Autores:
– Ellem Mayra Gomes de Paulo
Acadêmica de Direito no 9º período da Faculdade Una – Betim
– Hericles Adriano Ribeiro da Silva
Acadêmico de Direito no 9º período da Faculdade Una – Betim
Resumo
O artigo explora o Princípio da Individualização da Pena, essencial no sistema penal brasileiro, fundamentado na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Execução Penal. Analisando a progressão de regime, o estudo destaca os desafios no cumprimento desse princípio, como a superlotação prisional e a escassez de recursos. Discute-se a Teoria da Vulnerabilidade, que reconhece a seletividade do sistema penal em relação a grupos vulneráveis, e o Princípio da Co-Culpabilidade, que aponta para a responsabilidade compartilhada entre o infrator e o Estado. Em conclusão, o texto propõe melhorias no sistema penitenciário para promover a dignidade e a ressocialização do condenado.
Palavras chaves: Individualização da pena. Progressão de regime. Vulnerabilidade social. Ressocialização. Sistema Penitenciário Brasileiro.
Abstract
This article explores the Principle of Individualization of Punishment, fundamental in the Brazilian penal system, based on the 1988 Federal Constitution and the Penal Execution Law. Focusing on regime progression, the study highlights challenges to applying this principle, such as prison overcrowding and limited resources. The article discusses the Theory of Vulnerability, which acknowledges the penal system’s selectivity towards vulnerable groups, and the Principle of Co-Responsibility, which suggests shared responsibility between the offender and the State. The text concludes by proposing improvements in the penitentiary system to promote dignity and resocialization for offenders.
Keywords: Individualization of Punishment. Regime Progression. Social Vulnerability. Resocialization. Brazilian Penitentiary System.
SUMÁRIO:
1. INTRODUÇÃO
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. Histórico do Princípio da Individualização da Pena
2.2. Origem e Evolução
2.3. No Brasil
2.4. Situação Atual
3. PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA
3.1 Lei da Execução Penal
3.2. Os objetivos da Lei de Execução Penal
4. TEORIA DA VULNERABILIDADE
4.1. Aplicação da Teoria da Vulnerabilidade no Ornamento Jurídico Brasileiro
4.2. Princípio da Co-culpabilidade e a Constituição de 1988 a Luz do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
4.3. Inserção da Co-culpabilidade no Direito Penal Brasileiro
5. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
O Princípio da Individualização da Pena, consagrado na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Execução Penal, erige-se como pedra angular do sistema penal brasileiro, demandando que a aplicação da pena não seja um ato mecânico e padronizado, mas sim uma medida justa, proporcional e adaptada às singularidades do delito e do delinquente. Essa premissa basilar busca transcender a mera retribuição pelo crime, almejando a ressocialização do indivíduo e a prevenção de novas infrações, em consonância com o paradigma do Estado Democrático de Direito.
No entanto, a efetivação desse princípio no âmbito da progressão de regime prisional enfrenta desafios complexos que se entrelaçam com a realidade do sistema carcerário brasileiro. A superlotação crônica, a escassez de recursos e a cultura punitivista arraigada no sistema de justiça obstaculizam a aplicação de penas e tratamentos individualizados, criando um ambiente propício para a violação de direitos fundamentais e o distanciamento do ideal ressocializado.
Nesse contexto, a presente pesquisa se propõe a analisar criticamente a aplicação do Princípio da Individualização da Pena na progressão de regime no sistema penitenciário brasileiro. Investigar-se-á como os critérios legais estabelecidos pela Lei de Execução Penal se coadunam com a realidade do sistema prisional, buscando identificar os entraves e as potencialidades para a efetivação da individualização da pena nesse contexto.
A superação dos desafios postos à individualização da pena na progressão de regime exige uma abordagem multifacetada, que contemple desde o combate à superlotação carcerária e a melhoria da infraestrutura prisional até a reestruturação do sistema com foco na ressocialização e a transformação da cultura jurídica. Ademais, a valorização e capacitação dos profissionais do sistema prisional, bem como o estabelecimento de critérios objetivos e transparentes para a progressão de regime, são cruciais para garantir que a individualização da pena não seja uma mera abstração legal, mas uma realidade tangível na execução penal brasileira.
Em última análise, a efetiva implementação do Princípio da Individualização da Pena na progressão de regime representa um passo crucial para a construção de um sistema penal mais justo, humano e eficaz, capaz de promover a ressocialização e a reinserção social do condenado, em consonância com os ditames constitucionais e os anseios de uma sociedade mais segura e igualitária.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. Histórico do Princípio da Individualização da Pena
O Princípio da Individualização da Pena tem suas raízes históricas no desenvolvimento do pensamento jurídico e penal, surgindo como resposta à rigidez e às injustiças dos sistemas punitivos tradicionais. Sua origem está intimamente ligada à evolução das teorias penais, que passaram de um enfoque puramente retributivo para a busca de uma justiça mais equilibrada e humanizada. Essa abordagem visa adaptar a pena às necessidades específicas de cada caso. Como afirma Welzel:
A individualização é princípio fundamental do direito penal, pois visa adaptar a pena às necessidades específicas de cada caso, considerando a gravidade do delito, a condição do criminoso, as circunstâncias do crime e as consequências sociais.” (WELZEL, 1939, p. 150-175).
