O princípio da presunção de inocência como garantia processual penal

Resumo: O princípio da presunção de inocência é um instituto previsto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988. Refere-se a uma garantia processual atribuída ao acusado pela prática de uma infração penal, oferecendo-lhe a prerrogativa de não ser considerado culpado por um ato delituoso até que a sentença penal condenatória transite em julgado. Esta situação, em tese, evita a aplicação errônea das sanções punitivas previstas no ordenamento jurídico. Ainda garante ao acusado um julgamento de forma justa em respeito à dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: Presunção de inocência; Garantias constitucionais; Direito a julgamento justo; Impunidade.

Abstract: The presumption of innocence is an institute under article 5, item LVII of 1988 Federal Constitution. Refers to a procedural guarantee given to the accused by the practice of a criminal offense, giving him the prerogative not to be guilty of a criminal act until criminal sentence has become final. This, in theory, prevent the misapplication of punitive sanctions provided for in law. Still guarantees the accused a fair trial in respect for human dignity.

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Keywords: Presumption of innocence; constitutional guarantees: the right to fair trial; Impunity.

Sumário: Introdução. 1. Precedentes históricos.  2.Presunção de inocência e uso de algemas 3. Prisão preventiva e presunção de inocência. 4. A confissão do réu face ao princípio da presunção de inocência. 5. Presunção de inocência e o julgamento do réu.  Conclusão. Referências

INTRODUÇÃO

Em conjunto com as demais garantias constitucionais, o princípio da inocência presumida garante ao acusado pela prática de uma infração penal um julgamento justo, conforme o espírito de um Estado Democrático de Direito.

A Constituição Federal apresenta o princípio da presunção de inocência em seu rol de direitos e garantias constitucionais de forma positivada como pode-se observar:

“Art. 5.  Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.(EC nº 45/2004)

LVII- ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”;

De acordo com Moraes, em regra, direitos constitucionais definidos como direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia e aplicabilidade imediata. E a própria Constituição Federal, em uma norma síntese, determina esse fato, expressando que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (MORAES, 2007).

Alexandre de Moraes (2007) leciona que o princípio da presunção de inocência é um dos princípios basilares do Estado de Direito. E como garantia processual penal, visa à tutela da liberdade pessoal, salientando a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é de forma constitucional presumido inocente, sob pena de retrocedermos ao estado de total arbítrio estatal.

Trata-se de um princípio manifestado de forma implícita em nosso ordenamento jurídico. O texto constitucional não declara a inocência do acusado. Contudo, demonstra o fato de ele não ser necessariamente o possuidor da culpa pela prática do fato que lhe é imputado.

Conforme se pode perceber, o princípio constitucional da presunção de inocência torna-se um dos mais importantes e intrigantes institutos do nosso ordenamento jurídico.

Sob a égide dessa norma, o acusado de cometer uma infração penal pode ser protegido contra uma provável sanção penal de forma antecipada. Isto é, ser apenado pela prática de um delito sem aos menos um julgamento justo, conforme o devido processo legal e fundamentado no contraditório e na ampla defesa.

Todavia, os princípios constitucionais são instrumentos limitadores do poder estatal. E garantem a proteção da dignidade da pessoa humana.

O instituto da inocência presumida é, portanto, garantia fundamental e instituto essencial ao exercício da jurisdição.

O referido instituto apresenta contornos dogmáticos tais como sua aplicação apenas aos ilícitos criminais. E todos os que possam ser ligados a um ilícito penal são beneficiários ativos da garantia constitucional, sendo o Estado o passivo do direito natural em questão (BATISTI, 2009).

Observa-se a importância do assunto em questão, uma vez que os princípios constitucionais assumem papel de magna relevância nos dias atuais, imprescindíveis ao exercício do Estado democrático de direito e às necessidades sociais de prevenção e repressão da criminalidade.       

1 Precedentes históricos

Bonfim (2009) leciona a respeito dos precedentes históricos do princípio da presunção de inocência, informando que tal dispositivo se positivou pela primeira vez no artigo 9º da Declaração do Direitos do Homem e do Cidadão em data de 26 de agosto de 1.789. Inspirado na razão iluminista de intelectuais como Voltaire e Rousseau. Posteriormente foi reafirmado no artigo 26 da Declaração Americana de Direitos e Deveres, em 22 de maio de 1948. E no artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos , na Assembléia das Nacões Unidas, em 10 de dezembro do ano de 1948.

Tourinho Filho (2009), em sua obra, remonta os momentos históricos acerca das ocasiões que culminaram na evolução do instituto da presunção de inocência:

O princípio remonta o art. 9º. da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada em Paris em 26-8-1789 e que, por sua vez, deita raízes no movimento filosófico- humanitário chamado “Iluminismo”, ou Século das Luzes, que teve à frente, dentre outros, o Marques de Beccaria, Voltaire e Montesquieu, Rousseau. Foi um movimento de ruptura com a mentalidade da época, em que, além das acusações secretas e torturas, o acusado era tido com objeto do processo e não tinha nenhuma garantia. Dizia Bercaria que “a perda da liberdade sendo já uma pena, esta só deve preceder a condenação na estrita medida que a necessidade o exige” (Dos delitos e das penas, São Paulo, Atena Ed.,1954, p.106).

