O polígrafo e o direito do trabalho

Sumário: 1. O exame polígrafo; 2. O polífrafo e o direito do trabalho; 3. O projeto de lei n. 7.253/2002; 4. O polígrafo e o assédio moral vertical descendente


1. O exame polígrafo


O polígrafo compreende um aparelho de registro de respostas, utilizado para comprovar a veracidade das informações colhidas de uma pessoa, visando medir e gravar registros de   diversas variáveis fisiológicas enquanto essa pessoa é interrogada. A finalidade do equipamento é averiguar a possível ocorrência de mentiras da pessoa examinada em seu depoimento.


“O polígrafo, também conhecido como detector de mentiras, é uma invenção do século XX e consiste em um aparelho que mede e registra as atividades neurovegetativas, reproduzindo-as sob a forma gráfica, com o objetivo de aferir a veracidade das informações da pessoa que se submete ao teste por esse meio. O aparelho registra variações da pressão arterial, da resíração, das constrações musculares, dos movimentos oculares. Esse teste funda-se no princípio segundo o qual o fato de mentir acarreta alteração psicológica, gerada pelo temor.” (BARROS, 2009, p.586)


A autora assevera que existem três etapas no teste por meio de polígrafo. A primeira se refere a uma conversa preliminar entre o interrogado e o interrogador,  a segunda ao teste propriamente dito e a terceira, à conclusão. No ínicio do teste, é colocado um sensor em um dos braços da pessoa interrogada, para medição do pulso e da pressão arterial. Em seguida, um tubo flexivel ajustado ao redor do tórax irá observar o ritmo da sua respiração. Podem também ser inseridos dois eletrodos nas mãos ou braços da pessoa examinada para analisar as suas variações elétricas e um sensor de movimentos em suas pernas para analisar a contração involuntária de músculos.


O polígrafo visa, assim, avaliar o comportamento e as possíveis reações fisiológicas da pessoa questionada durante a realização do teste. Essas mudanças fisiológicas possibilitarão detectar se está ou não mentindo.


Caso, durante o teste do polígrafo, sejam registradas alterações de extrema importância na condição física e emocional da pessoa examinada, a mesma, durante o interrogatório, poderá ser considerada mentirosa.


Desse modo, durante o procedimento para a execução do exame, quando a pessoa é questionada sobre um determinado acontecimento, o examinador irá analisar se os batimentos cardíacos, a pressão arterial, a frequência respiratória e a atividade eletrodérmica (suor dos dedos ou calafrios) da pessoa examinada se alteram em comparação aos níveis normais, pois a cada resposta, os sensores registram as reações do interrogado em um gráfico. De acordo com tais reações será possível determinar a veracidade de seu depoimento. É preciso destacar que as variações podem indicar se a pessoa está ou não mentindo, mas os resultados do exame estão abertos à interpretação do examinador.


2. O polígrafo e o direito do trabalho


O polígrafo é utilizado pelas empresas tanto na fase pré-contratual de trabalho para candidatos que concorrem à vaga de emprego quanto durante a fase de execução do contrato de trabalho, como forma de fiscalizar os empregados, sob a justificativa de que tal procedimento decorre do exercício do poder fiscalizatório do empregador.


A finalidade do equipamento polígrafo utilizado por algumas empresas é analisar se a pessoa examinada (pré-candidato ao emprego ou o empregado) está mentindo ou não acerca de fatos relacionados à sua vida laboral passada, bem como sobre a sua conduta profissional durante a execução da sua prestação de serviços no ambiente de trabalho.


Convém ressaltar que o poder fiscalizatório ou poder de controle compreende um conjunto de prerrogativas que são deferidas ao empregador com o intuito de fiscalizar e controlar a atividade desempenhada pelo empregado ao longo do contrato de trabalho. Trata-se do poder que é concedido ao empregador para acompanhar e monitorar a prestação de serviços que é realizada pelo empregado no espaço empresarial.


“Através dessa faculdade, o empregador fiscaliza e controla os passos do empregado durante a jornada de trabalho, com vistas a aferir se as atividades estão sendo executadas conforme pactuado no contrato de trabalho e, ainda, se estão de acordo com os fins almejados pela empresa.” (NASCIMENTO, 2009, p. 72)


Segundo Delgado (2008), o poder fiscalizatório, também conhecido como poder de controle, compreende “o conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno”.


O poder fiscalizatório autoriza o empregador, dentro dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico, verificar se os empregados estão respeitando as exigências e diretrizes estabelecidas para o desempenho da sua atividade laborativa.


Ocorre que, em decorrência da proteção legal concedida aos direitos de personalidade do empregado, como, por exemplo, na Constituição Federal de 1988 – art. 5º, incisos V e X e no Código Civil Brasileiro – no capítulo II, do Livro I, o poder fiscalizatório não pode ser exercido de forma ilimitada, da mesma forma que não é ilimitada a subordinação jurídica do trabalhador ao poder patronal.


