O PL da homofobia e a obrigatoriedade estatal de legislar

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Resumo: O tema deste Ensaio é a criminalização da homofobia, comentada a partir do Projeto de Lei nº 5.003-B/2001 (Projeto de Lei da Câmara nº 122/2006), que é conhecido como PL da Homofobia. Os dados científicos acerca dos comportamentos homofóbicos contribuem para fundamentar as conclusões jurídicas do autor, que avalia criticamente esse projeto de lei e deste ressalva as propostas de § 5º do Art. 20 e de Art. 8º-A para a Lei nº 7.716/1989, a proposta de Parágrafo único para o Art. 5º da CLT, a ausência de proposta de qualificadora “motivo torpe de natureza homofóbica” para o homicídio e a falta de proposta de alteração da Lei de Tortura para nesta incluir os crimes de tortura homofóbica. Salienta-se, ainda, a necessidade do respeito ao direito fundamental de liberdade religiosa, pois, para a defesa de uma causa legítima, não se pode anular um direito que também se caracteriza pela legitimidade.


Palavras-chave: Homofobia – Criminalização – PLC 122


Sumário: 1. Introdução .  2. Preconceito e discriminação contra gays e lésbicas. 3. Desvalorização do ser humano, homofobia e estatísticas de violência homofóbica. 4. Propostas de alteração legislativa. 5. Conclusão. 6. Referências bibliográficas.


1. Introdução


O que leva o Poder Legislativo à morosidade para a aprovação de projetos de lei voltados à proteção das minorias sexuais, senão as ideologias religiosas que consideram os gays e as lésbicas como os pecadores por excelência?


Embora o Estado Brasileiro seja laico e a Constituição da República de 1988 não deixe dúvidas sobre isso, os legisladores teimam em atrasar a aprovação de projetos de lei como o Projeto de Lei nº 5.003-B/2001, apresentado à Câmara dos Deputados pela Deputada Iara Bernardi em 07 de agosto de 2001 e cuja redação final, aprovada em 23 de novembro de 2006, foi remetida ao Senado Federal em 07 de dezembro de 2006 e no qual obteve a nomenclatura de Projeto de Lei da Câmara nº 122, de 2006.


Nas sete páginas da redação final do aludido projeto, que determina sanções aos comportamentos discriminatórios pautados em gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero, não se vê despautério ou quaisquer outras razões que impeçam a sua aprovação, excepcionando-se a proposta de § 5º para o Art. 20 da Lei nº 7.716/1989 e ressalvando-se outras propostas existentes nesse projeto de lei.


Esse projeto altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o Código Penal e a Lei nº 7.716/1989, que pune os crimes oriundos de preconceito ou discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.


2. Preconceito e discriminação contra gays e lésbicas


Grandes são as dificuldades para que seja superada a cultura secular de preconceito e discriminação contra gays e lésbicas. Essa tarefa, embora seja difícil, constitui um dever constitucional inafastável do Estado Brasileiro e da sociedade brasileira, pois a cidadania e os direitos humanos nunca foram, não são e jamais poderão ser somente dos heterossexuais.


Paradigmáticos do preconceito e da discriminação contra os homossexuais são os posicionamentos desfavoráveis aos vídeos do kit anti-homofobia, bem como o Projeto de Decreto Legislativo nº 224/2011.


O kit anti-homofobia é um dos resultados obtidos com o Projeto Escola Sem Homofobia e seria entregue pelo Poder Público às escolas públicas. Composto por material impresso e vídeos, o kit tem sido preconceituosamente propalado como kit gay.


Esses vídeos, que podem ser localizados na internet (não se trata de vídeos oficiais divulgados pelo Governo Federal), geraram polêmica entre os homófobos, o que evidencia a ignorância do povo quanto a um assunto intrínseco à vida de todo e qualquer indivíduo: a sexualidade.


O equivocado pronunciamento da Presidente da República sobre tais vídeos foi divulgado há algumas semanas por emissoras de televisão e outros meios de comunicação: “O Governo defende, defende a educação e também a luta contra práticas homofóbicas. No entanto, o Governo não vai, não vai ser permitido a nenhum órgão do Governo fazer propaganda de opções sexuais”. Essa autoridade absurdamente interpretou o kit como “propaganda de opções sexuais”, embora o kit tenha sido criado por importantes Instituições, o Conselho Federal de Psicologia tenha se pronunciado positivamente acerca do kit[1] e tudo que se refere ao Projeto Escola Sem Homofobia, inclusive o kit, tenha sido acompanhado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão[2].


Uma rápida análise dos vídeos leva à constatação de ausência de elementos que direta ou indiretamente possam ofender a dignidade, a privacidade, o pudor e a liberdade. Reconhecer que as orientações sexuais são normais e tratá-las com normalidade constitui dever ético, moral, político, pois o conhecimento científico sobre a sexualidade não pode ser tido como fantasioso.