A Escola Clássica do Direito Penal, representada por Cesare Beccaria (1738-1794) e Jeremy Bentham (1748-1832), foi fundamental para o desenvolvimento do Princípio da Individualização. Beccaria defendeu a proporcionalidade entre crimes e penas, argumentando que a pena deve ser adequada à gravidade do delito e à condição do criminoso. Já Bentham enfatizou a importância da utilidade e da prevenção como objetivos da pena.
A Escola Positiva, liderada por Cesare Lombroso (1835-1909) e Enrico Ferri (1856-1929), contribuiu significativamente para a evolução do Princípio da Individualização. Lombroso apresentou a teoria do “homem criminoso”, argumentando que o criminoso é um ser anormal que precisa ser estudado e tratado de forma individualizada. Ferri destacou a importância do ambiente social e da educação na formação do criminoso.
A Teoria da Responsabilidade, desenvolvida por Karl Binding (1841-1920), distinguiu entre responsabilidade penal e moral. Já a Teoria da Pena, representada por Hans Welzel (1904-1977), defendeu a individualização como princípio fundamental do direito penal.
O Iluminismo, com suas ideias de liberdade, igualdade e justiça, influenciou significativamente o desenvolvimento do Princípio da Individualização. O Kantismo, com seu conceito de dignidade humana, também contribuiu para a valorização da individualidade. O Utilitarismo, com sua busca da máxima felicidade para o maior número, influenciou a formulação de políticas penais mais humanizadas. Que segundo Binding:
A responsabilidade penal deve ser distinta da responsabilidade moral, pois envolve questões jurídicas e não apenas éticas, e deve ser baseada em critérios objetivos e não subjetivos, garantindo assim a justiça, imparcialidade e respeito aos direitos humanos. (BINDING, 1885, p. 200-230).
A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 5º, inciso XLVI, estabelece que a pena deve ser individualizada. O Código Penal Brasileiro de 1940, em seu artigo 59, define os critérios para fixação da pena. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforça a importância da individualização da pena.
A individualização da pena envolve considerar fatores como gravidade do delito, condição do criminoso, motivação do crime, antecedentes criminais e possibilidades de reabilitação. Além disso, é fundamental considerar a subjetividade na aplicação da pena, as falhas no sistema de justiça, a desigualdade social e econômica e as limitações na execução penal. Assim como nos trás Ferri:
O ambiente social e a educação são fatores fundamentais na formação do criminoso, influenciando sua conduta e comportamento, e devem ser considerados na elaboração de políticas penais eficazes, visando reduzir a reincidência, promover a reabilitação e proteger a sociedade. (FERRI, 2008, p. 25-40).
A aplicação prática do Princípio da Individualização da Pena requer uma abordagem multidisciplinar, considerando aspectos jurídicos, psicológicos e sociais. Isso inclui:
– Avaliação psicológica do criminoso
– Análise da conduta criminosa
– Consideração das circunstâncias do crime
– Avaliação da possibilidade de reabilitação
– Definição da pena adequada
O Princípio da Individualização da Pena é essencial para garantir justiça, equidade e respeito aos direitos humanos. Sua aplicação é fundamental para:
– Reduzir a reincidência criminal
– Promover a reabilitação
– Proteger a sociedade
– Garantir a justiça
Sendo o Princípio da Individualização da Pena é um conceito fundamental no direito penal moderno. Sua aplicação requer uma abordagem cuidadosa e multidisciplinar para garantir justiça e equidade.
2.2 Origem e Evolução
Na Antiguidade e na Idade Média, a punição era geralmente aplicada de forma homogênea e brutal, sem considerar as particularidades do indivíduo ou do delito. As penas eram severas e padronizadas, frequentemente com castigos corporais ou até a pena de morte, independentemente das circunstâncias do crime ou do criminoso. A ausência de um critério de proporcionalidade entre o crime cometido e a pena aplicada refletia uma visão estritamente retributiva da justiça, onde a vingança social era o principal objetivo. (BECCARIA, 2006, p. 45.)
No século XVIII, com o surgimento do movimento iluminista, houve uma profunda transformação no pensamento jurídico. Filósofos como Cesare Beccaria, em sua obra “Dos Delitos e das Penas” (1764), e Jeremy Bentham criticaram a arbitrariedade e a severidade excessiva das penas, defendendo uma aplicação mais racional e justa. Beccaria, em particular, foi um dos pioneiros a defender que as penas deveriam ser proporcionais ao crime e que o objetivo da punição deveria ser a prevenção, e não a mera retribuição ou vingança. (BECCARIA, 2006, p. 45)
Com a evolução dessas ideias, a noção de que a pena deveria levar em consideração as características individuais do criminoso começou a ganhar força. O desenvolvimento do Direito Penal Moderno, no século XIX, incorporou essas premissas ao enfatizar que a pena deve ser aplicada com base na personalidade do infrator, nas circunstâncias do delito e nas finalidades preventivas e ressocializadoras da punição. (MIRABETE, 2010, p. 28).
2.3 No Brasil
No Brasil, o princípio da individualização da pena foi incorporado de forma expressiva pela Constituição Federal de 1988, sendo consagrado no Artigo 5º, inciso XLVI, que estabelece que a lei regulará a individualização da pena. O texto constitucional preconiza que as penas devem ser aplicadas considerando as circunstâncias particulares de cada caso, com o objetivo de garantir justiça e proporcionalidade.
