O princípio da dignidade humana no direito previdenciário

Resumo: O presente trabalho trata de demonstrar a importância do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana no Direito Previdenciário como meio de promoção dos Direitos Sociais e Previdenciários dos cidadãos, levando-se em consideração que o Princípio da Dignidade é um Direito Fundamental Social. De acordo com a Constituição Federal de 1988, a previdência social é definida como sendo um conjunto integrado de ações e, desta forma, deve ser de iniciativa do poder público e da sociedade garantir os direitos referentes à saúde, à previdência e à assistência social dos indivíduos. O Neoconstucionalismo, que teve início no século XX, teve como essência, uma ideologia de renovação e muito moderna no que se refere à preservação dos Direitos Fundamentais da Pessoa Humana na Constituição Federal, superando desta forma, o positivismo, que limitava sua interpretação estritamente à letra da lei, não autorizando o uso de outros sistemas normativos, como a ética, a moral e a política. Desta maneira, o Neoconstucionalismo trouxe para o Estado Democrático de Direito a responsabilidade de tornar a vida do indivíduo melhor por meio das políticas públicas sociais, como a concessão do benefício previdenciário.

Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana. Direitos Fundamentais. Neoconstitucionalismo. Direito à Previdência Social.[1]

Abstract: The Principle of the Dignity of the Human Person in the Social Security Law as a means of promoting the Social and Social Rights of citizens, taking into consideration the Principle of Dignity and Social Fundamental Law. According to the Federal Constitution of 1988, social security is defined as an integrated set of actions and, therefore, it must be the initiative of the public power and society to guarantee the rights related to health, welfare and social assistance of . Neoconstitutionalism, which began in the twentieth century, had as its essence, a very modern and modern ideology, not the reference for the preservation of the Fundamental Rights of the Human Person in the Federal Constitution, thus overcoming positivism, which limited its interpretation strictly to letter of the law, not authorizing the use of other normative systems, such as ethics, morals and politics. In this way, Neoconstitutionalism has brought to the Democratic State of Law the responsibility to make the life of the individual better through public policies, such as the granting of social security benefits.

Keywords: Dignity of human person. Fundamental rights. Neo-constitutionalism. Right to Social Security.

Sumário: Introdução. 1. O Neoconstitucionalismo e a concretização dos Direitos Fundamentais. 2. O direito fundamental à previdência social. 2.1. A previdência social como mecanismos de promoção da Dignidade da Pessoa Humana. Conclusão. Referências.

Introdução

A análise em tela, trata do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana no Direito Previdenciário a fim de promover melhor qualidade de vida para os cidadãos por meio das políticas públicas e da concessão do benefício previdenciário, bem como aborda a concretização do direito à previdência social no que se refere ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, uma vez que sendo insatisfatório as prestações previdenciárias que devem suprir as necessidades básicas dos indivíduos, estaria infligindo  o referido princípio.

Com o surgimento do Neoconstitucionalismo na segunda metade do século XX, na Europa, um novo Direito Constitucional emergiu com uma ideologia renovada, onde deveria haver a legitimação da força normativa da Constituição, a ampliação da jurisdição constitucional e uma nova interpretação constitucional.

O primeiro capítulo abordará o Neoconstitucionalismo, movimento que superou o positivismo jurídico, uma vez que reformulou o ordenamento jurídico deixando de lado o pensamento que o direito é somente aquele criado pelo Estado e que tinha sua interpretação vinculada à lei, não permitindo o uso de outros sistemas normativos, como a ética, a moral e a política, assim o Neoconstitucionalismo trouxe uma nova interpretação para o direito, valorizando em sua totalidade os Direitos Humanos Fundamentais e tendo como pilar a Constituição Federal.

Já o segundo capítulo tratará sobre o direito fundamental à previdência, que é um mecanismo de promoção e manutenção da Dignidade da Pessoa Humana que todo cidadão tem. Portanto, o direito à previdência social tem como função primordial proteger e garantir que os trabalhadores e seus dependentes tenham melhor qualidade de vida quando alguma infelicidade ocorrer e, for necessário recorrer aos benefícios da previdência social. Por ser norma de direito fundamental, a previdência social é norma de aplicação imediata, assim terá plena efetivação e exigibilidade.

