O pluralismo familiar: antigos e novos paradigmas – o afeto em face da rigidez do ordenamento jurídico

Resumo: O presente trabalho trata da importante e recente evolução sofrida pelo direito de família, destacando a relevância deste ramo do direito para o sistema jurídico pátrio. Destaca a mudança legislativa e jurisprudencial a partir do surgimento de novas formas de família valorizando a escolha responsável dos indivíduos por seus parceiros. Toda trajetória da leitura visita a historicidade familiar, perpassando pelo Estatuto da Mulher Casada e pela Lei do Divórcio, culminada com a promulgação da Constituição Federal de 1988, baseando-se na dignidade da pessoa humana e no princípio da igualdade. Ainda, faz-se breve análise acerca dos efeitos ocorridos a partir da formação das novas famílias concluindo pela impossibilidade da determinação absoluta pelo Estado das consequências jurídicas decorrentes dos atos praticados nas vidas particulares/familiares de cada ser humano.

Palavras-chave: Direito de família. Novas formas de família. Mudança legislativa e jurisprudencial. Antigos e novos paradigmas.

Sumário: 1. Introdução. 2. A grande mudança legislativa: o estatuto da mulher casada e a lei do divórcio. 3. O surgimento das novas formas de família. 4. Do princípio da afetividade. 4.1. Enfim, o afeto. 4.2. O novo olhar jurisprudencial e doutrinário acerca das novas famílias. 5. Da união estável. 6. Do concubinato. 7. O direito de família – antigos e novos paradigmas. 

1 INTRODUÇÃO

Dentre todos os ramos do imenso arcabouço do direito civil, certamente o direito de família é aquele que mais se aproxima da realidade das pessoas. A inserção deste ramo do direito no quotidiano das pessoas se faz de forma tão natural que pouco importa a classe social ou o grau de instrução, certamente todos estarão incluídos dentro de alguma das temáticas abraçadas pelo direito de família. Aliás, é exatamente em razão dessa proximidade com a realidade social que fez com que a matéria ora em análise sofresse com tantas pressões sociais que acabaram por desenhar suas formas de acordo com os anseios dominantes em determinadas épocas.

A Igreja Católica sempre comandou com “mãos de ferro” os preceitos familiares[1]. A sua forte influência na origem do direito brasileiro, em razão da tradição lusitana advinda dos colonizadores, fez com que boa parte do sistema jurídico clássico sofresse com as interferências desta religião. É exatamente no âmbito do direito de família que a ingerência dos preceitos católicos ressaltam aos olhos de forma indubitável.

Durante muito tempo, para que uma relação social atravessasse o marco de mera situação fática para atingir o patamar de reconhecimento jurídico e, com isso, tornar-se detentora de direitos, deveria passar pela chancela – ainda que velada – da Igreja Católica, pois era ela quem inspirava o legislador na confecção da legislação familiar.

O próprio conceito de família – elemento fundamental para que se possa entender toda a sistemática deste ramo do direito – era vinculado aos anseios religiosos propostos pelos Católicos. Até a Constituição Federal de 1969, somente era reconhecida como entidade familiar aquela formada pelo casamento, conforme dispunha o art. 175.

O interesse pela modalidade casamentária como forma de constituição de família não se dá por acaso. Era apenas através deste instituto que a Igreja Católica assegurava para si a garantia de efetividade do seu preceito “crescei-vos e multiplicai-vos”. Entender esta ligação é por demais simples.

Um dos pilares de sustentação da Igreja Católica é exatamente a multiplicação de sua legião de seguidores. Para que isso aconteça, é evidente, faz-se necessária a interação sexual entre duas pessoas. Ocorre que manter essa possibilidade de relações sexuais desenfreadas, poderia resultar em uma “mistura” de credos e crenças, o que feriria frontalmente os interesses da classe religiosa dominante.

Para assegurar o “purismo”, resolveu-se, então, misturar a religião com o direito. Assim, surge a ideia de que somente poderia ser considerado como família aquela formada através do vínculo decorrente do casamento.

Não poderia ser diferente!

Para que houvesse a habilitação matrimonial, era necessário que ambos os cônjuges fossem anteriormente batizados. O batismo, por sua vez, como acontece em diversas religiões é rito de passagem; de inicialização. No presente caso, é através deste procedimento que a pessoa passa a ser aceita na religião católica, posto que com o batismo retira-se os pecados da pessoa, cobrindo-a com o manto da pureza. Neste sentido, aliás, afirma o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica quando responde à pergunta do significado da Igreja que esta “Designa o povo que Deus convoca e reúne de todos os recantos da terra, para constituir a assembléia dos que, pela fé e pelo Batismo, se tornam filhos de Deus, membros de Cristo e templo do Espírito Santo. 751-752 777,804”[2]

Mais adiante, o mesmo compêndio, afirma que:

“o Batismo perdoa o pecado original, todos os pecados pessoais e as penas devidas ao pecado; faz participar da vida divina trinitária mediante a graça santificante, a graça da justificação que incorpora a Cristo e à sua Igreja; faz participar do sacerdócio de Cristo e constitui o fundamento da comunhão com todos os cristãos; propicia as virtudes teologais e os dons do Espírito Santo. 0 batizado pertence para sempre a Cristo: é marcado, com efeito, com o selo indelével de Cristo (caráter). 1262-1274 1279-1280”[3].

Portanto, como se observa, o batismo é o ritual de entrada, de aceitação da pessoa junto aos preceitos da igreja católica. Isso significa dizer que, retirando todos os aspectos religiosos e analisando a partir de um prisma meramente científico e imparcial, é a partir do batismo que a Igreja Católica tem o controle do seu “rebanho”, ou seja, garante a certeza de que aquela pessoa pertence aos seus fiéis, evitando-se, com isso, qualquer confusão com membros de outras religiões.

Feito, então, este “controle” prévio, poucos riscos correria o preceito de “crescei-vos e multiplicai-vos”. Bastaria, apenas que, como dito anteriormente, houvesse um controle, agora, não só religioso, mas também jurídico, para garantir a sua eficácia total. Neste ritmo, diante da sua quase ingerência unânime no Brasil colonial e, pós-colonial – pelo menos no seu momento inicial – a Igreja Católica insere no ordenamento jurídico brasileiro a chave do casamento como sendo o mecanismo necessário para se assegurar abertura da arca de direitos pertencentes ao direito de família.

Somente seria considerado como entidade familiar, e com isso, detentor dos direitos legalmente previstos, aquela união formada a partir da celebração do matrimônio, que, por sua vez, era presidida por um representante da Igreja Católica, geralmente, o padre. Aliás, até os dias atuais é muito comum ver pessoas que, quando se fala em casamento, pensam, logo no primeiro momento, na cerimônia padrão estabelecida pela Igreja Católica, não aceitando a ideia de que poderá haver casamentos celebrados por outras entidades religiosas.

O incentivo pelo matrimônio tinha uma razão de ser[4]. Se o reconhecimento dos direitos de família são feitos apenas no que se refere quando houvesse celebração do casamento, poderia a Igreja ter o controle, ainda que indireto, dos nascimentos.

Explica-se!

Além de imputar a obrigatoriedade do casamento como forma de acesso aos direitos inerentes ao ramo do direito de família, a Igreja Católica também deixou claro que deveria haver um controle maior nas relações sexuais. Isto porque buscava assegurar, como dito anteriormente, o “purismo” da espécie, o que não seria possível fazê-lo apenas com o reconhecimento legal do matrimônio. Necessitava-se, assim, de uma postura mais agressiva quanto à liberdade sexual.

