das respostas anteriores. Note-se que a questões B transcreve parte do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. A maior parte dos alunos que assistiu às aulas e leu os textos indicados pela professora respondeu corretamente à questão assinalando a letra C. Entretanto, um aluno relapso e criador de caso assinalou a questão B e, alegando estar a professora errada, recorreu e xingou até a última instância acadêmica, perdendo, obviamente, o recurso e a razão. Ora, como dissemos, Constituição não é texto, e uma leitura literal não sistêmica e descontextualizada do texto pode sugerir então que, como a Constituição expressamente se refere à garantia dos direitos individuais para brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, aos estrangeiros, turistas, não residentes, não tem assegurado o seu direito à liberdade, o que é errado” (MAGALHÃES, 2006, p. 151-152).

Ademais, e corroborando o raciocínio, o parágrafo § 2º do art. 5º da CF prevê que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte[18].

Enfim, os direitos fundamentais, não há dúvidas, podem ser encontrados por toda a Constituição, adentrando a argumentação jurídica na especificidade desses direitos, surgindo, em decorrência desta fusão, a argumentação jusfundamental[19], com o mesmo intuito da argumentação do discurso jurídico em geral, mas com o detalhamento da busca de garantia de maior segurança, mediante o controle de racionalidade, na justificação do discurso relacionado a enunciados referentes aos direitos fundamentais, em virtude de sua supremacia axiológica num Estado Democrático e Social de Direito.

Essa argumentação jusfundamental permitiu que se transcendesse o paradigma seguido até as últimas décadas do século passado de que a aplicação da regra jurídica era inquestionável, sendo os princípios considerados meros valores, participando da aplicação do direito em último caso, quando já esgotadas as perspectivas legais, da analogia e dos costumes. Hoje, os princípios, possibilitam, com o auxílio da argumentação jurídica nos termos aqui definidos, a aplicação do direito de forma racional, com vistas à efetiva tutela dos direitos fundamentais.

Neste contexto, o magistrado, quando de suas decisões, deverá observar, como nunca, fundamentos do nosso Estado como cidadania (art. 1º, II, CF); dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF); valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, CF); pluralismo político (art. 1º, V, CF); além dos objetivos fundamentais de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF); de garantir o desenvolvimento nacional (art. 3º, II, CF); de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, CF); além do de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV, CF), pois essas previsões normativas não estão na Constituição para torná-la “linda” e “sedutora” aos olhos de quem a lê, tampouco, servir de substrato retórico para a demagogia. Essas normas estão ali para serem cumpridas na resolução dos fatos da vida.

Sabe-se que muitos juízes confundem a premissa, passando por cima de previsões constitucionais e legais, defendendo, unicamente, suas posições pessoais quando de prolações judiciais. Contudo, reduzir a atividade do julgador à boca que pronuncia a letra da lei é no mínimo, um retrocesso, para não dizer outra coisa. O juiz não é onipotente, mas o legislador também não o é. Assim, a regra jurídica tem de ser obervada na resolução do caso concreto, por tratar-se de um ponto de partida, mas dependendo das características de dado caso, ela nem sempre será um ponto de chegada, tendo em vista a obtenção de uma decisão legítima e racional.

Neste segmento, Daniel Sarmento salienta que:

“Não é esse o lugar propício para discutir a complexa problemática da legitimação democrática da justiça constitucional e articular uma concepção razoável, com começo, meio e fim. Mas talvez seja possível, em breves pinceladas, fazer algumas observações mais gerais e impressionistas sobre como não deve ser esta concepção. Para começar, uma teoria adequada da jurisdição constitucional não deve se basear em abstrações contra-fáticas, por mais sedutoras que pareçam, mas sim em premissas empíricas razoáveis. Neste sentido, é preciso ter em mente que os juízes não são semi-deuses infalíveis, como o Hércules de Dworkin[20]. São, pelo contrário, seres humanos de carne e osso, com defeitos e qualidades, e que, especialmente no Brasil, defrontam-se com uma absurda sobrecarga de processos, que não lhes permite enveredarem-se em profundas discussões morais e filosóficas no julgamento de cada “caso difícil”. Mas a lei, por sua vez, também está muito longe de poder encarnar a “vontade geral” do povo a La Rousseau, sobretudo considerando a tremenda crise da democracia representativa brasileira. Portanto, uma boa teoria não deve mistificar nem o judiciário, nem a lei” (SARMENTO, 2010, p. 192-193).

Nuno Coelho, vale lembrar, ressalta que quando o direito já não tem mais qualquer relação com o modo com que as pessoas que o vivem efetivamente sentem, pensam, desejam e são tocadas pelas paixões, mas se assume numa pura heteronomia e exterioridade, ele deixa de alicerça-se no próprio humano e se desenraiza[21].

Nada obstante, se o dever estipulado na regra jurídica já não atende o ser (agir no mundo dos fatos), o texto legal normativo deve ser ultrapassado de forma que a compreensão e o fundamento do direito estão umbilicalmente ao ser humano, e é só nesta ultrapassagem e por meio dela que o julgador poderá realizar correções normativas priorizando a dignidade humana[22].

