O princípio da subsidiariedade e as distorções do modelo federativo fiscal adotado no Brasil

Resumo: O trabalho tem como objetivo analisar o Sistema Federativo Brasileiro, tendo como foco central a faceta fiscal do Estado Federal, as Transferências Voluntárias e as diretrizes traçadas pelo princípio da subsidiariedade.

Palavras-chave:  Sistema Federativo. Federalismo Fiscal. Transferências Voluntárias. Princípio da Subsidiariedade. 

Abstract: The paper aims to analyze the Brazilian federal system, with the central focus fiscal facet of Federal State, Transfers and Voluntary guidelines set by the principle of subsidiarity.

Keywords: Fiscal Federalism. Voluntary transfers. Principle of Subsidiarity.

Sumário: Introdução. 1. O federalismo: conceito e características. 1.2. Autonomia como pressuposto para o sistema federal. 2. O federalismo brasileiro: origem e análise. 2.1 Origem. 2.2. Perspectiva histórica do federalismo brasileiro 2.3 A Constituição da República de 1988 e a Federação Brasileira na atualidade. 2.4 Subsidiariedade. 2.5. Estado Brasileiro Distribuidor 3. Sistema Federativo Fiscal Brasileiro e as Transferências Voluntárias 4. Sistema Federativo Fiscal: A Distribuição de competências e o princípio da subsidiariedade 5. Conclusão

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar o Sistema Federativo Brasileiro, tendo como foco central a faceta Fiscal do Estado Federal e as Transferências Voluntárias. O artigo busca verificar se a distribuição de recursos tributários evidenciada nos últimos anos é regida pelas diretrizes traçadas pelo Princípio da Subsidiariedade e fundamentos do Sistema Federal.

1. O FEDERALISMO: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

O pacto federativo pode ser definido como a união dos entes federados dotados de autonomia e submetidos ao poder central soberano. Nesse sistema, os entes federados aliam-se em comum acordo para criar um governo central, que absorverá algumas prerrogativas que competiam às unidades constitutivas.

Sobre o tema dispõe Soares:

"O contrato federal significa: 1) que as comunidades transferem parte dos seus poderes para um centro político nacional, 2) que há consenso das partes envolvidas em torno das políticas que estabelecerão a comunidade política – o que significa delimitar o campo de ação de cada esfera de governo e, 3) que há garantia constitucional e institucional de autonomia para cada ente federativo, o que significa autonomia para constituir seus governos" (SOARES, 1997, p.42).

O equilíbrio federal tratado acima é estabelecido entre as esferas de poder – governo central e governos constituintes -, o que significa que nenhuma das esferas de poder da estrutura federal deve sobrepor-se à outra. Cumpre destacar que essas duas esferas autônomas têm poderes únicos e concorrentes para governarem sobre o mesmo território e as mesmas pessoas. Desse modo, o sistema federativo tem a capacidade de acomodar e reconciliar a competição e, algumas vezes, o conflito em torno de diversidades existentes entre os entes federados.

1.2. AUTONOMIA COMO PRESSUPOSTO PARA O SISTEMA FEDERAL

Como já dito, o Estado Federal é formado por um contrato – acordo entre as diversas comunidades territoriais -, no qual os Entes federados dotados de autonomia aliam-se uns aos outros criando a Federação. Ao firmar esse acordo as unidades subnacionais cedem importantes competências que passam a ser assumidas pela União. Via de regra, estas perdem atribuições no que se refere à política externa, defesa do país, moeda, aos serviços de correios e telecomunicações, bem como às esferas do Direito Penal e Civil. (HOFFE, 2005. p. 164). Nessa medida, os membros da Federação passam a se submeter a uma regra majoritária, instaurando, sobretudo, um Legislativo comum, um Judiciário federal comum e um Executivo federal.

Segundo Soares (1997), para a criação do sistema federal, é essencial a formulação de uma Constituição que estabeleça as regras que digam respeito às relações territoriais de poder: distribuições de competências administrativas e de recursos fiscais, instituições federais, representação federal, relações intergovernamentais e etc. Portanto, a Constituição Federal  estabelece a repartição interna de poderes.

Conforme dispõe Elazar (1994, p.12), esse documento (CR/88) corporifica as regras fundamentais estabelecidas no pacto federativo firmado e fornece às partes envolvidas um entendimento comum sobre o sistema Federal adotado. Nessa medida, a Constituição delimita a atuação e os espaços de poder entre os dois governos no mesmo território, buscando eliminar a possibilidade de concorrência entre os entes federados pela administração do mesmo território e evitar que os interesses locais ou regionais se sobreponham aos interesses nacionais (FREIRE, 2007). Em outras palavras, o auto-governo, a autonomia e a capacidade de auto-organização garantida aos entes federados devem respeitar os limites estabelecidos na Carta Política, prerrogativas estas que não podem ser abolidas ou alteradas de modo unilateral pelo governo central.

Como já dito, o pacto federativo corresponde à manutenção de interesses territoriais num sistema de pesos e contrapesos institucionais que sustentam tanto a autonomia do centro político federal, como a autonomia das subunidades federadas. Desse modo, garantir a manutenção do sistema federal é garantir a dupla autonomia das esferas territoriais de poder, estabelecendo um equilíbrio político-institucional (checks and balances) entre as forças políticas atuantes na sociedade. Nesse sistema de checks and balances, as forças políticas dos entes federados limitam-se umas às outras.

Para a construção do Estado-Federal não basta ao ente federado a possibilidade de auto-organizar-se com uma Constituição própria, possuindo competência legislativa e administrativa, além de um poder judiciário próprio, é imprescindível ter autonomia financeira. Afinal, sem capacidade para autogestão financeira como o ente federado poderá considerar ter vida política, administrativa, legislativa e judiciária autônoma?

