O pluralismo jurídico e as formas alternativas de resolução de conflitos como ferramentas indispensáveis para o acesso pleno à Justiça

INTRODUÇÃO


Atualmente já está vencida a idéia de que a mera possibilidade de acesso aos órgãos judiciais seja o verdadeiro significado da acepção jurídica de acesso à Justiça. Hoje, muito mais do que acesso aos tribunais – de fundamental importância, mas não apto a esgotar todas as vias política e socialmente desejáveis de resolução de conflitos -, o fenômeno do acesso à Justiça deve ser compreendido como a possibilidade material de o ser humano conviver em uma sociedade, onde o Direito e a Justiça são realizados de forma concreta. Seja isso decorrência da manifestação soberana da atuação judiciária do Estado, seja através do estímulo ao uso das formas prévias e alternativas de resolução de conflitos, seja como reflexo das grandes políticas públicas a serem produzidas e efetivadas pela respectiva atuação executiva.


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Note-se que para existir uma efetiva proteção ao acesso à Justiça, é necessário também um trabalho extrajudicial visando cientificar toda a sociedade de seus direitos e deveres, bem como uma real proteção aos direitos humanos fundamentais estejam eles ou não tipificados na Constituição da República Federativa do Brasil.


Tais direitos dizem respeito a questões que atingem toda a sociedade, e podem servir de ferramentas às organizações da sociedade civil para pressionar o Estado, buscando a realização de políticas públicas eficientes, ou para coibir atos que desrespeitem os direitos dos cidadãos.


Essas são apenas algumas das formas de luta por uma sociedade mais justa, utilizando o Direito aproximado da idéia de Justiça não apenas como forma de resolução de conflitos individuais, mas também como uma força transformadora disponibilizando à sociedade os instrumentos jurídicos necessários à proteção de seus direitos.


Essencial para o desenvolvimento social, o Poder Judiciário vem sofrendo, nos dias atuais, diversas críticas. A morosidade e formalidade de seus procedimentos, a existência de um ambiente impessoal e distante da realidade social sempre são destacados e ajudam a distanciar ainda mais esse importante poder estatal da realidade que deveria defender. Por isso no Brasil, mais do que em países ricos, o acesso à Justiça dependerá em grande parte da estruturação e fortalecimento das várias modalidades de tutela diferenciada que poderão atuar previamente ao judiciário.


A tutela diferenciada abrange os meios alternativos de solução de conflitos, como a mediação, a arbitragem e a justiça interna das associações.


No Brasil, a arbitragem e a mediação vêm progredindo como conseqüência da crise da administração da justiça, seja na figura dos conciliadores ou juízes leigos dos juizados especiais, seja, principalmente, na figura dos chamados juízos arbitrais. O sucesso dos mecanismos de resolução prévia dos conflitos, voluntários ou compulsórios, dependerá entretanto, fundamentalmente de sua credibilidade e da sua aptidão na geração de soluções que satisfaçam aos contendores.


O enquadramento dessas formas alternativas de resolução de conflitos no quadro geral da Justiça não é fácil uma vez que o Estado, ao vê-las como formas de obstar conflitos sociais de uma forma diferenciada, pré-processual, pode ter a impressão de estar lidando com um poder paralelo em que não é necessária a intervenção estatal.  Na verdade, o que essas formas alternativas e prévias de resolução de conflitos demonstram é que existem situações que a sociedade é capaz de resolver por si, não necessitando, portanto, de que o Estado mova a máquina judiciária, que continua tendo um papel protetivo mas, que ainda hoje, possui falhas e se mantém um tanto quanto afastada dos reais problemas sociais.


Unindo forças, a sociedade e o poder público dão um passo importante com vistas à transformação do Direito e da Justiça. Resgatando-se o respeito ao pluralismo das relações sociais e aos anseios da sociedade, garantindo a ela acesso pleno à Justiça, o Governo passa a ser visto mais presente e próximo da realidade que se apresenta. Por outro lado, repassando-se à sociedade parcela de responsabilidade na resolução dos seus conflitos sociais, garantem-se também formas para se buscar a paz e o desenvolvimento social tão almejado por todos. O que se vislumbra afinal, é que o acesso à Justiça, em nosso país, seja realmente defendido e buscado por todos. Seja através do Poder Judiciário, como meio estatal garantidor e efetivador do acesso à Justiça; seja através das formas alternativas extrajudiciais e prévias de resolução de disputas, utilizadas pela própria sociedade.