Para tanto, mais uma vez, diante de forte influência religiosa, o Código Civil de 1916 foi promulgado com previsões específicas atinentes à questão da virgindade. Veja, por exemplo, que o antigo art. 170 trazia em seu texto o prazo prescricional de 10 (dez) dias para que o marido declarasse a anulação do casamento em razão de tê-lo celebrado com mulher já deflorada. A virgindade, então, era requisito de validade do matrimônio, pois sem ela não haveria a garantia de que as relações sexuais anteriores foram realizadas dentro dos ditames da religião.

Perceba que ao folhear todos os artigos de direito de família existentes no Código Civil de 1916, o jurista encontrará normas que buscam a valorização da virgindade antes do casamento. Por sua vez, partindo-se para uma leitura mais acurada, será possível identificar que esta limitação sexual era voltada exclusivamente para a mulher, pois é ela quem tem a capacidade de gerar o novo ser. Apenas a virgindade feminina era ponto de preocupação para a legislação vigente à época. Como o casamento passaria a ser visto como uma forma de regulação sexual, a união entre duas pessoas de sexos diferentes através do matrimônio somente poderia ter a finalidade reprodutiva. Não é por outro motivo que quando se debruça sobre os deveres do casamento, verifica-se que o legislador estampou em primeiro plano o dever de fidelidade.

Ao homem, caberia a proteção legal contra relações sexuais existentes fora do núcleo do casamento[5]. Partindo-se deste prisma, surge, então, conceitos de partilhar os filhos de acordo com a sua origem. Seriam, assim, denominados de filhos legítimos aqueles nascidos após a celebração do casamento – ou seja, aqueles que chancelaram a função reprodutiva do matrimônio – e de ilegítimos, os nascidos em qualquer outra situação diversa desta. A obrigatoriedade da manutenção da virgindade feminina aliada à proteção patrimonial que o sistema garantia ao homem que engravidava mulher que não fosse sua esposa acabava por montar o cenário ideal para os anseios da Igreja Católica.

“A negativa de reconhecer os filhos fora do casamento possuía nítida finalidade sancionatória, visando a impedir a procriação fora dos “sagrados laços do matrimônio”. Igualmente afirmar a lei que o casamento era indissolúvel servia como verdadeira advertência aos cônjuges de que não se separassem. Também negar a existência de vínculos afetivos extramatrimoniais não almeja outro propósito senão o de inibir o surgimento de novas uniões. O desquite – estranha figura que rompia, mas não dissolvia o casamento – tentava manter a todos no seio das famílias originalmente constituídas. Desatendida a recomendação legal, mesmo assim era proibida a formação de outra família” [6]

Aliado ao primado do “crescei-vos e multiplicai-vos” – e, aliás, até mesmo como uma forma de justificar a sua existência, o matrimônio foi idealizado como uma união divina e que em razão disso não poderia ser “quebrada” pelos homens. Seguindo esta linha de raciocínio, o princípio da indissolubilidade do casamento reinou intacto durante longos anos, afinal, “o que o Deus une, o homem não separa”.

2 A GRANDE MUDANÇA LEGISLATIVA: O ESTATUTO DA MULHER CASADA E A LEI DO DIVÓRCIO

Acontece que a mesma mulher que antes era vista como ser submisso, de inferioridade natural, passou a batalhar por seus direitos. As restrições que lhes eram impostas pelo sexo masculino passaram a ser questionadas. O sistema jurídico começou a apresentar pontos de resistência ao tradicionalismo reinante. Seja partindo-se por interesse meramente político, seja através de um viés mais humanístico, as mulheres passaram a possuir direitos que antes lhes eram tolhidos.

Os movimentos feministas que buscavam maior liberdade povoavam as ruas das mais diversas cidades do mundo. Sob o manto revolucionário da instauração de uma sociedade mais igualitária, as mulheres passaram a reivindicar inúmeros direitos antes ausentes do seu “plantel”, o que causou, como já mencionado, instabilidades no conceito clássico de família. Tudo aquilo que foi desenvolvido através do domínio do homem passou a ser ameaçado. Questionava-se, então, acerca do fim do modelo familiar.

“Ao contrário da prometida abolição da família, as décadas seguintes assistiram, não sem alguma perplexidade, ao que já foi denominado de um “familiarismo redescoberto”, em que as antigas vítimas do modelo dominante – mulheres, crianças, homossexuais etc. – passaram a perseguir não a ruptura com toda e qualquer noção de família, mas o reconhecimento de uma nova concepção, plural e igualitária, do fenômeno familiar”.[7]

O Estatuto da Mulher Casada foi a primeira grande conquista feminina. A Lei 4.121/62 introduziu no sistema jurídico brasileiro direitos às mulheres que, apesar de hoje parecerem fundamentais, representaram grande conquista para o sexo feminino. Somente a título de exemplo, cita-se a modificação trazida ao art. 246 do Código Civil de 1916 que assegurou à mulher o exercício da profissão, bem como o direito de “praticar todos os atos inerentes ao seu exercício e a sua defesa”, além de auferir o produto do seu trabalho, “e os bens com ele adquiridos”, salvo se houvesse previsão em sentido contrário estampado no pacto antenupcial.

Como dito, diante do que se experimenta nos dias atuais, pode parecer uma conquista bastante tímida para os confetes que são soltados quando se fala em estatuto da mulher casada. Mas esta impressão deve ser de pronto afastada na medida em que o reconhecimento ao direito do sexo feminino em usufruir da remuneração decorrente do seu lavor significa o início da sua liberdade e submissão ao sexo masculino que, historicamente, sempre foi encarado como o provedor econômico da família.

Ao ser reconhecida a possibilidade de auferir renda, a mulher passou a perceber que não era tão submissa ao sexo masculino quanto, historicamente, lhe era imposto. Acompanhando esta auto-identificação, houve uma maior percepção de que os direitos inerentes aos homens também poderiam ser estendidos ao sexo feminino.

Surge, desta forma, uma nova geração de mulheres que passam a questionar a submissão que lhes é imposta pelos homens. Aceitar a postura de mera reprodutora passou a não ser aceita com tanta tranquilidade como ocorria há décadas atrás. Com o passar dos tempos, mais direitos passaram a ser conferidos às mulheres. Neste sentido, aliás, é o pensamento de Luciana Faísca Nahas[8]:

“a independência feminina refletiu diretamente na transformação. As mulheres saíram do seio doméstico para o trabalho externo, propulsionaram também alteração na questão da subordinação ao marido e da educação dos filhos. Aliás, o número de filhos do casal também foi afetado pela mudança na divisão de tarefas do casal, sendo imperativa sua redução”.

Este reconhecimento de direitos resulta diretamente em questionamentos. Dentre eles, a indissolubilidade do casamento começou a provocar grandes incômodos. Casar-se com um homem que não valorizava a sua cônjuge e ter que permanecer com ele até a morte não estava mais nos planos femininos. Sendo assim, inicia-se a busca pela dissolubilidade do casamento.

A mulher, com o passar dos anos, ganhava a sua autonomia profissional e econômica. Com isso, a sua função meramente reprodutiva passou a ser contestada. Aliás, todo o sistema familiar foi alvejado com novos pensamentos. Tanto assim que, diante da grande mobilidade popular, quinze anos após a promulgação do Estatuto da Mulher Casada, o Brasil passaria a conviver com a Divórcio.