“[…] sendo o poder de controle da atividade laboral do  trabalhador imanente ao próprio conceito de subordinação jurídica, elemento caracterizador essencial do contrato de trabalho, serão, todavia, proibidos os meios de vigilância e controle dessa atividade para os quais não exista uma razão objetiva, v.g. em função de exigências organizativas e/ou de segurança ou da necessidade de tutela do patrimônio do empregador, bem como as modalidades desse controle que (ao menos potencialmente) sejam lesivas da dignidade do trabalhador, máxime por revestir caráter vexatório.” (REIS, 2007, p. 87)


Segundo Branco (2007), os direitos de personalidade visam proteger o patrimônio moral da pessoa humana em suas dimensões psicológica, social, ideológica e estética.


Em razão disso, a utilização do polígrafo no ambiente de trabalho extrapola sobremaneira os limites do razoável no que tange ao exercício regular do poder fiscalizatório do empregador e, por consequência, a necessária observância aos direitos fundamentais de personalidade do empregado. Tais direitos visam não só estabelecer limitações ao exercício abusivo e irregular do poder empresarial no âmbito das relações trabalhistas, como também inviabilizar a perda das liberdades do empregado no ambiente de trabalho.


Os direitos fundamentais de personalidade do empregado devem se sobrepor aos poderes de comando do empregador, haja vista que o intuito maior do ordenamento jurídico brasileiro é proteger a dignidade da pessoa humana no âmbito das relações de trabalho.


Segundo Cogo (2006), se o processo de gestão de pessoas utilizado pela empresa for levado a efeito sem os controles sociais e jurídicos necessários, os direitos e garantias individuais e sociais dos trabalhadores poderão ser dilapidados.


Para Branco (2007), já se passaram quase vinte anos de vigência da Constituição Federal de 1988 e o princípio da dignidade humana, estampado no artigo 1º, inciso III, apesar de ser considerado o fundamento da República Federativa do Brasil e um valor supremo do Estado Democrático de Direito, ainda não atingiu de forma satisfatória o grau de eficácia normativa esperado, a ponto de ser reconhecido como o status de essência em relação aos demais princípios constitucionais. Para a autora, o princípio da dignidade da pessoa humana compreende a razão de ser do próprio Direito, que é tutelar o homem como bem maior em todas as dimensões de sua existência, inclusive, no que concerne aos direitos humanos fundamentais sociotrabalhistas.


Barros ainda assevera que “[…] é justamente na dignidade da pessoa humana como princípio fundamental que os direitos fundamentais encontram seu próprio fundamento”.


Desse modo, o exame através do polígrafo representa um atentado aos direitos fundamentais de personalidade do empregado, pois agride a sua integridade física e moral e seus direitos fundamentais à intimidade e à vida privada. Trata-se de afronta à dignidade da pessoa humana, por não decorrer do exercício legítimo e regular do poder fiscalizatório do empregador.


“O pressuposto teleológico de todo o sistema normativo brasileiro, que é a dignidade da pessoa humana, seria suficiente, por si só, para fazer eclodir uma rede de proteção dos direitos da personalidade no âmbito da relação de emprego, impedindo-se que fossem perpetradas contra os empregados transgressões destinadas a limitar os direitos à intimidade, honra, vida privada, imagem. Por derradeiro, incolumidade física e psíquica”. (COGO, 2006, p.41).


À guisa de ilustração, vale colacionar julgados onde a utilização do polígrafo foi repudiada pelo judiciário. Vejamos:


“EMENTA: Seleção de funcionários por intermédio de polígrafo (detector de mentira) – Ilegalidade – Dano moral – A submissão do empregado ao teste do polígrafo gera constrangimento, eis que expediente discriminatório e que viola a vida íntima do indivíduo, afrontando o art. 5º, X, da CF/88, assim como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, qual seja, a dignidade da pessoa humana, insculpido no inciso III do artigo 1º da CF/88. Recurso a que se dá provimento.” (TRT 1 R., Proc. RO 01315.2002.312.02.00-8, 1ª Turma. Relª. Desembargadora Maria Inês M. S. A. Cunha. Publicação da decisão no DJ 14/03/2006.)


