Resumo: O presente texto, em que pese de forma breve, objetiva-se a tratar do princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento jurídico da bioética.
O princípio da dignidade da pessoa humana[1], fundamento do Estado Democrático de Direito, esculpido na Carta Constitucional de 1988 em seu Art. 1, inciso III, é norma constitucional[2] central de todo o ordenamento jurídico.
Neste cenário, importante referir que tal princípio há de ser visto sob a dimensão da plenitude ou amplitude. Plenitude, esta, que significa dizer que o ser humano merece reconhecimento na sua parte mais íntima e no seu todo mais amplo.
Neste sentido, posiciona-se Maria Cristina Cereser Pezzella,
“Compreender a dignidade da pessoa humana abarca uma séria discussão no campo das idéias na esfera jurídica constitucional e no campo de todas as relações na esfera do direito infraconstitucional inclusive, além de outras repercussões do pleno desenvolvimento da pessoa na perspectiva física, emocional, intelectual e psíquica”.[3]
Com a idéia de dignidade, originando uma nova perspectiva capaz de garantir a felicidade e a busca da plenitude torna-se indispensável que seja observado o princípio da dignidade da pessoa humana sob a ótica da perspectiva dos direitos da personalidade. Neste sentido, esclarece Ingo Sarlet que a dignidade da pessoa apenas estará assegurada “quando for possível uma existência que permita a plena fruição dos direitos fundamentais, de modo especial, quando seja possível o pleno desenvolvimento da personalidade”.[4]
A vida digna é então aquela onde estão presentes os valores essenciais para o pleno desenvolvimento da pessoa, próprios para as suas necessidades, aptos para as suas características, identificados e individualizados de forma a satisfazer o seu titular.
Para isto, se faz necessário entender e compreender o que é a pessoa humana, não devendo esta ser tratada apenas como sujeito de direito, mas sim como um ser humano, pessoa concreta, com suas possibilidades, aptidões, necessidades e singularidades. Judith Martins-Costa, quanto a este tema, se posiciona no sentido de considerar “as pessoas concretas, os seres humanos de carne e osso, tão fundamentalmente desiguais em suas possibilidades, aptidões e necessidades quanto são singulares em sua personalidade, em seu ‘modo de ser’ peculiar”.[5]
Para compreensão, ainda que breve, vislumbra-se a personalidade humana como constituição de um todo, um complexo multifacetado, singular e unitário (e não a mera soma das partes), merecedora de garantia e tutela no seu particular modo de ser e em todos os variados aspectos que a singularizam. Isto significa dizer, nos termos de Paulo Mota Pinto, que as situações jurídicas existenciais respeitantes à própria pessoa ou “sobre alguns fundamentais modos de ser, físicos ou morais, da personalidade” não constituem “uma pluralidade taxativa de direitos, incidindo cada um sobre um particular aspecto da personalidade”. Antes de tudo, merece uma perspectiva unitária para se poder admitir um “complexo de direitos de personalidade referido à personalidade no seu todo”.[6]
Nas mãos de Gustavo Tepedino, o princípio da dignidade da pessoa humana ganha contornos de ‘cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana’, ou dito de outra forma, é o ‘valor máximo’ de nosso ordenamento jurídico.[7]
Maria Cecília Bodin de Moraes, neste sentido, ancorou a essência material da dignidade da pessoa humana em quatro desdobramentos:
“(i) o sujeito moral (ético) reconhece a existência dos outros como sujeitos iguais a ele; (ii) merecedores do mesmo respeito à integridade psicofísica que é titular; (iii) é dotado de vontade livre, de autodeterminação; (iv) é parte do grupo social, em relação ao qual tem a garantia de não vir a ser marginalizado”.[8]
Assim a dignidade da pessoa humana sustenta, agrega e encentra o sistema constitucional ao redor de seu conteúdo fundamental: direito à igualdade material, à integridade psicofísica, à liberdade e à solidariedade.
Neste contexto, o princípio da dignidade da pessoa humana liga-se a esfera da bioética, na medida em que a preocupação da vida humana deixa de estar centrada na mera subsistência biológica e passa a estar reconhecida em toda a sua dignidade. Os princípios de respeito, conservação e inviolabilidade da vida devem se adequar à luz dos princípios bioéticos, que clamam pela integridade da pessoa, identidade e liberdade.
A Bioética[9], cujo objeto é a vida e a ética, passando por reflexões como a qualidade de “ser pessoa”[10], de sua autonomia e de sua existência, caracteriza-se como sendo uma ciência que busca, em suas origens, aspetos fundamentais referentes à existência do ser humano, inclusive à validade da utilização de novas técnicas e de inovadoras posturas a serem tomadas em relação à vida e à morte, em atendimento ao dinamismo da sociedade, ao direito globalizado, sem perder de vista o cumprimento do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Em razão da dignidade, o ser humano deve ser respeitado em sua identidade psíquica e genética, em sua integridade somática e em sua autonomia pessoal[11]. E, justamente, é a Bioética que estuda e preocupa-se com tais dimensões frente às questões do avanço das ciências tecnológicas, manipulação genética, pesquisas com seres humanos, etc.
Segundo Andorno, apud Eduardo Luis Tinat[12], a UNESCO recomenda em suas declarações internacionais, proteger o ser humano “em sua humanidade”, e essa idéia de dignidade é um valor inerente a cada um, de todo indivíduo, mas também da humanidade em conjunto. Ele evidencia que na Bioética reside claramente o marco dos direitos humanos, idéia de que todo ser humano possui direitos inalienáveis e imprescritíveis, que independem de suas características físicas, idade, sexo, raça, condição social ou religiosa.
Em razão dos argumentos acima expostos, pode-se construir e demonstrar que o princípio jurídico da dignidade da pessoa humana, evidenciado na sua forma mais ampla e completa, serve como substrato para as discussões bioéticas. Bem como, há de se relatar, que a dignidade humana vista como princípio ético-jurídico tem contribuído sobremaneira para o tratamento jurídico dos problemas bioéticos.[13]
Advogada. Especialista em Direito de Família e Sucessões, pela Faculdade IDC; Pós-Graduanda em Bioética pela PUC/RS; Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC/RS; Diretora Estadual (RS) da ABRAFAM, Associação Brasileira dos Advogados de Família; Palestrante; Parecerista e Consultora Jurídica.
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