A lei 6.515/77 foi um duro golpe nos preceitos matrimoniais da Igreja Católica. A sua promulgação representou a queda ao princípio da indissolubilidade reinante absoluto até então. Não é por outro motivo que a bancada religiosa do Congresso Nacional travou uma forte batalha contra a provação deste diploma legal.[9]

Apesar de todo o esforço, porém, a aprovação da referida lei, era um caminho sem volta. No âmbito do direito de família, a sociedade modula o direcionamento legislativo com uma intensidade muito maior do que em outras áreas jurídicas. Em razão disso, pode-se afirmar que as normas que abraçam relações familiares não surgem a partir de um pleito único, são geradas no ventre social, através de uma sedimentação lenta de novos pensamentos que, com sua vagarosa maturação, acabam por imprimir certa pressão aos legisladores quanto à instauração de um novo pensamento ou a mudança daquele existente.

É bem verdade que todo o esforço legislativo foram considerados como revolucionários naquela época. O desquite, então, passou a ser chamado de separação e após o tortuoso caminho poderia resultar no divórcio e, consequentemente, no término do casamento. Apesar de todos os entraves impostos, restou comprovado que o direito passava a trilhar um caminhar mais intenso para a sua laicização.

“Um fenômeno extramente importante par a a família  e para os costumes em geral, que, também pode ser dito subproduto da Revolução Industrial, foi a laicização do Estado, que conduziu à laicização da própria sociedade, em geral, ou vice-versa. Não que a religião tenha perdido a importância. Seria cegueira absoluta uma tal afirmação. Não perdeu importância, mas perdeu poder, deixou de ser, pelo menos a religião católica romana, fonte de amarras, de embotamento espiritual, intelectual e sexual, apesar dos esforços do Vaticano em sentido contrário”[10].

A dificuldade em se atingir o divórcio e a maior aceitação por parte da sociedade fez com que surgisse uma quantidade crescente de pessoas que não mais viviam na companhia dos seus consortes, mas que, juridicamente, ainda eram consideradas como casadas. A estas, conferiam-lhe o status social de separada. Por sua vez, aqueles que venciam os meandros legais e tinham em suas mãos uma sentença transitada em julgada decretando o divórcio encontravam óbice legal, haja vista que celebrar um novo casamento somente poderia ser feito diante de alguém que nunca tivesse experimentado um procedimento de divórcio, pois somente era permitido divorciar uma única vez.

3 O SURGIMENTO DAS NOVAS FORMAS DE FAMÍLIA

Não se busca com este artigo levantar a bandeira de proteção feminina, tampouco de atacar os preceitos históricos da Igreja Católica, mas, sim, identificar no cenário jurídico brasileiro as diversas evoluções recentemente ocorridas que ainda possuem um vasto caminho a percorrer, especialmente no que se refere ao direito de família. É o que se descreve nas próximas linhas.

Por seu turno, a restrição inserida na Lei do Divórcio fez com que na sociedade brasileira surgissem um conglomerado de pessoas que viviam à margem dos direitos de família. Socialmente as pessoas viviam, como se denominava naquela época, amigadas. Havia a intenção de formação de família, mas o impedimento legal obstava o seu reconhecimento. Somente reconhecia-se como família aquela formada a partir da relação casamentária. Todas as outras modalidades de convivência, nada mais seriam do que sociedades de fato, regidas, pelas regras de direitos obrigacionais, ao invés dos dispositivos específicos de família.

A harmonia antes existente no sistema ruiu. Aqueles que vivam à margem do casamento não poderiam ser consideradas como exceção. Fechar os olhos para esta situação fática resultaria numa ausência de assistência a um grande número de pessoas que viviam como se casados fossem. A realidade social tinha de ser absorvida pelo ordenamento jurídico. Efetivamente não daria mais para ignorar o grande número de pessoas que viviam em concubinato puro. Era necessária uma intervenção direta nesta situação, retirando-os da margem do sistema familiar.

A promulgação da Constituição Federal de 1988 foi o principal marco responsável por profundas modificações no direito de família. Passou-se, a partir de então, a se reconhecer outras modalidade de família. A unicidade defendida por todas as Cartas Magnas anteriores foi rompida pelo novo pensamento trazido pelo constituinte atual. Falar em família não seria, necessariamente, mencionar o matrimônio.

O Constituinte de 1988 reconheceu expressamente como família, além do casamento, a aquela formada pela união estável e a constituída por apenas um dos pais e seus descendentes. O leque das relações sociais abraçadas pelo Direito de Família ganhou maior pungência. O próprio legislador trouxe mais duas novas opções, porém a doutrina queria mais.

Interpretando o caput do art. 226 da CF/88, a maioria da doutrina afirma que o conceito de família, atualmente, é aberto. A importância que antes era assegurada ao liame jurídico – celebração do matrimônio – agora foi desviada para o âmbito da consanguinidade e, principalmente, para o aspecto da afetividade. A relação anteriormente engessada por preceitos religiosos passou a ser vista agora de outra forma, já que, “a própria apreensão antropológica do fenômeno familiar parece desafiar enumerações tipificadas, diante da fluidez que vem caracterizando, na atualidade”[11]

Mudam-se as lentes já gastas para que, a partir de então, se observe com um olhar mais límpido os horizontes anteriormente escondidos pela visão embaçada. Pensar em família como a reunião de pessoas decorrente diretamente do casamento, seria aprisionar um conceito que merece caminhar de forma livre, de acordo com os ditames da sociedade em que se insere. Segundo Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka[12], pouco importa, agora, a posição hierárquica ocupada pelo indivíduo perante o agrupamento familiar – nem mesmo interessa a sua espécie -, pois o que se observa é exatamente a possibilidade de conjugação de sentimentos e valores com o foco na realização de um projeto de felicidade.

“Não mais se identifica como família exclusivamente o relacionamento selado pelo matrimônio. O conceito de família alargou-se passando a albergar os vínculos gerados pela presença de um envolvimento afetivo. O amor tornou-se um fato jurídico merecedor de proteção constitucional. A existência de um elo de afetividade é o que basta para o reconhecimento de uma entidade familiar. Com o desaparecimento da família patriarcal e matrimonializada, passou a família a ser identificada pelo laço de afetividade que une pessoas.”[13]

Nem mesmo o tradicional instituto do casamento passou ileso à estas modificações. Homens e mulheres agora são erigidos ao mesmo patamar de direitos. A igualdade passou a ser muito mais do que um reconhecimento social, haja vista que se tornou um princípio constitucional estampado no âmbito dos direitos fundamentais. A sua amplitude se justifica a partir do momento que não só seria reconhecido aos cônjuges o direito à igualdade, mas, também, aos filhos.

Ao reconhecer os direitos a todos os filhos, independentemente da sua origem – seja, por exemplo casamentária, ou, inclusive, de um relacionamento adulterino – o direito brasileiro fulmina, ainda mais a função originária do casamento. Agora, não precisaria mais celebrar o matrimônio para que os filhos frutos daquele relacionamento fossem reconhecidos como detentores de direitos. A paternidade e as proteções inerentes ao direito de família estavam vinculados diretamente ao vínculo biológico.

“Resulta desta semeada redistribuição de poder, melhor dizendo, repartição de poder, e da reunião do universo familiar, um terreno fértil para fazer germinar o enlevo afetivo, um traço de união e de prosperidade pessoal. Todos passam a ostentar o estatuto de sujeito de direito e de desejo. Em contrapartida, a família, então depósito das ações e energias de seus membros, dá uma guinada, e passa ela a creditar investimento neles, desempenhando a função de corrente transmissora da cultura, na interdição dos instintos e na aquisição da linguagem – fiel à construção lacaniana. Coloca em marcha o processo de desenvolvimento psíquico da criança, enquanto ser em formação”[14].