No Vídeo 1, que é intitulado “Probabilidade”, o personagem principal é Leonardo, um bissexual. Vê-se que o vídeo é normal.


O Vídeo 2, denominado “Torpedo”, retrata o namoro entre duas jovens (uma delas é Aninha). Qual o problema no abraço das namoradas? Nenhum.


O Vídeo 3, “Encontrando Bianca”, fala sobre José Ricardo, um transexual que gosta de ser chamado de Bianca. A transexualidade também é normal.


Os vídeos permitem ao docente debater inúmeros assuntos em sala de aula, os quais são absolutamente normais e estão presentes no cotidiano real das pessoas. O professor pode sugerir o debate acerca de temas como desejo sexual, conflitos psicológicos na adolescência, afeto, liberdade para decidir e responsabilidade pelas conseqüências da decisão, enfrentamento do preconceito, busca da felicidade, respeito, cidadania.


O kit não é propaganda de opções sexuais. A sua entrega às escolas públicas constitui a execução de uma relevante e impostergável ação afirmativa que é dever constitucional do Poder Público.


À parte as críticas razoáveis que podem ser feitas aos vídeos (como a crítica ao título do vídeo 1), inegáveis são os fatos de que nada consegue mudar a orientação sexual e de que as orientações sexuais são normais, sem exceção. Não será um vídeo ou uma religião que transformará um heterossexual num transexual ou um gay num heterossexual, por exemplo, pois a pessoa nasce com uma e somente uma orientação sexual (exclusiva e inalterável), que, seja qual for, constitui uma normalidade. Saber isso é básico e, por conseguinte, deve integrar uma cartilha não só para os jovens alunos, como também para autoridades públicas despreparadas e políticos ilicitamente a serviço de suas religiões.


Por seu turno, o Projeto de Decreto Legislativo nº 224/2011, apresentado à Câmara dos Deputados pelo Deputado João Campos em 25 de maio de 2011, tem como ementa o disparate “Susta a aplicação da decisão do Supremo Tribunal Federal proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, que reconhece a entidade familiar da união entre pessoas do mesmo sexo”.


No PDL nº 224/2011, argumenta-se que o Supremo Tribunal Federal exorbitou de sua função precípua de julgar, porque legislou no sentido de reconhecer como entidade familiar a união estável entre pessoas do mesmo sexo biológico.


No entanto, facilmente se constata que o STF não legislou, mas interpretou a Constituição a partir das normas-princípio fundamentais, tais como a dignidade da pessoa humana e a igualdade, as quais necessariamente informam a interpretação das normas-regra constitucionais, como a norma constante no § 3º do Art. 226. E mais: contrariamente ao argumento indefensável exposto nesse PDL, o STF não exerceu a sua atribuição normativa, uma vez que não exerceu a sua função administrativa (atípica), pois tão-somente exerceu a sua função de julgar (típica).


Por mais que os Parlamentares homófobos queiram apresentar até uma Proposta de Emenda à Constituição referente ao § 3º do Art. 226, eles não conseguirão abolir direta ou indiretamente o direito/garantia fundamental à igualdade, que é cláusula pétrea e, por conseguinte, não pode ser objeto de infração pelo Poder Constituinte Derivado.


3. Desvalorização do ser humano, homofobia e estatísticas de violência homofóbica


Segundo a Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas nas Escolas, UNESCO, 2001 apud Abramovay, Castro & Silva (2004, p. 279), para os alunos do sexo biológico masculino do ensino fundamental e médio do Brasil, dentre as cinco ações consideradas violentas pela Pesquisa e a eles indicadas para fins de classificação (por ordem alfabética: andar armado, atirar em alguém, bater em homossexuais, estuprar, roubar, usar drogas), a ação “bater em homossexuais” foi por eles considerada a MENOS violenta (6ª posição). Constata-se que, para esses alunos, bater em homossexuais constitui um comportamento menos grave do que roubar (4ª) e usar drogas (3ª).


Conforme Abramovay, Castro & Silva (2004, p. 280), “Quando se pergunta aos alunos sobre quais pessoas ele não gostaria de ter como seu colega de classe, aproximadamente ¼ dos alunos indicam que não gostariam de ter um colega homossexual […]”.


