Resumo: A atuação do Ministério Público nos Procedimentos de Investigações Criminais, os chamados PICs, tem provocado uma verdadeira polêmica sobre o poder do parquet de atuar de forma livre e independente nesse campo de atividade prevista, até então, pela Constituição, como atuação voltada para as polícias judiciárias. A Constituição Federal não prevê a atuação do Ministério Público dessa forma, dando-lhe expressamente poderes para investigações cíveis. No entanto, sob o argumento dos poderes implícitos, vem o MP atuando sozinho em investigações criminais, excluindo a polícia judiciária dos procedimentos, baseando-se na Resolução 13, criada pelo próprio Conselho Nacional do Ministério Público. Esse artigo vai analisar os poderes e prerrogativas do Ministério Público para entender até onde vão os seus limites. A metodologia a ser empregada será a teórico-descritiva, com revisão bibliográfica e análise legal e jurisprudencial.
Palavras-chave: Investigação do Ministério Público; Poderes do Ministério Público; Procedimentos de Investigações Criminais do MP.
Abstract: The role of the Public Prosecution Procedures in Criminal Investigations, called PICs, has caused a real controversy over the power of the parquet to act freely and independently in this field of activity provided so far by the Constitution, such as action oriented police judicial. The Federal Constitution does not provide the performance of the prosecution thus giving you expressly empowered to civil investigations. However, under the plea of implied powers, comes the MP acting alone in criminal investigations, excluding the judicial police procedures, based on Resolution 13, created by the National Public Prosecutor's Office. This article will examine the powers and prerogatives of the prosecutor to understand the desire to push their limits. The methodology to be used will be the theoretical and descriptive, with literature review and legal and jurisprudential analysis.
Keywords: Research prosecutors, Powers of Attorney General; Procedures Criminal Investigations MP;
INTRODUÇÃO
É notório que o Ministério Público vem ganhando cada vez mais espaço no cenário brasileiro, especialmente nos últimos anos quando começou a realizar investigações criminais com foco no combate à corrupção. Sua atuação geralmente desencadeia operações midiáticas e os membros do parquet utilizam com bastante frequência os meios de comunicação para divulgar os resultados de suas incursões no seio das investigações criminais.
Ocorre que tais ações têm provocado reações em parte da sociedade, não por defender a impunidade ou a corrupção (como gosta de taxar o MP, em suas campanhas em defesa da prerrogativa dessa nova função ministerial), mas por entenderem que a atuação do Ministério Público como vem sendo desenvolvida provoca insegurança jurídica por uma atuação à margem da legalidade.
O fato é que o MP baseia-se numa resolução do próprio órgão para nortear suas ações em investigações criminais. Assim, a Ordem dos Advogados do Brasil, com parecer favorável da Advocacia Geral da União, ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra a Resolução que criou os superpoderes de investigação para o MP. Além disso, outras ações, com repercussão geral, tratam o tema de forma incidente e têm levantado o debate sobre o assunto.
Por entender fundamental os rumos desse debate para o futuro da atuação do MP, este artigo analisa o tema e aponta alguns riscos do superpoder ministerial, que inclusive vem demonstrando desrespeito aos direitos individuais fundamentais constitucionais de seus investigados, o que traz à reflexão sobre a possibilidade de uma ditadura do MP ou o medo da volta de um Estado de Exceção, com acusadores que sozinhos investigam, denunciam, expõem os investigados à execração pública, manipulam a opinião pública e pressionam o judiciário para a condenação final, mitigando a defesa e invertendo o ônus da prova: “se for inocente prove”.
A problemática consiste em analisar, segundo a Constituição Federal, doutrina e jurisprudência, até onde vai o poder do Ministério Público. Não sem antes apontar a origem e desenvolvimento do MP, discorrer sobre o que é a investigação criminal e qual seu papel e por fim adentrar no mérito se goza o Ministério Público de previsão legal para realizar tal função.
1 – O MINISTÉRIO PÚBLICO
O surgimento do Ministério Público no Brasil data do período colonial, século XVII, tempo das Ordenações Filipinas. Ligado ao velho Direito português, existia o cargo de Promotor de Justiça incumbido de zelar pela Jurisdição Civil. Nessa época, bem como no Brasil-Império, não se podia falar da instituição do Ministério Público nem de independência ou garantia dos promotores, que eram meros agentes do Poder Executivo atuando com procurador da Coroa.
Em 1824, a Constituição ampliou o leque de ação do promotor, atribuindo-lhe a acusação no juízo de crimes comuns. Oito anos depois com o Código de Processo Criminal do Império, foi criada uma seção reservada aos promotores trazendo requisitos de nomeação e principais atribuições, sendo confirmadas as prerrogativas com a reforma do código em 1841 que passou a exigir que os promotores fossem nomeados pelo imperador ou pelos presidentes nas províncias, entre “bacharéis idôneos” (MAZZILLI, 2007. P.41).
A primeira Constituição da República, em 1891, também tratou do MP quando fez referência à possibilidade do procurador-geral na iniciativa da revisão criminal pro reo e sua escolha seria feita pelo presidente da República entre ministros do Supremo Tribunal Federal.
Em 1934, o MP ganhou status institucional e recebeu capítulo à parte como órgão de cooperação nas atividades governamentais. A constituição também estabeleceu garantias aos membros da instituição e impedimentos, além de prever lei federal para organizar o funcionamento do Ministério Público.
Em 1941, com o Código de Processo Penal, o MP conquistou o poder de requisição de inquérito policial e diligências, passando a ser regra sua titularidade na promoção da ação penal pública. Além disso, foi-lhe conferida também a tarefa de fiscalizar e promover a execução da lei.
A Constituição de 1937, outorgada na Ditadura de Getúlio Vargas, não acrescentou nada ao poder ministerial. Já a de 1946 voltou a dar relevo o MP conferindo-lhe título próprio, regras de organização, acesso à carreira por concurso público e a representação de inconstitucionalidade pelo procurador-geral.
De 1964 a 1967, com o golpe militar, o Ministério Público foi colocado como seção do capítulo do Poder Judiciário. Já em 1969, depois de mais um golpe, o MP vira capítulo do Executivo, com crescimento das atribuições do chefe do Ministério Público da União, nomeado e demitido livremente pelo presidente da República.