A isonomia tornou-se um dos fundamentais marcos para a evolução do direito de família como um todo. Como dito, agora se dispensa a questão da relação jurídica para reconhecer o direito de família a todos aqueles que dispuserem de vontade de formar uma família. Aliás, muito mais importante do que a própria vontade, deve-se destacar que o elemento central justificadora do status familiare é, exatamente, o afeto.

“A evolução jurídica tem demonstrado a contínua flexibilização no próprio conteúdo destes requisitos para a configuração das entidades familiares. Veja-se o exemplo da união estável, para a qual a legislação exigia o decurso de prazo fixo (estabilidade), e parte da doutrina aludia, mesmo contra orientação jurisprudencial expressa, à necessidade de co-habitação entre os conviventes (ostentabilidade). Tais exigências foram, gradativamente, superadas, reconhecendose a dificuldade de congelar em requisitos fixos um fenômeno que é sociológico em sua essência e múltiplo em suas manifestações.”[15]

Desalinha-se, então, os formalismos antes entranhados no véu que encobria o rosto da “pura” família brasileira. O vestido branco impregnado de preceitos religiosos que conflitam com o preceito de um Estado laico é despido da noiva que, juntamente, com o seu amado poderá desfrutar dos benefícios e direitos inerentes ao direito de família com a confortável e afável roupa da afetividade.

4 DO PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE

Numa mistura de incredulidade e alegria, a letra da música “Ainda bem”, interpretada pela cantora Marisa Monte relata o desabafo de uma pessoa que acabou de encontrar o seu grande amor após longo período de busca e tentativas frustradas. Quando recita que “O meu coração/Já estava acostumado/ Com a solidão quem diria/ Que ao meu lado você iria ficar/ Você veio pra ficar/ Você quem me faz feliz/ Você que me faz cantar/ Assim/ O meu coração já estava aposentado/ Sem nenhuma ilusão/ Tinha sido maltratado/ Tudo se transformou/ Agora você chegou/ Você que me faz feliz/ Você que me faz cantar/ Assim”[16], a melodia conduz aquele que a desfruta a um mergulho em um mar de emoções.

Após sofrer e ser desiludido, o coração volta a pulsar com a mesma emoção inicial, pois encontrou alguém que trouxe o combustível do afeto para fazer com que a máquina do amor voltasse aos trilhos e continuasse a sua incessante viagem. Diante de tamanha felicidade, não poderia o direito interferir diretamente neste âmago evitando a construção de laços e, até mesmo, proibindo o seu desfazimento quando evaporada toda essa mágica sensação. Por conta disso, Maria Berenice Dias é categórica ao afirmar que “é o envolvimento emocional que leva a subtrair um relacionamento do âmbito do direito obrigacional – cujo núcleo é a vontade – para inseri-lo no direito das famílias, que tem como elemento estruturante o sentimento do amor que funde as almas e confunde patrimônios, gera responsabilidades e comprometimentos mútuos.”[17]

O princípio da afetividade sempre esteve presente no direito de família. Porém, a interferência do direito eminentemente patrimonial fez com que o reconhecimento da sua importância fosse obstacularizado pela necessidade de busca da manutenção de um status social defendido durante longas décadas, o que não pode mais ser aceito nos dias atuais, haja vista que, inexoravelmente, a família é a gênese da sociedade, constituídas de relações humanas, cujo objetivo maior é o desenvolvimento pessoal, emocional e social dos seus componentes.

4.1 Enfim, o afeto:

Com as amarras formais jogadas ao solo, e a ampliação do próprio conceito de família, o afeto foi elevado ao centro principal, e fundamental, da relação familiar. Isso implica dizer que não se unem, nem se mantém unidas, pessoas por meros formalismos ou preceitos religiosos. O direito deve vencer tais limites e reconhecer os direitos de família para aqueles que estão com o foco na convivência mútua a partir do liame afetivo.

Não é por outro motivo que quando se fala em direito de família, atualmente, surge como princípio basilar a afetividade. Mesmo não existindo qualquer expressão direta ao afeto, é possível verificar que o Legislador constituinte não passou despercebido sobre essa mudança de paradigma.

Comentando sobre o tema, Paulo Lôbo[18] assegura a existência, no âmbito constitucional, de quatro pilares de sustentação do princípio da afetividade, quais sejam: a) a igualdade entre os filhos, independentemente da sua origem (§ 6º do art. 227); b) o reconhecimento do Estado a qualquer forma de família, mesmo inexistindo vínculos casamentários e a indicação expressa do reconhecimento do status de família para a monoparental que, por sua vez, pode ser formada não apenas por laços biológicos, mas, também, pela adoção (§ 4º do art. 227); c) a elevação da convivência familiar como direito fundamental da criança e do adolescente; d) o reconhecimento à isonomia de direitos entre os filhos biológicos e os adotivos (§§ 5º e 6º do art. 227).

Tentar excluir o princípio em estudo é fulminar o moderno direito de família. A afetividade passou a ser vista como a linha vital para a própria configuração do conjunto de pessoas que deriva na formação familiar. O respeito mútuo com a identificação e a assimilação das diferenças e peculiaridades de cada um faz ruir preceitos de superioridade antes em voga, respeitando e mantendo hígido o princípio solar da dignidade da pessoa humana.[19]

“pode-se dizer que, em todas as relações privadas nas quais venha a ocorrer um conflito entre uma situação jurídica subjetiva existencial e uma situação patrimonial, a primeira deverá prevalecer, obedecidos, assim, os princípios constitucionais que estabelecem a dignidade da pessoa humana como o valor cardeal do sistema.”[20]

É interessante lembrar que o tema em questão não está estampado em nível constitucional. A Carta Magna atual nada, de forma Express,a trouxe sobre o assunto, mas a evolução social não permite retroagir aos parâmetros de antes. A doutrina que trata do tema assegura a João Baptista Villela a autoria de obra vanguardista sobre o assunto na década de 1980 quando tratou da desbiologização da paternidade. Hoje, poucos são os questionamentos acerca do tema. “O afeto caracteriza-se, destarte, como o grande continente que recebe todos os mananciais do Direito das Famílias, podendo (rectius, devendo) ser o fundamento jurídico de soluções concretas para os mais variados conflitos de interesses estabelecidos nesta sede”[21]

Irradiado pelo Princípio da Dignidade da pessoa humana, o afeto acaba por resultar em conflitos quanto à configuração da sua própria natureza jurídica. Autores como Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald[22] afirmam ser impossível configurá-los como princípios jurídicos, pois se assim o fosse seria exigível, inclusive com incidência de punições em caso de sua inexistência. Ocorre, porém, que ninguém estará obrigado, ainda que moralmente, a dar afeto a outra pessoa. Aliás, pensar dessa forma é retroagir no tempo reconhecendo a obrigatoriedade de se vincular um ser humano a outro. Exemplificando, poder-se-ia pensar no absurdo que seria cobrar indenização pelo simples rompimento – decorrente de desafeto – de um noivado.

Sem dúvidas, a conclusão de Rodrigo da Cunha Pereira mostra-se irretocável, ao afirmar que “o princípio da afetividade, associado aos outros princípios, fez surgir uma outra compreensão para o direito de Família, instalando novos paradigmas em nosso ordenamento jurídico”[23]. Nesta esteira, o valor jurídico da afetividade deve ser encarado como o baluarte orientador das decisões dos tribunais, não se admitindo que os julgadores refutem a sua aplicação pelo simples argumento de inexistência de previsão legal direta.