Há mais de duzentos anos, ou, precisamente, no dia 26-8-1979, os franceses, inspirados naquele movimento, dispuseram da referida Declaração que: “Tout homme étant présumé innocent jusqu’à cequ’il ait été déclaré coupable; s’ il est jugé indispensable de I’ arrêter, toute rigueur qui ne serait nécessaire pour’s assurer de sá persone, doit être sévèrement reprimée par la loi” (Todo homem sendo presumidamente inocente até que seja declerado culpado, sefor indispensável prendê-lo, todo rigor que não seja necessário para assegurar sua pessoa deve ser severamente reprimido pela lei).

Mais tarde, em 10-12-1948, a Assembléia das Nações Unidas, reunida em Paris, repetia essa mesma proclamação.

Aí está o princípio: enquanto não definitivamente condenado, presume-se o réu inocente” (TOURINHO FILHO, 2009, p. 29-30).

Barroso (2010) define que no Direito contemporâneo, a Constituição passou a ser compreendida como um sistema aberto de princípios e regras. Que é permeável a valores jurídicos supra-positivos. Na qual as idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central. Deve-se lembrar que o modelo jurídico tradicional fora concebido apenas para a aplicação e interpretação de regras. No entanto, modernamente, prevalece a concepção de que o sistema jurídico ideal se consubstancia em uma distribuição equilibrada de regras e princípios. Nos quais as regras desempenham um papel referente à segurança jurídica.

Ainda explica Barroso (2010) que os princípios jurídicos, especialmente de natureza constitucional, viveram um vertiginoso processo de ascensão, que os elevou de uma fonte subsidiária do Direito, nas hipóteses de lacuna, ao centro do sistema jurídico.

Batisti (2009) esclarece a respeito do estado de inocência que passado o momento histórico relevante a qual foi publicizado, sua reiteração transmite a idéia de que é dispensável buscar significados para seu enunciado, ou mesmo determinar o significado atual, ou a extensão que deve ser atribuída ao instituto. Talvez esse fato se dê ao paradoxo de que o instituto parece carregar consigo o próprio significado e extensão.

Embora tenham se manifestado resistências ao enunciado, que foi adotado desde logo como um princípio, hodiernamente não se encontram pessoas, no ramo do Direito, dispostas a manifestar qualquer oposição a este. Entretanto, no seio da população assustada pelo crescente aumento da criminalidade não acontece o mesmo. Pois a própria população associa a criminalidade ao princípio, que junto a outros princípios estaria a impedir uma política eficiente do Estado para reprimir ou impedir o crime (BATISTI, 2009).

A Constituição de 1.988 seguindo certa tendência, foi redigida de modo a regrar todos os assuntos de forma minuciosa, com exceção daqueles que não obtiveram algum consenso, os quais foram remetidos para a legislação ordinária. Tematicamente, a Constituição Federal coloca em precedência os princípios fundamentais da república e os direitos e deveres individuais e coletivos. E pela primeira vez aparece nas constituições a presunção de inocência. Embora ainda não se mencione a expressão tradicional "presunção de inocência". Haja vista ter sido adotado a linguagem inversa:"ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (BATISTI, 2009). 

Sobre a evolução dos direitos e garantias da norma penal leciona Coelho:

“As funções do Direito Penal, assim, podem ser sintetizadas como, por um lado, o controle social, através de mecanismos simbólicos de prevenção. Por outro lado, paralela e paradoxalmente, a garantia do indivíduo frente ao Estado e suas pretensões de intervir sobre a liberdade individual. É no contraponto entre essas duas faces da esfera penal que se pode destacar que o Direito Penal contemporâneo caminha para ser uma esfera jurídica centrada no enaltecimento do ser humano como referência e razão principal das relações sociais”. (COELHO, 2011)

O Direito é dinâmico, evolui conforme as necessidades sociais. Entretanto jamais podem ser deixados de lado os direitos inerentes à personalidade do homem, autor e possuidor da proteção oriunda do ordenamento jurídico. Das normas abstratas que se concretizam em fatos humanos, que por sua vez são a inspiração da lei.   

2 Presunção de inocência e uso de algemas

Apresenta-se como um assunto polêmico a necessidade do uso de algemas pela polícia no momento da prisão de um acusado pela prática de uma infração penal. Essa discussão tornou-se bastante acalorada devido a episódios ocorridos em nosso país nos quais pessoas consideradas influentes foram submetidas a essa situação, em decorrência de serem presas sob acusação de cometimento de crimes.

O Código de Processo Penal já disciplinava o uso de algemas em atuações policiais de forma implícita, em seu artigo 284, expressando situações nas quais se torna necessário o uso da força do Estado:

“Art.284 Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso.”