Em 1977 com a decretação da Emenda Constitucional 7, o procurador-geral ganhou mais poderes e foi prevista lei complementar para estabelecer normas Gerais de organização do MP.
Finalmente a Constituição de 1988, que conceitua o Ministério Público como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, estabelece garantias e prerrogativas e atribui as competências.
2 – A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NO BRASIL
Segundo o Dicionário Aurélio, investigação significa “conjunto de atividades e diligências tomadas com o objetivo de esclarecer fatos ou situações de direito”. Já a investigação criminal, pode-se afirmar, que é o conjunto de diligências com o intuito de esclarecer a existência de um crime, determinar seus agentes, a responsabilidade deles e recolher provas que viabilizem o exercício da ação penal pelo Estado.
No Brasil, a investigação criminal é o objeto do Inquérito Policial. Estruturado no Direito brasileiro pelo decreto n° 4.824 de 1871, o inquérito policial surgiu fruto de uma preocupação do Estado monárquico com os direitos e garantias individuais, pois era comum haver abusos por parte de autoridades com função judicante de formação de culpa.
Segundo Paulo Rangel (2013, página 71), “a verdade é que o inquérito policial tem uma função garantidora. A investigação tem nítido caráter de evitar a instauração de uma persecução penal infundada, por parte do Ministério Público, diante do fundamento do processo penal, que é a instrumentalidade e o garantismo penal”.
Criado definitivamente pela Lei 2.033 de 1871, o inquérito policial, portanto, é o instrumento de que se vale o Estado, através da polícia, órgão integrante da função executiva, para iniciar a persecução penal, com controle das investigações pelo Ministério Público que será o competente para ingressar com a ação penal. Isso porque, com seu surgimento, foram separadas oficialmente as funções de polícia e de jurisdição.
Em 1941, a Lei 3.689 que instituiu o Código de Processo Penal tratou do inquérito policial do artigo 4° ao 23 e conceituou como procedimento destinado à reunião de elementos acerca de uma infração penal.
Esse aspecto de apuração preliminar foi ressaltado inclusive na Exposição de Motivos do Código de Processo Penal de 1941, item IV, in verbis:
É ele (o inquérito policial) uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados “quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto de fatos, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas. Por mais perspicaz e circunspecta, a autoridade que dirige a investigação inicial, quando ainda perdura o alarma provocado pelo crime, está sujeita a equívocos ou falsos juízos a priori, ou a sugestões tendenciosas.”
O Ministro Peluso, ao defender o inquérito policial, chegou a dizer que para além da função preservadora da liberdade contra acusações infundadas, há uma segunda relevante função da persecução preliminar e que se pode dizer preparatória ou acautelatória (2013, pág 1069).
Assim, o inquérito policial não se fundamenta na satisfação jurídica da pretensão acusatória, nem na aplicação da pena, até porque não emite nenhum juízo de valor, sendo apenas informativo. Seu objetivo é colher elementos necessários para instrumentalizar a pretensão acusatória ou seu devido arquivamento, garantindo eficaz funcionamento da justiça penal.
Entretanto o inquérito, conforme prevê o próprio CPP nos artigos 12, 27, §5° do art. 39 e §1/ do art. 46, não é indispensável, pois verifica-se que o Ministério Público pode intentar ação penal sem o procedimento. Basta que tenha elementos necessários que viabilizem o exercício da ação. Esses podem ser obtidos com peças de informação ou notitia criminis. Por exemplo, o promotor recebe das mãos de qualquer pessoa do povo a notícia de um crime; ou um outro órgão da administração em procedimento administrativo, como a Secretaria da Receita Federal que apura sonegação de contribuintes, descobre ilícito penal e entrega os elementos ao MP.
Como titular da ação penal, o Ministério Público tem como função institucional, prevista expressamente pela Constituição, o exercício do controle externo da atividade policial, na forma de lei complementar. Assim, O MP atua como órgão fiscalizador da atividade de polícia, controlando a realização dos atos para evitar ilegalidades.
A lei complementar citada é a da organização do MP n° 75/1993 e que por determinação da Lei 8.625/93, aplica-se aos Estados subsidiariamente. Sobre o controle externo do MP, traz nos artigos 9° e 10:
“O Ministério Público da União exercerá o controle externo da atividade policial por meio de medidas judiciais e extrajudiciais, podendo:
I – ter livre ingresso em estabelecimentos policiais e prisionais;
II – ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial;
III – representar à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida, ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder;
IV – requisitar à autoridade competente para instauração de inquérito policial sobre a omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial;
V – promover a ação penal por abuso de poder.
Art. 10. A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade federal ou do Distrito Federal e Territórios, deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão.”
É certo que o controle externo da atividade policial pelo MP sofreu reações num primeiro momento. Mas o que se buscou com a Constituição Federal foi garantir o devido processo legal e a dignidade da pessoa humana que não pode sofrer restrições não previstas em lei, mesmo no caso de serem investigadas. Nesse sentido, o Ministério Público não age com ingerência ou há qualquer hierarquia entre MP e polícias. Somente existe um controle de legalidade dos atos praticados, como reforço do sistema acusatório vigente no país. Além disso, como o inquérito policial tem como único endereço o Ministério Público, cabe ao promotor receber os autos, analisar e determinar seu retorno à delegacia para eventuais diligências consideradas imprescindíveis.
Ainda sobre controle e a realização do inquérito de forma legal, o CPP, em seu artigo 10, determina que o inquérito deve terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado estiver preso (em flagrante ou preventivamente), ou em 30 dias, se estiver solto. Já o § 3° do mesmo artigo diz que:
“Quando o fato é de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz”.
Assim, vemos que o controle externo do inquérito, além do MP, passa pelas mãos do judiciário que evita abusos de investigações e procedimentos sem fim.