1 O Neoconstitucionalismo e a concretização dos Direitos Fundamentais

O Neoconstitucionalismo, também conhecido como novo Direito Constitucional floresceu na Europa, durante a segunda metade do século XX, e, no Brasil, surgiu posteriormente a Constituição de 1988. Anteriormente ao Neoconstitucionalismo, as Constituições tinham uma essência orientadora, o que restringia as ações do Estado em relação ao indivíduo, uma vez que a norma constitucional não tinha características de imperatividade, pois, imperava nesta época o pós-positivismo.

Conforme ensina Luís Roberto Barroso (2007, p. 11 e 12), o Neoconstitucionalismo possui 3 (três) transformações como marco histórico, filosófico e teórico:

“O Neoconstitucionalismo ou novo direito constitucional, na acepção aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio às quais podem ser assinalados, (i) como marco histórico, a formação do Estado constitucional de direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas finais do século XX; (ii) como marco filosófico, o pós-positivismo, com a centralidade dos direitos fundamentais e a reaproximação entre Direito e ética; e (iii) como marco teórico, o conjunto de mudanças que incluem a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional. Desse conjunto de fenômenos resultou um processo extenso e profundo de constitucionalização do Direito.”

Todas estas transformações sucedidas no Estado e no Direito Constitucional foram de suma importância para a constitucionalização do Direito como norma fundamental para a estruturação do Estado Democrático de Direito.

Após a Segunda Guerra Mundial, com a necessidade de conter os conflitos existentes, a fim de estabelecer uma sociedade organizada e na manutenção da paz, o Direito Constitucional precisava ser visto por uma nova ótica, com novas ideias e mudanças, onde os Direitos Fundamentais teriam papel primordial, possuindo como principais objetivos, “no plano teórico, o reconhecimento de força normativa à Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e a elaboração das diferentes categorias da nova interpretação constitucional”. (BARROSO, 2007, p. 40)

Neste sentido, Sarmento (online) discursa a respeito do teor axiológico das Constituições europeias, bem como os novos temas tratados de forma inovadora, conforme descrito abaixo:

“As constituições europeias do 2º pós-guerra não são cartas procedimentais, que quase tudo deixam para as decisões das maiorias legislativas, mas sim documentos repletos de normas impregnadas de elevado teor axiológico que contém importantes decisões substantivas e se debruçam sobre uma ampla variedade de temas que outrora não eram tratados pelas constituições […].”

No ordenamento jurídico brasileiro, é notável a tentativa de produzir normas Constitucionais mais eficazes e eficientes, onde estão presentes a consubstancialização das prestações materiais, bem como, a onipresença dos princípios e das regras e as mudanças na hermenêutica. Neste sentido, Walber de Moura Agra (2008, p. 31) acrescenta:

“O neoconstitucionalismo tem como uma de suas marcas a concretização das prestações materiais prometidas pela sociedade, servindo como ferramenta para a implantação de um Estado Democrático Social de Direito. Ele pode ser considerado como um movimento caudário do pós-modernismo. Dentre suas principais características podem ser mencionados: a) positivação e concretização de um catálogo de direitos fundamentais; b) onipresença dos princípios e das regras; c) inovações hermenêuticas; d) densificação da forma normativa do Estado; e) desenvolvimento da justiça distributiva. (…) O seu modelo normativo não é o descritivo ou deontológico, mas o axiológico. No constitucionalismo moderno a diferença entre normas constitucionais e infraconstitucionais era apenas de grau, no neoconstitucionalismo a diferença é também axiológica. A constituição como valor em si. O caráter ideológico do constitucionalismo moderno era apenas o de limitar o poder, o caráter ideológico do neoconstitucionalismo é o de concretizar os direitos fundamentais.”

As Constituições passaram a se preocupar mais com o bem-estar do indivíduo, adotando em seu bojo a valoração dos Direitos Fundamentais, deixando de ser meras cartas procedimentais, se tornando a base do Estado Democrático de Direito.

