O princípio do Protetor-Recebedor e o Proambiente: Limites e possibilidade da compesação financeira

Resumo: O presente estudo tem por objetivo discutir o Princípio do Protetor-Recebedor  que possibilita aos atores sociais compensação financeira pelas práticas protecionistas realizadas em favor do meio ambiente. Apesar de certa parte da sociedade entender que, devido à complexidade ambiental, as pessoas deveriam ter atitudes sustentáveis independente de pagamento por serem beneficiárias de um meio ambiente sadio, o que se observa, é que o lucro, o desenvolvimento econômico e a dificuldade financeira da população, não estimulam a sensibilidade ambiental, sendo necessário um mecanismo que premia quem protege o meio ambiente em benefício da coletividade. A partir desta lógica, a compensação por serviços ambientais prestados é tida como questão de justiça econômica, compensando quem age a favor da natureza e punindo quem a polui. Destarte, a compensação por serviços ambientais prestados é um novo instrumento a ser aperfeiçoado e posto a disposição da proteção ambiental, mas encontra barreiras como a carência de políticas públicas que incentivem tais práticas, a falta de um mecanismo estável e duradouro de financiamento e de uma base legal que reconheça o valor econômico dos serviços ambientais.


Palavras-chave: Princípio do Protetor-Recebedor; compensação por serviços ambientais; Proambiente.


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Introdução


As regras de caráter ambiental, costumeiramente, são sanções negativas, isto é, com natureza punitiva, como é o caso do Princípio do Poluidor-Pagador, que pune o indivíduo que se utiliza dos recursos naturais de forma errônea e contrária a legislação. No entanto, estes atos preventivos ou repressivos se mostram insuficientes para minimizar os megariscos ambientais. Dessa forma, se faz necessário uma inversão da esfera punitiva para a esfera compensatória, por meio do Princípio do Protetor-Recebedor  que objetiva uma sanção positiva do Estado, permitindo a compensação por serviços ambientais prestados, sendo assim, uma forma de estímulo para os atores sociais que têm sensibilidade ecológica e contribuem para a preservação/conservação do meio ambiente. 


A compensação financeira por estes serviços trata-se de norma incentivadora a práticas como: o seqüestro e armazenamento de carbono, o surgimento de áreas verdes privadas, as Reservas Particulares de Patrimônio Natural, a proteção a biodiversidade, a proteção de bacias hidrográficas e o pagamento pela beleza cênica, entre outras.


Há várias possibilidades de compensação por serviços ambientais prestados em âmbito local, nacional e global. Contudo, estas práticas são pouco difundidas e abarcam ainda uma parcela pequena da população, uma vez que, a sua efetivação necessita de políticas públicas e da criação de leis que disciplinem de que forma ocorrerá o pagamento por tais serviços.


O Princípio do Protetor-Recebedor e as Ferramentas Compensatórias aos Serviços Ambientais Prestados


O Ordenamento Jurídico nacional, na atualidade, está orientado por diversos princípios, que se constituem em fontes basilares para qualquer ramo do direito influindo tanto em sua formação como em sua aplicação.


Segundo a doutrina de Wambier (2003, p. 69), os princípios são normas que fornecem coerência e ordem a um conjunto de elementos, sistematizando-os. Afirma que são os princípios que fazem com que exista um sistema. Classifica os princípios jurídicos como normas jurídicas, sustentando que mesmo quando são implícitos, não expressos, são obrigatórios, vinculam, impõem deveres, tanto quanto qualquer regra jurídica.


No caso do Direito Ambiental, conforme explana Paulo de Bessa Antunes (2004, p. 25) as suas particularidades, obviamente, implicam numa série de princípios diversa daquela que, usualmente, informa os demais ramos da ciência jurídica. Segundo o autor, os princípios do Direito Ambiental estão voltados para a finalidade básica de proteger a vida, em qualquer forma que esta se apresente, e garantir um padrão de existência digno para os seres humanos desta e das futuras gerações, bem como de conciliar os dois elementos anteriores com o desenvolvimento econômico ambientalmente sustentado.    


O Princípio do Desenvolvimento Sustentável contextualiza que os recursos ambientais não são ilimitados, e, portanto, é imperioso que as atividades sejam planejadas de modo a possibilitar a coexistência harmônica, entre o homem e o meio onde está inserido. (Catalan, 2005, p. 172)


Segundo Sachs (1993, p. 24-27), o desenvolvimento sustentável caracteriza-se pela presença de cinco dimensões: a) sustentabilidade social, que considere a redução das desigualdades na distribuição dos bens e da renda, com inclusão social da população marginalizada; b) a sustentabilidade econômica, que implica na alocação e gestão mais eficiente dos recursos públicos e privados, com a eliminação de barreiras protecionistas entre os países, a oportunização de tecnologias e a avaliação da eficiência econômica em termos macrossociais; c) a sustentabilidade ecológica, que pressupõe a racionalização dos recursos naturais, a limitação de usos dos bens esgotáveis ou potencialmente poluidores, a utilização de tecnologias ecológicas e outras medidas; d) a sustentabilidade espacial, que propõe uma distribuição territorial mais equilibrada entre as comunidades rurais e urbanas, evitando-se o povoamento excessivo e, e) a sustentabilidade cultural, que respeite as especificações de cada ecossistema, de cada cultura e local na definição dos modelos de desenvolvimento e tecnologias.