No mesmo sentido, estão as decisões abaixo:


“EMENTA: USO DE POLÍGRAFO, COMO INSTRUMENTO TÉCNICO DE AVALIAÇÃO, PARA FINS ADMISSIONAIS DE EMPREGO. CONFIGURAÇÃO DE DANO MORAL. Por certo que o uso de meios técnicos, para fins de avaliação da idoneidade da pessoa, como critério inadequado e evidentemente falho, só por si, acaba por representar um ato de constrangimento pessoal – ainda que desprezado, aqui, o “modus procedendi”, de acoplagem de aparelhos, capazes de identificar reações de sudorese, batimentos cardíacos e reações emocionais. Comprimido pela necessidade de um emprego, qualquer cidadão de melhor índole e sensibilidade, só pela certeza da falha desse critério e pelo receio de não vir a alcançar o objetivo perseguido, por certo que se encontra extremamente exposto a reações daquela ordem – sem que, nem por isso, as mesmas guardem qualquer relação com a meta da verdade perseguida. De tanto se pode concluir, pois, inequivocamente, tratar-se de método duplamente atentatório, contra a dignidade da pessoa: em si, como ato vexatório; e, quanto ao seu resultado, enquanto que eventualmente oposto à realidade examinada. A todos os títulos, portanto, afrontoso à privacidade da pessoa e que fere, frontalmente, a sua dignidade – substrato e fundamento do direito à reparação por “dano moral”, melhor dito dano não patrimonial.” (TRT 3 R., Proc. 00298200309203000, 6 Turma. Rel. Juiz Manoel Cândido Rodrigues, DJ 30.04.2004).


“EMENTA: SELEÇÃO DE FUNCIONÁRIOS POR INTERMÉDIO DE POLÍGRAFO (DETECTOR DE MENTIRA) – ILEGALIDADE – DANO MORAL – A submissão do empregado ao teste do polígrafo gera constrangimento, eis que expediente discriminatório e que viola a vida íntima do indivíduo, afrontando o art. 5º, X, da CF/88, assim como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, qual seja, a dignidade da pessoa humana, insculpido no inciso III do artigo 1º da CF/88. Recurso a que se dá provimento.”  (TRT 2ª R., Proc 01315.2002.312.02.00-8, 1ª Turma. Relª. Desembargadora Maria Inês Moura Santos Alves da Cunha, DJ 14/03/2006).


Portanto, por se tratar de agressão à saúde do empregado, é inadmissível sustentar a realização de determinado exame que possa gerar constrangimento, pressão e mal-estar físico e psicológico no decorrer da sua utilização.  Além disso, é preciso pontuar que, durante o procedimento de tal exame, são formuladas perguntas ao empregado “entrevistado”, que podem não ser divulgadas ao mesmo. Autorizar tal certame representa, de fato, retroceder aos preceitos fundamentais sociais assegurados pela Constituição Federal de 1988, que acentuam a importância do valor social do trabalho e da proteção à dignidade da pessoa humana nas relações de trabalho (art. 3º e 170 da CF/88).


“O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana constitui, na verdade, a maior razão de ser dos direitos denominados como da personalidade, sendo, portanto, um corolário lógico que a proteção de tais bens jurídicos tenha se dado em nosso ordenamento, para além de outros diplomas infraconstitucionais, ou seja, no próprio seio da Carta da República – conforme pode ser verificado por meio do inciso X do art. 5 – ante a relevância dos valores aos quais estão ligados, quais sejam: a intimidade, a vida privada,a a honra e a imagem.” ( BRANCO, 2007, p.71)  


As medidas de segurança necessárias para a defesa do patrimônio, que compreendem a justificativa sustentada pelas empresas para salvaguardar a realização de tal exame, não são motivos suficientes para suplantar o caráter vexatório e sigiloso do exame, muito menos, o stress físico e mental que o mesmo acarreta ao trabalhador, restando clara, portanto, a constatação de abuso de direito do empregador.


“O empregador tem o dever de assegurar aos trabalhadores o desenvolvimento de suas atividades em ambiente moral e rodeado de segurança e higiene, tendo a obrigação de prover aos trabalhadores um ambiente de trabalho sadio, com condições físicas e psicológicas ideais para o desenvolvimento das atividades laborais” (NASCIMENTO, 2004, p. 10).


Para Barros (2009), o temor, a raiva e o constrangimento pelo fato de estarem se submetendo ao teste do polígrafo são fatores que geram estresse e que acarretam, consequentemente, alterações fisiológicas nas pessoas.  A autora destaca que fatores emocionais como o cansaço, a angústia e até mesmo uma simples cefaléia poderão falsear os resultados obtidos pelo teste do polígrafo.


Explana Garcez (2001) em sua dissertação de mestrado acerca da vida privada na relação de emprego: “Podemos afirmar que o direito do empresário à administração adequada da empresa, bem como o direito constitucional à livre iniciativa, estão em patamar inferior ao direito do obreiro à intimidade, devendo prevalecer este, em caso de conflito”.


  Nesse enleio, submeter o empregado ao teste do polígrafo é adentrar na esfera íntima do trabalhador. Além do mais, trata-se de equipamento de eficácia duvidosa e, por consequência, passível de falhas, não correspondendo a cem por cento da verdade, uma vez que não há qualquer prova de que o polígrafo possa medir, de maneira inconteste, se o ser humano está mentindo ou sendo honesto.