1. O Pluralismo jurídico e as formas prévias e extrajudiciais de resolução de conflitos


A ciência jurídica, principalmente no campo do Direito Constitucional, da Filosofia Jurídica e da Hermenêutica Jurídica, tem, modernamente, voltado sua atenção aos princípios e valores fundamentais e também à ânsia da sociedade, objetivando um Direito que seja acima de tudo mais acessível e humano. É através desse anseio, que brota do desejo da própria sociedade, que surge a idéia do Pluralismo Jurídico, cuja principal característica é designar uma grande quantidade de fenômenos heterogêneos entre si. O significado real desse substantivo é o uso de normas diferentes das instituídas pelo Estado.


Pluralidade segundo o dicionário Aurélio é a multiplicidade, o maior número, o geral, sendo o pluralismo a “doutrina que atribui aos fenômenos cosmológicos e aos históricos uma pluralidade de causas”.[1]


Nesse sentido é correto afirmar que a sociedade por si só é um fenômeno repleto de pluralidades – pluralidade de interesses, de culturas, de valores -, devendo assim, respeitando e aceitando a individualidade de cada um de seus cidadãos, estar apta a assumir a resolução de seus conflitos de maneira também pluralista, sempre sob os auspícios do Estado.


Conforme palavras de Miguel Reale,


A rigor, admitida a sociedade civil como uma pluralidade descentralizada de formas de produção, também o Direito, como superestrutura, deveria se desenvolver segundo experiências múltiplas e abertas, sem a necessidade de sujeição às leis do Estado.[2]


Assim, podemos verificar que o Pluralismo Jurídico pode ser considerado um sistema de decisão complexa envolvendo um “cruzamento multidisciplinar” entre a normatividade (Direito) e o poder social (Sociedade), obviamente, considerando a interação do “jurídico” com outros campos do conhecimento e buscando, acima de tudo, a proteção aos direitos fundamentais de toda a sociedade.


Esse pluralismo relaciona-se diretamente às formas alternativas de resolução de conflitos. Segundo Dora Fried Schnitman,


A consciência crescente da trama plural da cultura contemporânea, da diversidade, da sobreposição de linguagens, tempos e projetos, impõe uma necessidade cada vez maior de encontrar métodos que detectem as ligações, as articulações, não só como uma receita técnica para resolver conflitos, mas também como um princípio orientador – um paradigma – que outorgue tanta força à articulação e à integração como à distinção e à oposição. As metodologias para a resolução de conflitos tornam-se um instrumento para repensar a própria cultura, a transformação dos discursos institucionais e culturais.


As realidades e práticas sociais nas quais predominam o confronto e a luta coexistem com outras realidades sociais em que indivíduos, famílias, instituições, empresas, comunidades – e até nações – tenham construído espaços sociais de diálogo sem por isso deixar de lado seus traços distintivos ou suas diferenças.


As práticas que fazem parte da resolução alternativa de conflitos consistem em destrezas e habilidades transversais que operam na diversidade, à margem, nas interconexões. Sua proposta orientadora considera que o conflito é também uma oportunidade de crescimento e desenvolvimento. Superando lógicas binárias, essas práticas se interessam pelas possibilidades criativas que brindam as diferenças, a diversidade e a complexidade. [3]


Pluralismo esse que na atualidade ganha ainda mais importância pelo nascimento de situações inovadoras que adquirem dinâmica própria e que estão permeadas de diferentes conteúdos mais complexos e em constante transformação. Assim, destaca Carlos Maria Cárcova que,