Para que essas dimensões sejam implementadas, deve-se modificar a forma de ver a natureza, uma vez que, esta tem seu valor independente da sua utilidade para o ser humano. Segundo Capra (1996, p. 27) os seres humanos são apenas um fio particular na teia da vida, em que existe uma rede de fenômenos que estão interconectados e são interdependentes.


No mesmo sentido, Antunes (2004, p. 25) comenta que, as normas de Direito Ambiental, nacionais e internacionais, cada vez mais, vêm reconhecendo direitos próprios da natureza, independente do valor que esta possa ter para o ser humano.


Somente por meio de uma visão biocêntrica, em que há inversão do eixo das preocupações, focalizando toda a natureza, isto é, o ecossistema como um todo deve estar no centro das preocupações mundiais, não somente o homem, pode-se modificar os valores culturais da sociedade e apresentar alternativas para a garantia da existência das gerações presentes e futuras.


A partir dessa percepção, questiona-se a legislação ambiental atual e a forma pouca efetiva com que vem sendo garantido os direitos e cobrado os deveres da sociedade. A maior dificuldade é a superação da noção utilitarista de natureza baseada numa visão antropocêntrica do meio ambiente, que “vê os seres humanos como situados acima ou fora da natureza, como a fonte de todos os valores, e atribui apenas um valor instrumental, ou de ‘uso’, à natureza.” (Capra, 1996, p. 26).


A forma de cobrança pelo descumprimento dos deveres para com o meio ambiente é efetivada através do Princípio do Poluidor-Pagador, todavia questiona-se sua eficácia frente aos megariscos globais, onde as ações antrópicas influenciam diretamente no surgimento uma miríade de riscos e inseguranças sócio-ambientais.


BECK (1998) relata que, estamos vivendo um efeito bumerang, em que todas as nossas ações causarão uma reação positiva ou negativa a complexidade sócio-ambiental.  Refere-se ainda, a existência de três riscos globais: danos ecológicos condicionados pela riqueza e pelos perigos tecnoindustriais; danos ecológicos associados à pobreza (desenvolvimento insustentável); e os perigos das armas de destruição disseminada (terrorismo, armas nucleares).


Desta forma, não basta simplesmente levar em conta o critério de que quem contamina deve, em princípio, arcar com os custos da contaminação. O Princípio do Poluidor-Pagador surgiu em razão da busca incessante das pessoas por novas formas de ganhar dinheiro, priorizando os lucros, sem preocupações maiores, fato quase unânime entre os países ocidentais de economia capitalista. CATALAN (2005, p. 168) comenta que “é adequado que assumam os riscos que provocam, reparando os danos que eventualmente forem causados”.  Porém, este princípio não se faz mais suficiente, vez que propicia o desenvolvimento econômico, fazendo valer a pena correr o risco de ocasionar danos ao meio ambiente em razão do lucro.


Ribeiro (2008) explana que, em situações de pobreza, é preciso virar pelo avesso o Princípio do Poluidor-Pagador e aplicar o princípio Protetor-Recebedor, que mostra-se eficaz na realidade concreta de sociedades que precisam resolver as carências de infra-estrutura de saneamento. Em contextos de escassez de recursos financeiros, a disposição a receber é mais alta do que a disposição a pagar.


O desenvolvimento sustentável utiliza como um de seus sustentáculos o Princípio do Protetor-Recebedor , compensando financeiramente, como incentivo pelo serviço prestado, aquele que protege um bem natural, representando um símbolo da justiça econômica.


A compensação por serviços ambientais prestados[1], apontado como um novo paradigma na proteção ambiental, que tem por fundamento a possibilidade de indenizar ou compensar pela conservação e restauração do meio ambiente, promovendo a utilização da natureza de forma sustentável. 


Segundo Wunder (2006, p. 7) a idéia central da compensação pelos serviços ambientais (CSA) é que os beneficiários externos destes serviços paguem de maneira direta, contratual e condicionada os proprietários e usuários locais pela adoção de práticas que assegurem a conservação e restauração dos ecossistemas.


Conforme Veiga (2006) o princípio central do CSA consiste no reconhecimento de que aqueles que provêem o serviço, por exemplo, os detentores de remanescentes florestais, devem ser recompensados por isto, e aqueles que se beneficiam do serviço devem pagam por ele, nesse caso a sociedade local, regional e global.