Assim se manifestou a decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região (São Paulo):


“EMENTA: CONTINUIDADE DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CONDICIONADA A RESULTADO OBTIDO ATRAVÉS DE TESTE DE POLÍGRAFO (DETECTOR DE MENTIRAS). VIOLAÇÃO À INTIMIDADE. DANO MORAL CONFIGURADO. O polígrafo ou “detector de mentiras” (liedetector), máquina inventada no ano de 1.921, foi introduzida no Brasil nos anos sessenta e banida uma década depois. Registra, de forma simultânea, mudanças nos processos fisiológicos, através da medição de batidas do coração, respiração e pressão arterial. Parte-se da premissa de que, enquanto mentimos, sofremos alterações fisiológicas. Contudo, é sabido que as indigitadas mudanças não derivam apenas de mentiras, mas também por causas diversas, como tristeza, timidez, angústia, entre outros. Fato concreto é que estudiosos do mundo todo são unânimes em asseverar que não há qualquer prova de que o polígrafo possa medir, de maneira inconteste, se o ser humano está mentindo ou sendo honesto, razão pela qual muitos países não têm admitido como meio de prova os resultados obtidos através de testes de polígrafos. Ademais, as perguntas formuladas pelo empregador não guardam qualquer relação com o vínculo empregatício mantido entre os litigantes e configuram notória violação aos termos expressamente consubstanciados pelo artigo 1º da Lei nº 9.029/95 e dispostos nos incisos do artigo 5º da Carta Magna vigente. Não se pode olvidar, outrossim, que a inserção da empregada no ambiente do trabalho não lhe retira os direitos da personalidade, dos quais o direito à intimidade constitui uma espécie. Portanto, não há dúvida de que o uso do polígrafo por parte da recorrente apresenta-se como ilegal e ao permitir essa lógica do mercado de aviação, é dizer, essa política equivocada de gerenciamento, estaríamos reduzindo a importância do Direito do Trabalho Brasileiro e a força normativa de seus princípios, restringindo o trabalhador à condição de objeto. O empregador deve exercer seu poder diretivo, e esse exercício não lhe autoriza jamais dirigir a vida do empregado. Configurado o ilícito praticado pela reclamada, para atender exigência da empresa aérea American Airlines, a condenação ao pagamento de indenização por danos morais é medida que se impõe.” (TRT 1ºR., Proc. RO 01275-2003-311-02-00-9, 6ª Turma, Rel. Desembargador Valdir Florindo. DJ 14/10/2005).


Barros (2009) corrobora este entendimento ao sustentar que não deve ser admitida a hipótese de submissão do empregado ao teste de polígrafo, por se tratar de um instrumento duvidoso do ponto de vista científico e por implicar em total violação à esfera privada do empregado.


Desse modo, a utilização do polígrafo caracteriza abuso de direito do empregador, pois extrapola os limites de atuação do seu poder fiscalizatório, transgride a dignidade do empregado ao submetê-lo a constrangimento injustificado e expõe a sua intimidade e a sua privacidade no ambiente de trabalho.


Destaca-se, então


“A possibilidade de distinção ou exclusão infundada provocada pelo teste do polígrafo, uma vez que, para obter resultados, é necessário fazer indagações sobre temas discriminatórios. Para atingir os objetivos do teste, são abordadas questões muito pessoais a respeito de atuação política ou sindical do trabalhador e ainda a respeito do uso de drogas no passado”. (LEFEBVRE in Barros, 2009, p. 587)   


3. O projeto de lei n. 7.253/2002


Convém ressaltar que, em 2002, tramitou no Congresso Nacional o projeto de Lei sob o número 7.253/2002, que proibia expressamente a utilização do polígrafo no ambiente de trabalho. O autor do projeto, atual senador federal e ex-deputado federal Paulo Paim, sugeriu a alteração do artigo 3º da CLT, quando dispôs acerca da proibição do uso do polígrafo pelo empregador no Brasil.


O CONGRESSO NACIONAL decreta:


Art. 1º Esta lei altera o art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, a fim de proibir o uso do polígrafo pelo empregador.


Art. 2º Acrescentem-se ao art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, os seguintes parágrafos:


Art. 3º (…)


§ 1º É proibido em quaisquer circunstâncias submeter o trabalhador ou candidato a emprego a teste com o uso de polígrafo, ou outro método que possa causar dano à honra e à dignidade do trabalhador.


§ 2º Pelo efetivo dano à honra e à dignidade do trabalhador, nos termos do § 1º deste artigo, é devida uma indenização no valor de dez a cem vezes o salário estabelecido para o cargo, a ser paga pelo empregador ou pelo recrutador.