Nesse contexto, tendo como norte as teorias da argumentação jurídica e dos princípios, o caminho a ser seguido é, no que tange à interpretação e aplicação do direito, (PEREIRA, 2007), reflexo de uma renovação na tradição do constitucionalismo, por pretender sublinhar o respeito ao pluralismo, matizando a regulamentação da convivência pública, não só como afirmação plena da juridicidade, mas, também, como fruto da solidariedade política, preservando tanto a autonomia individual como a virtuosidade do debate entre as distintas concepções de mundo, entre os distintos projetos de vida plasmados pela ordem constitucional concreta.

Conclusão

O cenário jurídico contemporâneo acena por uma filtragem constitucional[23], pois as normas constitucionais que são irradiadas para os diversos ramos do direito impõe uma releitura dos seus conceitos e institutos, já que se encontram-se constitucionalizados princípios e valores fundamentais de elevada estatura moral.

A Constituição passou a ocupar o centro do sistema, devendo os poderes públicos, quando da observação e aplicação das leis, além das formas prescritas nesta, estarem em consonância com seu espírito, seu caráter axiológico e seus valores[24], de maneira a revelar a importância do homem e a sua ascendência a filtro axiológico de todo sistema jurídico.

Num mundo extremamente plural como o atual, as pessoas têm diferentes visões de mundo, podendo essas visões ser contempladas e protegidas pelo ordenamento jurídico, que prevê normas de conteúdo abstrato e indeterminado como dignidade da pessoa humana, cidadania, igualdade, liberdade, entre inúmeros outros, devendo o direito, neste contexto, ser aplicado de modo a ajustar-se aos direitos fundamentais e às reivindicações sociais, políticas e econômicas do sujeito de direito.

Nesse sentido, na resolução de cada caso concreto há que se levar em consideração os interesses e valores individuais e coletivos em “jogo”, devendo a prolação judicial pautar-se nos elementos trazidos pelas partes num procedimento equânime, cunhado por igualdade, ampla defesa, contraditório, produção de provas e argumentação jurídica.

 