3 – SOBRE O PODER DE INVESTIGAÇÃO DO MP
Sobre o Poder de investigação do Ministério Público, existem duas correntes que disputam primazia na matéria, ambas munidas de um conjunto amplo de argumentos jurídicos e metajurídicos, que podem ser assim sintetizadas da seguinte forma:
1ª. A investigação criminal foi reservada, pela Constituição Federal, à Polícia Judiciária (Polícia Civil estadual e Polícia Federal), sendo ilegítimo e inconstitucional o desempenho de tal atividade pelos membros do Ministério Público, que assim agindo estariam usurpando atribuição que não lhes foi deferida;
2ª. Decorre, naturalmente, do papel institucional reservado ao Ministério Público pela Constituição Federal, a função de conduzir a investigação criminal quando entender necessário, mediante procedimento administrativo próprio, sem estar obrigado a requisitar à autoridade policial as diligências investigatórias ou a instauração de inquérito.
Parte-se dessas duas correntes para analisar o debate apaixonado que envolve o tema. Mas o que se busca é produzir a melhor conclusão, à vista do Direito Constitucional posto, como base do Estado Democrático de Direito, amparada pelo princípio da proteção dos direitos fundamentais.
4. O MINISTÉRIO PÚBLICO E SEU PAPEL DEFINIDO PELA CONSTITUIÇÃO
O Ministério Público no Brasil é uma instituição de extrema importância e consideração pública, por sua atuação em defesa da lei e da sociedade. Dever que precisa ser exercido com ética e eficiência, mantendo-se dentro dos estritos contornos de suas funções institucionais, sob pena de extrapolar os limites legais e desobedecer o próprio sistema jurídico cujo seu papel é honrar, preservar e defender.
É sob essa ótica, que se passa a analisar a função investigatória direta do MP, não sem ressaltar que antes da discussão do mérito não é interesse desse trabalho levar em conta questões de conveniência ou oportunidade de se conferir ao Ministério Público poderes investigatórios na esfera penal. Isso porque, conforme já foi dito em parecer sobre o assunto, pelo ilustre doutrinador José Afonso da Silva, essa discussão pode ser “de lege ferenda, não de lege lata, porque a Constituição já dá a solução”. (Parecer março de 2013, pág.07)
Das funções essenciais à Justiça, trazidas pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o Ministério Público tem sua situação descrita já no artigo 127, como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Nos parágrafos seguintes, foram dispostas as formas de organização do MP e seu funcionamento, inclusive administrativo.
Mas é o artigo 129 que mais interessa ao tema. Nele estão delimitadas as funções da instituição, vejamos:
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;
V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas” (Grifos nossos).
No artigo há grifos aos trechos pertinentes à discussão em tela, pois como se pode verificar em nenhum momento a CRFB conferiu ao MP “promover investigações criminais”. Pelo contrário: deixou claro que, no caso dessa instituição, pode apenas promover o inquérito civil. Enquanto no campo penal, pode atuar exercendo o controle externo da atividade policial e requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial a essa mesma autoridade da polícia judiciária.
Muitos que defendem a investigação por parte do MP alegam que a base dessa atuação está nos poderes implícitos da instituição. Ora, só existem poderes implícitos no silêncio da Constituição, ou seja, quando ela não tenha conferido os meios expressamente em favor do titular ou em favor de outra autoridade, órgão ou instituição. O que não é o caso, pois a CRFB outorgou expressamente, ou seja conferiu poderes explícitos. Assim, não dá pra falar em poder implícito onde ele foi explicitado, expressamente estabelecido, em favor de outra instituição, como se vê no artigo 144, § 4º, onde estatui que às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária, e a apuração de infrações penais, exceto as militares. Não resta dúvida que a Constituição reservou à polícia federal/civil um campo de atividade exclusiva que não pode ser invadido. Foi a essa polícia judiciária que a CF reservou a função de apuração das infrações penais, o que vale dizer o poder investigatório, sendo claro o nítido desrespeito à Constituição normas que atribuam a órgão do Ministério Público a faculdade de promover diretamente investigações.
Um outro ponto bastante apontado pelos defensores do Poder do MP é que a CF não teria deferido à Polícia Judiciária o monopólio da investigação criminal. É verdade, mas as exceções estão expressas na própria Constituição e nenhuma delas contempla o Ministério Público. O parágrafo 4º do artigo 144 já faz a ressalva para a apuração das infrações penais militares. Outra exceção é a do poder investigatório das comissões parlamentares de inquérito, que também está expresso na Constituição (art. 58, §3º), com o detalhe de que o inquérito parlamentar não é um típico inquérito criminal, tanto que suas conclusões (algumas movidas por interesses e métodos políticos) nem sempre dispensam investigações policiais. Entretanto, pode-se ter essa investigação como exceção ao disposto no art. 144, parágrafos 1º e 4º, e exceção expressa.
Do conjunto das provisões constitucionais, são palavras do ex-ministro do STF Cezar Peluso, relator do Recurso Extraordinário 593.727 Minas Gerais que trata justamente do Poder de Investigação criminal do MP:
“Vê-se, à margem de qualquer dúvida razoável, que a Constituição não conferiu ao Ministério Público a função de apuração preliminar de infrações penais, de modo que seria fraudá-las todas (fraus constitucionais) extrair a fórceps tal competência …” (PELUSO, 2013, pág. 1079).
A expressão extrair a fórceps usada por Cezar Peluso cai como uma luva para enquadrar a Resolução 13, de 02 de outubro de 2006, cujo propósito era “Regulamentar” o art. 8º da Lei Complementar 75/93 e o art. 26 da Lei n.º 8.625/93, mas que, no entanto, acabou por criar/instaurar, de forma inconstitucional, o Procedimento Investigatório Criminal PIC no âmbito do Ministério Público. Como se vê no artigo 2° da tal Resolução, quando diz que o membro do MP poderá Instaurar Procedimento Investigatório Criminal e seguir a forma estabelecida por essa mesma resolução com controle apenas interno, ou seja livre e sem qualquer controle de suas ações. Para deixar claro, vejamos o que diz a tal Resolução 13, em seu artigo 2º:
“Art. 2º Em poder de quaisquer peças de informação, o membro do Ministério Público poderá:
I – promover a ação penal cabível;
II – instaurar procedimento investigatório criminal;
III – encaminhar as peças para o Juizado Especial Criminal, caso a infração seja de menor
potencial ofensivo;
IV – promover fundamentadamente o respectivo arquivamento;
V – requisitar a instauração de inquérito policial.” (grifo nosso)
MP, ao que parece, legislou por meio de Resolução, que sem dúvida padece de grave vício de inconstitucionalidade.