As situações de pluralismo jurídico oferecem, hoje, naturalmente, uma quantidade de alternativas e variantes que eram simplesmente impensáveis nas primeiras décadas deste século, quando começaram a ser discutidas. As categorias teóricas, por sua vez, a partir das quais é possível fazer uma leitura passaram por grandes transformações. Por esta razão, é prudente ter cautela, em vista de interpolações fáceis e fatalmente redutivas. Imaginemos, só a título de exemplo, os modelos epistêmicos utilizados pelas ciências sociais nos anos 20 comparando-os com as matrizes atuais multi e transdisciplinares; imaginemos o predomínio, nas ciências jurídicas dos meados deste século, do esquema explicativo causalidade-imputação, ser-dever/ser comparando-o com a multiplicidade de alternativas lingüísticas, hermenêuticas, compreensivas, críticas, semióticas, sistêmicas etc., que formam a produção especializada deste momento, as quais, de uma forma ou de outra, põem em crise aquele predomínio paradigmático. [4]


Nesse sentido, salientamos o trabalho de Antonio Carlos Wolkmer[5] que defende o pluralismo jurídico como forma de aproximar, novamente, o Direito dos anseios sociais, fazendo assim renascer a idéia de Justiça.


Segundo Wolkmer,


(…) pluralismo jurídico pode consistir na globalidade do direito de uma dada sociedade, possibilidade não muito freqüente, ou tão-somente num único ou em alguns ramos do Direito, hipótese mais comum. Pode-se ainda consignar que sua intenção não está em negar ou minimizar o Direito estatal, mas reconhecer que este é apenas uma das muitas formas jurídicas que podem existir na sociedade. Deste modo, o pluralismo legal cobre não só práticas independentes e semi-autônomas, com relação ao poder estatal, como também prática normativas oficiais/formais e práticas não-oficiais/informais. A pluralidade envolve a coexistência de ordens jurídicas distintas que define ou não relações entre si. O pluralismo pode ter como meta práticas normativas autônomas e autênticas geradas por diferentes forças sociais ou manifestações legais plurais e complementares, reconhecidas, incorporadas e controladas pelo Estado.


Naturalmente que o pluralismo jurídico tem o mérito de demonstrar de modo abrangente, de um lado a força e a autenticidade prático-teórico de múltiplas manifestações normativas não-estatais originadas dos mais diferentes setores da estrutura societária, de outro, a revelação de toda uma rica produção legal informal e insurgente a partir de condições materiais, lutas sociais e contradições classistas ou interclassistas. Num determinado espaço social periférico marcado por conflitos, privações, necessidades fundamentais e reivindicações, o pluralismo jurídico pode ter como objetivo a denúncia, a contestação, a ruptura e a implementação de “novos” Direitos.[6]


O Direito não precisa necessariamente nascer do Estado para ter validade; pelo contrário, o Direito pode e, muitas vezes, deve nascer da sociedade e atingir a própria sociedade – respeitado e assegurado pelo Estado – como forma de unir definitivamente o Direito ao ideal de Justiça.


É de se destacar que o pluralismo justifica-se como um novo paradigma na medida em que os anseios, os problemas e os direitos de toda a coletividade não estão em real sintonia com as leis emanadas do poder estatal. Direitos não são protegidos nem efetivados, problemas não são resolvidos, anseios da sociedade tornam-se utopias, inimagináveis de serem alcançadas pela cultura jurídica dominante. Assim, segundo Wolkmer,


(…) a cultura jurídica brasileira é marcada por uma tradição monista de forte influxo kelseniano, ordenada num sistema lógico-formal de raiz liberal-burguesa, cuja produção transforma o Direito e a Justiça em manifestações estatais exclusivas. Esta mesma legalidade, quer enquanto fundamento e valor normativo hegemônico, quer enquanto aparato técnico oficial de controle e regulamentação, vive uma profunda crise paradigmática, pois vê-se diante de novos e contraditórios problemas, não conseguindo absorver determinados conflitos coletivos específicos (…). Assim, o centralismo jurídico estatal montado para administrar conflitos de natureza individual e civil torna-se incapaz de apreciar devidamente os conflitos coletivos de dimensão social, ou seja, conflitos configurados por mais de um indivíduo, grupos ou camadas sociais. A estrutura legal tem procurado historicamente minimizar e desqualificar a relevância de toda e qualquer manifestação normativa não-estatal, consagradoras da resolução de conflitos por meio de instâncias não-oficias ou não reconhecidas institucionalmente. [7]