As mesmas autoras constatam:


“A recorrência a linguagem pejorativa é comum nas violências contra homossexuais. É importante destacar a linguagem porque por ela se apresenta visões de mundo, representações e também a nomeação do outro por formas negativas ou contrárias à sua vontade, com o intuito de humilhar, discriminar, ofender, ignorar, isolar, tiranizar e ameaçar. No caso da escola, em que o verbo é matéria-prima, o cuidado com a linguagem, com os discursos de alunos e de professores ganha mais relevância, indicando problemas no objetivo do projeto escolar, de formar mentalidades por parâmetros de igualdade.” […] (ABRAMOVAY, CASTRO & SILVA, 2004, p. 286)


Por outro lado, os dados obtidos por Instituições renomadas como o Grupo Gay da Bahia, os dados divulgados nos meios de comunicação de massa e até as observações informais apontam no sentido de que os crimes de homicídio, lesão corporal, ameaça, abandono material de filho menor de 18 anos, quadrilha ou bando e prevaricação são cometidos contra gays e lésbicas unicamente pelo fato de a orientação sexual das vítimas ser a homossexualidade.


Lacerda, Pereira & Camino (2002) constatam que o Brasil é, “ao nível mundial, um dos líderes no ranking dos assassinatos de homossexuais e onde jovens com idade entre 14 e 20 anos consideram um delito mais grave a depredação de orelhões, placas de sinalização ou pixações do que a humilhação impingida aos homossexuais quando discriminados”. Por isso, esses autores concluem que “talvez, no Brasil de hoje, […] ‘não seja absurdo dizer que ser ou não ser homossexual ainda é uma questão bem mais aflitiva que ser ou não negro, deficiente físico, mulher’ ” (ALMEIDA & CRILLANOVICK apud LACERDA, PEREIRA & CAMINO, 2002).


Isso constitui um problema social alarmante, que reclama ações enérgicas do Estado quanto à segurança pública. Tal situação se agrava com o preconceito e a discriminação largamente disseminados na sociedade contra os homossexuais, o que geralmente inibe ou praticamente impede as vítimas e seus familiares de noticiar a prática criminosa. Disso decorre o fato de que as estatísticas governamentais, acaso existentes[3], jamais retratarão a indesejada realidade vivida por incontáveis cidadãos brasileiros, vítimas inocentes não apenas de preconceito e discriminação na vida diária, mas também de homofobia propriamente dita.


Não há dúvida de que o discurso tresloucado de inúmeros fanáticos convida os incautos à violência psicológica[4] contra gays e lésbicas (violência que pode levar as vítimas ao suicídio), estimula sobremaneira o preconceito e a discriminação e certamente eleva o grau de homofobia. Igualmente, as várias omissões do Estado contribuem para a perpetuação inadmissível das violências contra os homossexuais.


O estímulo à prática de preconceito, discriminação e homofobia não deve prosperar, pois o Estado Brasileiro é um Estado de Direito e Estado Laico, o que não justifica, todavia, o esvaziamento do direito fundamental à liberdade religiosa. Espera-se, portanto, que o comportamento das pessoas, religiosas ou não, e a atuação do Poder Público estejam imbuídos de bom senso, em especial quando se tratar da divulgação de doutrinas e pronunciamentos, pois é perfeitamente factível a vida social harmônica com a multiplicidade de doutrinas religiosas, filosóficas, políticas, etc.


4. Propostas de alteração legislativa


A Lei nº 7.716/1989, denominada Lei Anti-Racismo ou Lei do Racismo, originou-se com o Projeto de Lei nº 668/1988, apresentado à Câmara dos Deputados pelo Deputado Carlos Alberto Cao, em 08 de agosto de 1988 (portanto, antes da vigente Constituição da República), com o objetivo de definir os crimes resultantes do preconceito de raça ou cor.


A mesma razão da qual resultou a Lei nº 7.716/1989 existe para que os comportamentos homofóbicos sejam criminalizados: a urgente necessidade da proteção estatal aos brasileiros que diariamente são vítimas de preconceito e discriminação irracionais e irrazoáveis. Por isso, as ações afirmativas são indispensáveis, considerando-se que se destinam a implementar a igualdade material, e devem ser iniciadas pelo Poder Legislativo, que existe para dar concreção à Lei Maior de 1998 e jamais para fazer valer a sobreposição inconstitucional e imoral de uma maioria preconceituosa e discriminatória sobre uma minoria milenarmente desrespeitada.


A proposta constante no Art. 4º do PL nº 5.003-B/2001 (PLC nº 122/2006) completa o rol das tipificações penais: “Praticar o empregador ou seu preposto atos de dispensa direta ou indireta” – aliás, um crime que deveria estar previsto desde a redação original da Lei nº 7.716/1989, especialmente a dispensa indireta, que é uma das modalidades da homofobia velada[5].