A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) também reforça esse princípio, estabelecendo, em seu artigo 5º, que a execução penal deve individualizar as penas com vistas à ressocialização do condenado, considerando sua personalidade e seu grau de culpabilidade. (MIRABETE, 2010, p. 23)
Ao longo do século XX, com o crescimento do pensamento criminológico e das teorias sobre a ressocialização, o princípio da individualização da pena foi se consolidando como um pilar fundamental do sistema penal brasileiro e de muitos outros países. O objetivo passou a ser não apenas punir o infrator, mas também possibilitar sua reintegração social, por meio de uma pena que respeite sua dignidade e individualidade.
2.4 Situação Atual
Na prática, o princípio da individualização da pena ainda enfrenta obstáculos no Brasil, especialmente devido à superlotação das prisões e à insuficiência de recursos para a implementação de programas de ressocialização adequados. Além disso, a aplicação desse princípio tem sido prejudicada pela ausência de critérios objetivos claros em diversas fases da execução penal, como na progressão de regime. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2021)
Entretanto, o princípio continua a ser uma importante diretriz do Direito Penal brasileiro, sendo frequentemente discutido em decisões judiciais e debates acadêmicos, com o intuito de aprimorar sua aplicação e garantir que a pena cumpra suas funções preventivas e ressocializadoras.
3 PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA
O Princípio da Individualização da Pena está esculpido no artigo 5°, inciso XLVI da Constituição Federal garante que a pena do indivíduo é individualizada no momento da condenação no processo penal, levando em conta o caso concreto e suas peculiaridades. Tal artigo assevera que “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação da liberdade; b) perda dos bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão e interdição de direitos”. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988).
O artigo XLVIII menciona também que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado”. (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988)
A individualização é dividida em três etapas:
a) Cominação: também chamado de fase in abstrato, é o momento em que o legislador elabora o tipo penal incriminador, apenas em abstrato, para estabelecer patamares mínimos e máximos de pena que poderão ser aplicados pelo magistrado no caso concreto. Nesta fase, a pena deve ser proporcional ao delito. Nas palavras de Silva (2012, p.144), “o legislador deve cominar aos delitos penas proporcionais, que sejam coerentes com a gravidade do injusto penal”.
b) Aplicação no caso concreto: é a individualização judiciária. Aqui, é a hora da aplicação da norma penal ao fato imposto ao acusado no momento do processo, verificando qual pena será mais adequada, levando em conta características peculiares de cada réu (por exemplo: reincidência). Segundo Luisi (1991, p.37):
[…] tendo presente às nuanças da espécie concreta e uma variedade de fatores que são especificamente previstos na lei penal, o juiz vai fixar qual das penas é aplicável, se previstas alternativamente, e acertar seu quantitativo entre o máximo e o mínimo fixado para cada tipo realizado, e inclusive determinar o modo de sua execução.
c)Execução da pena: diz respeito quando a aplicação da sanção, onde o julgador responsável pela execução da pena no condenado determinará o cumprimento da individualização da sanção aplicada. De acordo com os ensinamentos de Nogueira (1994, p.3):
A execução é a mais importante fase do direito punitivo, pois de nada adianta a condenação sem que haja a execução da pena imposta. Daí o objetivo da execução penal, que é justamente tornar exequível ou efetiva a sentença criminal, que impôs ao condenado determinada sanção pelo crime praticado. (NOGUEIRA, 1994, P. 3)
Portanto, o princípio da individualização da pena consiste em garantir que a pena seja adequada e proporcional aos atos cometidos, levando em consideração as características e circunstâncias específicas de cada réu. Este princípio garante que a pena não seja aplicada de forma arbitrária, mas depende das características de cada caso específico, respeitando a dignidade humana e a função educativa da pena penal. (GRECO, 2011, p. 17).
A individualização da pena, quando aplicada de forma justa, não só reflete a gravidade do crime, mas também tem em conta fatores como a probabilidade de reincidência, a personalidade do perpetrador e a associação dessa pessoa, ajudando a aplicar a pena de forma eficaz e em ordem. acordo com a situação real. situação. a necessidade de justiça e reinserção social do condenado. (STJ. HC 216828/RS, 2012, grifo nosso) Este processo, que se desenvolve em três fases distintas – condenação, aplicação a casos específicos e execução – é a base para a construção de um sistema penal mais humano, consistente com os princípios da constituição como a dignidade humana e a proporcionalidade.
3.1 LEI DE EXECUÇÃO PENAL
A Lei n° 7.210 de 11 de Julho de 1984, também conhecida como Lei de Execução Penal, concluiu um longo período de esforços doutrinários e legislativos, no que tange ao implemento de um sistema de execução penal no país. Beneti (1996, p.31), afirma:
A lei surge como resposta aos reclamos de quase a totalidade da comunidade jurídica nacional, pela revogação da Lei 3.274/1957 e de acordo com a consolidação de uma execução penal jurisdicionalizada, mais humana, responsável e alinhada com o Estado de Direito, com viés abertamente voltado à finalidade de prevenção especial positiva e a harmônica integração social do condenado e do internado, como preconiza seu artigo inaugural. (BENETI, 1996, P. 31)
Destarte, vejamos seu conceito, finalidade e princípios aplicados a esta.