Sobre o tema dispõe Calmon:

"No âmbito tributário, a sustentar a autonomia política e administrativa do Estado-Membro, e do Município – que, no Brasil, como vimos, tem dignidade constitucional – impõe-se a preservação da autonomia financeira dos entes locais, sem a qual aqueloutras não existirão. Esta autonomia resguarda-se mediante a preservação da competência tributária das pessoas políticas que convivem na Federação e, também, pela equidosa discriminação constitucional das fontes de receita tributária, daí advindo a importância do tema referente à repartição das competências no Estado Federal, assunto inexistente, ou pouco relevante, nos Estados Unitários" (Regiões e Comunas). (CALMON, 2009, p.63)

Portanto, a autonomia financeira dos membros da federação é de fundamental importância para o Sistema Federativo Fiscal, a qual é assegurada mediante a discriminação constitucional de receitas tributárias, com a repartição das competências e a distribuição dos recursos tributários. Ao estabelecer competências tributárias e dividi-las entre os entes da federação, a Constituição Federal descentraliza a atuação da Administração Pública para a arrecadação de receita. Portanto, a autonomia financeira está estreitamente relacionada às feições da federação e às relações intergovernamentais.

Segundo esse entendimento dispõe Calmon:

"A característica fundamental do federalismo é a autonomia do Estado-Membro, que pode ser mais ou menos ampla, dependendo do país de que se esteja a cuidar (…). Sendo a federação um pacto de igualdade entre as pessoas políticas, e sendo a autonomia financeira o penhor da autonomia dos entes federados, tem-se que qualquer agressão, ainda que velada, a estes dogmas, constitui inconstitucionalidade". (CALMON, 2009, p.63)

Portanto, a independência financeira é inerente à autonomia substancial dos estados-membros, sendo considerada indispensável sua previsão no texto da Constituição de forma a assegurar receita suficiente para fazer face aos encargos que lhes foram atribuídos. Cumpre destacar que essa repartição de recursos deve ser feita de maneira equilibrada, baseada nas responsabilidades de cada ente federado e nas devidas competências para instituir e arrecadar tributos. Em outras palavras, essa distribuição deve ser feita buscando reduzir eventuais desequilíbrios entre a capacidade de arrecadação e a demanda por serviços públicos em cada unidade subnacional (VILA JUNIOR, 2009). Nesse sentido cabe ressalta o que dispõe o autor Figueiredo “[…] o federalismo fiscal preocupa-se com o bem-estar e a equalização fiscal.” (FIGUEIREDO, 2006, p.192).

2. O FEDERALISMO BRASILEIRO: ORIGEM E ANÁLISE

2.1 ORIGEM

O processo de formação da Federação Brasileira não se assemelha ao processo que impulsionou a constituição da federação norte-americana, uma vez que a origem do federalismo nos EUA em 1787 foi motivada por intenções expansionistas, ameaças, por defesa militar ou diplomacia. As treze colônias inglesas que constituíram os EUA, dotadas de autonomia no período colonial (forte identidade territorial), com o objetivo de se livrarem do domínio colonial inglês, se uniram no processo de independência, a fim de aumentar sua capacidade militar ou diplomática, culminando no surgimento da Confederação das 13 colônias da América em 1778 (ARRECTCHE, 2001). Contudo, com o fim da guerra, cada colônia foi transformada em república independente. Porém, a fragilidade de cada república frente às ameaças externas, interesse econômicos e rivalidades entre as 13 novas repúblicas viabilizou a união e a formação da federação norte-americana.

No caso brasileiro, por sua vez, a federação nasceu da determinação do governo central, como resposta aos anseios das elites regionais que se sentiam tolhidas pelo centralismo monárquico. Entretanto, a despeito das diferenças existentes entre os processos demonstrados, no Brasil reproduziu-se parte da estrutura institucional do modelo adotado pelos EUA, sendo uma formação implantada de cima para baixo – determinação do governo central – com similar estrutura institucional: estados dotados de poderes Executivo, Legislativo e Judiciário próprios; Constituições estaduais e etc. (FREIRE, 2007).

2.2. PERSPECTIVA HISTÓRICA DO FEDERALISMO BRASILEIRO

A caracterização do Estado Federal está intimamente ligada à formação histórica do sistema no país. No caso brasileiro, o federalismo como forma de Estado foi criado em 1891, após a proclamação da República, por um decreto que colocou fim ao Estado unitário e centralizado e permitiu a criação dos Estados Federados.

O período compreendido entre a Constituição de 1891 até a atual Constituição foi marcado por um ciclo que alternou fases de descentralização[1] e centralização do poder político, administrativo e fiscal. Desse modo, a história do federalismo fiscal brasileiro aponta diversos movimentos de centralização e descentralização, tanto das transferências de recursos fiscais, quanto das competências legais. Tal movimento pendular pode ser descrito por meio de uma análise histórica do Federalismo Brasileiro detalhado no esquema abaixo:

1891-1930: descentralização de recursos e poder; notoriamente, existência da “Política dos Governadores”;

1930-1946: centralização, governo ditatorial de Vargas;

1946-1964: descentralização, regimes democráticos;

1964-1980: centralização, regime militar;

A partir de 1980 iniciaram-se reivindicações no sentido de começar um movimento de descentralização, de modo que na década de 80, mesmo antes da nova Constituição, já ocorrem modificações na estrutura fiscal que ampliam a autonomia dos estados e municípios.

Ao longo dos anos 80, inicia-se o processo de abertura política “lento e gradual”. O afrouxamento do regime militar, as tendências ligadas à abertura política e as tensões entre o federalismo e autoritarismo foram enfraquecendo o poder central, resultando na redemocratização. Nesse período, os movimentos em busca da descentralização fiscal e do enfraquecimento do poder central eram evidentes pela forte elevação das transferências de impostos federais em favor dos governos subnacionais (REZENDE, 2001). 