2 O Direito Fundamental à Previdência Social

A Constituição de 88 em seu art. 6º, estabelece que a previdência social é um Direito Fundamental Social, “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. (grifo nosso).

Desta forma, o Direito à Previdência Social visa proteger e garantir uma melhor qualidade de vida aos trabalhadores e aqueles que dependem dele, quando alguma infelicidade ocorrer e for necessário usufruir dos benefícios da previdência social.

O §1º do artigo 5º da CF concede ao Direito à Previdência Social a aplicabilidade imediata, por ser norma de Direito Fundamental, para que seja de irrestrita efetivação e exigibilidade.

O artigo 194 da CF, define a previdência social como um conjunto integrado de ações que devem ser de iniciativa do poder público e da sociedade para assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Portanto, a previdência social tem como propósito a proteção do trabalhador contribuinte, contra riscos de perda ou diminuição, seja temporário ou permanente de seu sustento. Para Castro e Lazzari (2014, p. 27), a previdência social pode ser definida da seguinte forma:

“O ramo da atuação estatal que visa à proteção de todo indivíduo ocupado numa atividade laborativa remunerada, para a proteção dos riscos decorrentes da perda ou redução, permanente ou temporária, das condições de obter seu próprio sustento.”

O sistema utilizado no Brasil é o de repartição simples e o de capitalização. O modelo de repartição simples tem como peculiaridade a solidariedade dos segurados deste sistema e, tem caráter obrigatório e contributivo. Martinez (1996, p. 223) esclarece a técnica previdenciária utilizada pelo regime de repartição simples, “o regime de repartição simples, ideologicamente seria social-democrático, técnica previdenciária, de iniciativa estatal, para o plano do tipo benefício definido, com elevada solidariedade. […]”. Já o modelo de capitalização é um regime complementar aberto, e tem como peculiaridade ser facultativo e de natureza privada, permitindo, desta forma, que qualquer indivíduo participe por meio de um plano de capitalização vendido por uma instituição financeira. (CRUZ, 2016, online).

Assim, os contribuintes que se encontram na ativa ajudam com sua contribuição a custear os subsídios dos benefícios dos contribuintes que se encontram inativos.

Em voto no Recurso Extraordinário (RE 661.256, p. 9), o ministro Luís Roberto Barroso esclareceu a respeito das dimensões da seguridade social, sendo a primeira, a dimensão contributiva que é amparada pelo art. 195, II da CF e, reafirmou a essência solidaria que caracteriza a seguridade social em sua segunda dimensão, cita-se trechos do voto para melhor entendimento:

“12. A dimensão contributiva encontra-se prevista, de forma expressa, no art. 195, II, que determina a cobrança de contribuições previdenciárias dos trabalhadores e demais segurados do sistema. […]

13. A segunda dimensão da seguridade em geral, e do sistema previdenciário em particular, é marcada pelo princípio da solidariedade. Em termos abrangentes, essa dimensão pode ser reconduzida ao próprio dever estatal de proteger a dignidade humana, no que se inclui a criação de uma rede social mínima que impeça as pessoas de caírem em situações de indignidade […].”

Portanto, a previdência social, como um direito fundamental social, busca assegurar ao trabalhador e a seus dependentes, a dignidade que lhes é conferida pela Constituição Federal.

2.1 A previdência social como mecanismos de promoção da Dignidade da Pessoa Humana

A Dignidade da Pessoa Humana se tornou para a sociedade moderna uma das principais características do Estado Democrático de Direito, principalmente com o advento do Neoconstitucionalismo, que assegurou que novas ideias e mudanças, como centralidade dos Direitos Fundamentais como base para as Constituições, a força normativa da Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional que tem como foco a Dignidade da Pessoa Humana, fossem a base de todas as Constituições contemporâneas.

Os direitos sociais são indispensáveis para que o cidadão tenha dignidade, ou seja, o direito à previdência social, também assegura a participação do indivíduo no regime democrático, e a sua ausência mitiga de forma significativa à liberdade do indivíduo.