3.2 Os objetivos da Lei de Execução Penal
O objetivo da Lei de Execução Penal (LEP) foi incluído pelo legislador logo em seu primeiro artigo, do qual pode-se extrair o que era buscado pela norma, era a harmonia social e principalmente a recuperação daqueles que já estiveram encarcerados.
Os objetivos da execução penal encontram-se delineados no artigo 1º da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal).
Confira: Art. 1º da Lei 7.2010/1984: A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.
– Reinserção do preso e o ordenamento jurídico brasileiro
A reabilitação e reintegração do indivíduo na sociedade não é tarefa apenas do Estado, porque esta é uma questão extremamente complexa que inclui o desejo de se tornar uma nova pessoa, família e empresa.
Nesse mesmo sentido o jurista Bitencourt (2012, p.130) assegura:
[…] A Lei de Execução Penal (LEP), já em seu art.1ºº, destaca como objetivo do cumprimento de pena a reintegração social do condenado, que é indissociável da execução da sanção penal. Portanto, qualquer modalidade de cumprimento de pena em que não haja a concomitância dos dois objetivos legais, quais sejam, o castigo e a reintegração social, com observância apenas do primeiro, mostra-se ilegal e contrária à Constituição Federal. (BITENCOURT 2012, P.130)
Isto é, incumbe ao Estado adotar medidas educativas e ressocializadoras que tenham como objetivo oferecer aos presos orientações e condições humanizadas enquanto estiverem encarcerados. Não adianta somente enjaular, devem oferecer condições para que eles possam ser reintegrados ao meio social, diminuindo os números da reincidência e, consequentemente, reeducar o prisioneiro por meio da capacitação profissional, educação, atendimento psicológico e assistência social.
A instituição penitenciária tem como finalidade reabilitar e ressocializar os apenados, como um método de punir o infrator pelo mal que ele causou a sociedade. Na prisão o condenado deveria ser transformado, reeducado para, só assim, regressar ao meio social como um cidadão útil. Lamentavelmente, não é isso que encontramos na prática. Conforme afirma Bitencourt apud Mirabete (2008, p. 26):
[…] diz Carlos Roberto Bitencourt a respeito da execução penal na visão da Criminologia Crítica: “A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. Os centros de execução penal, as penitenciárias, tendem a converter-se num microcosmos, no qual se reproduzem e se agravam as graves contradições que existem no sistema social exterior. (…) A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social. A prisão não cumpre uma função ressocializadora. Serve como instrumento para a manutenção da estrutura social de dominação”. (BITENCOURT 2008, P.26)
– Proporcionar meios para que a sentença seja integralmente cumprida
O cumprimento integral da sentença é um reflexo direto dos princípios da legalidade e da dignidade humana e está intimamente ligado ao papel do Estado na garantia da eficácia das suas decisões judiciais. Além disso, o cumprimento não se limita à simples condenação, mas também à execução de penas de acordo com os direitos fundamentais e a sua necessidade de reinserção social.
A doutrina majoritária nos ensina que a execução de uma pena criminal deve ser vista como um mecanismo de reinserção e reinserção do condenado na sociedade e não como um simples momento de punição. José Frederico Marques, um dos mais doutrinadores especialistas em direito penal e execução de pena, ensina que “a execução penal deve ser concebida de forma a permitir a execução da pena, respeitando os direitos do condenado, mas também garantindo que as sanções têm caráter ressocializador” (MARQUES, 1997, p. 222). Para o autor, a execução integral da pena não pode se limitar à execução da pena de prisão, mas deve incluir a capacidade de reinserção do condenado no meio social.
Para que a pena tenha eficácia, é necessário que a execução penal não se limite à punição, mas busque a reintegração do condenado à sociedade, respeitando sua dignidade e promovendo sua ressocialização. (MARQUES, 1997, p. 222).
Portanto, garantir a execução integral das penas é uma tarefa que exige a execução das penas criminais em respeito aos direitos humanos e, ao mesmo tempo, cumprir as funções preventivas e punitivas previstas na Constituição Federal e na legislação constitucional. A doutrina moderna afirma por unanimidade que as penas devem ser executadas de forma que a garantir a reintegração dos indivíduos no tecido social, respeitando os seus direitos e proporcionando oportunidades para a sua reintegração.
O presente estudo visa analisar a violação da Lei de Execução Penal pelo governo que afeta as crises carcerárias e a implicância do não cumprimento da finalidade desta, traçando melhores estratégias a serem moldadas no alcance do Estado, para que este cumpra seu dever de administrar unidades já existentes, propiciando ainda, maneiras para a não ascensão da reincidência e anteriormente, eclodir a ideia de que “o crime não compensa”. Sem meios para reverter o quadro de pobreza ou de reeducação após o cumprimento da pena, o indivíduo iniciará ou retornará para as práticas criminosas.
Portanto, se o Estado não propiciar condições benéficas para os penitenciários cumprirem sua pena, implantando condições harmônicas de convívio, certamente os indivíduos retornarão a atividade criminosa, tendo em vista que os sistemas carcerários padecem de condições humanas para se viver.
