Recentemente a Associação Nacional dos Procuradores da República iniciou a execução de um projeto nacional, a que se denominou “Direito e Democracia”. Reuniu-se no Ministério Público Federal, em Porto Velho, na última sexta-feira, para um café da manhã, praticamente a totalidade dos parlamentares federais de Rondônia. A intenção declarada e real foi a de aproximar as duas instituições republicanas: O Parlamento Federal e o Ministério Público Federal. A importância da iniciativa e a necessidade de que ela seja bem compreendida, passam pelo entendimento das atribuições e, principalmente, dos deveres de cada uma dessas instituições para com o único titular do poder: o povo.
O Ministério Público é instituição permanente da República, e a ele cabe a defesa de toda a ordem jurídica, da própria democracia e de todos os interesses e direitos coletivos de importância social, como a saúde, a educação, o meio-ambiente, a criança e o adolescente, o idoso, o consumidor, os direitos humanos em geral e a constitucionalidade das leis, dentre outros tantos.
Por outro lado, cabe ao Parlamento a função, ímpar na República, de implantar e renovar, constantemente, toda a ordem jurídica nacional, incluindo aí a própria Constituição Federal, além de ser o fiscal político-constitucional de todos os poderes e atribuições do Estado.
Só por essas rápidas palavras, parece muito claro que ambas as instituições não podem existir de forma separada, como se pudesse cuidar, cada qual, de sua “paróquia”, sem qualquer interferência recíproca. Nessa primeira e breve abordagem, queremos focar a atenção no papel desempenhado pelo Parlamento e pelo Ministério Público, e no dever, comum, de prestação de contas à sociedade.
O certo é que em tempos de crise – e nós brasileiros somos especialistas em crise – há uma tendência de fortalecimento do Poder Executivo e conseqüente enfraquecimento dos Parlamentos em geral. Isso é assim porque a unipessoalidade do Executivo leva à rápida tomada de decisão, enquanto o funcionamento parlamentar, com discussões em comissões, votações, remessa a uma casa revisora – no nível federal temos o Senado e a Câmara dos Deputados – faz com que tudo seja, ali, naturalmente mais lento.
Neste ponto, a solução sempre encontrada é a concentração de poderes nas mãos dos Chefes do Executivo – Presidente da República, Governadores e Prefeitos – e a diminuição da importância dos parlamentares em geral. Além disso, as constantes situações de crise, envolvendo membros dos parlamentos, prestam-se ao surgimento de idéias absolutamente equivocadas, no ponto em que se pretende passar, às pessoas, a idéia da desnecessidade ou mesmo, de ser perniciosa ou quando menos, dispensável, a existência dessas Casas de Leis.
Nada mais errado: não há democracia, na moderna acepção do termo, sem um parlamento fortalecido, reconhecido, em pleno funcionamento e com liberdade de ação. De fato, nada é mais republicano do que o parlamento. Nenhuma instituição da República tem tamanha representatividade, nenhuma tem tanta possibilidade de retratar a multiplicidade das forças populares, nenhuma tem a mesma capacidade de ser porta-voz dos anseios da sociedade.
É que a unipessoalidade do executivo não lhe permite ser canal direto dos vários e às vezes até contraditórios interesses sociais; só o parlamento tem essa prerrogativa, pois ele é a sociedade em amostragem, em miniatura. Assim,quando virmos os debates acesos que ali se travam, em vez de “torcermos o nariz”, passemos a enxergar nisso uma virtude. Estamos, afinal, representados em nossas diferenças.
É evidente que tamanha atribuição traz consigo outro tanto de responsabilidade: a democracia moderna não se contenta com uma prestação de contas periódica – normalmente a cada quatro anos, à exceção do Senado em que o mandato tem duração de oito anos – é preciso que a legitimidade da representação, além de ser estabelecida sem o nefasto abuso do poder econômico, quando das eleições, perdure, ainda, durante todo o mandato, com um sistema ininterrupto de prestação de contas.
A democracia moderna não é, simplesmente, representativa, ela é, acima de tudo, participativa. Além de se contar com os fiscais constitucionais, a própria sociedade organizada em conselhos e associações deve exercer, diuturnamente, o controle do exercício do poder de seus representados políticos.
Exatamente neste ponto é preciso voltarmos ao Ministério Público: por não sermos menos democráticos do que o parlamento e, também, por não sermos menos republicanos, deve seguir-se a conclusão de que também devemos contas aos titulares do poder. O certo é que o fato de tomarmos nossas atribuições diretamente do Texto Constitucional, por meio de habilitação em concurso público extremamente dificultoso, não implica sermos detentores de um poder de outra natureza, afinal, todo o poder emana do povo, como sabiamente o diz nossa Constituição, logo em seu começo.
As formas como as prestações de contas devem se dar, em cada caso, são um processo em construção. O Ministério Público dispõe, por exemplo, do Conselho Nacional do Ministério Público, órgão constitucional formado por membros de diversas procedências, que tem a prerrogativa de controlar administrativamente os atos praticados nos diversos ramos da Instituição. O fortalecimento desse mecanismo de controle é medida que se impõe.
De todo o modo já adianta firmarmos na consciência coletiva a necessidade do controle ininterrupto do exercício do poder, pois como adverte Montesquieu, na abertura de seu “O Espírito das Leis”: todo aquele que detém poder tende a dele abusar, até que encontre um limite.
Procurador da República, Procurador Regional dos Direitos do Cidadão em Rondônia, Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP, Professor de Direito Constitucional e Direitos Humanos da UNIRON, em Porto Velho
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