Resumo: O presente artigo tem por escopo analisar a gênese do controle de constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro, cujos delineamentos foram assentados na Constituição Imperial de 1824, na qual existia o Poder Moderador, órgão de controle dotado de jurisdição constitucional, caracterizado pela neutralidade e conservação, capaz de velar pela Constituição e assegurar a harmonia e o equilíbrio entre os demais poderes. Malgrado tal entendimento não seja pacífico, uma vez que não houve um efetivo controle por motivos diversos que serão abordados, pretende-se examinar a Carta Política do Império sob a perspectiva do Poder Moderador enquanto instrumento de controle e, por derradeiro, demonstrar a singularidade e ineditismo do Poder Régio na organização política como meio hábil de controle de constitucionalidade das leis vigentes à época e o desvirtuamento das ideias concebidas por jurisconsultos franceses a partir de Clermond-Tonnerre a Benjamin Constant relativamente à formação de um quarto Poder de salvaguarda constitucional.*
Palavras-chave: controle de constitucionalidade, gênese, Poder Moderador; Constituição Imperial.
Abstract: This paper aims at analyzing the genesis of the constitutional control in the Brazilian legal system whose designs are settled in the Imperial Constitution of 1824, with the introduction of moderating power, control agency endowed with constitutional jurisdiction, characterized by neutrality and conservation able to ensure the Constitution and ensure harmony and balance between the other powers, in spite of this understanding is not in dispute, since there was no effective control for various reasons that will be addressed. Intends to examine the Constitution Politics of Empire from the perspective of the moderating power as an instrument of control and, last, will seek to demonstrate the uniqueness and novelty of Royal Power in political organization and as a skillful means to control the constitutionality of laws force at the time and perversion of the ideas conceived by french jurists from Clermont-Tonnerre and Benjamin Constant on the formation of fourth power of constitutional safeguards.
Keywords: judicial review, genesis, Power Moderator; Imperial Constitution.
Sumário: 1. Introdução ao problema. 2. Escorço histórico. 3. As leis do Império e o controle de constitucionalidade. 4. Considerações Finais. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO AO PROBLEMA
O estudo sistemático da história constitucional brasileira, indubitavelmente, afigura-se numa temática de significativa importância para a compreensão da evolução política, bem assim dos progressos e virtudes existentes durante o transcurso constitucional que, aliás, devem ser conservados, mas, igualmente, devem ser relembrados os retrocessos e desacertos a fim de que eles não se sucedam novamente.
Nesta quadra, a hipótese que norteia o desenvolvimento deste artigo acadêmico é a análise da formação da Constituição Política do Império e o respectivo debate que exsurge acerca da gênese do controle de constitucionalidade incidente sobre as leis imperiais e a sua efetiva aplicabilidade, por intermédio da figura do Poder Moderador, enquanto precursor deste fenômeno e que, em assim sendo, guarda inegável originalidade, apresentando-se, pois, como o principal objetivo que se propõe demonstrar, cujo debate daí decorrente não se pretende exaurir, mas, tão-somente, introduzi-lo.
2. ESCORÇO HISTÓRICO
De proêmio, deve-se ter em mente que a finalidade deste artigo não permite examinar com profundidade todos os aspectos relativos ao período de vigência da Constituição de 1824, mas se almeja, pelo menos, destacar com maior ênfase os elementos cardeais que caracterizaram aquela época por serem imprescindíveis às conclusões a que se pretende alcançar, como se explicitará adiante.
A Carta Fundamental de 1824, conclamada e jurada pela família imperial e outorgada por D. Pedro I, inaugurou a história constitucional brasileira em uma conjuntura de significativas mudanças, açodada e influenciada pelos ideais da Revolução Francesa, a exemplo da monarquia absoluta que cedeu espaço para a monarquia constitucional e os três períodos políticos que divisaram o Império durante o seu transcurso, a saber: o Primeiro Reinado, a Regência e o Segundo Reinado.