Para José Afonso da Silva, enquanto assessor na Constituinte que apoiou e, nos limites de suas possibilidades, ajudou na formulação das normas que deram ao Ministério Público a posição de destaque como instituição constitucional permanente e autônoma, de fato, não se sustenta a tese que promotores podem conduzir investigações criminais para apurar as infrações penais possíveis. Assim, ele não só critica a Resolução do MP que chama de procedimento administrativo criminal as atuais investigações criminais: “o nome é uma contradição em termos, pois, se é administrativo não é criminal, se é criminal não é administrativo”. Como também dá, em seu parecer sobre o assunto, o ponto final quando rechaça tal impropério de forma enfática:
“Há, de fato, quem sustente que, quando o Ministério Público instaura o inquérito civil como instrução prévia da ação civil pública e, no seu curso do procedimento, descobre infrações penais, estará ele autorizado a prosseguir nas investigações criminais para apurar as infrações penais possíveis. “Autorizado” por que norma constitucional? O inquérito civil é “uma investigação administrativa prévia, presidida pelo Ministério Público, que se destina basicamente a colher elementos de convicção para que o próprio órgão ministerial possa identificar se ocorre circunstância que enseje eventual propositura de ação civil pública”. Esse conceito é de um ilustre jurista membro do Ministério Público, Hugo Nigro Mazzilli. Em essência, é essa também a concepção do Min. Celso de Mello, emitida quando assessor do Gabinete Civil da Presidência da República. Disse ele: “O inquérito civil, em suma, configura um procedimento preparatório, destinado a viabilizar o exercício responsável da ação civil pública”.’2 Se é assim, e é, não há como distorcer esse importante instrumento, para transformá-lo num inquérito policial.
A ação civil pública se destina a apurar responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e a outros interesses difusos e coletivos, e também à proteção do patrimônio público e social (Lei 7.347/1985, art., 10, e CF, art. 129, III). Tem como objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (Lei.7.347/1985, art. 3”). Para tanto é que a lei e também a Constituição prevê o inquérito civil que não pode ser convertido (ou distorcido), nem direta nem indiretamente, em procedimento de apuração de infração penal. Se, no curso do inquérito civil ou de procedimento administrativo, se deparar com possível infração penal, seu presidente tem que remeter as peças pertinentes à polícia judiciária, nos termos do art. 129, VIII, para a instauração do competente inquérito policial, pois, repita-se, membro do Ministério Público não tem legitimidade constitucional para presidir a inquérito com o objetivo direto ou indireto de apuração de infração penal, pois a apuração de infração penal, exceto as militares, é função da polícia judiciária, sob a presidência de delegado de polícia (CF, art. 144, §4º).
Enfim, à vista do exposto, posso responder sinteticamente à consulta, nos seguintes termos:
Não. Em face da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público não pode realizar nem presidir investigação criminal. É o meu parecer. José Afonso da Silva”. (Março 2013, pág. 09) – (Grifos nossos)
Dos ilustres juristas que emitiram parecer sobre o tema, Ives Gandra também se associa à tese de José Afonso. Ele explica que a Constituição claramente divide as funções judiciárias entre o poder de julgar (Poder Judiciário, artigos 92 a 126), o de acusar (Ministério Público, artigos 127 a 132) e o de defender (advocacia, artigos. 133 a 134). "Os delegados agem como polícia judiciária. Estão a serviço, em primeiro lugar, do Poder Judiciário, e não do Ministério Público ou da Advocacia, que são partes no inquérito policial — processo preliminar e investigatório que deve ser presidido por uma autoridade neutra, ou seja, o delegado" (GANDRA, março 2013, pág 01).
5 – O MP NO SISTEMA ACUSATÓRIO ADOTADO NO BRASIL
Em um Estado Democrático de Direito, o sistema acusatório é a garantia do cidadão contra qualquer arbítrio do Estado. Enquanto no Estado totalitário, em que a repressão é a mola mestra e há supressão dos direitos e garantias individuais, tem–se o sistema inquisitivo como vigente.
O sistema inquisitivo, que inclusive já teve resquícios no Brasil, surgiu nos regimes monárquicos e se aperfeiçoou durante o direito canônico, passando a ser adotado em quase toda Europa nos séculos XVI, XVII e XVIII. Baseava-se no poder do Estado de reprimir a prática de delitos, com o fim de investigar e punir. Nesse sistema, no entanto, não havia separação de funções e o juiz que iniciava a ação também podia julgar. Além disso, como é característica do sistema inquisitivo a falta de contraditório, pois o acusado é um mero objeto de investigação, o processo era regido pelo sigilo, de forma secreta, longe dos olhos do povo, sem ampla defesa e contraditório ou qualquer outra garantia ao acusado e a rainha das provas era a confissão, muitas vezes obtidas por meio de tortura. O mais conhecido representante desse sistema, sem dúvidas foi o inquisitor geral Tomás de Torquemada, quem melhor encarnou o papel do sistema inquisitivo no reino de Izabel de Castela, na Espanha. Através de seus métodos de investigação, milhões de pessoas foram acusadas de heresias, judaísmo e bruxaria, tendo sido condenadas à fogueira.
Como se vê o sistema inquisitivo demonstra total incompatibilidade com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito e por isso acabou sendo substituído nas legislações modernas que visam garantir aos cidadãos respeito e dignidade da pessoa humana. Assim, em antítese ao antigo sistema inquisitivo surge o Sistema Acusatório cujas características são separação de poderes, o princípio do contraditório e ampla defesa, sistema de provas baseado no livre convencimento, com sentenças motivas por provas carreadas nos autos e imparcialidade.
É este novo sistema o que vige no ordenamento jurídico brasileiro e cuja função de acusar foi entregue ao Ministério Público e, em casos excepcionais, ao particular. O grifo na palavra acusar é para lembrar que não foi dada pela Constituição a função de investigar, cuja competência, ainda em respeito à separação de poderes fundamental no sistema acusatório, ficou a cargo da polícia judiciária, bem como caberá a um juiz a função de sentenciar, o que resta claro objetivo de separar as atribuições.