4.2 O novo olhar jurisprudencial e doutrinário acerca das novas famílias:

Essa nova forma de se observar o direito de família assegurou incontestável importância ao seu processo interpretativo. Os julgadores deixam de lado a mera condição de repetidores do conteúdo normativo para ocupar o lugar de hermeneutas de uma realidade passiva de modificação a cada instante. O texto legal passa a ser um paradigma para decisões, não sendo dispensado um pensamento desprovido de preceitos e pré-conceitos quando da sua incidência, já que, o que se busca, na realidade, é o atendimento aos anseios sociais.

“tem-se uma produção legislativa mais rica em termos de referências axiológicas e uma Constituição que pretende amparar um Estado Democrático de Direito. Tem-se igualmente um Poder Judiciário que parece, aos poucos, estar despertando de um sono dogmático e ocupando um espaço  mais incisivo na cena pública, acenando cada vez mais com a possibilidade de controle efetivo da atividade legal e administrativa”[24]

A família analisada a partir da ótica civil-constitucional torna-se o lócus da afetividade reencontrando-se no fundamento dos laços de afeto construídos na convivência humana, bem como que recuperou a sua função de agrupamento formado por laços de comunhão de vida, despido de razões meramente patrimonialista. Disso resulta uma conclusão evidente: não é possível obstar essa nova tendência da família moderna que se verifica na sua composição a partir da afetividade. Mesmo que tal exigência não possa resultar em uma imposição legal, ela surge da convivência entre as pessoas e dos sentimentos que são amealhados entre elas.

Sendo assim, não se pode negar que, nesta linha de raciocínio, a jurisprudência brasileira tem desenvolvido papel de fundamental importância para a construção de novos parâmetros, principalmente fundados no reconhecimento de modalidades de famílias quando lastradas no afeto. Reconhecer, ou não, modalidades de famílias que não estão estampadas de forma expressa no art. 226 da Constituição Federal deixou de ser um mero capricho ou um ato de revolta contra um suposto tradicionalismo do legislador.

“As constituições modernas, quando trataram da família, partiram sempre do modelo preferencial da entidade matrimonializada. Não é comum a tutela explícita das demais entidades familiares. Sem embargo, a legislação infraconstitucional de vários países ocidentais tem avançado, desde as duas últimas décadas do século XX, no sentido de atribuir efeitos jurídico próprios de direito de família às demais entidades familiares. A Constituição brasileira inovou, reconhecendo não apenas a entidade matrimonializada, mas outras duas explicitamente (união estável e entidade monoparental), além de permitir a interpretação extensiva, de modo a incluir as demais entidades implícitas.”[25]

O necessário acompanhamento da corrente que afirma ser o conceito de família indeterminado é fundamental para a evolução do preceito normativo ora em análise. Pode-se citar, neste sentido, o conceito atual de família constante no art. 5º, II c/c parágrafo único da Lei 11.340/2006, que antes mesmo do reconhecimento pelo STF da união homoafetiva, em maio de 2011, já trazia em seu corpo a possibilidade de observância como entidade familiar.

Realmente, o afeto não é algo juridicamente criado. O máximo que o direito pode fazer – e que, diga-se de passagem, atualmente, o faz – é reconhecê-lo como valor jurídico, pois, “o legislador não cria a família, como o jardineiro não cria a primavera; soberano não é o legislador, soberano é a vida[26]”.

5 DA UNIÃO ESTÁVEL:

Efetivamente, nos dias atuais é difícil encontrar algum estudioso do Direito de Família que negue a existência e a forte influência da afetividade. A jurisprudência, inclusive, caminha neste mesmo sentido, reconhecendo, em inúmeras situações intra-familiares a presença do afeto como o laço mantenedor desta relação. Hoje, observa-se um manancial de decisões que abordam desde a convivência entre pais e filhos até a relação entre pessoas do mesmo sexo.

Sem sombra de dúvidas, a afetividade trouxe maior dinamismo ao Direito de Família e, com isso, inúmeras barreiras foram derrubadas. Desde então a sociedade brasileira vem desnudando situações que antigamente eram relevadas como uma condição de menor importância e, por conta disso, não merecedora da análise judicial. Relevavam-se questões como o “filho de criação” a um simples gesto de caridade, sem que houvesse qualquer reflexo jurídico para este indivíduo que por toda a vida foi equiparado aos filhos biológicos. Com isso, quando se buscava a interferência da Deusa Têmis para assegurar-lhe direitos, aquela pessoa que não saiu do ventre da família, tinha seu pleito negado, simplesmente em razão da exigência comprovação do vínculo biológico[27].

A mudança de pensamento decorrente da inserção do afeto como valor jurídico não é verificado somente nos dias atuais ou em relações paterno-filiais. Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 – e já se passaram mais de duas décadas – o direito de família vem experimentando de forma direta tal influência. A união estável é uma, incontestável, demonstração dessa transformação.

Após o seu reconhecimento expresso no § 3º do art. 226 da Constituição Federal, a entidade familiar formada por pessoas que não se submeteram aos ditames do casamento, mas optaram por viver como se casados fossem ganhou previsão normativa infraconstitucional. O legislador, atento aos anseios trazidos pela Carta Magna, assegurou a especial proteção a qualquer forma familiar numa busca incessante na garantia do princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

A única distinção aceita quanto a união estável e o casamento está no âmbito da sua formação. No âmbito dos direitos conferidos, o sistema jurídico não permite qualquer tratamento em descompasso entre ambos. Ocorre, porém, que não é toda e qualquer união entre duas pessoas que resultará no instituto da união estável. Há requisitos a serem cumpridos.

Antes do reconhecimento da multiplicidade familiar, aqueles que se uniam sem a celebração do casamento adentravam no mundo do concubinato. Esta junção de vontades não tinha a força necessária para adentrar no âmbito do direito de família. Vivia-se à margem das normas, equiparando-as à união civil, ou seja, apenas a um vínculo obrigacional generalizado. A grande modificação trazida pela Constituição Federal está, exatamente, no âmbito de abrir as portas das normas civilistas para a modalidade de concubinato adjetivada como puro.

Aqueles que não possuíam qualquer impedimento para casar, mas que não optaram por celebrar o casamento e sim em “apenas” viver juntos tiveram seus direitos reconhecidos com a inserção do § 3º do art. 226 da Constituição Federal. Mudava-se o rótulo esta união, passando a denominá-la de União Estável.

O grande questionamento que veio acompanhado do seu reconhecimento foi saber quais os requisitos são necessários à sua configuração. Inicialmente, a Lei 8971/94 estabeleceu um lapso temporal mínimo para qualificar tal união como estável. Assim, deixava-se de se encontrar no status de namorado e passava-se para uma forma de família equiparada ao casamento, o homem ou a mulher que mantinha uma convivência contínua por prazo mínimo de 05 (cinco) anos. Em caso de existência de prole, este prazo era dispensado.

Apesar do exercício feito pelo doutrinador, a delimitação de lapso temporal para o reconhecimento da união estável não se mostrou eficiente e adequado aos contornos jurídicos pretendidos pelo novo sistema constitucional abraçado pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Isso porque, quando se aproximava o prazo qüinqüenal, um dos membros dessa união, findava o relacionamento no intuito de evitar o ingresso no universo do direito de família e a incidência de direitos e obrigações a ele inerentes, como, por exemplo, o dever de alimentos e a partilha de bens.