Nesse sentido, torna-se correto afirmar que o direito ao acesso à Justiça está incluído nos direitos de dimensão social, mesmo que trate da solução de disputas entre pessoas individuais. Esse posicionamento torna-se ainda mais relevante quando tomamos por base a resolução dos conflitos entre seres humanos, pois, humanizando-se a disputa, trazemos à tona o almejado resgate do ser humano como núcleo central a ser defendido quando há um conflito, resgatando-se também o direito fundamental e de dimensão social do respeito, acima da tudo, da dignidade humana. Defende-se, por conseguinte, a necessidade dos métodos alternativos de resolução de conflitos, destacando-se o uso da mediação como forma prévia ao Poder Judiciário para a resolução e humanização dos conflitos, principalmente quando verificamos que o acesso à Justiça não é plenamente efetivado pelo Estado.


Em momento algum a aceitação da mediação e da arbitragem como formas prévias ao Poder Judiciário na resolução de conflitos têm o condão de substituir ou de tornar menos importante a instância estatal como responsável pela solução dos conflitos. Pelo contrário, desejamos com essa visão demonstrar a necessidade de um novo pensamento no qual a Justiça, acima até mesmo do direito, ganhe importância e onde o Estado, assumindo seu papel, em consonância com os anseios sociais, resguarde e aplique o Direito, sem deixar de lado, porém, a aceitação da idéia mais abrangente de Justiça.


Nesse sentido Wolkmer destaca o pluralismo como integrador, unindo indivíduos, sujeitos coletivos e grupos organizados em torno de interesses e necessidades comuns possuíndo o desafio de construir uma nova hegemonia que equlibre o predomínio da vontade geral com a vontade individual sem negar o pluralismo dos interesses particulares envolvidos na questão.[8]


Isso denota um “pluralismo de sujeitos coletivos” que na produção das normas e resolução de conflitos não tem como objetivo substituir o Estado, mas sim redefinir as relações entre o poder de regulamentação do Estado e o esforço desafiador de auto-regulação dos movimentos sociais.[9]


Pelo exposto, torna-se necessário e até mesmo indispensável o respeito e a aceitação das formas alternativas e extrajudiciais de resolução dos conflitos para que consigamos, almejando o ideal maior de justiça, trazer novamente à sociedade condições para que ela possa buscar, de maneira real e concreta, a resolução efetiva dos seus próprios conflitos. A multiplicidade dos aspectos que envolve o convívio social, deve ser levada em consideração, pois somente assim, respeitando-se as diferenças marcantes que permeiam o ambiente social de nosso país, é que poderemos oferecer a todos uma verdadeira e adequada Justiça. O Poder Judiciário continuará tendo papel de extrema relevância como garantidor dos direitos dos cidadãos; porém, face às mudanças e transformações que ocorrem continuamente na sociedade, não pode ser considerado como o único local apropriado para a resolução dos conflitos que se apresentam.


Segundo Isabel Oliveira,


(…) estes meios alternativos de resolução de litígios permitem aliviar os Tribunais Judiciais, mas, sobretudo, tornar a resolução deste tipo específico de conflitos mais simples e flexível, mais próxima dos cidadãos, mais rápida e com menores custos, permitindo resolver aqueles litígios que, de alguma forma, não chegariam ao sistema judicial.


Essencial é, no entanto, não pretender que estes meios resolvam os problemas do sistema judicial ou sequer o substituam, ou mesmo criar uma “justiça de segunda categoria”, mais barata, para aqueles que não podem, por falta de recursos econômicos, recorrer ao sistema judicial. [10]


Nesse sentido, aceitando o uso, por parte da sociedade, principalmente da mediação como forma prévia de resolução de conflitos, motivando a criação, fiscalizando e colaborando com a qualidade das instituições privadas que utilizam os meios extrajudiciais de resolução de conflitos, o Estado brasileiro estaria mais próximo de oferecer o acesso à Justiça, almejado por todos.