O mesmo há que se falar sobre o Art. 5º do PL nº 5.003-B/2001 (PLC nº 122/2006), que propõe alterar a redação dos Arts. 5º, 6º e 7º da Lei nº 7.716/1989, ou seja, alterações legislativas que proporcionarão um complemento necessário ao rol dos tipos penais:


– o crime tipificado no Art. 5º deixaria de se circunscrever a estabelecimento comercial, uma vez que abrangeria quaisquer ambientes ou estabelecimentos públicos ou privados abertos ao público (indubitavelmente, isso proporcionará uma maior proteção para os cidadãos, notadamente quando se sabe que podem existir costumes administrativos ultrapassados, manifestamente propensos a restringir os direitos dos indivíduos e criados por autoridades que não se pautam na legalidade);


– o crime tipificado no Art. 6º abrangeria outros comportamentos, devido à inclusão de quatro verbos (preterir, prejudicar, retardar e excluir), e também não restringiria o crime a estabelecimento de ensino, graças à inclusão dos sistemas de recrutamento e promoção funcional ou profissional (o significado dessas inclusões é mais proteção para as pessoas) – observa-se que a proposta excluiria a agravante referente à vítima menor de 18 anos;


– o crime tipificado no Art. 7º incluiria os verbos sobretaxar e preterir, bem como incluiria a referência expressa a motéis (mais proteção será garantida com tais inclusões).


Outras inovações louváveis constam nos Arts. 6º e 7º do PL ora comentado, os quais acrescentam os Arts. 7º-A, 8º-A e 8º-B à Lei nº 7.716/1989. A proposta de Art. 7º-A é a seguinte: “Sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a locação, a compra, a aquisição, o arrendamento ou o empréstimo de bens móveis ou imóveis de qualquer finalidade: Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos”.


Por outro lado, em razão da importância capital para o combate da homofobia, os dois últimos artigos a ser acrescidos à mencionada lei (Arts. 8º-A e 8º-B) há de ser destacados e são bem-vindos, pois se referem à demonstração de afetividade, algo comum entre os heterossexuais, seja em ambiente público, seja em ambiente privado aberto ao público. Praças, bares e restaurantes são alguns espaços nos quais os mais comezinhos direitos podem ser exercidos, como andar de mãos dadas, abraçar e beijar comedidamente. Se os heterossexuais podem fazer isso em tais ambientes, inclusive beijar na boca, por quais razões gays e lésbicas não podem fazer o  mesmo? Um simples beijo na boca (frise-se, um ato absolutamente moral) entre homossexuais ainda é capaz de despertar o ódio ilógico de muitos heterossexuais, principalmente marmanjos que se acham com o “direito” de fazer “justiça” com as próprias mãos (por mais dissimulada que seja, a sociedade não pode negar esse fato).


Esses Arts. 8º-A e 8º-B consolidam a igualdade material, mais ainda o Art. 8º-B, cuja importância impõe a sua citação: “Art. 8º-B Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs: Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos”.


A única observação a ser feita se refere à proposta de Art. 8º-A, que deve incluir como exceção os templos e, ainda assim, somente no que pertine ao fator “sexo biológico”, pois sabe-se que, nalguns locais de culto, acomodam-se os frequentadores consoante o sexo biológico: homens de um lado, mulheres do outro. O fundamento disso é o fato de o Estado Brasileiro ser laico, o que impossibilita a interferência estatal nos assuntos interna corporis das instituições religiosas.


O PL nº 5.003-B/2001 (PLC nº 122/2006), no Art. 8º, propõe a alteração dos Arts. 16 e 20 da Lei nº 7.716/1989:


– o novo Art. 16 ampliaria os efeitos da condenação, ao incluir a inabilitação para contratar com a Administração Pública, a proibição de ser beneficiário de créditos ou incentivos concedidos pelo Poder Público, a vedação de quaisquer benefícios tributários, a multa de até dez mil UFIRs (o recurso assim originado se destinaria a campanhas educativas contra a discriminação), a rescisão de contratos com a Administração Pública e de concessões e permissões (sem exclusão da responsabilidade individual desses agentes);


– o Art. 20 proposto incluiria no caput a expressão “gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero” e incluiria o polêmico § 5º: “O disposto neste artigo envolve a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica”.


O citado § 5º propõe limitar a liberdade dos indivíduos em prol do exercício desse direito pelas demais pessoas (nenhum direito é absoluto, nem mesmo um direito fundamental, pois a vida social impõe não somente bônus, mas também os ônus que são necessários à harmonia da própria sociedade). Numa primeira leitura, esse dispositivo parece não ser irrazoável, pois pretende atender à dignidade da pessoa humana, à igualdade, à liberdade, à segurança, à razoabilidade, ao senso de justiça pautado na Constituição da República de 1988.


Pode-se argumentar que, com uma leitura apressada desse § 5º, vislumbra-se uma aparente colisão de direitos fundamentais. Também é possível o argumento de que esse dispositivo em tese não infringe o direito de liberdade religiosa (abstratamente não o infringe, mas pode infringi-lo num caso concreto). Outro argumento plausível é o de que essa proposta simplesmente esvazia o conteúdo do direito à liberdade religiosa. Também inicialmente razoável é o argumento segundo o qual a proposta não ofende o núcleo do direito à liberdade religiosa e não gera a colisão entre direitos fundamentais, porque o dispositivo não se refere à ação de ordem religiosa. Seja qual for o argumento prevalecente, registra-se que não há dúvida de que o Poder Público deve proibir a discriminação contra gays e lésbicas pelo só fato da existência dessa orientação sexual: a homossexualidade (a própria Constituição, no inciso XLI do Art. 5º, dispõe que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”).