Na mesma linha de entendimento, Cezar Peluso (página 1083) reforça que “no quadro das normas e das razões constitucionais, a instituição que investiga, não promove a ação penal, e a que promove, não investiga”.
6. DESMISTIFICANDO A TESE DE QUEM PODE MAIS PODE MENOS
Um dos argumentos mais utilizados por quem defende o poder de investigação do MP se baseia na tese de “quem pode o mais pode o menos”. Assim, sendo o Ministério Público titular da ação penal pública, também teria o poder de investigação criminal.
A tese, porém, não se sustenta. Se fosse assim, o Poder Legislativo que faz/cria as leis, poderia simplesmente aplicá-las, passando a ser também julgador. Afinal quem faz a lei pode mais e aplicar seria o menos. Mas não só por isso a tese é fraca. José Afonso da Silva constitucionaliza o argumento contrário ao questionar e responder o que é mais e o que é menos no campo da distribuição das competências constitucionais. Segundo ele, “as competências são outorgadas expressamente aos diversos poderes, instituições e órgãos constitucionais. Nenhuma é mais, nenhuma é menos. São o que são, porque as regras de competência são regras de procedimento ou regras técnicas, havendo eventualmente regras subentendidas (não poderes implícitos) às regras enumeradas, porque submetidas a essas e, por conseguinte, pertinente ao mesmo titular. Não é o caso em exame, porque as regras enumeradas, explicitadas, sobre investigação na esfera penal, conferem esta à polícia judiciária, e são regras de eficácia plena, como costumam ser as regras técnicas”( SILVA; JOSÉ AFONSO, março 2013, pág. 05).
Ainda para citar José Afonso (no mesmo parecer) e esmiuçar o que é mais e o que é menos entre a investigação e a ação judicial penal: “A investigação é um procedimento de instrução criminal (preliminar, preparatória) em busca da verdade e da formação dos meios de prová-la em juízo. A ação é um ato pelo qual se invoca a jurisdição penal. Procedimento da instrução penal preliminar, como qualquer procedimento, é uma sucessão de atos concatenados que se registram e se documentam no inquérito policial, que vai servir de base para a propositura da ação penal ou não, conforme esteja ou não configurada a prática do crime, sua autoria e demais elementos necessários à instrução penal definitiva. O resultado positivo da investigação do crime é que constituirá pressuposto da ação penal viável”.
É bem verdade que o inquérito policial não é indispensável para a propositura da ação penal. Pois o MP pode oferecer denúncia sem o inquérito, desde que já tenha elementos de informação suficientes que viabilizem a ação penal. Mas isso não quer dizer que ele possa assumir essa função investigativa substituindo o inquérito por si só, a fim de colher tais elementos de forma direta por meio de investigação criminal direta. Como ensina o doutrinador e promotor de justiça Paulo Rangel (2013, pág.72), “muitas vezes, o promotor de justiça recebe das mãos de qualquer pessoa do povo uma noticia criminis (notícia de um crime) de fato que enseja ação penal pública, ou procedimento administrativo de outro órgão da administração, por exemplo, Secretaria de Fazenda, apurando ilícito penal praticado por contribuinte – sonegação de impostos – e, nesse caso, já possui elementos necessários para imputar ao autor do fato um ilícito penal. Nesta hipótese, dispensável é a instauração do inquérito policial para propositura da ação”.
É importante lembrar que o inquérito policial chegou ao Direito brasileiro pelo Decreto n/ 4.824 de 1871 e surgiu fruto de uma preocupação do Estado Monárquico com os direitos e garantias individuais, pois os abusos por parte de autoridades policiais eram constantes, tendo eles poderes excessivos no então sistema processual brasileiro conferidos desde a Lei de 3 de dezembro de 1841 e do regulamento 120 de 31 de dezembro 1842 (FERNANDES, Antônio Scarance, 2005. P.92).
A lembrança a esse período é válida para destacar que no Brasil já houve autoridades com funções judicantes de formação de culpa e investigativas, só que no caso eram as autoridades policiais. E foi justamente para separar as funções de polícia e jurisdição que foi criado em 1871 o inquérito policial. Assim, nas palavras de Paulo Rangel, “o Ministério Público tem o dever de exigir que a investigação seja feita pela polícia que exerce a polícia de atividade judiciária dentro do devido processo legal, e, portanto, com respeito aos direitos e garantias individuais, colhendo informações necessárias e verdadeiras, sejam a favor ou não do indiciado. O inquérito não é para apurar culpa, mas sim a verdade de um fato da vida que tem aparente tipificação penal” (RANGEL, 2013).
7 – ATUAIS ABUSOS E EXCESSOS COMETIDOS PELO MP
O Ministério Público vem se notabilizando nos últimos anos por adotar uma forma padrão de trabalho quando o assunto é investigação criminal direta por parte de seus membros. Geralmente o parquet escolhe casos onde há suspeita de corrupção, crimes de colarinho branco, que podem trazer maior repercussão na mídia.
Assim, o rito começa por abrir um PIC – Procedimento de Investigação Criminal, conduzindo de forma sigilosa a investigação e que, sem controle judicial ou externo, pode durar anos. Durante esse período ilimitado, ocorrem escutas telefônicas com guardiões (aparelhos que fazem as interceptações) manuseadas e utilizados no seio da própria instituição, pois os MPs estão comprando guardiões para esse trabalho que antes era feito pela Polícia Judiciária.
Ainda nessa fase investigatória conduzida diretamente e muitas vezes exclusivamente pelo MP, podem ocorrer pedidos de busca e apreensão e prisões, quando o parquet já admite que possui elementos suficientes para as medidas.
Autorizadas tais diligências (agora sim com pedido formulado ao Judiciário), chega a hora do show. Operações ministeriais ganham nomes criativos, como produtos de marketing, e a assessoria de imprensa do Ministério Público entra em campo para distribuir releases sobre as operações, dados sobre as investigações, nomes dos acusados e crimes a eles imputados.