Essas tendências resultaram na democratização, tomando forma definitiva na nova Constituição de 1988. Nesse sentido “[…] a radical descentralização fiscal da Constituição de 1988 seria uma reação à centralização fiscal do regime militar.” (OLIVEIRA et al. apud ARRETCHE, 2005, p. 71). 

2.3 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988 E A FEDERAÇÃO BRASILEIRA NA ATUALIDADE

A República Federativa do Brasil, consoante ressalta o art. 1°, caput, da Constituição da República de 1988 (CR/88), constitui-se em um Estado Democrático de Direito, formado pela união indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, qualificando-se, portanto, como um Estado Federal. Tanto é assim que a CR/88 proíbe emendas nas seguintes matérias art. 60, § 4º, verbis: “§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I- a forma federativa de Estado; […]”. (BRASIL, 2008, p. 53)

A Constituição da República de 1988 representa a culminância de um processo de abertura política que restabeleceu a democracia e a organização federativa no Brasil. É através da adoção ao regime democrático, que prima pela convivência em uma sociedade livre, justa e solidária, que o Estado torna-se capaz de acolher e processar a pluralidade de interesses existentes na sociedade por meio da participação política.

Na Constituição Federal 1988 a Federação foi redesenhada em benefício dos Estados e Municípios, tendo em vista que o seu texto tratou de restabelecer as condições políticas e mesmo econômicas de autonomia das unidades federadas. Nesse período foram definidas regras para repartição de receitas tributárias e fortalecida a capacidade de tributação própria dos entes federados, com os municípios sendo os grandes beneficiados. As porcentagens de impostos federais que compõem o FPE (Fundo de Participação dos Estados) e o FPM (Fundo de Participação dos Municípios) aumentaram consideravelmente.[2]

A descentralização fiscal evidenciada deve ser tratada com maior atenção, pois possibilita uma análise dos aspectos de financiamento e gastos do governo em cada unidade subnacional. Nesse período, grande parte dos recursos fiscais foi redistribuída, contudo, as atribuições e encargos de cada esfera de governo não foram estabelecidas de maneira clara (SOUZA, 2006). Nesse sentido, alguns autores ressaltam que a Constituição de 1988 estabeleceu uma descentralização de receita, mas não ocorreu descentralização de encargos e divisão das competências funcionais para cada esfera de governo (FIGUEIREDO, 2006, p.192).

Sobre a matéria, dispõe Oliveira, citado por Arretche:

"Assim embora tenha sido pensada para revitalizar a Federação, a descentralização de recursos a enfraqueceu, porque não foi acompanhada por uma distribuição também dos encargos entre os governos e de novos mecanismos de cooperação intergovernamentais, o que passou a condicionar a natureza de ajuste fiscal". (ARRETCHE, 2005, p. 266)

Nesse período, o compartilhamento de receitas fiscais com os governos subnacionais, além de beneficiar as esferas estaduais e municipais, estrangulou o orçamento federal. Dado esse contexto de descentralização, a União passou a expandir cada vez mais sua receita por meio da instituição das contribuições sociais (competência do governo federal cuja receita não é compartilhada com os outros entes). Portanto,  as contribuições sociais, que surgem como mecanismo de financiamento dos direitos sociais, são utilizadas pela União como meio para cumprir suas responsabilidades (REZENDE, 1995). Ou seja, de mecanismos de financiamentos dos direitos sociais, as contribuições sociais passam a representar a solução para o estrangulamento orçamentário da União provocado pela descentralização e aumento do repasse de receitas fiscais para os demais entes federados.

O autor Rezende (2004) entende o sistema instituído pela Constituição Federal como um regime fiscal duplo, que abarca as tendências descentralizadoras e, ao mesmo tempo, abre espaço para a criação de contribuições sociais, centralizando recursos em poder da União (REZENDE; AFONSO, 2002). Através desse mecanismo a União, para amenizar o impacto da reforma tributária, manteve o gasto público federal em níveis elevados no período pós-88, interrompendo a tendência à descentralização.

Ademais, a partir da segunda metade da década de 1990, a capacidade real dos governos de exercer plenamente sua autonomia fiscal sofreu restrições devido à pressão de ajustar a economia e estabilizar a moeda. Nesse período, foi criada a Lei de Responsabilidade Fiscal, cujo objetivo era garantir a disciplina fiscal em todos os níveis do governo. Desse modo, a Constituição apontava para uma maior descentralização, contudo, as restrições orçamentárias afetavam a autonomia dos entes federados (REZENDE, 2001). Além dessas medidas, a partir da segunda metade da década de 1990, novas alterações na legislação tributária federal aumentaram a participação da União na divisão da arrecadação, privilegiando a cobrança de tributos não partilhados.

Mais recentemente, o Governo Central adotou medidas para ampliar ainda mais sua receita. Em 1994 foi criado o Fundo Social de Emergência (FSE), em caráter provisório, e foi sendo prorrogado ao longo dos anos. Atualmente, com a criação da Emenda Constitucional nº 27 de 21.03.2000, o Fundo Social de Emergência foi substituído pela Desvinculação de Receitas da União (DRU). Nesse período também foi criado o CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), mais um imposto federal, hoje extinto, aumentando a arrecadação nas mãos da União. Ou seja, na conjuntura atual, o federalismo brasileiro, que fortaleceu a autonomia fiscal dos estados e municípios na década de 80 – descentralização -, passa a concentrar novamente os recursos tributários nas mãos da União.

Tal concentração de recursos em poder da União representa uma ameaça ao pacto federativo, vez que reduz a autonomia e a disponibilidade de recursos dos Estados e Municípios. Nesse sentido, cabe tratarmos sobre o  princípio da subsidiariedade e a noção de Estado distribuidor, aspectos fundamentais do sistema federativo fiscal.