Referências
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Notas
[1] A Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi adotada pela ONU em 1948, com o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, tem como o objetivo que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.
[2] A problemática dos Direitos Humanos surge, no contexto atual, como uma das questões mais abordadas pelos juristas, que se veem as voltas com um tema que assumiu muita importância junto à comunidade internacional, mas que, ao mesmo tempo, ainda não atingiu uma unidade de pensamento que permita a sua organização de forma a assegurar sua proteção universal. Ressalta-se a questão do multiculturalismo, sendo uma barreira à consagração de uma teoria dos direitos humanos, de caráter transcendental – choque de culturas.
[3] Ocorre na “nova” sociedade uma mudança de paradigma, posta pelo pós-positivismo, com o resgate da razão prática, sustentada na argumentação (através do discurso pragmático/retórico), em uma comunidade dialógica, fundada na verossimilhança, em detrimento da razão teórica, que dá primazia à lógica formal, à certeza e ao método demonstrativo.
[4] A integração entre os sistemas constitucionais e o direito internacional faz-se inexorável nessa fase, particularmente para o aperfeiçoamento e garantia eficaz e eficiente dos direitos fundamentais. Uma real política cosmopolita, contudo, deve ser desenvolvida em um contexto de diálogo intercultural entre minorias, opondo-se a um localismo globalizado.
[5] Sobre a hermenêutica diatópica Boaventura de Souza Santos afirma que no caso de diálogo intercultural, a troca não é apenas entre diferentes saberes mas também entre diversas culturas, ou seja, entre universos de sentido diferentes e,  em grande medida, incomensuráveis. Tais universos de sentido consistem em constelações de topoi forres. Os topoi são os lugares comuns retóricos mais abrangentes de determinada cultura. Funcionam como premissas de argumentação que, por não se discutirem, dada a sua evidência, tornam possível a produção e a troca de argumentos. Topoi forres tornam-se altamente vulneráveis e problemáticos quando “usados” numa cultura diferente. O melhor que lhes pode acontecer é serem despromovidos de premissas de argumentação a meros argumentos. Compreender determinada cultura a partir dos topoi de outra cultura pode revelar-se muito difícil, se não mesmo impossível. Partindo do pressuposto de que tal não é impossível, proponho a seguir um hermenêutica diatópica, um procedimento hermenêutico que julgo adequado para nos guiar nas dificuldades a enfrentar, ainda que não necessariamente para as superar. Na área dos direitos humanos e da dignidade humana, a mobilização de apoio social para as possibilidades e exigências emancipatórias que eles contêm só será concretizável na medida em que tais possibilidades e exigências tiverem sido apropriadas e absorvidas pelo contexto cultural local. Apropriação e absorção, neste sentido, não podem ser obtidas através da canibalização cultural. A hermenêutica diatópica baseia-se na ideia de que os topoi de uma dada cultura, por mais forres que sejam, são tão incompletos quanto a própria cultura a que pertencem. Tal incompletude não é visível do interior dessa cultura, uma vez que a aspiração à totalidade induz a que se tome a parte do todo. O objetivo da hermenêutica diatópica não é, porém, atingir a completude – um objetivo intangível – mas, pelo contrário, ampliar ao máximo a consciência de incompletude mútua através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé numa e outro, na outra. SANTOS, Boaventura de Sousa. Uma concepção multicultural de direitos humanos, p. 11.
[6] Quanto aos direitos fundamentais e o pós-positivismo, ver SANTOS, Fernanda Barbosa dos, MARINHO, Leonardo., DUARTE, Hugo Garcez. Direitos Fundamentais: a busca por sua efetivação. Âmbito Jurídico. , v.92, p.01 – , 2011. E, SANTOS, Fernanda Barbosa dos, MARINHO, Leonardo., DUARTE, Hugo Garcez. Direitos fundamentais: a busca por sua efetivação. Justributário (Fortaleza). , v.2011, p.02/33 – 33, 2011.
[7] Desenvolvemos a mesma ideia em DUARTE, Hugo Garcez. Pós-positivismo jurídico: o que pretende afinal?, p. 01.
[8] Citadas formas de interpretação seriam a tese da subordinação e a tese da suplementação. Pela primeira, deve-se entender que o atual processo de justificação ou deliberação pode proceder aos critérios do discurso prático geral, servindo a justificação jurídica, apenas, como uma legitimação secundária de quaisquer conclusões a que se chegue dessa maneira. Já a segunda tese, a da suplementação, sustenta que a argumentação jurídica só pode ir até uma parte do caminho, chegando a um ponto em que os argumentos estritamente jurídicos já não estariam disponíveis ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Trad. de Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001, p. 180-181.
[9] ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Trad. de Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001, p. 92.
[10] ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Trad. de Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001, p. 92.
[11] HABERMAS, Jürgen. Verdade e Justificação: ensaios filosóficos. Tradução Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2004, p. 23-24, 48-49, 257-259 e 290.
[12] TRAVESSONI GOMES, Alexandre. A relação entre Direito e Moral: Kant e Habermas. In: Jürgen Habermas, 80 anos – Direito e democracia. Orgs. Luiz Moreira e Günther Frankenberg Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2009, p. 195-218.
[13] ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Trad. de Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001, p. 99.
[14] HABERMAS, Jünger. A Ética da Discussão e a Questão da Verdade. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 09.
[15] ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Trad. de Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001, p. 104.
[16] ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Trad. de Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001, p. 104-105.
[17] Tércio Sampaio Ferraz Junior, quando ao silogismo jurídico, alude que: (a) normal (geral) funciona como premissa maior; (b) a descrição do caso conflitivo, como premissa menor; e (c) a conclusão, como ato decisório stricto sensu. Essa operação valeria não apenas para a obtenção de sentenças judiais, mas também para decisões administrativas e, no sentido de que o legislador, ao emanar leis, aplica a Constituição, também para as decisões legislativas. Entretanto, reduzir o processo decisório a uma construção silogística o empobrece e não o revela em sua maior complexidade. FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 330.
[18] Falamos sobre os direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, neste mesmo sentido, em DUARTE, Hugo Garcez, OLIVEIRA, Erivelton Telino Silva de. O Supremo Tribunal Federal e a norma supralegal: apontamentos frente à estrutura hierarquico-normativa brasileira. Âmbito Jurídico. , v.103, p.01 – , 2012.
[19] TOLEDO, Cláudia. Teoria da argumentação jurídica, p. 01.
[20] Ronald Dworkin imagina um magistrado com capacidades e paciência sobre-humanas, competente para, de maneira criteriosa e metódica, selecionar as hipóteses de interpretação dos casos concretos a partir do filtro da integridade. Assim, em diálogo com as partes daqueles processos, ele deverá interpretar a história institucional como um movimento constante e partindo de uma análise completa e criteriosa da Constituição, da legislação e dos precedentes, para identificar nestes a leitura feita pela própria sociedade dos princípios jurídicos aplicáveis aos casos.
[21] SANTOS COELHO, Nuno Manuel Morgadinho dos. Direito como modo de viver (pensar, desejar, sentire apaixonar-se): breves indicações para a filosofia contemporânea do direito à luz do Livro VI da Ética a Nicômaco, p. 06.
[22] MELLO, Cleyson de Moraes; SANTOS COELHO, Nuno Manuel Morgadinho. Direito e pessoa: o direito, o que é? O homem, quem ele é? A questão prévia do ordenamento jurídico, p. 03-04.
[23] Consultar SARMENTO, Daniel. Livres e iguais: estudos de direito constitucional. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 190.
[24] Ver em LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 09.

Informações Sobre o Autor

Hugo Garcez Duarte

Mestre em Direito pela UNIPAC. Especialista em direito público pela Cndido Mendes. Coordenador de Iniciação Científica e professor do Curso de Direito da FADILESTE


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