Os acusados são presos, fotografados e filmados enquanto se dirigem às carceragens e os promotores convocam entrevistas coletivas para darem suas versões, num resumo da Operação Pirotécnica. Depois disso, o processo entra em segredo de justiça e a defesa fica mitigada depois que os acusados já foram submetidos à execração pública, com toda sociedade parcialmente envolvida a ponto de exercer cobrança para que o judiciário “faça justiça”.
Por essas razões, as operações de investigação criminal do MP estão sendo alvo de críticas e este artigo remete a uma em especial por parte, inclusive, de quem já fez parte do parquet. O advogado mato-grossense Eduardo Mahon, membro da Academia de Letras Mato Grosso publicou um artigo emblemático sobre desmandos do MP, na Revista Consultor Jurídico, narrando a situação de um desembargador do TJ, ex-membro do Ministério Público e ex-secretário de Estado que foi vítima dos seus próprios colegas promotores. Vejamos:
“Diz o adágio popular que Deus escreve certo por linhas tornas. Creio que nosso Criador não seria reprovado num curso de caligrafia. As voltas e reviravoltas que o mundo dá certamente provam, com certa dose de ironia, que as coisas cumprem objetivos estranhos à nossa vontade, mas com uma pontualidade divina. É o caso tormentoso pelo qual passa o novo desembargador Marcos Machado, respondendo por aquilo para o qual nem havia sido contratado ainda.
Foi licenciado do Ministério Público para ingressar na administração executiva do Estado de Mato Grosso e, por lá, perambulou por vários órgãos, tornando-se peça essencial do governo passado. Questionado judicialmente (inclusive por mim) acerca do posicionamento de um Promotor de Justiça no seio do governo estadual, acabou retornando às origens ministeriais e, por fim, foi aclamado por uma acachapante votação para o Tribunal de Justiça de Mato Grosso.
Noutras palavras – vivenciou, em poucos anos, a experiência em três vetores de poder republicano. Ironicamente, o MPF obteve do Judiciário ordem para bloquear os bens do ex-governador e do atual desembargador, entre outras pessoas envolvidas numa suposta dispensa irregular de licitação para um segmento da saúde pública. Não deixa de ser pitoresca a situação, mas de toda a crise surge uma evidente oportunidade.
O julgador Marcos Machado agora vê o que o promotor Marcos Machado provavelmente não via: os excessos do MP. Há anos, reclamo publica e insistentemente da pirotecnia de investigações que usa a imprensa para fazer o picadeiro escandaloso que as megaoperações demandam para colher o apoio popular. Bloquear bens de alguém que nem sequer era gestor na época dos fatos é uma rotunda ignorância! É um traque, uma blague processual!
Como declarou o atual desembargador, falta ética e compostura ao membro do Ministério Público que nem chegou a ouvi-lo. É sempre assim – as conclusões são tomadas de forma açodada, precipitada, na base da cabeçada como numa aposta em roleta para ver se o Judiciário concede ou não as medidas folclóricas que pretende. Infelizmente, o Conselho Nacional do Ministério Público tem uma atuação bem mais tímida do que o CNJ na apuração e punição desses excessos.
Resta, no entanto, o alento de que a sociedade já entendeu agressivas as medidas tresloucadas contra o devido processo legal. Ainda que encontrem um respaldo passageiro, sempre cairão por terra nos tribunais superiores. Mais distantes do cochicho midiário, mais imparciais, mais formais, mais experientes, os tribunais regionais federais e os tribunais superiores reformam quase a totalidade das decisões oriundas de megaoperações nas quais pude advogar.
São grampos sem autorização e por tempo desarrazoado, quebras de sigilo bancário e fiscal sem comprovação da necessidade, bloqueios de bens absolutamente desproporcionais, precipitados e desfundamentados, prisões desnecessárias, arbitrárias e muitas vezes de pessoas erradas, investigações laterais sem a devida autorização, referências incorretas no processo, problemas de distribuição, enfim, uma coleção de ilegalidades que custam à sociedade dispendiosas operações que são anuladas.
Felizmente, o mundo dá voltas. E as voltas que o mundo dá conduziram um atuante, militante e apaixonado membro do Ministério Público ao Poder Judiciário para lá sofrer com os abusos de seu órgão de origem. Após reverter a bisonha decisão contra si, ganharemos um julgador não só preparado, mas portador de experiências de vida que vão garantir ao jurisdicionado o direito ao devido processo legal que o desembargador não teve até agora.”
A dúvida é: o Ministério Público de hoje luta para garantir poderes de investigação criminal, mas será que está preparado para tal função? E de que forma?
Em meio aos holofotes, o Ministério Público tenta convencer a opinião pública da importância de investigar diretamente. Alega que sem a sua atuação direta e exclusiva como investigador, os criminosos seriam beneficiados, pois a polícia judiciária não seria suficientemente capaz de garantir investigações sérias e legais.
Entretanto, tem o MP cometido excessos que preocupam. Com nomes chamativos comparados a um produto de marketing; Convocação de imprensa para cobertura de prisões e buscas; Além de entrevistas coletivas para apresentar os indícios e, por vezes, até entregar áudios de conversas telefônicas frutos de interceptações que devassam a vida íntima de investigados, expondo nesses áudios intimidades que nada têm a ver com instrução criminal, as operações shows do Ministério Público precisam ser reavaliadas, tanto pelos membros do parquet, quanto pela sociedade e autoridades competentes.
O Brasil não quer a volta do Estado de Exceção com todos os poderes concentrados nas mãos de alguns. Mesmo que esses alguns sejam pessoas que agem em nome da lei. Por isso entende-se, que não pode o Ministério Público investigar, acusar, divulgar sua versão para influenciar a opinião pública, pressionar o judiciário ao ponto de querer vincular o juiz à sua versão, expor pessoas investigadas à condenação antecipada e execração pública antes mesmo do devido processo legal e achar que tudo isso faz parte de suas prerrogativas, sem sequer admitir responsabilidades, controle e até punições externas.