O advento da primeira Constituição do Brasil, a qual, diga-se de passagem, foi a de maior longevidade dentre todas as demais cartas constitucionais, deu-se por imposição do Imperador, em 25 de março de 1824, após a dissolução da Assembleia Constituinte por ele constituída, e perdurou até 15 de novembro de 1889, quando então houve a derrocada do governo monárquico e a instituição de um novo sistema político a partir da proclamação da República. Consequentemente, a promulgação da primeira Constituição Republicana resultou na inserção do sistema federativo e na adoção do presidencialismo [1], instituído pelo Decreto I, de 15 de novembro de 1889. [2]
Assinale-se, ainda, que a Constituição se submeteu a duas importantes reformas, a saber: a extinção do Conselho de Estado por intermédio do Ato Adicional de 12 de agosto de 1834, ulteriormente restabelecido pela Lei n. 234/1841, bem como a transformação dos Conselhos Gerais em Assembleias Legislativas; e a diminuição dos poderes das Assembleias Legislativas Provinciais, de acordo com a Lei n. 105/1840.
Sob a égide da Carta de 1824, os interesses dos grandes latifundiários ainda preponderavam em detrimento daqueles aspirados pela maioria do povo e tais privilégios serviam de arrimo para a autoridade imperial ali instituída, após a dissolução da Assembléia Constituinte por D. Pedro I, em 12 de novembro de 1823, a qual se caracterizou pelo despotismo que grassou durante aquele contexto político, porquanto a participação do povo fora quase totalmente tolhida, razão pela qual se infere que, na prática, não havia abertura para a soberania popular, a exemplo do voto censitário e indireto instituído naquele período.
Cuida-se, portanto, de uma Constituição eminentemente desfavorável à democracia, máxime por ter sido outorgada, mas igualmente por ter se prestado a minorar o esvaziamento do poder e domínio do Imperador D. Pedro I, que, por sua vez, tencionava arregimentar meios de obtenção do controle governamental a todo custo.
A rigor, o Texto Constitucional, de inspiração liberal, revelava-se substancialmente flexível e monopolizador. Norteava-se, outrossim, pelo princípio da separação dos poderes, não obstante de forma temperada e relativizada, em face do absolutismo que se evidenciou na organização política e o marcante liberalismo no que diz respeito aos direitos individuais. [3]
Faz-se oportuno salientar, neste particular, que o Brasil Imperial encontrava-se desprovido do controle judicial de constitucionalidade, muito embora já houvesse previsão constitucional da figura do Supremo Tribunal de Justiça composto por Juízes Letrados, consoante dispunha o art. 163 da Carta Imperial, de 25 de março de 1824, cuja competência se mostrava bastante limitada.
Nesse ínterim, avulta de importância fazer menção do escólio de Paulo Bonavides ao discorrer sobre os traços característicos da Carta Política do Império e consignar três originalidades deste documento, ipsis verbis:
“A primeira originalidade residiu na Carta de direitos e na enunciação de deveres. A segunda consistiu em estabelecer com relevância hierárquica superior a constitucionalidade material, definida com extrema clareza e tornada juridicamente de teor mais significativo que a constitucionalidade formal. A terceira esteve na criação de um quarto Poder, concebido primeiro na esfera teórica e importado de pensadores ou juristas franceses, desde Clermond Ferrand a Benjamin Constant.”[4]
Paradoxalmente, o Poder Moderador não atendeu ao fim precípuo para o qual fora concebido e destinado, isto é, com a finalidade de fomentar a neutralidade, segurança, moderação e unidade entre os demais poderes do Império. Instaurou-se, por conseguinte, um verdadeiro regime ditatorial constitucional sob o mando absoluto e arbitrário da vontade imperiosa do monarca.[5] Nesse sentido, no que tange à exacerbação do Poder Moderador, Martins Ferreira observa com acuidade que o “[…] poder, assim composto de tantos poderes de acentuado característico político, mais político do que administrativo, não podia ser neutro. Tinha que ser ativo, mais do que isso dinâmico e, por isso mesmo, personalíssimo”.[6]
Nessa perspectiva, o pensamento de Benjamin Constant, ao lançar os fundamentos teóricos de inclusão deste quarto ramo de Poder, após a publicação dos Principes de Politique Constitutionnelle, em 1815, consistia em lhe conferir um sentido e função correcional com o fito precípuo de obstar e expurgar as arbitrariedades e excessos no âmbito do sistema político imperial, sem o confundir, porém, com o Executivo, cuja organização dele se diferençava.