2. Os meios alternativos de resolução de conflitos: características e sua importância para o acesso pleno à Justiça


A tutela diferenciada abrange os meios alternativos de solução de conflitos, como a mediação, a negociação, a arbitragem e a justiça interna das associações.


Para um estudo mais completo sobre o tema torna-se necessário que façamos algumas considerações sobre os métodos alternativos de resolução de disputas. Nesse sentido, é importante destacar os aspectos gerais e a conceituação e diferenciação entre a mediação, a conciliação, a negociação e a arbitragem pois cada um possui características próprias e não podem ser confundidos.


A negociação é o processo no qual as partes tentam solucionar o conflito real ou supostamente existente, encontrando soluções que agradem a ambos. Esse tipo de entendimento é, na verdade, uma troca de informações e dados entre as partes, de maneira direta, com o intuito de que cada um consiga o que almeja.


Segundo palavras de Christopher W. Moore,


A negociação é um relacionamento de barganha entre as partes que têm um conflito de interesses suposto ou real. Os participantes se unem voluntariamente em um relacionamento temporário destinado a informar um ao outro sobre suas necessidades e interesses, trocar informações específicas ou resolver questões menos tangíveis, tais como a forma que o seu relacionamento vai assumir no futuro ou o procedimento pelo qual os problemas devem ser resolvidos. [11]


Para Lília Maia de Moraes Sales é importante destacar que a negociação é um procedimento muito comum no cotidiano, sendo um acontecimento natural é, antes de tudo, uma conseqüência da própria relação e comunicação do ser humano. [12]


Diferenciando-se da negociação, a mediação se destaca por tentar solucionar o conflito buscando trazer às partes uma compreensão maior da disputa – que não se limita a simples caracteres jurídicos -, auxiliando-as, através de um terceiro que facilita a comunicação entre elas, a buscar a solução mais adequada para o problema que se apresenta.


Conforme palavras de Lília Maia de Moraes Sales,


A mediação (…), representa uma autocomposição assistida, o processo pelo qual uma terceira pessoa facilita a comunicação entre as partes, almejando a solução e a prevenção de conflitos. O mediador é quem oferece, através de seus métodos próprios, maior solução satisfatória de conflitos.


É autocomposição porque são as próprias partes que discutirão e comporão as controvérsias. É assistida, pois existe a presença do mediador durante todo o processo de mediação. [13]


Juan Carlos Vezzulla destaca na mediação a importância das próprias partes buscarem uma compreensão mútua para melhor solução da controvérsia. Vezzulla também demonstra a importância do mediador, como terceiro facilitador dessa comunicação e compreensão entre as partes. Segundo ele,


A mediação é a técnica privada de solução de conflitos que tem demonstrado, no mundo, a sua grande eficácia nos conflitos interpessoais, pois, através dela, são as próprias partes que encontram as soluções. O mediador somente as ajuda a procurá-las, introduzindo, com suas técnicas, os critérios, os raciocínios que lhes permitirão um melhor entendimento.


A mediação é uma técnica não contenciosa de resolução de conflitos que, sem imposição de sentenças ou decisões arbitrais e através de um profissional devidamente formado, auxilia as partes a buscarem os seus verdadeiros interesses e a preservarem-nos num acordo criativo, em que ambas ganhem.[14]


Próxima à idéia de mediação, mas não podendo ser confundida com ela, temos a conciliação que também é uma forma consensual de resolução de conflitos. Embora muito utilizada dentro do processo judicial, trata do conflito apenas de maneira superficial, sem entrar nos pormenores psicológicos ou sociais que possam interferir e colaborar para a resolução do conflito que se apresenta.


Lília Maia de Moraes Sales destaca que,


A conciliação é uma forma consensual de resolução de conflitos semelhante à mediação, porém não se pode confundi-las, especialmente na cultura do povo brasileiro.