4 TEORIA DA VULNERABILIDADE
A presente teoria visa tecer alguns aspetos no tocante a teoria da vulnerabilidade, tese de estudo do professor e ministro Eugenio Raúl Zaffaroni, como teoria incentivadora da realidade social, em contrapartida as tradicionais teorias que abordam a culpabilidade, compreendendo-as de forma insuficiente para atingir os objetivos para qual ela foi criada. (ZAFFARONI, 2014, p. 50)
A teoria de Zaffaroni visa denunciar a seletividade do sistema carcerário em relação a determinados grupos sociais de baixa vulnerabilidade ao cometimento de delitos. Para ele, embora a culpabilidade seja o vínculo entre o indivíduo e o injusto penal “o poder punitivo seleciona conforme a vulnerabilidade do sujeito e não pela sua autodeterminação”. (ZAFFARONI, 2014, p. 55) Ademais, acrescenta “a culpabilidade é o terceiro momento dialético da teoria do delito, em que opera a tensão entre o estado de polícia e o estado de direito”. (ZAFFARONI, 2014, p. 60)
Percebe-se que a criminalidade não é somente efeito colateral da pobreza, estando presente em todas as camadas da sociedade. Todavia, somente alguns setores deficitários encontram-se vulneráveis, e, portanto, com maiores de chances de exposição à criminalidade.
Insta salientar, que o Direito Penal é indispensável na influência de uma coletividade, pois, o mesmo está atrelado aos parâmetros sociais que além de representar uma fonte de conflitos, torna-se matéria de maior relevância no que tange a sociedade moderna, partindo daí o alinhamento desta com o sistema econômico adotado como meio de produção, o denominado Capitalismo.
Através deste modelo, privilegiou-se a livre iniciativa e livre concorrência, a objetividade lucrativa e irrestrito mercado, gerando por fim, má distribuição da riqueza e falhas nas inclusões sociais.
Neste elo entre o Direito Penal e a sociologia, manifesta-se a ausência de proteção ao indivíduo que não usufruíra de seus direitos e garantias básicas pelo fracasso na repartição econômica e exclusão comunitária.
Partindo dessa premissa, a Teoria da Vulnerabilidade de Zaffaroni propõe a redução da culpa (responsabilidade) para aqueles indivíduos que possuem maiores chances de sofre punição estatal em face da vulnerabilidade do agente. (ZAFFARONI, 2014, p. 32)
Para esta teoria, não é só na pobreza que reside a maior causa da marginalidade.
A criminalidade está presente todas as camadas sociais, todavia, somente alguns setores da sociedade se encontram mais vulneráveis a punições severas.
4.1 APLICAÇÃO DA TEORIA DA VULNERABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Sugere Zaffaroni que, as condições pessoais do agente, no que tange à capacidade reduzida de autodeterminação pela falta de condições sociais positivas que deveriam ser disponibilizadas pelo ente Estatal, devem ser levadas sobrepesadas no momento da aplicação da pena. (ZAFFARONI, 2019, p. 61)
Destarte, nesse sentido, que a culpa do Estado, ante a sua omissão em proporcionar condições sociais positivas, seja aplicada no momento da dosimetria da pena, fazendo com que o próprio Estado, através de seu aparato dado pelo sistema penal, seja atenuado no quantum da pena. (ZAFFARONI, 2019, p. 509)
No que tange à possibilidade de aplicação da teoria supracitada, esta possui respaldo jurídico nos artigos 59, caput e 66 do Código Penal, que versam sobre a primeira e segunda fase, respectivamente, na aplicação da dosimetria da pena: (BRASIL, 1940, Arts. 59 e 66)
Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. (DECRETO-LEI N. 2.848, 1940)
Na primeira fase da dosimetria da pena, com a análise das “circunstâncias judiciais” para a fixação da pena-base, a lei determina que o magistrado deve considerar a culpabilidade do agente em razão do fato por ele cometido, conforme seja patente, em juízo de reprovação, deve aferir, dentre outros aspetos, a culpabilidade do agente pela vulnerabilidade analisada no comento da conduta delituosa. Sendo assim, deve ser considerado o maior ou menor esforço do autor para se colocar em uma situação concreta de vulnerabilidade, consoante método retro. (ZAFFARONI, 2019, p. 523)
Na segunda fase, em que se analisa a existência de circunstâncias atenuantes, deve-se verificar o estado de vulnerabilidade do agente, que, caso seja considerado relevante, insta observar a aplicação da atenuante do art. 66. (BRASIL, 1940, Art. 66)
Desta feita, utiliza do dispositivo penal previsto no art. 66 do CP, sendo este, ipsis
litteris: “Art. 66 – A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei.” (BRASIL, 1940, Art. 66)
Deste modo, o autor defende que as características pessoais do agente merecem amparo quando da aplicação da pena, ou seja, atenuando a mesma.
O referido princípio, para ser positivado, analisa como os fatores econômicos e sociais influenciam os cidadãos vulneráveis pelo mesmo social injusto e desumano que foram inseridos ao longo de sua trajetória humana, ambientes em que o Estado deveria se fazer presente, para garantia de seus direitos. (ZAFFARONI, 2019, p. 101). A vulnerabilidade, portanto, enseja uma atenuação do juízo excluído pela sociedade e acaba por justificar, de certo modo, uma maior conivência Estatal para com o indivíduo, razão pela qual, faz-se necessário que o condenado tenha direito a alguma benesse, via de regra, a redução de sua pena.