A proposta de inclusão desse § 5º ao Art. 20 da Lei nº 7.716/1989 jamais deve ser analisada sem prudência. Pelo contrário, tal proposta há de ser analisada, interpretada e aprovada à luz da Constituição da República, a fim de que não se cometa inconstitucionalidade com a infração dos direitos fundamentais de que trata o Art. 5º da Lei Maior de 1998, cujo caput dispõe: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes”.


Primeiro, constata-se que a Constituição não discrimina nem expressa, nem implicitamente os homossexuais em face dos indivíduos portadores de outra orientação sexual, como também não discrimina os religiosos e os não religiosos. Segundo, a liberdade é direito fundamental dos indivíduos e isso não comporta discriminações, mas apenas as limitações constitucionais do exercício desse direito com vistas à vida harmônica em sociedade (essa constatação significa que a liberdade não é apenas dos homossexuais e dos não religiosos, mas de todo indivíduo, quer se trate ou não de homossexual, quer se trate ou não de religioso). Terceiro, o direito de uma pessoa não é anulado quando as outras pessoas exercem o mesmo direito, mas os titulares do direito, sem exceção, devem proceder a seu exercício com o devido respeito ao direito alheio e com o cumprimento das normas constitucionais e infraconstitucionais (o significado disso é que, desde que alguém expresse o seu pensamento sobre a homossexualidade ou as religiões sem ofender a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, sem incorrer em crimes de calúnia, difamação e injúria, sem cometer quaisquer outras infrações penais e sem infringir as demais normas legais e as normas administrativas, não há por que considerar lesado o direito fundamental à liberdade).


Dentre os direitos e garantias constantes nos incisos do Art. 5º da Constituição da República, interessam diretamente à presente análise os seguintes:


– “II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” – a obrigação legal é inafastável, pois o Estado Brasileiro é um Estado de Direito; todo indivíduo, religioso ou não, homossexual ou não, deve cumprir as leis;


– “IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” – não pode ser proibida a manifestação de pensamento, desde que o indivíduo cumpra as leis (decorrência do disposto no inciso II), seja o indivíduo religioso ou não, seja o indivíduo homossexual ou não;


– “V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” – se o indivíduo, religioso ou não, homossexual ou não, gera dano a alguém ao manifestar o seu pensamento, ele responderá pelas consequências jurídicas de seu ato;


– “VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” – ninguém pode ser privado dessa liberdade, mas isso não afasta o cumprimento das obrigações legais;


– “VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei” – a liberdade religiosa, filosófica e política pode ser plenamente exercida e tem como limite o direito alheio de proteção e promoção de seus bens jurídicos;


– “IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” – essa expressão é lícita, quando se observam as prescrições legais;


– “X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” – não se deve lesar os bens jurídicos intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, nem mesmo com o exercício da liberdade religiosa, pois este direito só pode ser exercido nos limites legais e o Estado Brasileiro é laico.


Imposta a todo indivíduo, religioso ou não, a proibição legal é a de cometimento de crimes e outras infrações (civis, administrativas, etc.). Desde que os religiosos observem estritamente a obrigação legal de todo e qualquer brasileiro de não ofender o patrimônio jurídico alheio, não há que se restringir expressa ou obliquamente o direito constitucional de liberdade religiosa (os limites do exercício desse direito já são ditados pela Constituição).


Cita-se ainda o Pacto de São José da Costa Rica, que vige no Direito Brasileiro desde 09 de novembro de 1992, tem status de supralegalidade e proclama no Art. 12 a liberdade de consciência e de religião:


“1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado. 2. Ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças. 3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita unicamente às limitações prescritas pela lei e que sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral pública ou os direitos ou liberdades das demais pessoas. 4. Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções.”


Em assim sendo, entende-se que essa proposta de § 5º para o Art. 20 da Lei nº 7.716/1989, nos termos em que foi redigida, está viciada de inconstitucionalidade material.


Por motivo semelhante, atinente também à liberdade religiosa e já referido neste Ensaio, entende-se que a proposta de Art. 8º-A para a Lei nº 7.716/1989 deve excepcionar os templos quanto ao fator “sexo biológico”, pois é sabido que, nalguns locais de culto, os frequentadores se acomodam separadamente, conforme o sexo biológico: homens de um lado, mulheres do outro. O fundamento jurídico desse entendimento é a laicidade do Estado Brasileiro, que, por isso: A) não pode proibir, impor, restringir ou fomentar a adoção desta ou daquela religião; B) não pode, sob qualquer outra forma, direta ou indireta, agir favorável ou contrariamente às religiões; C) não pode interferir nas questões interna corporis das instituições religiosas.