Analisando a literatura jurídica, especificamente as normas que disciplinam o uso da força do Estado através de seus órgão policiais, observa-se uma série de contradições no que tange ao uso de algemas. Por outro lado, jamais poderemos ser reféns do uso indiscriminado do poder emanado do Estado a seus agentes públicos. Neste prisma, o texto constitucional exprime diversos princípios limitadores do poder estatal. Conforme Capez:

“De um lado, o operador do direito depara-se com o comando constitucional que determina ser a segurança pública dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, sendo exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio por meio dos órgãos policiais (CF, art. 144); de outro lado, do Texto Constitucional emanam princípios de enorme magnitude para a estrutura democrática, tais como o da dignidade humana e presunção de inocência, os quais não podem ser sobrepujados quando o Estado exerce a atividade policial”. (CAPEZ, 2009, p.257)

Há de se ressaltar que o uso de algemas, além de colocar em xeque o princípio da inocência presumida (assunto em discussão), também pode ser nocivo à vários preceitos constitucionais, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana elencado no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal.  Ademais, deve-se mencionar a garantia fundamental assecuratória do respeito à integridade física e moral do preso prevista no artigo 5º, inciso XLIX, CF. Todos estes dispositivos legais dizem respeito ao uso abusivo de algemas, em desacordo com nossa legislação.

Neste prisma, a Lei 11.689 de 9 de junho de 2008, que trouxe profundas alterações em nosso Código de Processo Penal relativos ao rito do Tribunal do Júri. O dispositivo legal introduziu no artigo 474 o parágrafo terceiro, que discipllinou o uso de algemas no réu durante seu julgamento em plenário. Vejamos:

Art. 474(…)

§ 3º.- Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.” (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

Dessa forma, foi editado pelo Supremo Tribunal Federal e publicado no DJE nº 214 de 2008 a Súmula Vinculante de número 11 que disciplinou o uso de algemas. Pode-se afirmar que foi de grande valia à garantia de preservação do princípio constitucional da inocência presumida. Conforme se pode observar:

“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”

 Em análise à matéria sumulada, Capez explica:

“Diante disso, muito embora a edição da Súmula vise garantir a excep-cionalidade da utilização de algemas, na prática, dificilmente, lograr-se-á a segurança jurídica almejada, pois as situações nelas descritas conferem uma certa margem de discricionariedade à autoridade policial, a fim de que esta avalie nas condições concretas a necessidade do seu emprego. Basta verifi­car que se admite o seu uso na hipótese de receio de fuga ou de perigo para a integridade física. Ora, a expressão "fundado receio" contém certa subje-tividade, e não há como subtrair do policial essa avaliação acerca da con­veniência ou oportunidade do ato. Tampouco é possível mediante lei ou súmula vinculante exaurir numa fórmula jurídica rígida e fechada todas as hipóteses em que é admissível o emprego de algemas.

Para aqueles que propugnam a proscrição desse juízo discricionário, pela insegurança jurídica causada, só há duas soluções: a vedação absoluta do uso de algemas ou a sua permissão integral em toda e qualquer hipótese como consectário natural da prisão. Já para aqueles que buscam uma situ­ação intermediária, não há como abrir mão da discricionariedade do policial ou autoridade judiciária”. (CAPEZ, 2009, p.261)

Diante do exposto, pode ser notada a preocupação do poder público em manter a legalidade do uso da força do Estado em acordo com os direitos e garantias previstos no ordenamento jurídico. Pois a dignidade da pessoa humana e o estado de inocência não podem ser suprimidos pelo abuso de poder.

3 Prisão preventiva e presunção de inocência

Segundo Fernando Capez (2009), prisão preventiva é prisão cautelar de natureza processual decretada pelo juiz durante o inquérito policial ou processo criminal. Sendo realizada esta prisão antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória. E sempre que estiverem preenchidos os requisitos legais e ocorrerem os motivos autorizadores.

Ainda neste sentido, prisão preventiva é uma modalidade de prisão cautelar a ser decretada pela autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento das partes, representação do Ministério Público ou da autoridade policial em qualquer etapa da persecução penal. Ainda que não exista a instauração do inquérito policial, sendo esta uma novidade trazida pela lei 12.403/11. E o embasamento para a decretação da prisão preventiva constitui aspecto que a Constituição Federal atribuiu ao legislador infraconstitucional no momento em que estabeleceu apenas uma formula genérica que é a necessidade de fundamentação judicial conforme art. 5º, LXI, CF (SILVA e SANTOS, 2011). 

Os fundamentos ou requisitos exigidos para a decretação da prisão preventiva do acusado pela prática de uma infração penal, garantindo todos os direitos constitucionais, em especial a presunção de inocência, estão elencados tais requisitos no artigo 312 do Código de Processo Penal que foi complementado com o advento da Lei 12.403/11: 

“Art. 312.  A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

Neste prisma, vejamos o entendimento de Pereira em artigo publicado em data de vinte de setembro de 2010 que mostra-se bastante atual apesar da mudança no texto normativo: 

“Assim, embora sem trânsito em julgado da sentença condenatória, há compatibilidade entre a prisão preventiva e o estado de inocência, devendo, entretanto, ficar comprovada a presença dos pressupostos (prova da existência do crime e indício suficiente de autoria) e requisitos (garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal) que a autorizam.