4.2 O PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE E A CONSTITUIÇÃO DE 1988 A LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Faz-se mister, evidenciar o princípio da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1°, III, CF), que apesar de não possuir um concreto e determinado conceito, traz em seu bojo fundamental o valor ao homem, dando acesso para que este se veja como pessoa humana, livre em seus atos, igual em condições materiais, de vida e moradia, possuindo oportunidades de formação cultural, educacional e princípio lógicas, de se sentir digno em possuir um emprego, um meio ambiente saudável e alimentação, sendo perfeitamente ligado aos seus direitos e garantias. Seria plausível mencionar este, como sendo o princípio norteador de quaisquer outros implementos constitucionais. Vejamos:
Artigo 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana; (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, Art. 1º)
Ocorre que por diversos motivos, o Estado assumiu uma pluralidade de funções para que seu dever constitucional sob a plenitude da dignidade do homem fosse cumprido. Entretanto, as falácias administrativas tomaram conta do meio governamental, rompendo o verdadeiro sentido da proteção ao irrenunciável e irrefutável princípio.
Ainda sobre a miscelânea da falha Estatal e o princípio em questão, traz a Constituição em seu artigo 3°, III: Artigo 3°. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: […]; III- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, Art. 3º)
Neste ínterim, a co-culpabilidade avista a falta de eficiência do Estado em promover a dignidade da pessoa humana como norteador sociológico e por isso, tenta atenuar os efeitos desta falha reconhecendo o praticante do delito como um sujeito passível de direitos e deveres e o Estado como aquele que imperfeiçoou o acesso deste.
Além do mais, a co-culpabilidade visa a menor reprovação do sujeito ativo do crime em virtude de sua posição desfavorável à dignidade, em face do inadimplente cumprimento do Estado em promover suas obrigações constitucionais para com o cidadão no aspecto do desenvolvimento socioeconômico. (ZAFFARONI, 2004, p. 37)
Não deveria ser de grande desafio para o Estado, à busca pela eficácia de todos os princípios descritos em nossa Carta Magna. Contudo, um empecilho torna este um grande caos: a autoridade política firmada em uma base histórica de desigualdade social da grande parte da população, fato este, que deveria ter sido sanado com a promulgação da Lei Suprema e seu artigo 3°, corroborando para a erradicação das disparidades e conseguinte, amenizar o aumento dos ativos criminais. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, Art. 3º). Vejamos:
Artigo 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
– Garantir o desenvolvimento nacional;
– Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
– Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, Art. 3º)
4.3 INSERÇÃO DA CO-CULPABILIDADE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO
Alguns dispositivos do Código Penal trazem em seu bojo, hipóteses as quais tornam possível a aplicação do referido princípio. Segundo Grégore Moura (2016, p.127), há a existência de quatro opções:
Como circunstância judicial prevista no art. 59 do Código Penal; como atenuante genérica prevista no art. 65 do Código Penal; como causa de diminuição de pena prevista na Parte Geral do Código Penal, sendo um parágrafo do art.º 29; como causa de exclusão da culpabilidade prevista no art. 29 do Código Penal. (BRASIL, 1940, Art 59, 65 e 29)
A primeira opção, prevista no artigo 59, trata-se da fixação da pena base através dos critérios judiciais, podendo a co-culpabilidade fazer parte de tais critérios prevendo as condições socioeconômicas e oportunidades sociais oferecidas ao autor do delito, estabelecendo assim, a pena mais adequada. Porém, se a pena base for fixada em seu mínimo, não poderá a co-culpabilidade reduzi-la. Conforme Moura (2016, p.128):
A primeira opção da positivação da co-culpabilidade é a sua inserção no art. 59 do Código Penal como uma circunstância judicial que incidiria na primeira fase da aplicação da pena. É a proposta do anteprojeto de reforma do código, sendo a mais tímida entre as demais, visto que será inócuo o reconhecimento da co-culpabilidade se a pena base for fixada no mínimo legal, pois é cediço que as circunstâncias judiciais não podem trazer a pena aquém do mínimo legal. (ZAFFARONI, 1991, p. 279)
A segunda forma, trazida no artigo 65 do Código Penal, poderia trazer a co- culpabilidade como uma atenuante, tornando-a mais sólida a sua aplicação. Todavia, ocorre a mesma problemática da primeira opção, tendo em vista que a pena não poderá ser diminuída aquém do mínimo legal. Aqui, Moura (2016, p.128) aduz:
A segunda hipótese seria sua positivação no art. 65 do Código Penal, que trata das atenuantes genéricas, o que poderia ser feito com a previsão de mais uma alínea no inciso III do citado art. 65 do Código Penal. É uma proposta mais audaz, uma vez que a previsão expressa da co-culpabilidade como atenuante genérica reforçaria a necessidade de sua aplicação, bem como limitaria o poder de liberdade e interpretação do magistrado, tão amplo quando da análise do art.º 59 do mesmo diploma legal. Porém, mesmo o legislador fazendo a opção ora mencionada, segundo a maior parte da doutrina e da jurisprudência, ainda assim não poderia trazer a pena aquém do mínimo legal. Moura (2016, p.128)
A terceira possibilidade de inserção no artigo 29 faz com que Grégore Moura (2016, p.128) declare que “se o agente estiver submetido a precárias condições culturais, econômicas, sociais, num estado de hipossuficiência e miserabilidade, sua pena será diminuída de um terço (1/3) a dois (2/3)”. Assim como o objetivo da co- culpabilidade, faz se necessário que as situações econômicas e sociais tenham relação com o delito praticado.
