O Presidente da República deu destaque desfavorável a uma parte da anatomia da qual os brasileiros mais se orgulham: o seu traseiro. E o usou para visualizar a suposta preguiça, o comodismo, a inércia ou a omissão do brasileiro diante da cobrança de juros altos.
Por despreparo ou prepotência, o Presidente tem conseguido superar seu antecessor nas agressões ao povo que o elegeu. Com relação aos aposentados, porém, está disposto a fazer pior. Para seu antecessor, os aposentados – naturalmente incluído o próprio – não passavam de vagabundos. Mas o Presidente decidiu botar no traseiro deles.
Como? Simples. Propiciando-lhes um empréstimo consignado para que se afoguem com a própria saliva. Melhor dizendo: estimulando-os a pôr a corda no próprio pescoço.
Como? Com essa falácia de empréstimo para aposentado, em qualquer banco, a ser descontado de seu benefício. O suposto atrativo são os juros de 1,5% ao mês. Dizer que é baixíssimo porque os juros habituais são de 8, 11 ou mais por cento ao mês é igual àquela outra figura que defendia a tese de que estuprar, sem matar, pode.
Por outro lado, os bancos não remuneram o dinheiro de ninguém com esses juros. Basta ver qual é taxa da poupança. Ou seja: para remunerar o dinheiro dos depositantes, os bancos pagam menos do que cobram para emprestar o mesmo dinheiro.
E o que o Presidente está fazendo contra isso? Nada.
Esses empréstimos se transformarão numa das maiores crueldades que se terá notícia na vida dos aposentados. E ainda traz a marca do cinismo, quando cobra, embutida nos juros, uma taxa de suposto risco, que não existe, pois a parcela será retida pelo banco antes do pagamento do benefício ao aposentado. Tudo isso com a conivência do Governo Federal, que com certeza ainda vai empurrar o IOF e a CPMF no traseiro dos aposentados.
É evidente que a grande massa de aposentados, que ganha um benefício miserável, vai recorrer a esse empréstimo e, logo no mês seguinte, estará sem o dinheiro emprestado e com seu benefício garfado pela prestação que será implacavelmente debitada.
E o pior, em muitos casos, é que esses empréstimos serão usados por terceiros, que deles usufruirão, deixando a conta para os já sofridos aposentados, muitos deles experimentando euforia passageira de experiência na agiotagem, da qual, logo logo, acabarão vítimas.
Ignorando os problemas que decorrerão dessa falácia, os grandes beneficiários serão os banqueiros – que não perdem nunca, especialmente quando têm o apoio governamental – e os candidatos bancados por essas instituições financeiras vorazes.
Se o Presidente queria ajudar os aposentados, que lhes assegurasse um benefício decente, capaz de lhes aliviar as dificuldades, especialmente daqueles que, em avançada idade e necessitando de medicamentos para a sobrevivência, não recebem o suficiente sequer para essas despesas.
Assim, essa manobra, supostamente para facilitar o acesso dos aposentados ao crédito bancário, será algo parecido ao que os romanos faziam com os cristãos: jogá-los na arena e entregá-los a leões famintos.
Os bancos vão receber seus juros. Os aposentados vão endividar-se.
Os bancos continuarão financiando candidatos que lhes assegurem esse lucro fácil. Os aposentados correm o risco de ainda acreditar que o Presidente quis ajudá-los, sem perceber que a alusão anatômica do Presidente e os supostos juros baixos eram apenas marketing para que levantassem o traseiro e o deixassem à vista para facilitar a pontaria.
O tiro foi disparado. Agora é só esperar o estrago. O Presidente, enfim, materializa um velho ditado popular: pimenta no traseiro dos outros – especialmente aposentados – é refresco.
João Bentivi é médico, advogado, jornalista e músico em São Luís do Maranhão
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