Disso se extrai que a liberdade é a regra e a prisão exceção, sendo imprescindível, então, demonstrar que a decretação da prisão preventiva se amolda, concretamente, à previsão do art. 312 do Código de Processo Penal, sob pena de coação ilegal, passível de correção por via de ordem de habeas corpus”. (PEREIRA, 2010)

Importante observar que o legislador manteve na nova redação do artigo 312 do Código de Processo Penal dada pela lei 12.403/11 a garantia da ordem pública como um dos fundamentos para a prisão preventiva. Diversos doutrinadores tentaram definir o termo "garantia da ordem pública". Contudo não tiveram sucesso, pois a justiça não pode punir de forma antecipada, com base nos sentimentos de revolta da população nos crimes de grande repercussão, sob pena de incorrer em abuso de poder e violação das garantias constitucionais (MORAIS e NASCIMENTO, 2011).

Lenza (2011), ainda explica o fato de a prisão do acusado, antes do trânsito de sentença penal condenatória, contrariar o princípio constitucional da presunção de inocência. Todavia, existem hipóteses expressamente previstas em lei que permitem a prisão cautelar conforme podemos perceber nas lições já mencionadas.

Noutro giro, conforme o pensamento de Magalhães Noronha (1983), a prisão do acusado antes de ter sido realizado um julgamento só pode se inspirar em uma razão de necessidade, pois a restrição do cidadão de sua liberdade faz pesar sobre ele a privação do crime, causando ao mesmo e sua família despesas, perdas e sacrifícios.

Todavia, pode-se afirmar o fato de o instituto da prisão preventiva não ferir a garantia constitucional da inocência presumida. Uma vez que seja realizada de acordo com as formalidades e necessidades expressas em nosso ordenamento jurídico em consonância com os parâmetros constitucionais.

A prisão preventiva não tem qualquer incompatibilidade com o princípio constitucional da inocência presumida. Devendo existir os pressupostos e requisitos necessários à sua possibilidade de execução.

A nova redação do Código de Processo Penal trazida com o advento da lei 12.403/11 trouxe no artigo 313 condições de admissibilidade, ou seja, as hipóteses para a decretação de prisão preventiva como pode ser observado a seguir:

Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

IV – (revogado). (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011). (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).

Parágrafo único.  Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.” (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

A redação do diploma legal em estudo pode acalorar a discussão acerca de um possível desrespeito à presunção de inocência do réu no que tange ao instituto da prisão preventiva.

Conforme lição de Silva e Santos (2011), talvez seja o maior retrocesso trazido ao Código de Processo Penal com o advento da lei 12.403/11 foi a manutenção com alma nova da prisão preventiva visando à identificação da pessoa. Houve a mutação do antigo artigo 313, II , segunda parte do CPP para o parágrafo único do mesmo artigo, trazido pelo novo diploma legal.

Com a redação do atual artigo tornou-se nítida a inconstitucionalidade do instituto denominado prisão para averiguação. A Constituição Federal deu importância à necessidade de identificação criminal, como um postulado fundamental ao exercício da cidadania. Entretanto, para aquele que se depara com a necessidade de uma identificação criminal, o artigo 5º, LVIII, CF guardou o direito de o cidadão se identificar civilmente, e não ser submetido à identificação criminal, salvo em situações previstas em lei (SILVA e SANTOS, 2011).

Neste enfoque, o cidadão que não apresenta identificação civil, irá se sujeitar à criminal. E mesmo que ele apresente sua identificação civil, caso continue alguma dúvida, poderá ser criminalmente identificado (SILVA e SANTOS, 2011).

Por este motivo, o dispositivo normativo em enfoque ultrapassa da cautela constitucional da necessidade de identificação criminal, e cria uma situação mais dura de restrição da liberdade. Este fato soa como um ato arbitrário e incompatível com o processo penal que tem como base os direitos humanos (SILVA e SANTOS, 2011).

Os autores ainda complementam seu comentário: "Prender para identificar, sem outras razões, significa sobrepor o direito penal do autor à perspectivo de culpabilidade." (SILVA e SANTOS, 2011 p. 36)

Mesmo à luz da legislação antiga do dispositivo legal em destaque, a doutrina a jurisprudência já manifestavam repúdio à possibilidade de decretação de prisão preventiva naquelas circunstâncias. Principalmente em virtude da desproporção da medida perante à situação de fato subjacente que lhe permitia a incidência (SILVA e SANTOS, 2011).

A doutrina em estudo ainda acrescenta acerca de seu posicionamento: "Mas, com a redação atual mais nítida e evidente ficou a inconstitucionalidade da prisão para averiguação." (SILVA e SANTOS, 2011, p. 36)       

O instituto da prisão para averiguação pode ser notado um aparente anacronismo no corpo do texto normativo. Ainda que possa parecer um fato isolado. A Constituição Federal de 1.988 prevê que a liberdade é a regra e a prisão exceção, não bastando, assim, a fundamentação abstrata para a manutenção de um cerceamento de liberdade por parte do Estado. Devendo o Magistrado demonstrar concretamente a sua imprescindibilidade, já que o encarceramento provisório é a extrema medida a ser adotada, conforme leciona Luiz Flávio Gomes ao comentar a Lei n.º 12.403/11:

A Lei 12.403/11, que dispõe que o juiz, antes de decretar a prisão preventiva, deve analisar se cabíveis outras medidas cautelares alternativas, constitui um avanço ou um retrocesso? Dois grupos (ideologicamente definidos) já se formaram: para quem concebe que não existe direito penal sem cadeia, a lei é um retrocesso. Para os que veem a cadeia como a “extrema ratio” (extrema medida) da “ultima ratio” (que é o direito penal), a lei é digna de aplausos.