No Brasil, a conciliação é normalmente exercida por força de lei e obrigatoriamente por servidor público, que se adjudica do poder e autoridade conferidos legalmente ao seu cargo para facilitar a resolução do litígio. O conciliador privado aparece com o advento da Lei n. 9.958/00, que trouxe o conciliador, eleito pelos trabalhadores nas empresas, para compor as comissões de conciliação prévia, com os conciliadores indicados pela empresa, ou comissões intersindicais de conciliação, neste caso escolhidos pelos sindicatos dos trabalhadores.


(…) Na conciliação o objetivo é o acordo, ou seja, as partes, mesmo adversárias, devem chegar a um acordo para evitar um processo judicial. Na mediação as partes não devem ser entendidas como adversárias e o acordo é conseqüência da real comunicação entre as partes. Na conciliação o mediador sugere, interfere, aconselha. Na mediação, o mediador facilita a comunicação, sem induzir as partes ao acordo.


Na conciliação resolve-se o conflito que se expõe, não cabendo ao conciliador apreciá-lo com profundidade, verificando o que há além dele. E ainda o conciliador intervém muitas vezes no sentido de forçar um acordo. Na mediação é preocupação primeira do mediador verificar todo o contexto do conflito, tratando-o, analisando os fatos e transformando o real conflito, não podendo o mediador forçar qualquer acordo. O acordo deve nascer porque as partes decidiram assim e não por intervenção de terceiro. [15]


A conciliação é tratada como mera formalidade do processo, resumindo-se, quando utilizada judicialmente, apenas a dar fim, quando isso, à demanda judicial que se apresenta, sem adentrar em questões subjetivas que têm relação direta com o conflito.


Assim como a conciliação, que já é aceita e está tipificada no sistema jurídico nacional – Lei 9.099/95 (Juizados Especiais), Lei 9.958/00 (Comissões de conciliação prévia), Lei 5.869/73 (Código de Processo Civil) entre outras -, a arbitragem possui lei específica que a regulamenta no Brasil. Segundo a Lei 9.307/96 a arbitragem pode ser utilizada por todas as pessoas capazes de contratar, servindo para dirimir conflitos sobre direitos disponíveis.


Moore destaca, com relação à arbitragem que,


A arbitragem é termo genérico para um processo voluntário em que as pessoas em conflito solicitam a ajuda de uma terceira parte imparcial e neutra para tomar uma decisão por elas com relação a questões contestadas. O resultado pode ser consultivo ou compulsório. A arbitragem pode ser conduzida por uma pessoa ou por um conselho de terceiras partes. O fato crítico é que elas sejam externas ao relacionamento em conflito.


A arbitragem é um processo privado em que os procedimentos, e frequentemente o resultado, não estão abertos ao escrutínio público. As pessoas em geral escolhem a arbitragem devido a sua natureza privada e também porque ela é mais informal, menos dispendiosa e mais rápida que um processo judicial. Na arbitragem, as partes quase sempre podem escolher seu próprio árbitro ou conselho de árbitros, o que lhes dá mais controle sobre a decisão do que se a terceira parte fosse indicada por uma autoridade ou agência externa.[16]


Segundo John W. Cooley, a mediação e a arbitragem são, na atualidade, os dois principais processos no amplo espectro dos meios para resolver disputas, os chamados meios de resolução alternativa de disputas ou, em inglês, alternative dispute resolution (ADR)[17]. Devem, contudo, ser diferenciados, pois não se confundem.


Para Cooley,


A mediação pode ser definida como um processo em que um terceiro desinteressado (ou parte neutra) ajuda os contendores na consecução de um acerto voluntário quanto a suas diferenças por meio de um acordo que pauta seu comportamento futuro. Os ingredientes essências da mediação clássica eram (1) seu caráter voluntário – uma parte pode rejeitar o processo ou seus resultados sem que haja repercussões – e (2) a neutralidade do mediador, ou sua total falta de interesse no deslinde. A arbitragem, por outro lado, pode ser definida como um processo em que uma ou mais partes neutras chegam a uma decisão após ouvir argumentações e examinar provas. A distinção essencial entre os dois processos reside em quem toma a decisão que promove a resolução da disputa para as partes. Na mediação, as partes participam de um processo conjunto de tomada de decisão. Na arbitragem, as partes abrem mão de seu direito à tomada de decisão em favor da parte neutra, que toma a decisão por elas. [18]


Através dos conceitos colacionados acima, alguns pontos podem ser destacados.