Art.3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”


O senador Paim (2002) justificou em seu projeto de lei que o uso do polígrafo representa grosseira violação à liberdade e à privacidade do homem, indo contra o respeito à “dignidade da pessoa humana”, fundamentada pela Constituição Brasileira que, em seu artigo 5º estabelece que “…ninguém será submetido a tratamento desumano”. Considera-se, assim, inadmissível, em quaisquer circunstâncias, a submissão do obreiro ao teste detector de mentiras.


“Mesmo em caso de existência de suspeitas veementes de crime praticado pelo empregado (p. ex., furto, ou apropriação indébita), sua utilização consiste em prática reprovável (além de bizarra), eis que o empregador não pode instituir por sua própria conta, um “processo penal” travestido, pois cabe ao Estado a persecução penal. A prática de testes através do polígrafo nas relações de trabalho – obviamente inadmissível em nosso ordenamento jurídico, eis que atentatória à dignidade da pessoa humana – assemelha-se aos métodos medievais de controle descritos por Michel Foucaut na obra Vigiar e Punir. Cabe ao legislador reprimir o uso da ciência sem o adequado substrato ético. É lamentável que o avanço científico traga em seu bojo o retrocesso no campo da ética e da fraternidade nas relações entre os homens. Seu uso configura grosseira violação à liberdade, à dignidade e à privacidade do homem.” (PAIM, 2002)


Vários dispositivos constitucionais contidos na Constituição Federal de 1988 são tidos como fundamento para considerar-se abusivo o uso do polígrafo no ambiente de trabalho, verbis:


Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […]


III – a dignidade da pessoa humana;


Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:


I – homens e mulheres são iguais em direito e obrigações, nos termos desta Constituição;


II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;


III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;


IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;


V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou á imagem;


VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias;


VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;


X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.


Ainda acompanhando o pensamento do senador Paim, submeter o trabalhador ao objeto polígrafo implica frontal desrespeito a tais princípios. A dignidade da pessoa humana é a origem da qual deve partir a interpretação do Direito, permeada sempre pela concepção do trabalho como instrumento de efetivação da justiça social, bem como pela noção de que o direito de propriedade deve ser exercido segundo sua função social, nos termos do artigo 5º , inciso XVIII, da Constituição Federal de 1988. Além disso, a proteção da dignidade da pessoa humana autoriza uma ação contra tratamentos intromissivos, impedindo atitudes que diminuam o status da pessoa humana enquanto indivíduo, cidadão e membro da comunidade.


No direito comparado, Barros (2009) assevera que a jurisprudência da Suprema Corte do Canadá considera o teste do polígrafo algo similar às perseguições abusivas e inconstitucionais, por não permitir a constatação de uma prova válida e por considerar o seu valor científico duvidoso. Além disso, essa mesma Corte considera que esse teste representa um sério e profundo atentado à privacidade dos empregados.


Na França, ensina Barros que o teste do polígrafo encontra obstáculo nos artigos 120-2 e 121-7 do Código do Trabalho, pois os mesmos vedam restrições aos direitos das pessoas e às liberdades coletivas que não sejam justificadas pela natureza das tarefas a executar, nem sejam proporcionais aos fins almejados. Por este motivo, o teste do polígrafo não é utilizado na França e a doutrina francesa o considera uma técnica forçada de transparência.


4. O polígrafo e o assédio moral vertical descendente


 É muito comum a imposição da realização do teste do polígrafo por empresas de aviação americana, como a American Airlines. Argumentam que, após o atentado terrorista de 11 de setembro nos EUA, suas aeronaves se tornaram potenciais alvos de atentado por parte do terrorismo internacional. Em razão disso, a submissão dos empregados ao exame por meio de polígrafo é uma medida preventiva de segurança em favor do bem estar da comunidade, não ensejando, desse modo, a devida compensação por dano moral.


A esse respeito, colacionamos o seguinte julgado acerca da submissão de empregados a detectores de mentiras (polígrafo) por empresa aérea americana:


“DANO MORAL. TESTE DO POLÍGRAFO (DETECTOR DE MENTIRAS). DIREITO À HONRA E À INTIMIDADE DO TRABALHADOR. O trabalhador, ao ingressar em uma empresa na qualidade de empregado, não se despe dos direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição da República a todos os cidadãos, dentre os quais figura com destaque a inviolabilidade de sua intimidade, de sua honra e de sua imagem (artigo 5, inciso X, do Texto Fundamental). Se é verdade que o empregador detém poderes de direção, fiscalização e disciplinamento em relação àqueles que lhe prestam serviços, não menos certo que o exercício desse direito potestativo encontra limite em tais direitos e garantias constitucionais. Quando o empregador obriga o seu empregado a se submeter ao teste do polígrafo, equipamento de eficácia duvidosa e não adotado no ordenamento jurídico pátrio, extrapola os limites de atuação do seu poder diretivo e atinge a dignidade desse trabalhador, expondo a honra e intimidade deste e submetendo-o a um constrangimento injustificado, apto a ensejar a reparação pelos danos morais causados por essa conduta.” (TRT 3 R, 5ª Turma, Poc. RO-00317-2003-092-03-00-9. Rel.: Juiz José Roberto Freire Pimenta. DJ 5/6/2004).