2.4 SUBSIDIARIEDADE

A palavra subsidiariedade tem origem no latim: subsidium afferre, que significa “prestar ajuda“, oferecer proteção. Trata-se de uma ajuda secundária – reserva de emergência – que só entrará em ação se a ajuda prioritária, a auto-ajuda não bastar. Este princípio representa um empenho positivo das sociedades maiores no confronto das sociedades menores para ajudar e suprir eventuais deficiências, com o intuito de integrar, estimular o crescimento e buscar a capacidade de recuperação e emancipação.

O conceito foi explicitado da forma como é utilizado hoje, em 1931, na Encíclica Quadragésimo ano, escrita pelo Papa Pio XI:

Como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e capacidade, para confiar à coletividade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada o que as sociedades menores e inferiores podiam conseguir, é uma injustiça, um grave dano e perturbação social. O fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, não destruí-los nem absorvê-los. Deixe, pois, a autoridade pública ao cuidado das associações inferiores aqueles negócios de menor importância, que a absorveriam demasiadamente; poderá então desempenhar mais livre, enérgica e eficazmente o que só a ela compete, porque só ela o pode fazer: dirigir, vigiar, urgir e reprimir, conforme os casos e a necessidade requeiram.”

O princípio da subsidiariedade deve ser interpretado como inerente à preservação das individualidades, ou seja, o desenvolvimento nasce na pessoa, chega à sociedade e às instituições e retorna a pessoa, restituindo-lhe espaços e instrumentos de iniciativa, tornando-as co-responsáveis pelo bem comum. O lema da subsidiariedade é: “in dúbio pro individuo vel minore” na dúvida, pelo individuo ou pela unidade inferior.

Nesse sentido, cabe às Unidades superiores concentrar em suas tarefas originárias e deixar a cargo das unidades inferiores aquilo que elas próprias são capazes de produzir e, no momento em que a capacidade de auto-ajuda das instâncias inferiores se encontrar atrofiada, a instância superior – União – assumirá o dever de regenerar as instâncias inferiores. Para isso devem existir limitações de competência no que se refere à atuação das sociedades superiores, de modo a respeitar a natureza e deveres das sociedades menores. Nesse sentido, o princípio da subsidiariedade protege as instâncias inferiores dos abusos das instâncias superiores e solicita que estas últimas ajudem os corpos intermediários a desempenharem suas próprias funções.

Os conceitos de federalismo e subsidiariedade estão estreitamente relacionados, uma vez que o princípio da subsidiariedade exige que, “quando da subdivisão do Estado, as unidades menores não sejam apenas unidades administrativas (como departamentos ou províncias), mas unidades políticas relativamente autônomas” (HOFFE, 2005, p. 162).

Como já dito, no Estado Federal as unidades subnacionais devem possuir autonomia para regular seus assuntos e, em conformidade com o princípio da subsidiariedade, caso seja necessário concurso de ajuda alheia, poderão solicitá-la ao Governo Central. Segundo Hoffe, “A subsidiariedade defende um escalonamento vertical do Estado, na qual permaneça o máximo possível de competências nas instâncias inferiores.” Os Estados membros só deverão ceder aquele tipo e aquela medida de competência que eles próprios não sejam capazes de assumir de maneira melhor.

Apesar de sugerir uma função de suplência, que justifica a ajuda estatal, esse princípio também limita a intervenção de órgão ou coletividade superior (A União não deverá assumir aquilo que os Estados já são capazes de fazer, ou seja, não deverá exigir para si aquilo que a unidade menor já domina). Assim, o princípio da subsidiariedade procura unir o federalismo à solidariedade – correlação entre integração e autonomia, reciprocidade e cooperação.

Como já dito, tendo em vista a importância da autonomia dos entes federados como sustentáculo do sistema federativo, é de extrema relevância a divisão de competências entre os entes federados. A subsidiariedade objetiva reordenar as competências dos entes federados de maneira idônea e responsável, no sentido de que toda intervenção da União deve ajudar supletivamente os Estados, sem destruí-los nem absorvê-los.

Sobre o princípio da subsidiariedade e a distribuição de competências ressalta o ex-senador da República, ex-governador do Estado de São Paulo e professor da Faculdade de Direito da PUC-SP, André Franco Montoro:

“(…) é um princípio de bom senso, tudo o que puder ser feito no Município deve ser feito por ele, o que ele não puder, o Estado vem em auxílio, o que o Estado não puder a União subsidia. Parto do princípio de que, tudo o que puder ser feito por uma entidade menor, não deve ser feito por um organismo maior, é o Governo mais próximo da população, e eu menciono alguns princípios: primeiro, tudo aquilo que puder ser feito pela própria sociedade deve ser feito por ela, quando ela não puder fazer, o Estado interfere, mas não se trata de um Estado mínimo ou máximo, mas sim do Estado necessário. […] A União deve ficar com os poderes que nem o estado, nem o Município e nem a sociedade, podem fazer de forma adequada ao interesse público. Diretrizes gerais, Segurança Pública, relações Internacionais mas, principalmente, diretrizes. A execução, excepcionalmente, só quando ela realmente não puder ser realizada por instâncias menores. Esta é uma boa síntese do que se poderia chamar de princípio da subsidiariedade". (MONTORO, 2002, p. 59).

Sobre o tema completa Hoffe (2005):

Via de regra competências podem ser interpretadas de forma bem variada, tanto de maneira generosa quanto restrita. Dentro da respectiva margem de decisões, o princípio da subsidiariedade adota, em segundo lugar, a tarefa de uma regra executora de competências. Mais uma vez, ele surge como uma regra de ônus da prova, e esta pode ser especificada em três critérios: a clausula da exigência requer que a instância superior tem de ser necessária na respectiva coisa; conforme a cláusula do melhor, ela tem que fazê-lo melhor do que qualquer instância inferior; e de acordo com o imperativo da proporcionalidade, uma intervenção legítima da instância superior deve-se restringir (a) à dimensão necessária, (b) à profundidade necessária de regulamentação ou de desempenho e (c) à intensidade necessária de regulação.” (p. 157)

A eventual intervenção, no momento em que a auto-ajuda não bastar, justifica-se pela busca do desenvolvimento proporcional entre os entes federados e redução das desigualdades – Estado Distribuidor. Assim, o princípio da subsidiariedade, neste aspecto, procura unir o federalismo à solidariedade – correlação entre integração e autonomia, reciprocidade e cooperação, visão detalhada na seção seguinte. Nesse sentido a subsidiariedade se coloca contra um crescimento do centralismo e em favor do federalismo (HOFFE, 2005).