Por fim, em relação ao argumento de que a investigação ministerial seria mais eficaz do que a policial e imune aos riscos de corrupção, abusos etc., vale citar opinião do ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso:
“Sem a pretensão de uma elaboração sociológica mais sofisticada, e muito menos de empreender qualquer juízo moral, impõe-se aqui uma reflexão relevante. No sistema brasileiro, é a Polícia que atua na linha de fronteira entre a sociedade organizada e a criminalidade, precisamente em razão de sua função de investigar e instaurar inquéritos criminais. Por estar à frente das operações dessa natureza, são os seus agentes os mais sujeitos a protagonizarem situações de violência e a sofrerem o contágio do crime, pela cooptação ou pela corrupção. O registro é feito aqui, porque necessário, sem incidir, todavia, no equívoco grave da generalização ou da atribuição abstrata de culpas coletivas.
Pois bem: não se deve ter a ilusão de que o desempenho, pelo Ministério Público, do papel que hoje cabe à Polícia, manteria o Parquet imune aos mesmos riscos de arbitrariedades, abusos, violência e contágio”. (Grifo nosso) (BARROSO, L. R. apud SILVA, 2011, p. 1156)
8 – O ENTENDIMENTO DO STF SOBRE O TEMA
O Supremo Tribunal Federal ao julgar o RHC 81.326/DF, relatoria do eminente Ministro Nelson Jobim, adotou entendimento pela impossibilidade de o Parquet conduzir as investigações criminais, cabendo tal atribuição, em regra, às polícias civis e à Polícia Federal. O voto acolhido pela colenda Turma, ponderou:
“…A Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (art. 129, VIII). A norma constitucional não contemplou a possibilidade do Parquet realizar e presidir inquérito policial (DJ, 1º-8-2003, Ementário n. 2117-42).
[…] Se a Constituição Federal, no art. 129, I, confere ao Ministério Público a função de promover privativamente a ação penal pública, é intuitivo que esse poder não envolve, como se pretendeu argumentar, o de proceder às investigações para o exercício da persecutio criminis in judicio”. (TOURINHO FILHO, 2012, p. 417)
Esse foi o entendimento do Tribunal por muito tempo até que em julgamento do Habeas Corpus n.º 91.661/PE, a Ministra Ellen Grace, aplicando o princípio hermenêutico dos “poderes implícitos”, reconheceu ser possível e compatível com o texto constitucional a promoção da investigação criminal pelo Parquet, tendo a Ministra relatora sido acompanhada pela unanimidade da Segunda Turma:
“O art. 129, inciso I, da Constituição Federal, atribui ao parquet a privatividade na promoção da ação penal pública. Do seu turno, o Código de Processo Penal estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa para a denúncia.
Ora, é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos “poderes implícitos”, segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim – promoção da ação penal pública – foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que “peças de informação” embasem a denúncia.
Assim, possibilidade de, em algumas hipóteses, ser reconhecida a legitimidade da promoção de atos de investigação por parte do Ministério Público. Cabe ressaltar, que, no presente caso, os delitos descritos na denúncia teriam sido praticados por policiais, o que, também, justifica a colheita dos depoimentos das vítimas pelo Ministério Público.”
A possibilidade do MP investigar, de fato, foi confirmada no voto transcrito. Entretanto, cabe ressaltar que não o foi como regra, mas sim como exceção. Segundo palavras da própria ministra “em algumas hipóteses há essa possibilidade e, no caso desse julgamento em específico, isso se deu porque o MP investigou crimes praticados por policiais. Assim, policiais investigando policiais sem a atuação do MP realmente não seria razoável”.
Nos dias atuais o tema ainda é incontroverso e, de volta ao Supremo, o assunto deverá ganhar um posicionamento mais claro (e quem sabe definitivo) por ocasião do julgamento Recurso Extraordinário 593.727, com repercussão geral, em andamento na corte. O relator inicial do processo, ministro Cezar Peluso, proferiu seu voto antes de deixar o STF com sua aposentadoria, cujo resumo transcreve-se do trecho:
“Não vejo, em suma, como nem por onde reconhecer ao Ministério Público competência para, mediante procedimento investigativo destinado à apuração de infrações penais, como medida preparatória à instauração de ação penal, exercer poderes de polícia judiciária, reservados aos organismos policiais, sobre cujas correspondentes atividades tem, no entanto, poder de requisição e fiscalização.
Concedo, porém, consoante de há muito já o fiz no julgamento do HC 93.224, que, à luz da vigente ordem jurídica, possa o Ministério Público realizar, diretamente, atividades de investigação da prática de delitos, para fins de preparação e eventual instauração de ação penal, em hipóteses excepcionais e taxativas, desde que observem certas condições e cautelas tendentes a preservar os direitos e garantias assegurados na cláusula constitucional do justo processo da lei (due processo f law), como, aliás, o admitem precedentes desta Corte.
Tenho contudo, com a devida vênia, que tal excepcionalidade exige predefinição de limites estreitos e claros, a começar pela necessidade de que a atuação do Ministério Público se desenvolva e documente em procedimento formal, de regra público e sempre submetido ao controle judicial, nos mesmos termos em que documentam e desenvolvem inquéritos policiais. Lembro que a Corte já se viu compelida a garantir ao patrono de pessoa investigada o acesso aos autos de investigação conduzida, durante dois anos, pelo Ministério Público, mas até então marcada por sigilo oposto também ao próprio judiciário….
Essas condições primárias são essenciais, mas não bastam para legitimar investigação pelo Ministério Público, a qual precisa estar justificada por qualquer das competências funcionais previstas na Constituição da República e na legislação subalterna, no preciso sentido de que os atos de polícia judiciárias sejam praticados em razão da competência já atribuída para investigar, administrativamente, os próprios membros e servidores da instituição, as autoridades e agentes policiais, cujo comportamento seja, em tese, criminoso, ou para suprir omissão ou recusa dessas autoridades em instaurar inquérito policial, pois, em todas essas hipóteses, a prática de eventual delito pode, figurada no mesmo fato ou ato, coexistir com a prática da infração disciplinar funcional. É que, como se viu, o mesmo fato histórico pode comportar mais de uma qualificação e consequência jurídico-normativas.