A utilização do equipamento polígrafo pode ser considerada uma forma de abuso do direito praticado pelo empregador durante o exercício do seu poder fiscalizatório, pois como bem ensina Meireles (2005) o abuso de direito é aquele que “excede manifestamente os limites impostos na lei, pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé e pelos bons costumes, decorrente de ato comissivo ou omissivo”. 


“[…] toda vez que um direito ou um poder qualquer, mesmo discricionário, é concedido a uma autoridade ou a uma pessoa de direito privado, esse direito ou esse poder será censurado se for exigido de uma forma desarrazoada. Esse uso inadmissível do direito será qualificado tecnicamente de formas variadas, como abuso do direito, como excesso ou desvio de poderes, como iniqüidade ou má fé, como aplicação ridícula ou inadequada de disposições legais, como contrário aos princípios gerais do direito comum a todos os povos civilizados. Pouco importam as categorias jurídicas invocadas. O que é essencial é que, num Estado de Direito, quando um poder legítimo ou um direito qualquer é submetido ao controle judiciário, ele poderá ser censurado se for exercido de forma desarrazoada, portanto, inaceitável”. ( MEIRELES, 2005, p22) 


Em razão disso, a realização do exame polígrafo, seja na fase do       pré-contrato de trabalho ou na fase propriamente dita de execução do contrato de trabalho, caracterizará a prática do assédio moral vertical descendente, pois o seu uso pelo empregador fere os direitos fundamentais de personalidade do empregado e a sua dignidade.


O assédio moral praticado por um superior hierárquico em face de um subordinado é conhecido como vertical descendente e compreende uma forma de exposição do trabalhador a situações humilhantes, vexatórias e constrangedoras. Com isso, o trabalhador se sente inferiorizado e menosprezado em relação aos demais colegas, tendo, por conseqüência, ofendida a sua honra, a sua dignidade e a sua convivência no seio social.


“Não obstante (e como mostram os estudos de Psicopatologia do Trabalho) no espaço das relações laborais são cada vez mais freqüentes os casos de reiteradas e profundas agressões psicológicas contra o empregado, não raras vezes levando-o ao estresse, ao desequilíbrio mental e até mesmo ao suicídio, além de causar-lhe outros males psicossomáticos. A pressão psicológica, o acosso psíquico, a violência moral, a humilhação, o burn out, o vilipêndio, o mobbing, a cobrança exagerada de produção e de resultados, a discriminação, a crítica desmedida e várias outras formas de maltrato psicológico são, nos dias de hoje, formas de violência no trabalho que exigem uma resposta do Direito, um remédio jurídico de proteção às vítimas.” (SIMM, 2007, p. 11).


O atual mundo competitivo e o aumento considerável do trabalho consagraram a concorrência ilegal. O objetivo da atividade econômica é a intensa produtividade, com redução de custo a qualquer preço. Com as mudanças tecnológicas e de reestruturação produtiva, o ambiente de trabalho mostrou-se mais propício para práticas abusivas do poder de comando do empregador.


“Com a expansão dos mercados, com o aumento da competitividade entre as empresas e com a busca incessante pelo lucro, o poder empregatício, conferido ao empregador passou a ser exercido de forma dissimulada e desproporcional. Tudo em decorrência das novas formas de organização e gestão estabelecidas pela empresa.” (GOSDAL, 2009, p. 89).


A autora ainda assevera que


“[…] em algumas situações, essas mudanças têm levado a excessos que transbordam o exercício regular do poder do empregador de gerir a atividade empresarial, até mesmo favorecendo a configuração de um ambiente propício a situações de assédio.” (2009, p. 89)


Todos os fatores acima elencados criaram um ambiente laboral propenso à prática injusta do assédio moral. Faz-se, portanto necessário apontar soluções a fim de que seja erradicada essa prática danosa no âmbito das relações trabalhistas para que seja instaurado um ambiente tranqüilo, sadio, harmonioso e garantidor de valores humanos. E uma dessas soluções é afastar definitivamente a realização do exame polígrafo, pois, no ambiente de trabalho, todo constrangimento e situação vexatória por que passa o trabalhador trazem a ele conseqüências muitas vezes irreversíveis, pois além de afetar sua saúde física, afeta também sua autoestima e o seu comportamento no seio da sociedade.