2.5. ESTADO BRASILEIRO DISTRIBUIDOR

A Constituição da República Federativa do Brasil modela um Estado Democrático de Direito humanista[3], essencialmente social orientado para o bem comum e pelas justiças social[4] (faceta prestacional) e fiscal (faceta interventiva). Assim, o Estado Democrático de Direito é constituído para satisfazer as necessidades da coletividade e garantir os direitos fundamentais, primando pela igualdade social e pelo bem comum da sociedade (BATISTA, [2009?] ). Sobre o tema disserta Batista:

“A CRFB/88 projeta assim a construção de uma República que seja orientada para o bem comum; que tenha igualdade social como programa fulcral; que, com lastro em um humanismo democrático, (…) que busque atender às necessidades dos socialmente excluídos por meio de uma atuação solidária. O Estado Democrático de Direito, assim, é projetado para ser um Estado solidário de justiça social.” (BATISTA, 2009, p.13)

A faceta financeira do Estado Democrático de Direito é denominada “Estado Tributário” e está diretamente relacionada ao tema desenvolvido nesse trabalho. No Estado tributário, as finanças se baseiam nos tributos, uma vez que o Estado não é proprietário dos meios de produção e precisa tributar para cumprir sua missão e fazer justiça social. Nesse sentido, o Estado Distribuidor funciona como agente intermediário devendo tributar o excedente de riqueza de alguns para prestar serviços a outros que deles necessitam – tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam (BATISTA, 2009).

Sobre o Estado Democrático Brasileiro acrescenta Batista:

"O Estado Democrático de Direito brasileiro é um Estado Distribuidor, um Estado da igualdade material, que deve proporcionar paz social mediante a promoção da justiça social, tanto pela sua atuação interventiva, como pela prestacional. Configura-se, assim, como Estado de Direito, social em seu desiderato (Estado da Justiça Social), que não é dono dos meios de produção (Estado Tributário), mas que para atuar e cumprir seu desiderato deve arrecadar recursos de quem pode e prestar serviços a quem deles necessita, conforme as necessidades sociais" (BATISTA, 2009, p.15).

3. SISTEMA FEDERATIVO FISCAL BRASILEIRO E AS TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS

Quando analisamos a composição da receita dos entes federados no Brasil identificamos três tipos principais de recursos: 1) Os recursos de arrecadação própria, de acordo com as competências tributárias constitucionais de cada ente; 2) Os recursos de transferência obrigatória, constantes na Constituição Federal e outras legislações, tais como o Fundo de Participação de Municípios (FPM) e Fundo de Participação de Estados (FPE) e 3) As transferências voluntárias que, no caso da União, são conceituadas como “a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde” (Lei Complementar nº 101/2000).

Em conformidade com as diretrizes do Estado Distribuidor e Princípio da Subsidiariedade e, tendo em vista a atual centralização de recursos, torna-se necessário transferir parcela desses recursos em poder da União para outras esferas de governo, visando reduzir as disparidades no que se refere à capacidade fiscal e econômica dos entes federados e garantir a autonomia financeira a esses entes.

Sob o paradigma do Estado Democrático de Direito as transferências intergovernamentais devem ser estabelecidas com finalidade precípua de distribuição equânime das receitas tributárias entre os entes federativos. Estas transferências serão realizadas no intuito de garantir aos entes federados a autonomia financeira e a possibilidade de desenvolvimento proporcional e, assim, atribuir condições político-sociais igualitárias entre os cidadãos brasileiros. Ou seja, os recursos provenientes das transferências intergovernamentais (União – Estados – Municípios) devem beneficiar àqueles estados que delas necessitam, adotando um caráter de suplementação das receitas arrecadadas, a fim de reduzir os desequilíbrios federativos evidentes.

Nesse sentido, para alguns autores a União deveria atuar como ente distribuidor, obtendo como finalidade precípua a equânime divisão das receitas tributárias entre os entes federativos, o que, de certo modo, justificaria a centralização de recursos evidente nos últimos anos. Ou seja, a centralização de recursos em poder da União permitiria a este ente promover a distribuição de recursos segundo o aspecto distributivo-social. Entretanto, tal conclusão se mostra errônea, uma vez que o sistema federativo fiscal de arrecadação e distribuição de recursos é que determina essas diretrizes – distribuição de competências e transferências legais -, ou seja, não cabe a União enquanto ente federado determinar tal distribuição. A Legislação  deve estabelecer as atribuições de cada esfera de Poder, determinando os limites das competências administrativas e de recursos fiscais de cada ente federado.

Em outras palavras, a distribuição de competências, as transferências legais e Constitucionais devem respeitar os limites estabelecidos na Carta Política, prerrogativas estas que não podem ser abolidas ou alteradas de modo unilateral pelo governo central. Portanto, a União não exerce nenhum controle sobre essa distribuição, uma vez que não possui autonomia para dispor desses recursos. A única parcela de recursos  que a União possui o controle para realizar esse tipo de repasse discricionário trata das Transferências Voluntárias, foco dessa seção.

As transferências voluntárias podem ser definidas como discricionárias, estas funcionam como um importante mecanismo de repasse de recursos da União para os demais entes federados, sem qualquer obrigatoriedade legal definida a respeito do valor da quantia transferida ou qualquer indicação do ente federado que será beneficiado pelo recurso. Nessa medida, a ausência de uma predefinição legal a respeito desse instituto gera uma diversidade de lacunas e inseguranças sobre a matéria (CARVALHO, 2009). Em virtude dessas incertezas, diversos estudos buscaram identificar os aspectos que influenciam o processo de escolha do ente federado que será beneficiado por esse recurso.