A propósito, a partir da leitura do artigo 101 da Lei Fundamental do Império que traz em seu bojo inúmeros poderes atribuídos ao Imperador no exercício do Poder Moderador, é possível ter a verdadeira noção da magnitude da sua abrangência consistente em ilimitadas atribuições. [7]
Neste quadrante, no que tange ao contexto histórico e político do Império, notadamente em relação ao desvirtuamento do exercício daquele órgão de controle, o constitucionalista Paulo Bonavides faz as seguintes ponderações:
“Com efeito, a Carta enfeixava numa só pessoa – o Imperador – a titularidade e o exercício de dois Poderes. De tal sorte que a Lei Maior criava assim um monstro constitucional. Não criava um órgão legítimo, distinto e capacitado, como seria de sua vocação, a promover a harmonia e o equilíbrio dos Poderes; um órgão que pudera ter sido – e nele lhe vislumbramos essa virtude ou possibilidade – o germe de uma espécie de judicatura política, capaz de antecipar na práxis e na teoria, por sua ação, preventiva de controle de conflitos, os tribunais constitucionais a quem o século seguinte entregaria os freios de constitucionalidade.”[8]
Contudo, em que pese haver incongruências na Constituição de 1824, verificou-se, ao contrário do que se poderia imaginar, a ideação e persecução de um governo partilhado e representativo, mormente em razão do empenho do Imperador D. Pedro II ao se desviar do fascínio da tirania e exercer com grande desenvoltura o poder durante o transcurso do Segundo Reinado, caracterizado pela adoção de uma postura comedida, prudente e temperada, demonstrando significativa originalidade na maneira de governar.
3. AS LEIS DO IMPÉRIO E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Diante da visão panorâmica do quadro histórico e político vivenciado no Brasil sob a égide da Carta Imperial de 1824, faz-se necessário, aqui, examinar a figura do Poder Moderador e o papel que lhe incumbia no tocante à possibilidade de exercer o controle direto de constitucionalidade na condição de guardião da Constituição do Império.
De início, é oportuno salientar que o artigo 98 do próprio texto constitucional rezava que o Poder Régio se constituía na chave de toda a organização política, sendo delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e seu primeiro representante, a fim de que, incessantemente, velasse sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos, de forma que detinha em si uma larga concentração de atribuições.
Da exegese do artigo em tela, depreende-se que, ao menos em tese, é perfeitamente defensável o entendimento de que competia ao Poder Moderador realizar o controle de constitucionalidade das leis imperiais na forma do controle político de constitucionalidade.
No que diz respeito ao controle político, deve-se lembrar que a competência para exercer a fiscalização da constitucionalidade das normas é atribuída pela própria Constituição da República. Aqui, o controle incumbe a um órgão que faça parte do Poder Executivo, Legislativo ou outro ente que não integre o Poder Judiciário, devendo ser composto ainda por membros escolhidos a partir de critérios de natureza política. Como exemplo, pode-se citar o Parlamento, Conselho ou o Poder Moderador, que exercem atribuições preponderantemente políticas, o que se distingue dos órgãos judicantes cujas funções são precipuamente técnicas.
De acordo com o explanado, serve de reforço o fato de o Poder Judiciário ter sido extremamente limitado, ex vi do disposto no artigo 163 da Carta Imperial. Não se pode olvidar também que o pensamento jurídico construído e arvorado no país ainda estava muito aquém daquele concebido nos Estados Unidos, porquanto neste já se defendia ardorosamente a supremacia da Constituição sobre todas as leis, notadamente após o caso Marbury vs. Madison, que culminou na reconhecida decisão de Marshall, enquanto no Império do Brasil, por sua vez, a formação jurídica ainda era principiante e apenas começava a dar seus primeiros passos.
Em relação à temática do Poder Moderador como órgão de controle de constitucionalidade, calha trazer à colação as palavras de Herval Sampaio Júnior ao corroborar com as ideias ora expostas, quando assim se manifesta:
“Não existia, na Constituição de 1824, dispositivo expresso que contivesse previsão de qualquer tipo de controle sobre a constitucionalidade das leis imperiais por um dos Poderes; todavia, tal situação não autoriza a simples conclusão literal de que não havia possibilidade do processo de Jurisdição Constitucional, em sentido amplo, naquele período. Primeiro, porque a existência, por si só, de uma Constituição escrita, como era a nossa, já autorizava a inflexão de que esta ser defendida e cumprida por todas as entidades e órgão públicos (Supremacia da Constituição). Segundo, porque, historicamente, a Constituição de 1824 surgiu em consonância com a limitação do poder do Monarca, à qual este devia respeito, como às leis. Terceiro, porque o Poder Moderador, não só como efetivo controlador dos demais Poderes – o qual lhe autoriza a inserção na competência dos outros Poderes -, tem atribuição de expressar e sancionar as leis, o que nos autoriza, a partir de uma interpretação, a “contrario sensu”, que também podia vetá-la, exercendo factualmente um controle de constitucionalidade preventivo, de natureza eminentemente política.”[9]
De mais a mais, é importante lembrar que, ao lado do Poder Moderador, a Assembleia Geral também figurava como instrumento de controle de constitucionalidade das leis imperiais, mediante a sanção do monarca, consoante estatuía o inciso VIII e IX do artigo 15 do Texto Maior do Império, segundo o qual a atribuição de fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las, bem assim velar pela guarda da Constituição e promover o bem geral da nação, era incumbência do poder legiferante, razão pela qual é possível vislumbrar a existência de um controle de constitucionalidade pelos Poderes Executivo, Legislativo e Moderador, excepcionando-se apenas o Poder Judiciário sem qualquer mecanismo hábil para a colimação desta tarefa.