O desenvolvimento dos estudos e a nova feição adquirida pela sociedade passam a salientar o afeto. Com isso, observa-se que uma limitação de lapso temporal, efetivamente, mostra-se contrário ao que permeia o sistema jurídico moderno. A promulgação da Lei 9278/96 foi o passo importante para a chancela de tudo o quanto se defende até este momento. Nesta norma, o legislador infraconstitucional abriu mão do prazo para a configuração da união estável, optando pela adoção da expressão “duradoura” como meio de configuração requisito tempo para a união estável. Apesar de mais fluidos, quando comparados com o casamento, a união estável passou a ter seus contornos definidos com o feixe direcionado ao âmbito do afeto.

“Por ser ato-fato jurídico (ou ato real) a união estável não necessita de qualquer manifestação de vontade para que produza seus jurídicos efeitos. Basta sua configuração fática, para que haja incidência das normas constitucionais e legais cogentes, e supletiva e a relação fática converta-se em relação jurídica. Pode até ocorrer que a vontade manifestada ou íntima de ambas as pessoas – ou de uma delas – seja a de jamais constituírem união estável. De terem apenas um relacionamento afetivo sem repercussão jurídica e, ainda, assim decidir o judiciário que a união estável existe.”[28]

O Código Civil de 2002 acompanhou a mesma linha de raciocínio e estampou em seu art. 1.723 cinco requisitos necessários para a configuração da união estável, quais sejam: a) convivência entre homem e mulher; b) convivência pública; c) contínua; d) duradoura; e) com intenção de formar família. Perceba que em nenhum momento houve a indicação de lapso temporal, haja vista que este é incompatível com a influência do afeto nas relações familiares.

Apesar de não ser o foco do tema ora proposto, não se deve deixar passar isento de comentários que o STF mitigou a exigência de um desses requisitos quando do julgamento da ADIN 4277/DF que reconheceu a possibilidade da união homoafetiva, ou seja, a partir desta decisão o requisito “união entre homem e mulher” existente no mencionado art. 1.723 deixou de ser acompanhado pela jurisprudência brasileira, e, da mesma forma, pela doutrina moderna. Com isso, ganha maior efetividade o valor jurídico do afeto, pois põe fim à amarra da reprodução que justificava o reconhecimento familiar.

À União Estável são aplicados os mesmos impedimentos existentes para o casamento. Isso implica dizer que há um repúdio às uniões estáveis formadas por pessoas que já são – e estão, haja vista que houve uma exceção, pois não será considerada como inválida a união entre pessoas casadas, mas separadas de fato – casadas ou possuem outra união estável reconhecida. Neste caso, fala-se em concubinato, que, por sua vez, como dito, é exortado pelo universo do direito de família.

6 DO CONCUBINATO:

O repúdio ao concubinato não é uma novidade dos dias atuais. Antes mesmo do próprio reconhecimento da união estável, como dito, havia duas formas de concubinato: o puro – este elevado á condição de família, a partir da Constituição Federal de 1988 – e o impuro – atualmente denominado, simplesmente de concubinato – era aquela união formada por pessoas que tinham impedimentos para casar.

Com a promulgação da Carta Magna em vigor o “concubinato impuro” perdeu apenas a sua adjetivação, passando a ser conhecido, simplesmente, como concubinato. A insurgência das normas de direito de família ainda continuam evidentes. A forte influência dos resquícios da igreja católica no âmbito do direito brasileiro restou espelhada na monogamia. O sistema brasileiro se intitula monogâmico, e por conta disso, rejeita, veementemente, qualquer tipo de relacionamento paralelo, posto que subsume aos preceitos atinentes aos impedimentos matrimoniais.

No curso evolutivo do direito de família, é possível destacar inúmeras previsões legais que demonstram a insurgência de todo o sistema para as uniões paralelas. Para tanto, utilizar-se-á o exemplo estampado no Código Civil de 1916 que trazia em seu art. 1.777 a proibição do cônjuge adúltero de realizar doação ao seu cúmplice. Nesta mesma linha de raciocínio, o art. 242, IV legitimava a mulher casada e os seus herdeiros a reivindicar bens comuns doados ou transferidos à concubina, no prazo de dois anos após a dissolução da sociedade conjugal. O art. 1.474 também proibia a concubina de ser beneficiária de seguro de vida de pessoa casada, dentre outros.

“[…] é epílogo de lenta e tormentosa trajetória de discriminação e desconsideração legal, com as situações existentes enquadradas sob o conceito depreciativo de concubinato, definido como relações imorais e ilícitas, que desafiavam a sacralidade atribuída ao casamento. A influência da Igreja Católica, inclusive durante o período da República – autoproclamada laica – impediu tentativas de projetos de lei em se atribuir alguns efeitos jurídicos ao concubinato, máxime em razão do impedimento legal ao divórcio que apenas em 1977 ingressou na ordem jurídica brasileira. A ausência do divórcio foi responsável pelo crescimento exponencial das relações concubinárias”.[29]

O contexto pós-moderno envolve uma noção de quebra de paradigmas. Os textos legais já não compreendem a densa gama de relações interpessoais cotidianamente reiteradas. A omissão legislativa, contudo, não é mais intransponível, sendo notáveis as inúmeras casuísticas levadas ao controle do judiciário envolvendo realidades que não correspondem ao teor do quanto positivado. Não cabe ao sistema normativo julgar as pessoas apenas por sua opção de vida em família. As escolhas e convicções pessoais são constitucionalmente intangíveis pela pretensão legislativa, resultante da ação de um Estado livre. Tais indivíduos encontram resistência social suficiente para que a reiteração dessas condutas torne-se muitas vezes um martírio sobrelevando-se nesse ponto a necessidade de especial atenção de legisladores e operadores do Direito, a fim de evitar o cerceamento do quanto lhe são facultados e de teorizar maneiras de findar com a problemática.

A diversidade cultural no Brasil permite a difusão de muitas formas de entendimento acerca de um mesmo parâmetro, não havendo justificativa plausível para se negar essa situação para as relações interpessoais. Apesar disso, o direito brasileiro ainda vive enraizado com preceitos atinentes ao mundo oitocentista dominado por um Código Civil rígido e eivado de preceitos religiosos. O reflexo da exclusão do denominado “concubinato impuro” é a maior dessa expressão.

Furta-se do indivíduo o seu poder de escolha. Ceifa-lhe o direito de guiar sua própria opção de vida familiar. Tal situação foi experimentada por muito tempo aos homoafetivos que tinham que se adaptar a uma opção sexual completamente diversa daquela de sua preferência apenas para caminhar nos ditames socialmente exigidos. Aliás, não só no universo familiar houve a imposição de preceitos padronizados.

Voltando um pouco mais na história, pode-se destacar a grave repressão contra os canhotos. Considerados como pessoas “deformadas”, sujeitos não agraciados por Deus, os canhotos tinham sua mão esquerda amarrada para que fossem forçados a aprender a escrever com a direita, modificando essa “anomalia” que vinha impregnada em seu corpo. Com isso, muitos passaram a ser ambidestros, pois nunca desaprenderam a escrever com a mão esquerda, afinal tal condição compõe os elementos mais intrínsecos da sua formação genética. A “libertação” da mão esquerda estampou a necessidade de impor à sociedade uma maior tolerância às diferenças daqueles que a compõem.