Para Grégore Moura, esta constitui-se a melhor positivação, tendo em vista a possibilidade de uma maior individualização da pena e de redução da pena abaixo do mínimo legal. Vejamos:
É a nosso sentir, a melhor hipótese para a positivação da co-culpabilidade, pois é a mais consentânea com o Direito Penal democrático e liberal, na esteira do garantismo penal, uma vez que permite a maior individualização da pena aplicada, além de poder reduzir a pena aquém do mínimo legal, dirimindo qualquer dúvida nesse aspecto, com incidência na terceira fase de sua aplicação. (ZAFFARONI, 2004, p. 38)
A última opção elencada, traz a co-culpabilidade como causa de exclusão da culpabilidade, já que o comportamento do indivíduo é reflexo da inadimplência do Estado. Todavia, esta hipótese se desfalece em vista do verdadeiro sentido do princípio da co-culpabilidade que é a divisão da culpa entre o agente cometedor do delito e o Estado omisso, fazendo com que ambos detenham a culpa compartilhada e não exclusiva. Diz Moura (2016, p.129):
A quarta e última hipótese, que, diga-se de passagem, não exclui a proposta feita no item anterior, também é um tanto audaciosa. A coculpabilidade seria positivada como uma causa de extinção da culpabilidade, visto que o estado social de miserabilidade e vulnerabilidade do cidadão é tão caótico, proeminente e elevado, que sobre o agente não incidiria qualquer reprovação social e penal, já que seu comportamento, além de ser esperado pelos seus co-cidadãos, é uma consequência exclusiva da inadimplência do Estado. Poderíamos dizer que a hipótese sob comento culminaria na eleição de mais uma causa de exclusão da culpabilidade além das previstas no Código Penal brasileiro. Seria uma espécie de inexigibilidade social da conduta calcada na falta de expectativa de comportamento, não surgindo daí o direito a ser tutelado. Vale ressaltar que, mesmo com a positivação da co-culpabilidade pelo legislativo pátrio, o interprete deve ter em mente que deve haver compatibilidade entre o estado de miserabilidade e o crime cometido para que haja sua aplicação no caso concreto, ou seja, o estado de miserabilidade do agente deve ser uma das causas determinantes do crime. (BRANDÃO, 2001, p. 131-132)
Não obstante as quatro hipóteses apresentadas, não se deve esquecer do artigo 66 do Código Penal, que conforme mencionado acima pode ser descrito como situação inominada. Neste caso, o princípio da co-culpabilidade encaixa-se perfeitamente, no momento em que o referido artigo não expressa de fato, circunstâncias atenuantes. Assim sendo, o magistrado poderia aplicar brilhantemente o princípio da co-culpabilidade.
Infelizmente, ainda são poucos julgados acerca do princípio em questão, não possuindo, portanto, entendimentos consistentes. Contudo, tal inconsistência se dá devido à falta de debates e posicionamentos nos tribunais perante o assunto, o que torna difícil o alcance jurídico do referido princípio, além de trazer à tona, as mazelas jurídicas securitárias.
Vejamos o julgamento do Tribunal do Rio Grande do Sul:
AGRAVO EM EXECUÇÃO. PROGRESSÃO DE REGIME. ARTIGO 112 DA LEP COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º 10.792/2003. ANÁLISE DOS EXAMES PSICOSSOCIAIS CONSTANTES DOS AUTOS PARA AFERIÇÃO DO REQUISITO SUBJETIVO. POSSIBILIDADE, DIANTE DO PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ. SÚMULA N.º 439 DO STJ. SÚMULA
VINCULANTE N.º 26. A nova redação do artigo 112 da LEP não elenca literalmente o exame psicossocial como requisito para a concessão da progressão de regime, nem para livramento condicional, mas também não o suprime objetivamente, portanto, numa interpretação sistemática do ordenamento processual vigente, pode o juiz se valer das provas contidas nos autos e determinar a realização do referido laudo para averiguar as condições pessoais e o mérito do apenado para a progressão do regime carcerário ou livramento condicional, formando sua convicção, na forma dos artigos 155 e 182 do Código de Processo Penal. Na espécie, as condições subjetivas do agravante são por demais desfavoráveis à progressão de regime, é o que se denota das avaliações constantes dos autos nas fls. 19/20 e 21/22, não podendo o juiz se furtar de analisá-las, apenas por entender que, pela nova legislação, basta o atestado de bom comportamento carcerário comprovado pelo diretor do estabelecimento prisional. PRINCÍPIO DA CO-CULPABILIDADE. NÃO APLICAÇÃO. O princípio da co-culpabilidade não é aplicado para fins de progressão de regime, por falta de previsão legal e porque não se pode responsabilizar a sociedade pela ausência de oportunidades ao indivíduo, bem como a culpabilidade não decorre da pobreza, pois presente o crime em todas as camadas sociais. AGRAVO DESPROVIDO. (Tribunal de Justiça do RS, Agravo Nº 70047398979, Oitava Câmara Criminal, Relator: Isabel de Borba Lucas, Julgado em 21/03/2012).
Conforme percepção visível, não fora aplicado o princípio da co-culpabilidade por alegação de inexistência de previsão legal, embora apresente-se como implícito na Constituição Federal de 1988. Por essa razão, requer, através do princípio da imperatividade, a interpretação da norma em sua mais ampla extensão.