A nova lei (de acordo com nossa visão) nada mais faz que enfatizar o que já se extrai da Constituição Federal: a liberdade é a regra, a prisão é exceção. Para se prender alguém presumido inocente é preciso que todos os requisitos da prisão preventiva estejam presentes.” (GOMES, 2011)

Nesse rumo, a decisão de uma prisão não fundamentada conforme a nova lei fere a Constituição Federal de 1988. Considerando que cumpre à autoridade competente analisar definitivamente a necessidade de aplicação de alguma medida cautelar, preferindo, dentre elas, as restritivas de direitos e, somente último caso, após justificar o descabimento das outras, decretar a prisão preventiva.

O artigo 93, IX da Lei Maior destaca a necessidade da fundamentação das decisões judiciais para melhor garantir a transparência das decisões judiciais:

Art. 93.(…)

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Importante é salientar que a decisão de prisão pela autoridade competente deve ser devidamente fundamentada e obrigatoriamente carece de fundamentação criteriosa conforme o ordenamento jurídico e a situação fática. Pois, a prisão ilegal deve ser relaxada imediatamente estando passível de ser atacada mediante a impetração de Habeas Corpus. Para melhor fundamentar este entendimento, cabe a análise o inciso LXVII do artigo 5º da Constituição Federal:

“Art. 5º (…)

LXVIII – conceder-se-á "habeas-corpus" sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;”

Neste sentido o artigo 647 do Código de Processo Penal:

“Art. 647.  Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.”

 Diante do vigente ordenamento jurídico a jurisprudência dominante a não comprovação da prova da materialidade do crime e indícios de autoria do delito ensejam na carência de justa causa para o início e prosseguimento de uma ação penal. E a falta de justa causa é motivo para a existência de coação ilegal e conseqüente impetração de habeas corpus com fundamento no artigo 648, I do Código de Processo Penal.

A nova redação dada ao código de processo penal pela lei 12.403/11 elenca diversas medidas cautelares que devem ser adotadas pelo juiz competente antes de decretar a prisão preventiva do acusado, as quais constam no artigo 319 do CPP:

Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

IX – monitoração eletrônica.” (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

Como foi demonstrado, a prisão preventiva deve ser dotada de excepcionalidade e não se transformar em regra, sob pena de serem criadas multidões carcerárias todos os dias.

Fato que não pode mais ocorrer é a aplicação da prisão processual sem a verificação de todas as possíveis medidas cautelares. A prisão preventiva passou a ser uma exceção e não regra (MORAIS E NASCIMENTO, 2011).

A alteração promovida pelo legislador no novo sistema de medidas cautelares dentro do processo penal, mesmo que não seja a ideal, é bem vinda. Pois adapta parte do velho código de processo penal aos princípios da constituição da república de 1.988 (BAPTISTA, 2011).

Nota-se que a recente mudança no ordenamento jurídico afastou ainda mais a possibilidade de referir-se à prisão preventiva como um desrespeito ao estado de inocência do acusado.

4 A confissão do réu face ao princípio da presunção de inocência

Conforme palavras de Fernando Capez, confissão é a aceitação por parte do réu da acusação que lhe é dirigida em processo penal. É declaração voluntária, feita por um imputável, a respeito de fato pessoal e próprio, ainda sendo desfavorável e suscetível de renúncia. Ainda como fatores determinantes da confissão destacam-se o remorso, a possibilidade de abrandar o castigo, religião, vaidade, a obtenção de certa vantagem, o altruísmo, o medo físico, o prazer da recordação, dentre outros fatores (CAPEZ, 2009).

O código penal brasileiro traz em seu rol de circunstâncias atenuantes constantes no artigo 65, precisamente no inciso III, alínea "d",  a confissão da autoria do crime por parte do acusado perante a autoridade como circunstância que sempre atenuará a pena caso ocorra uma condenação ao final da instrução penal.

O capítulo IV do título VII do código de processo penal é totalmente dedicado à confissão do réu. Em estudo realizado no cogitado capítulo do CPP, pode ser notada a inequívoca reverência ao estado de inocência do acusado.

O artigo 197 do diploma legal exprime que na apreciação da confissão (uma das provas a serem analisadas para a formação da convicção do magistrado) deve ser considerado o conjunto de provas apresentadas. Necessitando ser verificado se entre as provas apresentadas existe compatibilidade ou concordância.

Destaca o artigo 198 que o silêncio do acusado não importará em confissão, mas poderá ser utilizado como elemento para a formação da convicção do juiz. Neste sentido podem ser correlacionados o princípios da não auto incriminação e do direito ao silêncio (art. 5º, LXIII, CF) ao estado de inocência do réu, objeto deste estudo. Pois o réu tem o direito de não se expressar em juízo ou fora dele, evitando sua auto incriminação durante a oitiva. Destacando o fato de ninguém ser obrigado a produzir provas contra si mesmo. Ainda, deve ser observado o texto do artigo 200 do CPP onde expressa o fato de a confissão ser divisível e retratável. Não devendo prejudicar o livre convencimento do juiz, mas precisará ser analisado o conjunto de provas.