Com pertinência, dignas de apreço são as palavras de Conde de Lanjuinais quando pondera sobre o papel destinado ao Poder Moderador, valendo-se das ideias de Benjamim Constant, reproduzidas a seguir:
“Para que haja uma liberdade regular, é necessário uma autoridade mediadora diretiva, moderadora, neutra a certos aspectos, absoluta em outras relações, enfim irresponsável, uma autoridade que previna ou termine toda luta perniciosa, que propicie ou restabeleça a harmonia necessária entre as grandes autoridades. Eis o que apenas o Rei pode fazer, propondo as leis, recusando ou concedendo sanção às resoluções das duas câmaras, nomeando os pares, e criando novos pares; convocando, adiando, ou dissolvendo as câmaras; usando de seu direito de agraciar e comutar as penas, nomeando e demitindo ministros; distribuindo, revogando as recompensas e os favores.”[10]
E assim era, repise-se, porque incumbia ao Poder Moderador, dentre outras atribuições, proceder à adequação e exame de conformidade dos atos normativos dimanados da Assembleia Geral em relação às disposições da Constituição Política do Império, a fim de assegurar o efetivo cumprimento e obediência do texto constitucional. [11]
Impende lembrar também, que, conquanto, no plano fático, não tenha havido efetivo controle de constitucionalidade dos atos normativos por iniciativa do Poder Moderador, é forçoso concluir que tal circunstância não retirou a aptidão, vale dizer, a capacidade de realizá-lo.
Inobstante, a doutrina não é pacífica quanto à possibilidade de controle de constitucionalidade na época do Império, consoante destaca Pedro Lenza, sintetizando o pensamento de vários autores ao asseverar:
“No tocante ao sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, a Constituição Imperial de 1824 não estabeleceu qualquer sistema de controle, consagrando o dogma da soberania do Parlamento, já que, sob a influência do direito francês (a lei como “expressão da vontade geral”) e inglês (supremacia do Parlamento), somente o órgão do Legislativo poderia saber o verdadeiro sentido da norma.”[12]
Em que pese o respeitável entendimento em contrário, como já explicitado alhures, não se logra assentir com tal argumento. No período imperial, muito embora figurasse ineficaz no aspecto prático, isto é, sem ter efetivamente surtido efeitos concretos, o controle de constitucionalidade estava intrinsecamente ligado ao Poder Moderador e, ao menos no plano teórico, ambos guardavam inegável identidade, tornando possível o exercício do controle de constitucionalidade, até porque competia ao Poder Neutro velar pela guarda e observância da Carta Imperial em aproximação com o pensamento vigente de supremacia da Constituição.
Em defesa da viabilidade de controle das leis imperiais criadas naquele tempo, Sampaio Júnior, aduz com precisão:
“São três os argumentos favoráveis à possibilidade de controle dos atos normativos confeccionados à época: primeiro, a existência de uma Constituição escrita; segundo, esta surgiu em consonância com a limitação do poder do Monarca, o qual lhe devia respeito e às leis; terceiro, o Poder Moderador, além de inspecionar os demais poderes, tem atribuição de expressar, de sancionar as leis e, consequentemente, de vetá-las, exercendo, na prática, um controle de constitucionalidade preventivo, de natureza eminentemente política.”[13]
A toda evidência, daí surge uma verdade substancial: a capacidade de veto conferida ao Poder Moderador, aliado a outros atributos, pode ser elencado como mais um aspecto que leva ao entendimento de admissibilidade do controle normativo, pois, sem sombra de dúvidas, permitia o exercício preventivo do controle de constitucionalidade, afastando da ordem constitucional imperial as leis que não guardassem compatibilidade com a Lei Maior.