Essas transferências resultam do ciclo anual do Orçamento Federal, envolvendo negociações intergovernamentais entre diferentes esferas de governo e representantes políticos. Nesse processo os recursos são pleiteados das maneiras descritas a seguir:

"No momento da elaboração do Orçamento Geral da União o Poder Executivo Federal define o programa de governo e as áreas prioritárias da proposta orçamentária, estabelecendo o volume de gastos para cada ministério. Os ministérios, por sua vez, irão estabelecer sua programação orçamentária indicando o montante de recursos para seus programas. É nessa fase que ocorre a negociação entre os Estados e Ministérios buscando inclusão dos projetos estatais no Orçamento do Ministério que pode aprová-lo ou não. Após essa negociação o Executivo tem um prazo para enviar ao Legislativo a proposta orçamentária para o próximo ano" (SOUZA, 2006, p.46)

Esses recursos também podem ser pleiteados durante a negociação, no Legislativo Federal, da proposta orçamentária encaminhada pelo Executivo. É nessa fase que podem ser propostas as emendas de parlamentares para inclusão de projetos do interesse da sua base eleitoral no orçamento (cada deputado ou senador tem direito a emendar o orçamento em um montante pré-fixado de recursos). Ao fim desse processo, o Congresso deve devolver ao Executivo Federal a proposta orçamentária com as devidas modificações para ser sancionada pelo presidente da República ao final do ano legislativo; (SOUZA, 2006)

Entretanto, mesmo após os processos descritos acima o repasse das transferências voluntárias ainda não está assegurado. Considerando que o orçamento público no Brasil não é determinativo, mas meramente autorizativo, esses recursos são passíveis de contingenciamento pelo Executivo Federal.

Sobre o tema, completa Souza:

[…] "as transferências voluntárias, tecnicamente, representam parcela das transferências do governo possíveis de contingenciamento, sendo, simultaneamente, descontigenciáveis politicamente pelo Executivo Federal". (SOUZA, 2006, p. 48)

Vários estudiosos identificaram que, a variável política exerce forte influência nesse processo, indicando que os presidentes usam as Transferências Voluntárias para conquistar eleitores e construir coalizões legislativas de apoio. Nesse sentido, Arretche (2004) ressalta que a distribuição de Transferências Voluntárias pode ser um mecanismo eficiente para atingir objetivos políticos dos ministros e, principalmente, do Presidente da República, para premiar antigos e persuadir novos colaboradores – manter uma coalizão legislativa claramente identificada.

Como já ressaltado, grande parte dos parlamentares propõe emendas destinadas a beneficiar suas principais bases eleitorais.[5] Ou seja, a apresentação de emendas pode ser entendida como estratégia de parlamentares individuais para aprovação de projetos para seus redutos eleitorais (ARRETCHE, 2004). Evidencia-se, portanto, o uso de práticas clientelistas com o objetivo de manter-se no poder (PEREIRA, 2002). Cumpre ressaltar que o Executivo permanece com o maior controle sobre a matéria uma vez que, embora os parlamentares proponham emendas individuais e coletivas ao orçamento anual, cabe ao Executivo determinar quais serão executadas, tendo em vista que, mesmo após terem sido incluídas no orçamento de Ministérios ou através de emendas parlamentares, o repasse de recursos não está assegurado – os recursos são passiveis de contingenciamento pelo poder executivo federal (a efetiva execução desses recursos está diretamente associada à uma negociação entre governo e a base política aliada).

Nesse sentido discorrem os autores Piancastelli e Camillo:

"Como um legado da tradição inflacionária em passado recente, o orçamento público no Brasil não é determinativo, mas autorizativo – isto é, em parte das despesas aprovadas pelo Congresso e promulgadas em lei orçamentária anual não será necessariamente executada, dependerá, antes de uma negociação entre o governo e a base política aliada. Assim, estados com elevado volume de transferências voluntárias são, em geral, os governados pelos partidos que participam da coalizão de apoio ao governo central. Estados governados por partidos de oposição recebem, em geral, menores volumes de transferências voluntárias" (PIANCASTELLI; CAMILLO, 2003, p. 15)

No tocante a execução das emendas individuais, segundo Limongi e Figueiredo (2002, p.765) uma conclusão óbvia parece se impor: a execução das emendas individuais, bem como a probabilidade de um deputado votar favoravelmente à agenda de Governo esta relacionada a critérios político-partidários. Portanto, segundo esses autores, a execução dos recursos alocados pelas emendas individuais ao orçamento favorece os membros daqueles partidos que votam favoravelmente à agenda legislativa do Executivo.

Sobre o assunto disserta Arretche:

"Ames (2001) analisou as propostas de emendas ao orçamento, embora freqüentemente menos da metade destas sejam executadas. Figueiredo e Limongi (2002) e Pereira e Mueller (2002) examinaram os itens executados do orçamento de investimentos de Fernando Henrique Cardoso e mostraram que os parlamentares da coalizão do presidente têm maior probabilidade de ter suas emendas aprovadas e executadas". (ARRETCHE, 2004, p.10)

Sobre o tema completa Limongi e Figueiredo:

"Essas emendas seriam engrenagens centrais de um complexo sistema de trocas de apoio que garantiria, na arena legislativa, o apoio “da base do governo” ao Executivo e, na arena eleitoral, os recursos que os deputados carreariam para suas bases eleitorais. A execução das emendas individuais seria a “moeda de troca” a selar acordos que envolveriam eleitores, legisladores e Executivo.” (LIMONGI; FIGUEIREDO, 2005, p. 738)

Nesse jogo político encontram-se dois pólos: 1º presidente que utiliza recursos para garantir sustentação parlamentar ao seu governo, e 2º parlamentares que desejam se reeleger distribuindo benefícios a seus distritos eleitorais e regiões de origem, que receberão recursos adicionais. (ARRETCHE, 2004). Dessa forma, o Executivo, dotado dessa prerrogativa, poderia trocar recursos que os parlamentares querem levar as suas bases eleitorais pelos votos que necessita para implementar as políticas prioritárias de sua agenda governamental. Portanto, a liberação de recursos, os vetos, os cortes e os créditos adicionais, seriam os meios utilizados pelo Executivo para obter apoio dos parlamentares.