Em palavras descongestionadas, admito que o Ministério Público promova atividades de investigação de infrações penais, como medida preparatória para instauração de ação penal, desde que faça nas seguintes condições: 1) mediante procedimento regulado, por analogia, pelas normas que governam o inquérito policial; 2) que, por consequência, o procedimento seja, de regra, público e sempre supervisionado pelo Poder Judiciário; 3) e que tenha por objeto fato ou fatos teoricamente criminosos, praticados por membros ou servidores da própria instituição (a), ou praticados por autoridades ou agentes policiais (b), ou ainda, praticados por outrem, se, a respeito, a autoridade policial, cientificada, não haja instaurando o inquérito policial (a).”
Como se vê do voto proferido pelo relator, há uma tendência do SFT admitir a investigação do MP, mas somente em casos excepcionais, quando não puder ser feita pela Polícia Judiciária e seguindo regras claras análogas ao inquérito policial. Assim, justificadamente, essa seria uma exceção possível e não a regra como quer a instituição ministerial contrariando o dispositivo constitucional.
CONCLUSÃO
Diante do que foi analisado, chegamos à conclusão que, de fato, não foi conferido ao Ministério Público o poder de investigação criminal ou presidir inquéritos, pela Constituição da República Federativa do Brasil. Pois como já foi explicitado, a CRFB é clara quando elenca as atribuições do órgão e fala em promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei, (…) promover o inquérito civil e a ação civil pública (…); expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais (…).
Tanto é assim, que os defensores do poder de investigação ministerial se findam na tese de “poderes implícitos”, já que não foi explicitado pela CF tal prerrogativa. Mas como já vimos e analisamos, a tese de poderes implícitos também não se sustenta, pois a Constituição não foi omissa quando o tema é investigação criminal, colocando de forma explícita e objetiva que tal função cabe à polícia judiciária e excepcionalmente trazendo outras possibilidades de forma taxativa, como é o caso das próprias CPIs.
O argumento do quem pode mais também pode menos, também foi rechaçado e perdeu força depois que o ilustre doutrinador e consultor constitucional, José Afonso da Silva, esclareceu que não se trata de mais ou menos, as funções e atribuições foram estabelecidas pela CF, como divisão de competência. Tese seguida também por Ives Gandra.
Por fim, vemos que há uma tendência, especificamente quanto ao STF, de se admitir a possibilidade do MP realizar alguns procedimentos investigatórios. Mas em casos excepcionais, cuja possibilidade deve ser justificada e baseada numa série de requisitos que o Supremo já começou a delimitar, como visto no voto do relator ministro Cezar Peluso. Além disso, esse procedimento não poderá ser realizado à margem do controle judicial e sim com regras em analogia ao inquérito policial, o que reforça a ideia de que o MP não pode seguir tão somente a tal Resolução 13 criada pelo próprio Conselho da Instituição, que permite a instalação de Procedimento de Investigação Criminal somente com controle interno feito pelo Procurador Geral do MP.
Todos esses elementos devem ser considerados e obedecidos, sob pena do MP se tornar uma instituição fora de controle, com liberdade para escolher e atuar da forma sorrateira e oportunista em casos que entender como devida sua atuação, com investigações sigilosas, sem controle externo, invadindo a intimidade e a vida alheia, o que põe em risco direitos fundamentais das pessoas que virarem alvo preferencial dos promotores.
Diante do exposto, entende-se que o modelo instituído pela Constituição de 1988 não reservou ao Ministério Público o papel de protagonista da investigação penal, sendo certo que a função de polícia judiciária foi atribuída às Polícias Federal e Civil, com explícita referência, quanto a esta última, da incumbência de apuração de infrações penais, exceto as militares (art. 144, IV e § 4º).
E compartilhando da opinião do atual ministro Luís Roberto Barroso, quando em 2004 escreveu artigo sobre o tema, deve-se lembrar que a Polícia sujeita-se ao controle do Ministério Público. Mas se o Ministério Público desempenhar, de maneira ampla e difusa, o papel da Polícia, quem irá fiscalizá-lo? “O risco potencial que a concentração de poderes representa para a imparcialidade necessária às atividades típicas do Parquet não apenas fundamenta a excepcionalidade que deve caracterizar o exercício da competência investigatória, mas exige igualmente uma normatização limitadora. Desse modo, e de lege ferenda, é de todo conveniente disciplinar, por meio de ato legislativo próprio, as hipóteses e a forma em que será legítima essa atuação eventual e excepcional do Ministério”.
Por fim, conclui-se pelo caráter inconstitucional da investigação criminal realizada diretamente pelo Ministério Público, além de contrariar o sistema de competências estabelecido pelo constituinte no texto de 1988, entende-se que a Constituição Federal, ao distribuir as atribuições entre as polícias e o Ministério Público, em matéria criminal, buscou, através da independência funcional entre a investigação e a acusação, estabelecer uma garantia para o réu e assegurar, de forma efetiva, o devido processo legal. É o que entende também o professor Guilherme de Souza Nucci quando diz que “permitir-se que o Ministério Público, por mais bem intencionado que esteja, produza de per si investigação criminal, isolado de qualquer fiscalização, sem a participação do indiciado, que nem ouvido deveria ser, significaria quebrar a harmônica e garantista investigação de uma infração penal” (NUCCI, 2007, p. 68, 69).
Pontuando temos que:
1) Dentre as atribuições do Ministério Público, a Constituição Federal não lhe atribuiu a investigação criminal;
2) Compete à Polícia Judiciária a investigação criminal, por meio do inquérito policial, e cabe ao MP exercer o controle externo dessa atividade;
3) No sistema brasileiro o MP oferece a denúncia, portanto o promotor é parte e como parte não pode apreciar suas próprias investigações;
4) O procedimento Administrativo Investigatório do Ministério Público ofende o princípio do devido processo legal porque não há prazo de encerramento, não há controle jurisdicional, o indiciado ou suspeito não tem a faculdade de requerer diligência em atenção ao princípio da verdade real e o sigilo do procedimento é a regra e não a exceção como prevê o CPP.
5) Fere ainda o princípio da legalidade, pois o procedimento ministerial é previsto em resolução e não em lei.
6) Assim, para que o MP possa investigar diretamente depende de previsão legal de disposições regulando a investigação, de tal sorte que as lesões decorrentes do abuso na investigação possam ser objeto de reclamação perante o judiciário.
Bacharel em Direito, formada pelo Centro Universitário do Rio Grande do Norte- UNI-RN
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