Nesse sentir é também a lição de Dirley da Cunha Júnior corroborando com a vertente de pensamento ora esposada, quando assim enfrenta a questão:
“Assim, em face dessa “suprema inspeção” exercida pelo Imperador sobre os três poderes é certo que não haveria clima político e jurídico de se confiar ao Poder Judiciário o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos do poder público. Ante a arquitetônica constitucional, esse controle, se previsto, só poderia caber, evidentemente, ao Poder Moderador.”[14]
Portanto, tem-se, aqui, mais uma vez, o reconhecimento da possibilidade de controle de constitucionalidade das leis imperiais, porém não por iniciativa do Poder Judiciário, em face das razões políticas consignadas, mas, principalmente, porque não havia previsão constitucional para tal.
Por outro lado, é relevante o apontamento feito por Dirley da Cunha Júnior ao fazer menção ao “poder de inspeção” de que era investido o monarca no exercício das suas atribuições o qual recaía sobre os três poderes. Percebe-se, assim, que, considerando a elasticidade de um típico poder de polícia que lhe cabia, decerto não se afigura desarrazoada a orientação ventilada em que se escora o presente trabalho e que ora se urge afirmar.
Deve-se frisar ainda que o artigo 178 da Carta Política de 1824, ao versar sobre os limites, atribuições dos poderes e os direitos políticos e individuais dos cidadãos, exigia a adoção de um procedimento distinto e mais rígido para alterá-los, razão pela qual se pode afirmar que, implicitamente, a ideia de supremacia material – segundo a qual toda norma ou ato jurídico deve guardar conformação com os preceitos constitucionais sob pena de, ofendendo-os, serem extirpados por inconstitucionalidade – já revela o delineamento de seus primeiros contornos, muito embora de maneira pontual.
Nesse passo, ante as considerações anteriormente exaradas, é inelutável concluir em favor da tese que perfilha no sentido de ser possível o controle de constitucionalidade, cujo mister incumbia precipuamente ao Poder Moderador enquanto órgão de controle normativo.
Indubitavelmente, portanto, este fenômeno precursor do qual despontou o hodierno controle jurisdicional das leis não deve ser olvidado, principalmente porque a percepção jurídica deste fenômeno avulta de importância para o estudo da história constitucional brasileira, a despeito de não encontrar a repercussão que mereceria e vozes que a ecoem, mas que se deve prestigiar pela originalidade que lhe é própria no pensamento constitucional pátrio, apesar dos fatores políticos que obstaculizaram a concretude do controle político de constitucionalidade durante a época imperial. [15]
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Constituição Imperial de 1824, conclamada e jurada pela família imperial e outorgada por D. Pedro I, inaugurou a história constitucional brasileira em uma conjuntura de significativas mudanças, açodada e influenciada pelos ideais da Revolução Francesa.
O pensamento de Benjamim Constant, quando concebeu a ideia de um Poder Moderador, consistia em lhe conferir um sentido e função correcional com o fito precípuo de obstar e expurgar as arbitrariedades e excessos no âmbito do sistema político imperial, não se imiscuindo no Poder Executivo, devendo se apresentar como uma organização diferenciada.
Dentre outras atribuições, o Poder Régio se constituía na chave de toda a organização política, sendo delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e seu primeiro representante, a fim de que, incessantemente, velasse sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos, de forma que detinha para si uma larga concentração de atribuições. Incumbia-lhe, ainda, proceder à adequação e exame de conformidade dos atos normativos dimanados da Assembleia Geral em relação às disposições da Constituição Política do Império, a fim de assegurar o efetivo cumprimento e obediência do texto constitucional.
Na realidade, observou-se que não houve efetivo controle de constitucionalidade dos atos normativos por iniciativa do Poder Moderador. Todavia, em face do exposto, depreende-se que tal circunstância não retirou a aptidão, isto é, a capacidade e autonomia de realizá-lo. Ocorre que o exercício efetivo do controle não se materializou por fatores notadamente políticos.
Por todas as razões aqui deduzidas, infere-se que o Poder Moderador foi o precursor do controle de constitucionalidade no ordenamento jurídico brasileiro, porquanto dotado de plena capacidade para tal mister em decorrência da manifesta singularidade e ineditismo que lhe foi inerente na organização política brasileira.
Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal de Rondônia – UNIR
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