Uma das faces do instituto da inocência presumida é o direito de o acusado não ser obrigado a produzir provas contra si. O qual se relaciona de forma íntima com o direito de poder apresentar sua auto defesa através do depoimento pessoal ou outros meios de prova. Esses dois direitos encontram supedâneo nos princípios do contraditório e da ampla de defesa. Para o exercício de tais direitos é necessário o acusado conhecer o conteúdo da investigação que poderá incriminá-lo ou afastar qualquer incriminação sobre o mesmo (BATISTI, 2009).

A lei processual estabelece ao acusado pela prática de uma infração penal, possibilidades de confessar, negar, silenciar e até mesmo de mentir. Conforme redação do artigo 186 do Código de Processo Penal  aduz que "depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será cientificado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, de seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas". O parágrafo único do referido artigo, dispõe que: " O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa". O acusado poderá também mentir, vez que não presta compromisso. E não há sanção prevista para sua mentira (CAPEZ, 2009).

A súmula 342 do Superior Tribunal de Justiça também demonstra  preocupação com o instituto do estado de inocência na apuração da existência de ato infracional para aplicação de medida sócio educativa. Neste rumo, proibindo o uso da confissão do adolescente como supedâneo para a aplicação de medida sócio educativa. Observe o referido dispositivo:

“Súmula 342. No procedimento para aplicação de medida socioeducativa, é nula a desistência de outras provas em face da confissão do adolescente.”            

Conforme preceitua o princípio da presunção de inocência, o estado de não culpabilidade do acusado sempre é presumido, cabendo ao órgão acusador, que é o Ministério Público, provar a responsabilidade do agente diante do fato típico e jurídico (MORAIS e NASCIMENTO, 2011).

5 Presunção de inocência e o julgamento do réu

Analisando o espírito da norma constitucional em questão, podemos presumir que a execução da pena em desfavor do agente deverá ser em função da condenação definitiva. E sempre após um julgamento com base no devido processo legal.

Nabuco Filho (2010) ainda ressalta a atuação do princípio da presunção de inocência, consagrado no texto constitucional, como um mecanismo que coíbe a atuação de juízos apressados e precipitados.

Leonir Batisti em lição histórica exprime que em termos penais o que se viu em alguns momentos foi a manipulação do direito penal como um instrumento de perseguição, com prisões fundamentadas em boatos, condenações infundadas e baseadas em  oportunismo daqueles que manipulavam o poder. Ocorrendo tais fatos a par de um sistema de penas absurdamente fora do princípio da dignidade da pessoa humana (BATISTI, 2009).

Observe-se como, de forma expressa, o texto do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos expõe o instituto de presunção de inocência:

“Art. 14.2 Qualquer pessoa acusada de uma infração penal é de direito presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida.” (PIDCP, artigo 14.2)

Nabuco Filho (2010) demonstra que o princípio da presunção de inocência, consagrado na Constituição Federal, de modo simplificado, exige que alguém somente seja considerado culpado pela prática de uma infração penal após um processo onde tenha ocorrido um debate dialético. Donde a acusação demonstra a culpa do acusado e a defesa demonstra a fragilidades dos argumentos da acusação.

Assim, surge uma questão de grande valor e importância que diz respeito quanto a capacidade do ser humano em compreender o fato de poder afirmar a existência de uma verdade, sendo que a imperfeição humana pode levar a uma interpretação errônea da realidade. E tais erros conduzem à dissonância entre o juízo que se faz de um fato, e como este fato foi realmente praticado. Motivo este que levam a inúmeros erros judiciários com enorme repercussão, nos quais a sociedade tinha certeza de estar punindo o autor de um fato. No entanto, essas certezas causaram os maiores erros judiciários (NABUCO FILHO, 2010).

A forma bárbara como foi praticado o delito certamente choca toda a sociedade e causa o sentimento de uma justiça distorcida causando nas pessoas o sentimento de necessidade de impor uma pena ao infrator a ser aplicada de forma mais infame que o delito praticado por ele. Contudo, este não é o espírito do direito penal brasileiro que proíbe no texto constitucional penas cruéis ou de morte, salvo em situações de guerra, hipótese prevista para o uso da pena de morte.

Mesmo que o crime praticado seja considerado repugnante pela coletividade, este fato não implica que o acusado perderá seus direitos concedidos pela Constituição Federal. Todavia, o suspeito pela prática do crime poderá ser considerado inocente ao final da persecução penal. Não pode ser deixado de lado a hipótese de um erro judiciário. Ou seja, o réu pode ser condenado pela prática de uma infração penal que não cometeu (NABUCO FILHO, 2010).