Para o doutrinador José Afonso da Silva (2005, p. 286), os direitos sociais, devem ser concedidos pelo Estado, seja de forma direta ou indireta por meio de prestações positivas, a fim de que possibilitem condições de vida digna aos mais fracos. Para corroborar o entendimento do autor, cita-se abaixo:

“Assim, podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais.”

Desta forma, sendo a previdência social um direito social, a sua concessão certifica e garante que haja igualdade nas situações sociais, permitindo, assim, que o trabalhador e seus dependentes usufruam do benefício previdenciário para que não vivam na miséria quando algum fato ocorrer que o impeça de exercer atividade laborativa.

Para Lopera (2001, p. 107-108 apud Matamoros 2004, p. 63) os Direitos Humanos somente têm validade como direitos individuais, econômicos e sociais e cultural quando o Estado tem ideais de liberdades civis e políticas, bem como tenta minimizar as desigualdades econômicas e sociais. Conforme, alude no trecho descrito abaixo:

“A verdadeira validade dos direitos humanos como direitos individuais, econômicos e sociais e cultural, só se pode pensar em um Estado democrático em que dois ideais: a) respeito pelas liberdades civis e políticas dos indivíduos e, b) defesa de uma ideia de cidadania baseada na pretensão de diminuir e mitigar as desigualdades econômicas e sociais… os direitos sociais e econômicos tornam o Estado uma instância positiva responsável pela satisfação das exigências de bem-estar e dignidade humana, é digamos, esses tipos de direitos estão estruturados sob a forma de expectativas positivas e impor deveres a cumprir, obrigações para o poder político.”

Segundo a Constituição Federal, o Estado é o responsável por criar e colocar em prática as prestações materiais que concederá ao trabalhador bem-estar, saúde, lazer e dignidade humana.

Nesse sentido, a previdência social sendo um Direito Fundamental social, se tornou um mecanismo para assegurar que as necessidades vitais e básicas dos indivíduos sejam colocadas em prática através da concessão do benefício previdenciário, assim, promovendo o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Conclusão

Após a segunda metade do século XX, com o advento do Neoconstitucionalismo, muitas mudanças ocorreram no modo com que o Direito Constitucional era visto e interpretado, passou-se a buscar a concretização dos Direitos Humanos, bem como colocá-los em prática por parte do Estado através de políticas públicas que permitam que o cidadão viva com dignidade e bem-estar, como é o caso da previdência social, que é um direito fundamental social, e sua concessão é um direito do trabalhador.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o ser humano passou a ser o centro de todo o ordenamento jurídico constitucional, do sistema político, econômico e social.

Buscando atender os preceitos constitucionais no que diz respeito à previdência social, o Brasil adota dois regimes de previdência social, o de repartição simples e o de capitalização, o primeiro de cunho obrigatório e solidário e, o segundo é um regime complementar aberto e privado. O regime de repartição simples permite que a contribuição dos contribuintes que estão na ativa ajudem a custear os benefícios daqueles que se encontram inativos, por ser um regime solidário.

A previdência social tem como função garantir o mínimo existencial para o trabalhador e seus dependentes, ou seja, salvaguardar o necessário a uma vida digna.

Conclui-se, que o Estado foi criado para proteger e tutelar o ser humano, possibilitando condições sociais, políticas e econômicas que possibilitem que o indivíduo alcance seus objetivos com a mais vasta proteção. Não obstante, o direito à previdência social é um Direito Fundamental Social que permite que o trabalhador viva de forma digna, devendo desta forma ser de iniciativa do poder público por meio de políticas públicas.

 

Referências
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BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 9, março/abril/maio, 2007. Disponível em: http://emam.web2004.uni5.net/arquivo/documentos/5321316f-bad5-40b1-8925-7c67be7886bd.pdf. Acesso em 03.01.17.
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Nota
[1] Artigo orientado pelo Prof.  Dr. Carlos Alberto Vieira de Gouveia, Advogado, Pós-Graduado em várias áreas, Mestre em Ciências Ambientais, Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais, Professor e Coordenador na Faculdade Legale.

Informações Sobre o Autor

Jorge Luiz Portella Júnior

Graduado em Direito pela UCAM Pós-graduando em Direito Previdenciário pela Faculdade Legale


Equipe Âmbito Jurídico

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