Na atual conjuntura, de fato encontra-se o princípio da co-culpabilidade amparados em princípios constitucionais vigente e expressos. Porém, considerando a possibilidade da inserção deste princípio no rol do artigo 66 do Código Penal, este feito traria segurança jurídica para as demandas processuais e ainda acarretaria mudanças no processo do cumprimento da pena.
CONCLUSÃO
Apesar de ser uma condição estabelecida pelo Estado para reprimir e punir a atitude delituosa de um sujeito, a pena também possui como preceito final, a reintegração deste sujeito à convivência social. Ocorre que mesmo sendo taxativa, tal finalidade muitas vezes não é atingida, afinal, sabe-se que a reincidência cresce cada vez mais, bastando acompanhar noticiários e outros veículos informativos que sempre discorrem sobre o aumento da população carcerária, sendo a grande maioria desta, agentes reincidentes.
Mesmo sendo de dever governamental efetivar meios para que a tarefa ressocializadora seja cumprida, ainda há a necessidade da cooperação da sociedade em agir junto, pois a recuperação do regresso também gera contribuições para o meio como um todo. A discriminação desses indivíduos pela sociedade faz com que os mesmos se sintam inúteis e menosprezados, pois as mazelas penitenciárias corroboram para o não crescimento adequado, o qual poderia refletir positivamente na busca por emprego e até mesmo para alocação no meio social. Diante o tabu e sensacionalismo muitas vezes dizimado pela mídia, a própria coletividade afasta estes regressos, fazendo com que enxerguem apenas um caminho para a sua subsistência: o retorno ao crime.
A Lei de Execução Penal (LEP) visa humanizar o sistema prisional, buscando garantir que a punição não apenas retribua o crime, mas também ofereça condições para a ressocialização e reintegração social do condenado. A Teoria da Vulnerabilidade, proposta por Zaffaroni, corrobora esse ideal ao reconhecer que indivíduos em condições de vulnerabilidade social são mais expostos ao sistema penal e devem ter suas penas ajustadas para refletir essas desvantagens. O reconhecimento de que a vulnerabilidade social interfere na trajetória criminal aponta para a necessidade de o sistema penal adotar um tratamento diferenciado para esses indivíduos, permitindo que o juiz considere fatores socioeconômicos e contextuais na dosimetria e progressão de pena.
A individualização da pena, consagrada na Constituição Federal de 1988 e na LEP, exige que o sistema penal não aplique penas de forma padronizada, mas sim que considere as particularidades de cada indivíduo, incluindo suas circunstâncias pessoais e sociais. Contudo, os desafios no sistema prisional brasileiro, como a superlotação, condições insalubres, falta de assistência médica e programas de ressocialização, prejudicam a efetiva aplicação desse princípio, dificultando o objetivo de reabilitar o condenado e reduzir a reincidência.
Diante disso, a aplicação do Princípio da Co-Culpabilidade no Direito Penal brasileiro ganha importância, pois sugere que a responsabilidade pela vulnerabilidade do infrator também é compartilhada pelo Estado. Esse princípio sustenta que, ao aplicar a pena, deve-se considerar o contexto socioeconômico e a falta de oportunidades oferecidas pelo Estado, as quais influenciam no comportamento delituoso. A possibilidade de redução da pena com base nos artigos 59 e 66 do Código Penal reforça a ideia de que a individualização da pena não deve apenas refletir o crime cometido, mas também as condições de vulnerabilidade do agente.
Além do mais, por ser a último ratio, o Direito Penal deve intervir de forma mínima, não criminalizando condutas irrelevantes, tais como dos crimes de drogas em pequenas quantidades, que acarretam na superlotação dos presídios, em razão de ser um dos crimes mais praticados no país, deixando que a pena privativa de liberdade seja aplicada apenas a casos pertinentes.
Destarte à Lei de Execução Penal e sua finalidade, a ressocialização também merece o grande destaque, pois ela necessita de aperfeiçoamento para que o ex- condenado vislumbre meios lícitos à sua subsistência. O oferecimento de cursos profissionalizantes dentro das instituições penitenciárias é um grande salto para equilibrar a desigualdade social, já que esta é um gerador da criminalidade. O indivíduo que se capacita e retorna ao meio, possui chances maiores de integrar o quadro de trabalhadores.
Em síntese, para uma real aplicação do Princípio da Individualização da Pena no Brasil, é fundamental que o sistema penitenciário supere seus desafios estruturais e adote políticas que levem em conta os contextos sociais dos condenados. Isso inclui a aplicação das teorias de vulnerabilidade e co-culpabilidade, permitindo que a individualização da pena seja efetiva na prática, promovendo a dignidade humana e a ressocialização. Dessa forma, o sistema penal pode se alinhar ao ideal constitucional de uma pena justa e humanizada, em consonância com a Lei de Execução Penal e os direitos fundamentais do condenado.
Não é de grande desafio para o Estado criar e desenvolver políticas públicas e outros programas. Ainda existem maneiras para salvar o sistema penitenciário brasileiro de suas crises, além daquelas formas previstas em lei. A realidade é que todo o meio, não somente a pessoa política necessita comprometer-se para a efetivação desses projetos e ações que busquem reduzir a violência e a reincidência, além de recuperar o condenado para seu egresso.
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