“[…] a empresa contemporânea deverá estar preparada para não praticar ou para coibir a prática do terrorismo psicológico, vendo o trabalhador não apenas como um mero prestador de serviços ou um dos fatores de produção, mas, além disso e acima de tudo, um ser humano dotado de direitos e garantias inerentes a essa condição, como forma de assegurar-se a sua inclusa no conceito de cidadania.” (SIMM 2008, p. 19)


O Direito do Trabalho deve buscar soluções para garantir os direitos trabalhistas e proteger os trabalhadores de abusos decorrentes das novas formas de gestão, que, por vezes, apresentam características egoístas e enganosas sob o ponto de vista social, pois como bem assevera Muchail (1995) “[…] vivemos o antagonismo do que é digno do humano e o que é útil à sociedade. Entendo que vivemos uma crise de humanismo, da centralização do humano, fruto da própria banalização do homem.”      


Assim se manifesta o artigo 225, caput, da Constituição Federal de 1988:


“Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade e vida, impondo-se ao poder público e a coletividade o dever de defendê-Io e preservá-Io para as presentes e futuras gerações.”


   O empregador possui, assim, o dever legal de assegurar um meio ambiente laboral saudável e equilibrado, pois é preciso proteger o homem trabalhador, enquanto ser vivo, das formas de degradação do meio ambiente onde exerce seu labor, por ser este fundamental à sua qualidade de vida.  Dessa forma, o uso do equipamento polígrafo enseja a reparação de danos morais pela Justiça do Trabalho, uma vez que, ante seu uso, ocorre não só violação à dignidade e à integridade do trabalhador, como também, muitas vezes, a rescisão indireta do contrato de trabalho, nos moldes do artigo 483 da CLT.


Nesse universo, direitos fundamentais de personalidade e meio ambiente do trabalho se instauram sobre um caráter indissociável, uma vez que o respeito ao direito do meio ambiente do trabalho saudável e equilibrado implica prática defensiva do direito a uma saúde digna, que é o mais básico alicerce dos direitos fundamentais da pessoa humana. Inexorável se eleva o direito ao meio ambiente laboral equilibrado, como um direito fundamental, materialmente considerado e ligado ao direito à vida.


Dessa maneira, reconhece-se mundialmente o quanto é essencial a sadia qualidade de vida no aspecto que aqui se pretende enfocar, destacando-se, com relevância, a harmonia no meio ambiente do trabalho. Essa se dogmatiza subjetiva e objetivamente na proteção dos direitos à dignidade da pessoa humana, fulcrado no artigo 1°, III, da CF/88.


A Constituição Federal de 1988 estrutura a atividade econômica nos valores intrínsecos da dignidade da pessoa humana (artigo 170, VI, CF/88), já que tal é o princípio-mãe para a edificação de uma ordem econômica e social lapidada na ética e na equidade. Assim, pretende-se instaurar o sentimento universal do avanço à dignificação do trabalho, pois


“O primeiro e fundamental direito do homem, consagrado em todas as declarações internacionais, é o direito à vida, suporte para existência e gozo dos demais direitos. Entretanto, não basta declarar o direito à vida sem assegurar os seus pilares básicos de sustentação: o trabalho e a saúde”. (OLIVEIRA, 2009, p. 189)


O trabalhador busca na atividade laboral o acesso aos bens de consumo necessários para conservar sua vida. Por isso não se pode ignorar a ressonância direta do labor com o processo vital, pois para que ocorra o exercício do trabalho, o homem não pode perder a saúde, sem a qual o direito à vida não se sustenta.


Cogo (2006) ensina que é preciso encontrar soluções capazes de estruturar uma relação mais humana e ética entre aqueles que tem o papel social de produzir riquezas e aqueles que, na outra ponta dessa relação, buscam sua inclusão no mercado de trabalho.O ministro do TST Maurício Godinho Delgado já se manifestou de forma contrária acerca da utilização do equipamento polígrafo por empresa americana de transporte aéreo nacional e/ou internacional. Vejamos:

“RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL DECORRENTE DE SUBMISSÃO DE EMPREGADA A TESTES DE POLÍGRAFO (DETECTOR DE MENTIRAS).  A submissão de empregados a testes de polígrafo viola sua intimidade e sua vida privada, causando danos à sua honra e à sua imagem, uma vez que a utilização do polígrafo (detector de mentiras) extrapola o exercício do poder diretivo do empregador, por não ser reconhecido pelo ordenamento jurídico brasileiro o mencionado sistema. Assim, in casu, compreende-se que o uso do polígrafo não é indispensável à segurança da atividade aeroportuária, haja vista existirem outros meios, inclusive mais eficazes, de combate ao contrabando, ao terrorismo e à corrupção, não podendo o teste de polígrafo ser usado camufladamente sob o pretexto de realização de teste admissional rotineiro e adequado. Além disso, o uso do sistema de polígrafo assemelha-se aos métodos de investigação de crimes, que só poderiam ser usados pela polícia competente, uma vez que, no Brasil, o legítimo detentor do Poder de Polícia é unicamente o Estado. Recurso de Revista conhecido e parcialmente provido.” (TST, 6ª Turma, Proc. RR 28140-17.2004.5.03.0092. Re.: Ministro Maurício Godinho Delgado. DJ 07/05/2010).