Iniciando pela negociação, observamos um aspecto crescente da intervenção de uma terceira parte no conflito que se apresenta. É fácil, todavia, observar que, enquanto na negociação as partes trocam informações, visando a um acordo que interesse a ambas as partes, na arbitragem acontece uma verdadeira sentença extrajudicial que vinculará os contendores. Enquanto na mediação o formalismo e a legalidade são deixadas em segundo plano para se entender o núcleo do conflito, na conciliação e principalmente na arbitragem, como utilizadas no Brasil, existem leis próprias que devem ser seguidas.


Observa-se, ainda, que a negociação, a mediação e a arbitragem são meios extrajudiciais de resolução de conflitos, podendo ser utilizados também na esfera judiciária; a conciliação, por sua vez é um modo judiciário e alternativo de resolução de conflito, chegando a ser utilizada também extrajudicialmente.


Com relação ao cumprimento dos acordos e decisões, tanto na negociação como na mediação, não são obrigatórios, porém, como as partes voluntariamente conseguiram entrar em diálogo e resolver o conflito de maneira satisfatória, a conseqüência natural é que cumpram o que foi acordado. Ressalte-se que, se as decisões estiverem permeadas de aspectos jurídicos, o não cumprimento do acordo poderá ser questionado judicialmente; já na conciliação é necessária a homologação do acordo pelo poder judiciário, o que torna o acordo realizado obrigatório. Na arbitragem, mesmo não existindo a necessidade de homologação pelo poder judiciário, a decisão arbitral tem força de título executivo judicial e o não cumprimento do acordo ou determinação estipulada pode ocasionar responsabilização perante o Poder Judiciário.


CONCLUSÃO


A reflexão trazida demonstrou a importância de uma nova visão do direito fundamental do acesso pleno à Justiça que não deve se resumir ao simples acesso ao Poder Judiciário.


Fundamentado em pesquisa teórica pôde-se apresentar o pluralismo jurídico como novo paradigma de Justiça onde a sociedade, com suas transformações, tem importância ativa na elaboração do Direito. Tal Direito, partindo do seio social, encontra-se mais próximo das relações humanas cotidianas e dos seus conflitos estando apto juntamente com as formas prévias e alternativas de resolução de conflitos a oportunizar uma Justiça que se aproxime da ideal. Demonstrou-se também que o respeito à pluralidade de fatores que está presente nas relações entre seres humanos é indispensável para que tenhamos uma solução adequada e justa dos conflitos que se apresentam e fazem parte da vida em sociedade.


Como demonstrado no decorrer do presente artigo o acesso à Justiça como direito fundamental deve ser pensado cotidianamente como forma de todos os seres humanos terem possibilidade de resolver seus conflitos e seus anseios, pacificamente, sempre protegidos pelo Estado.


É nesse sentido que se defende o uso das formas alternativas de resolução de conflitos que, previamente ao Poder Judiciário, podem solucionar grande parte dos problemas ocorrentes nas relações sociais, outrossim, estando mais perto da realidade que se apresenta, tem o poder de estimular e resgatar nas pessoas a sua importância como cidadãos. A idéia principal é estimular a sociedade a buscar os melhores caminhos para resolver os seus conflitos através do diálogo, conduzidos principalmente pela mediação que proporciona um espaço para que os lados envolvidos encontrem, por si mesmos, um acordo mutuamente aceitável, através de indagações, pedidos de explicação e muito diálogo.