Essa hipótese pode ser confirmada em inúmeros casos noticiados pela mídia. Imagine a quantidade de pessoas que foram condenadas pela prática de delitos que não cometeram e amargaram o gosto de uma condenação criminal somente porque o Estado quis mostrar sua força para a sociedade. E estas pessoas dilaceram a alma clamando por justiça (NABUCO FILHO, 2010).

Ainda conforme o raciocínio apresentado pode ser observado que não importa se o crime imputado ao réu é um estupro ou o mais repugnante dos homicídios. Todo acusado tem seu direito à defesa. Pois um autor de uma grave infração penal não perde seus direitos constitucionais. Mesmo que o crime seja grave, o acusado pode ser um inocente ( NABUCO FILHO, 2010).

Ainda complementa Nabuco Filho:

“Não se pode esquecer que a história é pródiga em erros judiciários.

Dentre estes, pode ser lembrado o caso Juan Calas, que foi acusado de ter matado o próprio filho por enforcamento, em Tolouse, na França, no século XVII. Apesar de jurar inocência, foi condenado à pena de morte, com suplício na roda. A opinião pública exultou com sua execução, certa de que ali se fazia justiça. Contudo, após a sua morte, Voltaire, o filósofo do Iluminismo, assumiu sua defesa e demonstrou que o filho de Juan Calas se suicidara. Foi, então, Juan Calas absolvido e sua memória restabelecida.

Nesse, como em tantos outros casos semelhantes, a opinião pública esteve sempre ao lado do erro judiciário. E o advogado não parecia para a opinião pública outra coisa senão a exaltação do próprio crime.

Se esse foi um exemplo notório de um inocente condenado, não se pode perder de vista que existem inúmeros casos anônimos de erros judiciários, que jamais serão conhecidos do público”. (NABUCO FILHO, 2010, p.94) 

Em análise ao ordenamento jurídico observa-se que o artigo 386 do Código de Processo Penal elenca hipóteses de absolvição do réu. E mais precisamente na parte final do inciso VI faz alusão ao princípio da inocência presumida, quando afirma que o juiz absolverá o réu se houver fundada dúvida sobre a existência do crime. E desta forma consagra este dispositivo constitucional quando presume a inocência do réu pelo motivo de existirem dúvidas sobre a existência da ação delituosa imputada ao mesmo.

Neste prisma leciona Nucci:

“Outro ponto inédito, que, embora fosse desnecessário, não deixa de ser bem vindo, é a expressa menção quanto à dúvida: “se houver fundada dúvida quanto a sua existência”(parte final do inciso VII). Atendendo-se ao princípio da presunção de inocência, constitucionalmente previsto, outra não poderia ser a conclusão.”  (NUCCI , 2009, p.688-689) 

 Pode-se destacar a ampla utilização do princípio constitucional analisado no corpo de diplomas legais e entendimento de tribunais, quando do julgamento de práticas de infrações penais que garantem a aplicação da justiça em sua forma mais transparente e justa.

A presunção de inocência do acusado é um instituto largamente garantido nos países democráticos, e está previsto no artigo 11 da Declaração universal dos Direitos Humanos (1.948), dando um basta à tortura e às provas ilegais. Este fato assegura que o acusado não tratado como culpado ate sentença penal condenatória (D' URSO, 2011).

A manutenção do instituto da presunção de inocência preserva o equilíbrio que deve nortear a relação entre o Estado-juiz e o cidadão em uma relação processual, porque a culpabilidade ou a inocência do acusado será verificada por meio de provas durante a instrução processual (D' URSO, 2011).

Contudo, não se pode deixar de lado que os antecedentes do acusado podem ser usados para a fixação de sua pena quando da condenação. Podendo ser empregados como parâmetros os antecedentes, a conduta social, e a personalidade do agente dentre outros. Este comando normativo está previsto no artigo 59 do Código Penal e não poderá ser considerado afronta ao princípio em estudo. Veja um julgamento de habeas corpus pelo STF:

“EMENTA: HABEAS-CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INQUÉRITOS. ANTECEDENTES CRIMINAIS. EXASPERAÇÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA INOCÊNCIA PRESUMIDA. 1. Folha criminal: existência de inquéritos e procedimentos por desacato e receptação. Maus antecedentes. Exasperação da pena. 2. Compreende-se no poder discricionário do juiz a avaliação, para efeito de exacerbação da pena, a existência de inquéritos sobre o mesmo fato imputado e outros procedimentos relativos a desacato e receptação, que caracterizem maus antecedentes. 3. Dentre as circunstâncias previstas na lei penal (CP, artigo 59) para a fixação da pena incluem-se aqueles pertinentes aos antecedentes criminais do agente, não se constituindo o seu aumento violação ao princípio da inocência presumida (CF, artigo 5º, LVII). Habeas-corpus indeferido”. (STF. HC 81759 SP Relator Maurício Corrêa DJ 25/03/2002)

Ainda deve ser considerado que mesmo após o julgamento do réu, sua condenação não importará em presunção de sua culpabilidade antes de transitar em julgado a decisão. Estamos diante do já consagrado princípio do duplo grau de jurisdição, um dos garantidores do estado de inocência.