O ministro relator do processo esclarece que o teste de polígrafo, utilizado pela empresa americana não pode ser adotado em relação a empregados brasileiros aqui admitidos, pois estes têm como fonte de proteção as normas trabalhistas brasileiras, devendo ser respeitados os princípios basilares traçados pela Constituição Federal de 1988, quais sejam o da dignidade da pessoa humana e o da inviolabilidade da intimidade e da honra subjetiva.


Em sua decisão, não considera o polígrafo um mecanismo legalmente previsto pelo ordenamento jurídico brasileiro e, além disso, entende que o mesmo representa um instrumento de transgressão à intimidade dos submetidos ao exame, uma vez que sequer é eficaz como meio de prova contra os empregados. Esclarece também que se a medida fosse realmente indispensável, já teria sido adotada pelas companhias de aviação de outras nacionalidades. Chama a atenção o trecho de sua decisão:  “[…] o uso do polígrafo não é indispensável à segurança da atividade aeroportuária, haja vista existirem outros meios, inclusive mais eficazes, de combate ao contrabando, ao terrorismo e à corrupção, não podendo o teste de polígrafo ser usado camufladamente sob o pretexto de realização de teste admissional  rotineiro e adequado.”


 Vejamos também as indagações de cunho intimidativo feitas à recorrente nos autos em análise:


__ Você já cometeu crimes ou já foi presa?
__ Vende ou já vendeu narcóticos?
__ Tem antecedentes de desonestidade?
__ Cometeu violações de trânsito?
__ Deve dinheiro para alguém? Quem? Quanto?
__Já roubou qualquer propriedade do local onde trabalha?
__ Desde seu último teste, já usou drogas ilegais?
__ Intencionalmente já permitiu que alguém viajasse com documentos falsos?
__ Permitiu que alguém violasse os procedimentos de segurança?
__ Já permitiu contrabando em alguma aeronave?

Finalmente, explana o ilustre Ministro que o uso do polígrafo acaba por expor a vida pessoal do empregado submetido ao exame, gerando inclusive uma não-contratação de caráter discriminatório. Por isso, constata em sua decisão que o uso do polígrafo não só viola a intimidade e a vida privada dos submetidos ao teste como também destina-se, direta ou indiretamente, a um fim discriminatório, o que vai de encontro aos objetivos da República Federativa do Brasil insculpidos no inciso IV do artigo 3º da Constituição Federal de 1988, cujo fundamento principal é o respeito à dignidade da pessoa humana prevista no inciso III do artigo 1º do mesmo diploma legal. Dessa maneira, comprova que o uso do detector de mentiras resulta em decisões que contrariam não só o inciso X do artigo 5º, como também o próprio caput do referido artigo, que estabelece o princípio da igualdade e veda as distinções legais de qualquer natureza . Ademais, considera que “o uso do sistema de polígrafo assemelha-se aos métodos de investigação de crimes, que só poderiam ser usados pela polícia competente, uma vez que, no Brasil, o legítimo detentor do Poder de Polícia é unicamente o Estado”, não podendo, em hipótese alguma, ser usado arbitrariamente por empresas privadas.

Como ainda assevera o ministro, o uso do teste de polígrafo, como pretensa medida de segurança, viola a intimidade da pessoa humana e enseja a pretensão a prováveis danos materiais e morais, conforme a previsão disposta no artigo 5º, X, de nossa Carta Magna, que assim dispõe,  in verbis: “Art. 5º (…)  X   são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” .

 


Referências

BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009.

BRANCO, Ana Paula Tauceda. A Colisão de Princípios Constitucionais no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2007.

COGO, Sandra Negri. Gestão de pessoas e a integridade psicológica do trabalhador. São Paulo: LTr, 2006.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2010.

GARCEZ, Maximiliano Nagl. Vida privada e a relação de emprego. Curitiba, 2001. 310 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Paraná.

GOSDAL, Thereza Cristina. Assédio moral interpessoal e organizacional. São Paulo: LTr, 2009.

MEIRELES, Edilton. Abuso do direito na relação de emprego. São Paulo: LTr, 2005.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2005.

NASCIMENTO, Nilson de Oliveira. Manual do poder diretivo. São Paulo: LTr, 2009.

PAIM, Paulo – Projeto de lei sob o número 7.253/2002, disponível em www.senadorpaim.com.br – acesso em 25 de abril de 2010.

SIMM, Zeno. Acosso psíquico no ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2008.

Informações Sobre o Autor

Rúbia Zanotelli de Alvarenga

Doutora e Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense e membro pesquisadora do Instituto Cesarino Junior. Integrante do grupo de pesquisa da UFF – Direito, Estado, Cidadania e Políticas Públicas. Advogada.


Equipe Âmbito Jurídico

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