Por fim, o Art. 9º do PL nº 5.003-B/2001 (PLC nº 122/2006) propõe incluir na Lei nº 7.716/1989 os Arts. 20-A e 20-B.


No Art. 20-A , destaca-se a referência às Organizações Não Governamentais de defesa da cidadania e dos direitos humanos como legitimadas a iniciar o procedimento para a apuração dos atos discriminatórios. Justifica-se a alusão a processo administrativo pela referência expressa ou implícita de todo o PL à Administração Pública (por exemplo, os Arts. 5º, 7º e 8º do PL).


Por sua vez, o Art. 20-B alude ao “princípio da mais ampla proteção dos direitos humanos”, às normas internacionais que integram o Direito pátrio, à legislação brasileira em geral e às normas infralegais (normas administrativas) para os fins de interpretação dos dispositivos da Lei nº 7.716/1989. Apesar de ser desnecessário consignar isso na lei, considerando-se tanto a unidade do Direito quanto a Hermenêutica Jurídica, entende-se conveniente e oportuna essa previsão, haja vista a persistência de interpretações positivistas que fazem tábula rasa da Lei Maior de 1988.


Ademais, haveria no Art. 20-B o § 2º. Esse dispositivo, ao dispor que, “sempre que mais benéficas em favor da luta antidiscriminatória”, devem ser observadas as diretrizes das Cortes Internacionais de Direitos Humanos reconhecidas pela República Federativa do Brasil, nada mais faz, em conjunto com o mencionado “princípio da mais ampla proteção dos direitos humanos”, do que expressar a mais apropriada hermenêutica. Todavia, salienta-se que, conforme dito no parágrafo anterior deste Ensaio, ante o positivismo jurídico de muitos (pretensos) intérpretes e aplicadores do Direito, entende-se a conveniência e a oportunidade dessa previsão.


Quanto às modificações propostas no PL nº 5.003-B/2001 (PLC nº 122/2006) e que se referem ao Código Penal e à Consolidação das Leis do Trabalho:


– o Art. 10 do PL propõe alterar o § 3º do Art. 140 do Código Penal, que se refere ao crime de injúria, no sentido de acrescentar os elementos procedência nacional (a redação atual do CP refere-se à origem), gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. Essa alteração é justíssima e apresenta total razoabilidade, principalmente no caso dos homossexuais, travestis e transexuais, os quais são socialmente mais vulneráveis a esse crime por causa do preconceito e da discriminação históricos. Aliás, a prática desse preconceito e dessa discriminação é indiretamente reforçada pelo Poder Público, quando este não legisla para a defesa explícita dos direitos dessa minoria e os seus agentes se comportam com discriminação disfarçada, seja nas instituições públicas como as Delegacias de Polícia, seja nos pronunciamentos de quem exerce mandato eletivo ou até no âmbito do Poder Judiciário por ocasião das instruções e julgamentos;


– o Art. 11 do PL, também com justiça e razoabilidade, propõe acrescentar um parágrafo ao Art. 5º da CLT, que passaria a ter a seguinte redação:


“Parágrafo único. Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, orientação sexual e identidade de gênero, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do caput do art. 7º da Constituição Federal.”


Com essa proposta de alteração da CLT, as pessoas vulneráveis nalgumas áreas de atuação profissional ou sujeitas ao puro preconceito de empregadores terão melhor assegurados seus direitos de acesso ao emprego e de manutenção da relação empregatícia. Por óbvio, há situações que exigem uma restrição razoável no recrutamento de profissionais, mas o que não é aceitável é a pura e irrazoável eliminação de um candidato a emprego pelo só fato de ser mulher, gay, nordestino, naturalizado ou afrodescendente, por exemplo. Outros exemplos são lembrados: as mulheres separadas de fato ou divorciadas, mães solteiras, profissionais casados (muitos empregadores só contratam os solteiros), pais e mães em geral (há empregadores que só contratam os profissionais que não têm filhos), trabalhadores na faixa etária dos 30 aos 40 anos, idosos, etc.


A crítica que se faz à proposta constante no Art. 11 do PL é que não foram incluídos o gênero, a etnia e a religião (a procedência nacional está contemplada com a palavra origem). A mesma razão que leva o legislador a mudar a ementa e o Art. 1º da  Lei nº 7.716/1989 deve estar presente na sua proposta de alteração do Art. 5º da CLT por ser plenamente justificável, sob pena de existir incoerência e, mais que isso, tratamento desigualitário despropositado.