Resolver os conflitos, numa esfera pré-processual, pode ajudar o Poder Judiciário, evitando um aumento ainda maior na longa fila de processos a serem apreciados e julgados. Ao mesmo tempo, isso pode criar na população um sentimento de que os problemas podem ser resolvidos e, o melhor, através do diálogo, construindo-se, portanto, uma cidadania mais forte, mais efetiva, equipando a comunidade com os meios necessários para a proteção dos direitos fundamentais e para o pleno exercício da cidadania.


Por fim, salienta-se, também, que o Poder Judiciário, no século XXI, há de exercer suas atribuições de acordo com a necessidade do cidadão, em um regime democrático, visando à proteção de seus direitos fundamentais, com absoluto respeito aos seus desejos de valorização da paz nas relações humanas, e da sua dignidade. Para isso, as estruturas processuais devem ser modernizadas, novos meios de resolução de conflitos devem ser buscados, o Judiciário deve se aproximar da sociedade, respeitando e convocando, além das instituições privadas de arbitragem e mediação, a Igreja, os Sindicatos, as Organizações sociais e, principalmente, as Universidades, para que, em sistema de colaboração a ser definido legalmente, prestem assistência de natureza conciliatória, arbitral e mediatória, tendo força para a resolução dos conflitos sociais que se apresentam no seio da sociedade.


Nesse sentido, cabe à população brasileira juntamente com o Governo, o papel de contribuir para um debate permanente em busca de um país mais justo e fiel ao projeto constitucional de garantia dos direitos fundamentais entre eles o acesso pleno à Justiça.      


 


Referências bibliográficas:

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________. Pluralismo Jurídico: novo paradigma de legitimação. Disponível URL http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=646, capturado em 14 de abril de 2006.


Notas:

[1] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 1348.

[2] REALE, Miguel. Direito natural/ direito positivo. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 52.

[3] SCHNITMAN, Dora Fried. Novos paradigmas na resolução de conflitos. In: SCHNITMAN, Dora Fried e LITTLEJOHN, Stephen (Org.). Novos Paradigmas em mediação. Trad. Marcos A. G. Domingues e Jussara Haubert Rodrigues. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999, p. 20.

[4] CÁRCOVA, Carlos Maria. A opacidade do direito. 1998, p. 63.

[5] WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no direito. 2ª. ed. São Paulo: Alfa Omega, 1997, passim.

[6] Id., Ibid., 1997, p. 198-199.

[7] WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no direito. 1997, p. 86-87.

[8] WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: novo paradigma de legitimação. Disponível URL http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=646, capturado em 14 de abril de 2006, p. 8.

[9] WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico: novo paradigma de legitimação. 2006, p. 8.

[10] OLIVEIRA, Isabel. Resolução de litígios emergentes de acidentes de viação. In: CUNHA, Pedro (Org.). Actas do colóquio de mediação: uma forma de resolução alternativa de conflitos. Portugal, Porto: Universidade Fernando Pessoa, 2004, p. 113.

[11] MOORE, Christopher W. O processo de mediação: estratégias práticas para a resolução de conflitos. 2. ed., Trad. Magda França Lopes. Porto Alegre: Artmed, 1998, p. 22.

[12] SALES, Lília Maia de Moraes. Justiça e Mediação de Conflitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 37.

[13] Id., Ibid., p. 40.

[14] VEZZULLA, Juan Carlos. Mediação: teoria e prática: guia para utilizadores e profissionais. 1. ed., Portugal, Lisboa: Agora Publicações, 2004, p.19-20.

[15] SALES, Lília Maia de Moraes. Justiça e Mediação de Conflitos. 2003, p. 37-38.

[16] MOORE, Christopher W. O processo de mediação: estratégias práticas para a resolução de conflitos. 1998, p. 23.

[17] COOLEY, John W. A advocacia na mediação. Trad.  René Loncan. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001, p. 24.

[18] COOLEY, John W. A advocacia na mediação. 2001, p. 24-25.

Informações Sobre o Autor

Mateus Faeda Pellizzari

Advogado paranaense, Mestre em Direito pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro – Jacarezinho/PR, coordenador do Programa Pró-Egresso da cidade de Jacarezinho e Região


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Equipe Âmbito Jurídico

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