Nesse sentido dispõe Pereira e Mueller:

"As evidências apresentadas (…) demonstram que o presidente da República recompensa os parlamentares que sistematicamente votam a favor dos projetos de interesse do governo, autorizando a execução de suas emendas individuais, e, ao mesmo tempo, pune os que não votam nesses projetos simplesmente não executando as emendas propostas". (PEREIRA; MUELLER, 2002, p. 274)

É importante ressaltar que a influência política está presente também em âmbito ministerial. Considerando as despesas que não foram contingenciadas, cabe aos ministros decidir sobre sua execução e sobre os programas que serão contemplados. Nesse momento, estes podem atuar favorecendo seu partido na escolha da destinação de recursos oriundos das transferência voluntária.

Diversos estudos procuraram identificar os Estados para os quais os líderes políticos preferencialmente destinam os recursos provenientes das transferências voluntárias e quais são os fatores que determinam essa escolha, enfocando a questão política. O estudo desenvolvido pela autora Arretche (2004), considerando o período do governo Fernando Henrique Cardoso, indicou que foram premiados com recursos provenientes das transferências voluntárias os Estados com maior representação na coalizão de sustentação legislativa do presidente.

Estudo semelhante foi desenvolvido por Carvalho (2009), que com base em dados e registros de todos os convênios celebrados a partir de 1996 ate 2008, buscou analisar a influencia do aspecto político inserido nesse processo. Sobre o tema assevera:

"[…] Temos que a variável que mais apresentaria variação na distribuição de recursos seria a que representa a dimensão político-partidária, “partgov”, ou seja, indica que um governador do mesmo partido que o presidente teria um incremento em seus recursos recebidos".(CARVALHO, 2009, p. 57)

Dos estudos analisados depreende-se que o presidente usa seus recursos para manter uma coalizão legislativa claramente identificada, corroborando com a hipótese de influência dessa variável. Desse modo, o presidente da República recompensa os parlamentares que votam a favor dos projetos de interesse do governo, bem como àqueles que estão alinhados politicamente ao Governo Federal e participam da coalizão de apoio do governante eleito autorizando execução de emendas.

Cumpre ressaltar que a utilização dessas transferências como instrumento de barganha política desrespeita o Pacto Federativo e os princípios da subsidieriedade, impessoalidade, moralidade e eficiência, uma vez que a discricionariedade inerente a esse processo torna os Estados dependentes dessa negociação política o que, conseqüentemente reduz a autonomia dos entes federados subnacionais frente a esse repasse de recursos. Ademais, verifica-se que as transferências voluntarias não se efetuam no intuito de regenerar as instâncias inferiores em eventuais casos que a auto-ajuda das unidades subnacionais não bastar, conforme preceitua o princípio da subsidiariedade.

Alem disso, conforme os fundamentos do Estado Distribuidor descrito no capitulo anterior, este repasse de recursos deveria ser realizado com vistas à manutenção do equilíbrio entre encargos e rendas de cada unidade subnacional, equilíbrio entre as regiões a fim de garantir o desenvolvimento proporcional dos entes federados e redução das desigualdades mas, como visto, essa distribuição de recursos muitas vezes desconsidera esse aspecto, se pautando por negociações políticas.

4. SISTEMA FEDERATIVO FISCAL: A DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS E O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE

De acordo com os fundamentos do Federalismo e as diretrizes do princípio da subsidiariedade, os entes federados devem ser dotados de autonomia para realizar suas tarefas específicas e suprir suas próprias necessidades. As entidades públicas superiores (União), em termos de competências, devem prevalecer sobre as unidades menores somente quando estas não estiverem aptas a executá-las de modo eficiente. Ou seja, as unidades superiores devem deixar a cargo das unidades inferiores aquilo que elas próprias são capazes de produzir e, somente nos casos em que as unidades menores carecerem de ajuda, estas devem recorrer à União. Desse modo, a auto-ajuda tem prioridade sobre a ajuda da União.

A adoção desse sistema implica em uma distribuição de competências constitucionais administrativas e fiscais entre os diferentes níveis de governo, para que cada um, de modo autônomo, detenha recursos suficientes para fazer face aos encargos que lhes foram atribuídos. Ou seja, essa repartição de recursos deve ser feita de maneira equilibrada, baseada nas responsabilidades de cada ente federado e nas devidas competências para instituir e arrecadar tributos.

É importante ressaltar que a real redução das desigualdades de que trata o Art. 3ª, III da CF/88 não a União sustentar financeiramente os Estados, uma vez que este ente deve tão somente proporcionar-lhes possibilidades de trabalho e desenvolvimento proporcional (HOFFE, 2005). Portanto, a idéia da subsidiariedade vai em direção contrária à transformação da União em um ente assistencialista abrangente, exigindo que se restrinja às suas tarefas centrais.

Podemos concluir que, com base nas diretrizes traçadas pelo Principio da Subsidiariedade e Estado Distribuidor, no sistema federal subsidiário a redução das desigualdades inter-regionais, conforme preceitua o art. 3º da CF/88, residiria na possibilidade da União, em situações emergenciais, regenerar/recapacitar as unidades subnacionais garantindo o desenvolvimento proporcional dos Entes Federados visando ao bem comum. Portanto, o Estado Distribuidor interventor e promotor da justiça social deve garantir meios para o desenvolvimento proporcional dos entes federados e assim reduzir as desigualdades sociais primando pelo equilíbrio federal – direito de intervenção tendo em vista o bem comum.