Como forma de garantir o estado de inocência daquele que recorre de uma sentença desfavorável pode-se observar o artigo 596 do Código de Processo Penal onde expressa o fato de a apelação da sentença absolutória não impedir que o réu seja posto imediatamente em liberdade. A colocação do réu em liberdade deverá ser  conforme previsão legal. Noutro giro, nota-se uma aparente falha no artigo antecedente ao dispositivo normativo citado. O artigo 595 do Código de Processo Penal menciona que se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta sua apelação. Isto é, o recurso não será conhecido para seu posteriormente ser provido pelo juízo ad quem.

Entretanto há de se destacar o fato de esse artigo não ser aplicável por força da súmula 347 do Superior Tribunal de Justiça. Pois seria uma afronta aos direitos constitucionais aceitar como fundamento da impossibilidade de julgamento do recurso interposto pelo réu o motivo de sua fuga. Conforme disposto na súmula em questão:

“Súmula 347. O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão.”

Todavia, poderá existir a necessidade de manter o réu preso aguardando o julgamento de seu recurso de apelação de uma sentença condenatória proferida pelo juízo competente. Obviamente essa prisão será fundamentada no ordenamento jurídico não contrariando princípios fundamentais previstos no texto constitucional, cuja legalidade da decisão já foi demonstrada neste estudo na abordagem sobre a questão da prisão preventiva face ao princípio da presunção de inocência. Neste sentido a súmula de número nove editada pelo Superior Tribunal de Justiça:

“Súmula 9. A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência”.

   Importante é lembrar que os recursos nasceram com o escopo de diminuírem, o quanto possível, a margem de erros oriundos do poder judiciário. Sendo garantido a revisão de tais decisões. Pois a justiça dos homens pode falhar, assim como o homem é falível (D' URSO, 2011).  

CONCLUSÃO

Vivemos em um Estado Democrático de Direito onde as garantias constitucionais são verdadeiras limitações constitucionais ao poder estatal. O poder público é regido por normas editadas e aprovadas pelo Poder Legislativo. Este, por sua vez, é eleito pelo povo, que os colocam como seus representantes através de seu exercício de cidadania: o voto. Esta situação fortalece a democracia onde o poder emana do povo que é exercido por meio de seus representantes.

Entretanto, esse poder deve ser delimitado pelos princípios elencados no texto constitucional. As normas devem obedecer a esses fundamentos. E, por sua vez, os órgãos responsáveis por decidir questões de conflito são obrigados a seguir tais princípios.  O exercício de uma justiça eficiente e eficaz depende do importante papel dos preceitos constitucionais distribuídos por todo o texto legal. Em especial o princípio da presunção de inocência, que garante o afastamento da existências de possíveis arbitrariedades do poder público em busca de uma reposta para a sociedade.

A aplicação do pensamento contido na hipótese de inocência do acusado pela prática de uma infração penal reduz a possibilidade do exercício de uma justiça leviana. O magistrado não pode deixar-se contaminar pela ignorância e princípios equivocados de justiça por vezes difundidos pela mídia e formadores da opinião pública. O Estado juiz deve ser técnico quando da análise de um fato para ser justo e aplicar a norma jurídica conforme seu espírito, e desta maneira expressar a vontade popular que foi positivada por meio de seus representantes.

O Estado é o legítimo possuidor do direito ao uso da força. Este poder deve ser utilizado em favor da sociedade, pois quando a força é praticada em desconforme com o justo ela torna-se violência. E, por sua vez, a violência é um ato ilícito, sendo prejudicial ao exercício do Estado Democrático de Direito.

A prisão de um suspeito deve ser realizada de acordo com a lei. A privação da liberdade não pode ser encarada como uma demonstração de poder, ou um arbítrio do poder público com objetivo de demonstrar sua força coercitiva. O direito à liberdade é também uma garantia constitucional. É um direito indisponível. Jamais pode ser admitido tal pena corporal para satisfazer a opinião pública e promover a imagem do poder estatal.

O princípio constitucional em estudo tem por escopo evitar a aplicação apressada e irresponsável da justiça. O homem tem o direito a vida, a liberdade, a existência de forma digna e a correta aplicação da justiça.

É uma das mais importantes garantias previstas na Constituição, onde o acusado pela prática de uma infração penal deixa de ser um simples componente de uma relação jurídica processual e torna-se um sujeito detentor de direitos e garantias. Deste princípio, vários outros surgem em favor do réu. Tais como o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal dentre outros.

O princípio em questão não afirma o fato de o culpado pela prática de uma infração penal ser inocente e não poder sofrer o julgamento através dos órgãos estatais. Este dispositivo constitucional apenas expressa o fato de que ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Ou seja, depois de ser julgado através de um devido processo legal sendo asseguradas todas as garantias constitucionais. Ela é um remédio contra o arbítrio do Estado e a aplicação injusta da justiça.

A essência da justiça não é apoiar atitudes que desrespeitam os valores da dignidade da pessoa humana que por muitas vezes são perpetradas por nossos próprios semelhantes que buscam apenas seus objetivos em detrimento dos valores humanos. O direito existe para equilibrar as relações interpessoais e tornar agradável a vida de todos.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Rafael Ferrari

Bacharel em Direito


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Equipe Âmbito Jurídico

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