Outra crítica que se faz ao PL é que não foi sugerida a explícita qualificação do homicídio contra os homossexuais. Embora a qualificadora “outro motivo torpe” esteja prevista no Código Penal, entende-se que, devido ao preconceito e à discriminação gritantes contra os homossexuais (não só no meio social genericamente considerado, mas até nas Instituições Públicas), e considerando-se, necessariamente, os altíssimos índices de crimes homofóbicos, dentre eles o homicídio, entende-se que o legislador deve alterar o § 2º do Art. 121 do Código Penal para nele inserir explicitamente o motivo torpe de natureza homofóbica. Realizar essa alteração no Código Penal é indispensável, pois o homicídio homofóbico é uma realidade gritante.


A última crítica que se faz ao PL é que ele também não prevê a alteração da Lei de Tortura. Assim, entende-se que é necessário alterar a alínea “c” do inciso I do Art. 1º dessa lei, bem como o inciso II do mesmo Artigo, a fim de neles incluir expressamente os crimes de tortura homofóbica.


Entende-se que a criminalização da homofobia, consoante os termos constantes no PL nº 5.003-B/2001 (PLC nº 122/2006), está suficientemente contemplada, com as ressalvas feitas neste Ensaio sobre as propostas de § 5º do Art. 20 e de Art. 8º-A para a Lei nº 7.716/1989, a proposta de Parágrafo único para o Art. 5º da CLT, a ausência de proposta da qualificadora “motivo torpe de natureza homofóbica” para o homicídio e a falta de proposta de alteração da Lei de Tortura para nesta incluir os crimes de tortura homofóbica.


5. Conclusão


A Constituição vigente, conhecida como Constituição Cidadã, não desampara nenhuma minoria que integra a nação brasileira.


As estatísticas comprovam satisfatoriamente a necessidade de criminalização da homofobia.


Não obstante, os Parlamentares até agora não concluíram o processo legislativo concernente ao que se conhece como PL da Homofobia. De 07 de agosto de 2001 (dia de apresentação do PL nº 5.003-B/2001 à Câmara dos Deputados) até a presente data, já se passaram quase 11 (onze) anos.


Espera-se dos Legisladores a sensibilidade para normatizar os fatos sociais que requerem uma fortíssima atuação estatal. A homofobia é um desses fatos e exige a sua criminalização, que, entretanto, jamais pode comprometer o núcleo do direito fundamental à liberdade religiosa (para a defesa de uma causa legítima, não se pode anular um direito que também se caracteriza pela legitimidade).


Do Poder Legislativo e também do Poder Executivo se espera a única moralidade que pode existir no Estado de Direito, qual seja, a moralidade extraída da Constituição da República. Não se espera, pois, a (i)moralidade das confabulações politiqueiras e das ideologias que só se prestam para esvaziar a dignidade da pessoa humana, a cidadania, a segurança dos indivíduos e o bem de todos.


As ideologias estigmatizantes e as ações/omissões políticas imprudentes e à margem do Direito e da Ciência surtem efeitos deletérios, pois certamente influenciam não só a mente de pessoas que simplesmente têm preconceito e discriminação contra gays e lésbicas, mas também e principalmente a mente de homófobos propriamente ditos, que espreitam a primeira oportunidade para assassinar inocentes ou cometer outros crimes.


Somente os alucinados e os covardes que se escondem atrás da omissão não conseguem perceber ou fingem não perceber a premência da criminalização da homofobia.


 


Referências bibliográficas:

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LACERDA, Marcos; PEREIRA, Cícero; CAMINO, Leoncio. Um estudo sobre as formas de preconceito contra homossexuais na perspectiva das representações sociais. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre: UFRGS, v. 15, n. 1, p. 165-178, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 23 fev. 2005.

SER-TÃO Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade da Universidade Federal de Goiás. Escola sem homofobia: vídeo “Encontrando Bianca”. Disponível em: <http://www.sertao.ufg.br/page.php?noticia=1306381627&site_id=15>. Acesso em: 15 jun. 2011.

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______. Escola sem homofobia: vídeo “Torpedo”. Disponível em: <http://www.sertao.ufg.br/page.php?noticia=1306381627&site_id=15>. Acesso em: 15 jun. 2011.


Notas:

