O porte de arma de fogo e seu tratamento penal

Sumário: 1. Introdução; 2. A questão do porte de arma;
3. Conclusão.

1. Introdução

É sabido que a lei penal, como de
resto todas as leis, deve ser produto de intensa reflexão; verdadeira obra de
inteligência.

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Também não é novidade para os que se
afinam com o Direito que as leis devem ser mutáveis, porém, para a garantia e
segurança da sociedade e enquanto produto de inteligência devem ser feitas para
durar, e para tanto, no processo de sua elaboração o legislador deve olhar para
o passado, presente e futuro. É preciso que investigue no passado o foco de que
irá cuidar; analise o presente e tenha os olhos voltados para uma perspectiva futura.

O contrário tem proporcionado o que
estamos vivendo no presente, onde o Poder Legislativo proporciona o que já se convencionou
chamar de inflação legislativa; não sem razão.

Pior que o volume de leis que são
paridas a todo instante só a péssima qualidade das mesmas e o caos que geram,
desestabilizando a sociedade, a segurança pública, a Justiça e o Direito.

2. A questão
do porte de arma

O decreto-lei 3.688, de 3 de outubro
de 1941, entre nós conhecido como Lei das Contravenções Penais, dispôs em seu
art. 19 sobre o porte ilegal de arma nos seguintes termos:

“Art. 19. Trazer consigo arma fora
de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade:

Pena – prisão simples de 15 (quinze)
dias a 6 (seis) meses, ou multa, ou 
ambas cumulativamente”.

Delito anão, o porte ilegal de arma
foi tratado como simples contravenção penal e no mais das vezes sempre acabava
punido tão-somente com pena de multa, e com o advento da Lei 9.099, de 26 de
setembro de 1995, a
Lei dos Juizados Especiais Criminais, por força do disposto em seu art. 61,
passou a ser considerado delito de menor
potencial ofensivo
.

Em 1997 o legislador houve por bem dar
nova regulamentação ao porte ilegal de arma de fogo, e veio à tona a Lei 9.437,
de 20 de fevereiro de 1997, e a partir de então portar ilegalmente arma de fogo
passou a ser crime, punido, no mínimo, com detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos e
multa, conforme decorre do disposto no art. 10 da referida lei.

A nova disciplina legal regulou
melhor a matéria estabelecendo diversas condutas típicas por meio de vários
verbos, nos moldes do art. 12 da Lei 6.368/76 (Lei Antitóxicos), e exasperou
consideravelmente a resposta punitiva em várias modalidades que buscou tratar.
Por aqui, é preciso reconhecer que houve um avanço
positivo
na lei.

Contudo, a imprudência, a imperícia
e a voracidade do legislador não lhe permitiram uma reflexão adequada sobre os
limites e alcance da Lei 10.259, de 12 de julho de 2001, que dispondo sobre a
instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça
Federal acabou ampliando o conceito de pequeno potencial ofensivo ao
estabelecer em seu art. 2º, parágrafo único, que “consideram-se infrações de
menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei
comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa”, de forma a dar nova
dimensão ao art. 61 da Lei 9.099/95.

Decorre de tal ampliação que a maior
parte dos crimes regulados no art. 10 da Lei 9.437/97 passou a ser considerada
e tratada como infração de pequeno
potencial ofensivo
, com as implicações daí decorrentes.

Discute-se agora no Congresso
Nacional Projeto de Lei em que se pretende transformar o crime de porte ilegal
de arma de fogo em crime hediondo,
havendo grandes chances de que tal projeto venha a ser convertido em lei.

Vejamos, então. O porte ilegal de
arma de fogo era uma contravenção até
1997
, e considerado infração de
pequeno potencial ofensivo
por força da Lei 9.099/95, sendo que a partir da
Lei 9.437 passou a ser considerado crime
e deixou de ser infração de pequeno potencial ofensivo. Em 2001 voltou a receber tratamento penal mais brando, readquirindo
o status de infração de pequeno potencial ofensivo, isso por força da Lei
10.259. Pretendem agora, os Srs. Legisladores, transformá-lo em crime hediondo.

A trajetória é impressionante e
assustadora, além de extremamente preocupante: até 1997 era contravenção e de pequeno potencial ofensivo;
a partir de 1997 virou crime, com considerável exasperação
punitiva e saída do rol das infrações menores; em 2001 volta a ser infração de
pequeno potencial ofensivo
; em 2003
poderá passar á condição de crime
hediondo
.

Nem é preciso discorrer sobre as
implicações decorrentes da Lei 8.072/90 para os crimes hediondos ou
assemelhados.

3. Conclusão

É compreensível que a ONU –
Organização das Nações Unidas, tenha divulgado recentemente uma pesquisa onde o
Brasil figura em penúltimo lugar em índices de inteligência, sendo destacado na
pesquisa que a maioria dos Brasileiros não consegue entender aquilo que lê.


Informações Sobre o Autor

Renato Flávio Marcão

Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Professor convidado no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes e em cursos de pós-graduação em diversas Escolas Superiores do Ministério Público e da Magistratura. Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP). Membro Associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP).


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Equipe Âmbito Jurídico

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