No âmbito do direito familiar, os “canhotos” homoafetivos, ganharam sua “libertação” a partir do julgamento da ADIN 4277/DF que ampliou o conceito de união estável. Derrubou-se a barreira da diversidade sexual para reconhecer àqueles que optam por se reunir com pessoas do seu mesmo sexo a viabilidade de conviver sob o manto dos direitos de família.

7 O DIREITO DE FAMÍLIA – ANTIGOS E NOVOS PARADIGMAS:

Neste trilhar, acredita-se que o próximo passo será debruçar-se sobre aqueles que optam por formar uma convivência paralela por mais de uma pessoa. Denominado por muitos como poliamorismo, este não resulta da quebra da monogamia generalizada como pode transparecer num primeiro momento. Há, apenas, a valorização da escolha responsável de indivíduos por seus parceiros, aos quais se consideram afetivamente interligados de maneira tal que perpetuar esta ligação seja vontade mútua. Aliás, não se pode esquecer que a miscigenação característica do povo brasileiro resulta na moradia e cidadania de pessoas que dotam religiões adeptas à convivência paralela. Seguidores de preceitos religiosos mulçumanos que pregam a vida na companhia de mais de uma mulher, por exemplo, por permissivo de suas crenças, são tolhidos em sua vontade dentro de um país que se intitula laico.

Configurar relações paralelas duradouras como meros casos esporádicos, ou, ainda, como sociedades de fato, resulta de uma exegese insensível e sem qualquer axiologia sobre o assunto. Resumir vivências inteiras a uma terminologia usualmente designada a figuras sem qualquer respaldo social deixa evidente um positivismo exacerbado e controlado por uma linha de pensamento única que se predispõe a impor o domínio sobre todos, de forma indiferente.

A mesma “mão forte” que arranca dos indivíduos a espontaneidade de escolha da sua forma de vida, também é aquela que mantém hígidos preceitos já ultrapassados. Como já restou demonstrado, o mero ato de proibir, sem qualquer justificativa, atinge objetivos de um país onde a igualdade, o respeito e a liberdade formam um conjunto imperativo e intangível quando se fala em sua relativização.

Com isso, trazer e manter os mesmos ditames assegurados numa sociedade já ultrapassada é conduzir o direito de uma forma disforme dos interesses sociais contemporâneos. A evolução é um caminho necessário e irrefutável. Apenas sob a justificativa de assegurar a proibição à instabilidade social ou proteção ao bem maior da vida é que pode se aceitar qualquer restrição às escolhas do indivíduo. Dizer que, mesmo sendo um desejo inerente a ele viver em convivência paralela resultará na mitigação a direitos que pertenceriam a uma daqueles indivíduos é mitigar a autonomia da vontade.

Diferentemente da tendência jurisprudencial e doutrinária não agiu o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, ao manter decisão prolatada pela Justiça gaúcha que determinou a um ex-companheiro a divisão de bens adquiridos durante o relacionamento concomitante ao casamento, concluindo que, apesar da permanência do casamento formal e paralelo com a esposa, era à companheira que o homem vivia emocional e socialmente vinculado. Segundo a ministra relatora do caso, Nancy Andrighi, a separação e o divórcio teriam decorrido do relacionamento com a ex-companheira. A notícia foi veiculada em 28 de dezembro de 2012 no site do Superior Tribunal de Justiça[30].

Ademais, é preciso ter clareza de que, apesar de muitas vezes recalcada e ignorada, a norma de direito de família não se restringe apenas no seu âmago. Outros ramos do direito sofrem fortes reflexos a partir do seu parâmetro. Dentre tais, o direito previdenciário figura como um dos mais afetados, especialmente diante da sua relevância social de sustentabilidade, ainda mais quando se fala em pensão por morte. O legislador previdenciário anda de mãos dadas, quando se trata desta temática, com o civilista. Aliás, não se pode negar que o direito previdenciário, neste ponto, apresenta maior ousadia, pois sempre está um passo à frente no reconhecimento de direitos de indivíduos que são colocados à margem das relações familiares.

Por sua vez, a evolução trazida pela Constituição Federal quando se fala em união estável foi de pronto abraçada pelo direito previdenciário passando a reconhecer a possibilidade de auferição de benefícios a ele atinente para aquelas pessoas que conviviam em condições análogas ao casamento. O mesmo aconteceu quando se fala em união homoafetiva. O direito previdenciário deu o primeiro passo à frente da doutrina familiar, assegurando ao companheiro do mesmo sexo direitos sociais, antes mesmo da manifestação recentemente adotada pelo STF. Aliás, atualmente, os requerimentos já dispensam a necessidade de ações judiciais podendo ser feitos diretamente pela via administrativa.

Vive-se, atualmente, uma verdadeira turbulência que afeta especialmente os conceitos previamente estabelecidos, seja com relação ao reconhecimento da união homoafetiva pelo STF, culminando com a permissividade pelo Tribunal de Justiça da Bahia da habilitação de casamento homoafetivo, através da edição do Provimento Conjunto – CGJ/CCI – 12/2012, em vigor desde 26 de novembro de 2012; seja através dos novos ditames do divórcio; da alteração de regime matrimonial de bens; da guarda compartilhada; da filiação socioafetiva; e da alienação parental.

Estes “novos direitos” são resultantes de embates ideológicos e fazem parte da evolução da humanidade, motivo pelo qual devem ser respeitados e repensados por toda a sociedade. Vê-se, com todas as modificações sociais, legislativas e jurisprudenciais, que a norma não tem o condão de engessar a sociedade a ponto de impedir que estes avanços sociais – , absolutamente naturais, especialmente no que tange à valorização da tolerância de convivência entre as mais diversas tribos com os mais diferentes tipos de pessoas e personalidades, donde surgem todas as condutas que seriam consideradas anti-sociais – sejam respeitadas por todos.

 