[1] O Conselho Federal de Psicologia, por intermédio do seu Ofício Circular nº 0005-11/CT-CFP, “reafirma posicionamento político, ético, científico e técnico voltado aos direitos humanos e à diversidade sexual, já celebrados na Resolução CFP nº 01/99, assim como a defesa de políticas de educação inclusiva”. Considerando-se a relevância do “Parecer Técnico sobre o material do Projeto Escola Sem Homofobia”, que segue anexo ao aludido Ofício Circular, citam-se os seguintes trechos: “[…] Enfatizamos que a homossexualidade não é doença, distúrbio, ou mesmo perversão, de acordo com a Resolução CFP nº 001/1999, amparada pela decisão da Organização Mundial de Saúde (OSM), que em 1990 retirou a homossexualidade da lista de doenças expostas na Classificação Internacional de Doenças (CID). […] Os materiais apresentados para o Projeto Escola Sem Homofobia estão adequados às faixas etárias e de desenvolvimento afetivo-cognitivo a que se destinam, com linguagem contemporânea e de acordo com a problemática enfrentada na escola na atualidade: a produção de agressões físicas ou psicológicas de pessoas ou grupos que são intimidados e/ou coagidos pelos poucos recursos de defesa apresentados em alguns momentos, ambientes e situações. […] É notório o cuidado didático-pedagógico e qualidade visual com que foi criado e desenvolvido todo o conjunto educacional apresentado no kit – vídeos, livretos, cartilhas, boletins com temas específicos e panfletos. […] Representa material de vanguarda, pois são instrumentos de capacitação e formação continuada para o próprio professor, no sentido de referendar políticas educacionais e de saúde adotadas em âmbito nacional. […] Compreender a construção da subjetividade a partir das relações sociais possibilita ressignificar o entendimento dos dois conceitos-chaves que envolvem a discussão da homofobia: a identidade de gênero e a orientação sexual. Tais conceitos estão bem fundamentados e explicados com clareza no material do referido Projeto. […] Acerca da polêmica criada sobre o material, em especial os vídeos, e a possibilidade de influenciar a orientação sexual dos demais alunos, a partir dos conceitos centrais e cientificamente históricos da Psicologia, entendemos que o material não induz o corpo discente e mesmo docente à prática da homossexualidade. Pelo contrário, possibilita que professores e alunos trabalhem o tema diferenciando o que é da ordem da heterossexualidade e da homossexualidade. […] O Projeto Escola Sem Homofobia é um instrumento que visa a suprir as lacunas educacionais sobre o tema […]”.

[2] Houve o acompanhamento da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão acerca do Projeto Escola Sem Homofobia, conforme certificam os vários documentos disponíveis no site desse órgão, como a Ata da Audiência Pública “Avaliação dos Programas Federais de Respeito à Diversidade Sexual nas Escolas”, relevante evento convocado por essa Procuradoria e realizado no dia 03 de maio de 2011 na Procuradoria Geral da República, em Brasília. Os seguintes trechos da referida Ata merecem ser citados: “[…] Ao final da audiência, o Procurador SERGIO GARDENGHI SUIAMA buscou sistematizar todas as contribuições e manifestações apresentadas nos seguintes ‘considerandos’: a) não há restrições do ponto de vista pedagógico para que temática da sexualidade seja tratada com crianças e adolescentes no ambiente escolar. Não há relação entre educação sexual e atividade sexual (manifestações dos professores JANE BELTRÃO, FERNANDO SEFFNER, e PAULA RIBEIRO, e das instituições UNICEF, UNESCO e CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA); […] Os professores JANE BELTRÃO, FERNANDO SEFFNER, e PAULA RIBEIRO, o Ministério da Educação, a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e as instituições UNESCO, CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA e ABGLT enfatizaram bastante o fato de que o preconceito contra crianças e adolescentes cujo comportamento não siga os padrões heteronormativos vigentes é causa de exclusão escolar, o que contraria a ideia de que a escola deve ser um espaço inclusivo. Os mesmos participantes enfatizaram que a educação é muito mais do que a mera transmissão de conteúdos, devendo as políticas públicas na área terem também a preocupação com uma formação pluralista, e que considere os aspectos de igualdade e diversidade presentes na sociedade; […] Assinam a presente ata o Procurador da República e Coordenador do GT Direitos Sexuais e Reprodutivos da PFDC Sérgio Gardenghi Suiama que presidiu os trabalhos e que a redigiu bem como revisou a redação final da ata, em 06 de junho de 2011, a assessora da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão Patrícia Cristina Alves Campanatti, que auxiliou a redação com o apoio da gravação, e a Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Gilda Pereira de Carvalho […]”.

[3] O autor deste Ensaio não localizou nos sites do Governo Federal os dados inerentes a comportamentos homofóbicos de adultos, motivo pelo qual contactou o Ministério da Justiça em 12/06/2011, por e-mail. Todavia, até a data de conclusão do Ensaio (14/06/2011), a resposta a esse e-mail não foi obtida.

[4] Por analogia, aplica-se aqui a definição legal nos termos do inciso II do Art. 7º da Lei Maria da Penha, segundo o qual se entende como violência psicológica “qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.

[5] A propósito, segundo Lacerda, Pereira & Camino (2002), “nos últimos tempos, a indesejabilidade social do preconceito gerou um processo mais refinado de discriminação”.

Informações Sobre o Autor

Wellington Soares da Costa

Bacharel em Direito, Pós-Graduado em Direito Constitucional e Direito Administrativo.


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Equipe Âmbito Jurídico

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