Assim, conforme destacado acima, a excessiva centralização de recursos em poder da União não se justifica, vez que perpetua o desequilíbrio federal e não promove uma divisão equilibrada de competências, retirando parcela da autonomia dos entes subnacionais bem como a capacidade destes de se desenvolverem economicamente. 

Portanto, a centralização de recursos em poder da União evidenciada se mostra contrária às diretrizes do princípio da subsidiariedade, à noção de Estado Distribuidor e aos fundamentos do Pacto Federativo. Nesse sentido, podemos concluir que um dos grandes entraves do sistema federal brasileiro se refere a ausência de um sistema de distribuição de competências bem formulado e a correspondente distribuição dos encargos entre os governos e de  mecanismos de cooperação intergovernamentais (ARRETCHE, 2005, p. 266).

5. CONCLUSÃO

Tendo como foco o sistema federativo fiscal brasileiro, esse estudo analisou a distribuição de recursos tributários no Brasil nos últimos anos com ênfase as diretrizes traçadas pelo princípio da subsidiariedade.  Segundo esse princípio as unidades subnacionais devem possuir autonomia para regular seus assuntos e, caso seja necessário concurso de ajuda alheia, poderão solicitar ajuda ao Governo Central. Portanto, cabe às unidades superiores concentrar-se em suas tarefas originárias e deixar a cargo das unidades inferiores aquilo que elas próprias são capazes de produzir. Ou seja, os Estados membros só deverão ceder aquele tipo e aquela medida de competência que eles próprios não sejam capazes de assumir de maneira melhor.

É importante ressaltar que, apesar de sugerir uma função de suplência que justifica a ajuda estatal, esse princípio também limita a intervenção de órgão ou coletividade superior. De forma positiva, podemos afirmar que o princípio da subsidiariedade implica que a União, diante dos demais entes federados, não deve fazer mais, como também não deve fazer menos, que oferecer ajuda e garantir a autonomia.  Entratando, a centralização de recursos em poder da União evidenciada afeta o equilíbrio federal, uma vez que reduz a autonomia financeira das unidades subnacionais e as torna dependentes do Governo Central.

Alguns autores justificam a centralização de recursos em poder da União tendo como propósito de estabelecer um ajuste – equalização fiscal entre as jurisdições – na distribuição de receitas entre as unidades subnacionais. Contudo, o  sistema federativo fiscal de arrecadação e distribuição de recursos é quem determina essas diretrizes – distribuição de competências e transferências legais -, ou seja, não cabe a União enquanto ente federado determinar tal distribuição.  Em outras palavras, a distribuição de competências e as transferências legais  devem respeitar os limites estabelecidos na Carta Política, prerrogativas estas que não podem ser abolidas ou alteradas de modo unilateral pelo governo central. Portanto,  única parcela de recursos que a União possui o controle para realizar esse tipo de repasse são as Transferências Voluntárias.

Considerando essa definição e os fundamentos do princípio da subsidiariedade, tal parcela de recursos deveria se destinar a “ajuda” tratada nos parágrafos acima, no sentido de garantir desenvolvimento proporcional e redução da desigualdade de modo a assegurar condições político-sociais igualitárias entre os cidadãos brasileiros. Contudo, foi demonstrado que essa distribuição sofre influência direta de negociações políticas entre parlamentares e presidente. O Presidente da República recompensa os parlamentares que votam a favor dos projetos de interesse do governo, bem como aqueles que estão alinhados politicamente ao Governo Federal autorizando execução de emendas.

 Sendo a federação um pacto de igualdade entre as pessoas políticas, e sendo a autonomia financeira o penhor da autonomia dos entes federados, tem-se que qualquer agressão, ainda que velada, a estes dogmas, constitui inconstitucionalidade. Resta claro, portanto, que a utilização dessas transferências como instrumento de barganha política desrespeita os princípios da impessoalidade, moralidade, eficiência e subsidiariedade, bem como as diretrizes do Estado Distribuidor. 

 

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Notas:
[1] A descentralização é freqüentemente concebida como a transferência de autoridade dos governos centrais para os governos locais, tomando-se como fixa a autoridade total dos governos sobre a sociedade e a economia.”(RODDEN, 2005, p.10)
[2] A descentralização evidenciada provocou algumas distorções que favoreceram os municípios. Os critérios para distribuir recursos fiscais e financeiros permitiu que regiões menos dinâmicas e pouco habitadas como os micro municípios disponham de receitas relativamente elevadas, enquanto os grandes municípios são contemplados com recursos insuficientes para atender à sua população. Tal situação incentivou o surgimento de um grande número de pequenos municípios. (FREIRE, 2005)
[3] O Estado Pós-Providência moderno, necessariamente, é um Estado humanista que se norteia pelo princípio da dignidade da pessoa humana, que firma a idéia de que qualquer ser humano é dotado de direitos cuja proteção justifica a existência do próprio Estado.
[4] A CRFB/88 firma um modelo de Estado, de finalidades nitidamente sociais, que deve erradicar a pobreza, reduzir as desigualdades sociais, enfim, um Estado fundamentalmente voltado para as questões sociais.
[5] É importante ressaltar que, a partir de 1995, o regulamento interno da Comissão Mista do Orçamento – CMO definiu tetos para as emendas individuais assim, quanto a esse aspecto, não há distinção entre parlamentares

Informações Sobre os Autores

Henrique Ribeiro da Glória Antunes

Assessoria de Gestão Estratégica e Inovação, Secretaria de Estado de Turismo e Esportes

Gabriela Costa Xavier

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Bacharel em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro. Pós-graduação em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica PUC/MG em curso. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental lotada na Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais. Atualmente ocupa este cargo na Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo do Estado de Minas Gerais

Camila Costa Xavier

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Direito Administrativo e Direito de Família. Advogada civilista


Equipe Âmbito Jurídico

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