Referências
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Notas:
[1] Em artigo intitulado “A influência do Cristianismo no Conceito de Casamento e de vida Privada na Antiguidade Tardia”, Paula Barata Dias afirma que: “se a intervenção política ou religiosa sobre a vida privada nos parece pouco característica, refiramos que essa não era a tradição clássica pagã, sobretudo numa primeira fase. Estado e religião pouco interferiam na esfera privada. Era soba a alçada do patermilias que, através de uma diversidade de procedimentos se geria a vida privada dos indivíduos. Além disso, com o cristianismo, este controlo externo da vida privada convivia com o insistente apelo, nascido de uma concepção negativa de sexualidade humana às virtudes de castidade e da continência, de que resultava uma sobrevalorização das formas calibatárias de vida. Seriam tempos cristãos, as duas em choque nítido com a tradição pagã e o modo de conceber a liberdade e a dimensão privada dos homens.” (DIAS, Paula Barata. A influência do Cristianismo no conceito de casamento e de vida privada na Antiguidade Tardia. Acessado em 01 de julho de 2012. Disponível em: <. http://www2.dlc.ua.pt/classicos/casamento.pdf >)
[2] Compêndio do Catecismo da Igreja Católica. Disponível em: <http://www.catequisar.com.br/dw/compendio.pdf>. Acessado em 09 de agosto de 2012.
[3] Idem.
[4] Ensina Paula Barata Dias que “Na Epístola aos Efésios, a mensagem suaviza-se e podemos dizer que através da interpretação paulina, o casamento é elevado a dignifica-se pelo caráter sagrado do termo comparativo: o matrimônio é, para Paulo, um sacramentum, símbolo da união mística de Cristo com a Igreja. Pacto sagrado entre duas partes, sinal de união abençoada por Deus, é um espaço de santificação e, como qualquer outro dos sacramentos, indissolúvel. Hoje, é esta a mensagem de Paulo que prevalece: a família como unidade fundada no sagrado é uma representação cósmica da união harmônica entre Cristo e a sua Igreja, e lá começa a educação cristã e santificação do homem. Nestes argumentos repousam actualmente os argumentos mais universais para a perpetuidade dos votos matrimoniais.” (DIAS, Paula Barata. A influência do Cristianismo no conceito de casamento e de vida privada na Antiguidade Tardia. Acessado em 01 de julho de 2012. Disponível em: <. http://www2.dlc.ua.pt/classicos/casamento.pdf >)
[5] Lembra Paula Barata Dias que: “A Bíblia é bastante polifônica na abordagem desta realidade; O AT fala-nos de patriarcas polígamos, como Abraão, que toma a serva Agar como concubina, com o acordo de sua esposa Sara, ou como Jacob que toma por esposas Lia e Raquel. Nestes dois casos, a motivação da fertilidade sobrepõe-se numa sociedade que não parece por obstáculo à poligamia. Já a relação de David com Betsabé e a de Salomão com numerosas estrangeiras são condenadas, a primeira porque se tratou de um adultério agravado pela morte dolosa de Urias, a segunda, porque é a porta de entrada para a idolatria” (DIAS, Paula Barata. A influência do Cristianismo no conceito de casamento e de vida privada na Antiguidade Tardia. Acessado em 01 de julho de 2012. Disponível em: <. http://www2.dlc.ua.pt/classicos/casamento.pdf >)
[6] DIAS, Maria Berenice. Família, ética e afeto. Consulex. Brasília: Consulex, 15 abr. 2004, n. 174. p. 34-35.
[7] SCHREIBER, Anderson. Famílias Simultâneas e Redes Familiares. Disponível em: <http://andersonschreiber.com.br/Anderson_Schreiber/Artigos_files/Schreiber%20-%20Familias.pdf>; acessado em: <01 de set. de 2012>
[8] NAHAS, Luciana Faísca. União homossexual – proteção constitucional. Curitiba: Juruá, 2007, p. 103.
[9] Sobre o tema, Paula Barata Dias afirma que “o divórcio permaneceria o grande traço de divisão entre as duas instituições: entre a Igreja, o Estado e respectivas leis. A Igreja reconhece com facilidade a diferença entre o contrato de natureza civil e que não lhe dizia respeito e o sacramento cristão. Ela dá a sua benção e torna sagrado o contrato no caso de os noivos serem cristão, ou seja, acrescenta algo à sua natureza de contrato natural e civil.
Mas se o divórcio é possível para a união civil, a Igreja considera indissolúvel o laço sacramentado. O divorciado cristão que volte a casar comete adultério, estando sujeito à excomunhão e a pertinência de graus diversos. (DIAS, Paula Barata. A influência do Cristianismo no conceito de casamento e de vida privada na Antiguidade Tardia. Acessado em 01 de julho de 2012. Disponível em: <. http://www2.dlc.ua.pt/classicos/casamento.pdf >
[10] Ibidem, p. 231.
[11] SCHREIBER, Anderson. Famílias Simultâneas e Redes Familiares. Disponível em: <http://andersonschreiber.com.br/Anderson_Schreiber/Artigos_files/Schreiber%20-%20Familias.pdf>; acessado em: <01 de set. de 2012.
[12] HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Família e Casamento em Evolução. In Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese. 1999. v. 1, p.8.
[13] DIAS, Maria Berenice. Adultério, bigamia e união estável: realidade e responsabilidade. Disponível e: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/9522-9521-1-PB.pdf>; acessado em 02 de agosto de 2012.
[14] PINTO, André Luis de Moraes. Políticas públicas promotoras das funções parentais a partir da guarda compartilhada: uma abordagem pelo direito e pela psicanálise. 2008. 224 f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado) – Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, 2008, p. 43
[15] SCHREIBER, Anderson. Famílias Simultâneas e Redes Familiares. Disponível em: <http://andersonschreiber.com.br/Anderson_Schreiber/Artigos_files/Schreiber%20-%20Familias.pdf>; acessado em: <01 de set. de 2012>.
[16] Ainda bem. Composição de Marisa Monte e Arnaldo Antunes.
[17] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 41.
[18] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numeros clausus. In: PEREIRA, Rodrigues Cunha (coord.). Anais do I Congresso Brasileiro de Direito de Família. Repensando o Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.
[19] Destaca-se interessante jurisprudência do STJ que, para a sua época, mostrou-se bastante evoluída e serve para ilustrar a afirmativa em questão já que nela demonstra a necessidade de separação do casal, não apenas pela infringência a deveres do casamento, mas, principalmente, pela identificação da insuportabilidade da vida em comum:
SEPARAÇÃO JUDICIAL – PEDIDO INTENTADO COM BASE NA CULPA EXCLUSIVA DO CÔNJUGE MULHER – DECISÃO QUE ACOLHE A PRETENSÃO EM FACE DA INSUPORTABILIDADE DA VIDA EM COMUM, INDEPENDENTEMENTE DA VERIFICAÇÃO DA CULPA EM RELAÇÃO A AMBOS OS LITIGANTES – ADMISSIBILIDADE. A despeito de o pedido inicial atribuir culpa exclusiva à ré e de inexistir reconvenção, ainda que não comprovada tal culpabilidade, é possível ao Julgador levar em consideração outros fatos que tornem evidente a insustentabilidade da vida em comum e, diante disso, decretar a separação judicial do casal. Hipótese em que da decretação da separação judicial não surtem conseqüências jurídicas relevantes. Embargos de divergência conhecidos, mas rejeitados" (STJ, EREsp 466.329/RS, Relator Ministro Barros Monteiro, Segunda Seção, julgado em 14/09/2005, DJ 01/02/2006, p. 427).
[20] MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, pág. 118.
[21] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Famílias. Volume 6. 4 ed. rev. atual. amp. Salvador: JusPodivm, 2012,  p. 71.
[22] Ibidem, p. 74.               
[23] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Uma principiologia para o direito de família. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord). Família e Dignidade humana. V Congresso Brasileiro de Direito de Família. São Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 850/851.
[24] SILVA FILHO, 2006, p. xxiii
[25] LÔBO, Paulo Direito Civil: Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 5-6.
[26] FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Op. cit., p. 495.
[27] Somente à título de ilustração, a questão que atualmente causa tormentos na jurisprudência do STJ está voltada para a criação e dedicação dos pais aos filhos, o que muitos denominam de abandono afetivo. A linha de pensamento anteriormente desenvolvida versava no sentido de inexistir a possibilidade de indenização por abandono afetivo propriamente dito. Porém, a Ministra Nancy Andrighi revolucionou o posicionamento pacificado inaugurando a viabilidade da indenização a partir de outro viés, ao afirmar que não se trata necessariamente de abandono afetivo mas de descumprimento do dever de cuidado, este inerente à toda relação paterno-filial, conforme se observa na decisão em destaque:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012)
[28] LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 152.
[29] LÔBO, Paulo. Op. cit. p. 151
[30] O número do processo não é divulgado em razão de segredo de justiça. Notícia disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=108198. Acesso em: 06 de janeiro de 2013.>

Informações Sobre o Autor

Lara Rafaelle Pinho Soares

Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Salvador (2010). Especialista em direito Previdenciário pelo JusPodivm. Professora das matérias Prática Jurídica Judicial e Prática Jurídica Extrajudicial da Faculdade Baiana de Direito e Gestão


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