Destaca-se ainda que, este instrumento possibilita a participação de vários atores sociais interessados na gestão ambiental, permitindo a participação democrática, por meio de incentivos financeiros, favorecendo a implementação e efetivação dos ideais buscados pelo Princípio do Protetor-Recebedor .


Atualmente se destacam quatro tipos de serviços ambientais: o seqüestro e armazenamento de carbono, quando, por exemplo, uma empresa elétrica do hemisfério norte paga agricultores do trópico para que plantem e cuidem árvores; a proteção da biodiversidade, que ocorre quando doadores pagam aos moradores locais para proteger e restaurar áreas para criação de um corredor ecológico; a proteção de bacias hidrográficas, onde, os usuários das águas a jusante, pagam aos donos de propriedades águas a montante para que adotem usos da terra que limitem o desmatamento, a erosão do solo e riscos de inundação, etc; e ainda o pagamento pela beleza cênica, quando, por exemplo, uma empresa de turismo paga uma comunidade local para não caçar em um bosque usado para turismo de observação da vida silvestre; (Wunder, 2006, p. 4)


Elenca-se algumas experiências brasileiras decorrentes da implementação do Princípio Protetor-Recebedor, consubstanciadas na compensação pelos serviços ambientais prestados. Dentre estas pode-se citar o programa do governo federal denominado Proambiente relacionado as práticas sustentáveis exercidas pelos agricultores familiares; a servidão florestal  que possibilita que a Reserva Legal possa ser compensada fora da propriedade, desde que esteja situada no mesmo bioma e na mesma bacia hidrográfica agregando valor à floresta em pé; os créditos por redução certificada de emissões de gases de efeito estufa; a isenção fiscal de ITR para as Reservas Particulares do Patrimônio Natural que são unidades de conservação instituídas em área privada, gravadas com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica, sendo permitido nelas apenas a pesquisa científica, e a visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais; o ICMS verde ou ecológico que compensa os Municípios que possuem áreas ambientalmente protegidas; a agenda marrom que premia investimentos em saneamento; e a Lei Chico Mendes que proporciona subsídios ao extrativismo da borracha.


Dentre essas ferramentas destacamos o Programa de Desenvolvimento Sócio-ambiental de Produção Familiar Rural (Proambiente) vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Ministério do Meio Ambiente, tem por finalidade compensar os serviços ambientais prestados pelos agricultores familiares à sociedade brasileira e internacional. O Proambiente permite a remuneração de serviços ambientais tais como a redução do desmatamento, a eliminação de agroquímicos, a redução do uso do fogo na agricultura, a preservação da biodiversidade, etc.


De acordo com o Relatório de Gestão do Ministério do Meio Ambiente, “o Proambiente estimula produtores familiares rurais a adotarem um novo padrão de ocupação territorial e uso dos recursos naturais, preservando os serviços ambientais.”


Segundo Negret (2007, p. 1) atualmente o programa envolve “aproximadamente 4.000 famílias de comunidades de agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais, quilombolas e demais comunidades tradicionais”. Ainda conforme o autor, estas famílias contribuem para o meio ambiente através da adoção de métodos de produção com maior sustentabilidade ambiental e o pagamento pelos seus serviços ambientais se justifica uma vez que a adoção de práticas sustentáveis onera a produção destes agricultores, que, por exemplo, ao não fazerem uso de agroquímicos necessitando de mais mão-de-obra para o controle de ervas daninhas, o que encarece seu produto final. Assim, a remuneração que recebem apenas compensa o custo maior da produção decorrente da adoção de iniciativas que contribuem para a manutenção da qualidade ambiental para o Brasil e para o planeta como um todo. Atualmente as famílias recebem R$ 100,00 mensalmente pelos serviços ambientais prestados.


Todavia, a forma de compensação encontra obstáculos como a carência de políticas públicas que implementem tais práticas, a falta de um mecanismo estável e duradouro de financiamento e de uma base legal que reconheça o valor econômico dos serviços ambientais.


Embora seja recente a implantação do programa, este pode vir a ser uma ferramenta eficaz na proteção ambiental, tornando os proprietários rurais aliados na proteção ambiental.


Reflexões


Diante de megariscos globais, faz-se necessário a implementação de políticas públicas que visem a economia ecológica e a democratização ambiental, buscando a interdependência entre a economia e a ecológica, como critério possibilitador de justiça ambiental. Dessa forma, os atores sociais que tenham sensibilidade ecológica e contribuam para a preservação/conservação do meio ambiente, devem receber alguma forma de incentivo financeiro.


Muito vem se discutindo na atualidade sobre a possibilidade de haver o pagamento ou prêmio por serviços ambientais prestados, sendo este um instrumento de estímulo para a utilização racional e sustentável do meio ambiente. Porém, a carência de legislação e mecanismos estáveis para a efetivação de atividades que favoreçam a utilização sustentável do meio ambiente são obstáculos que devem ser eliminados por meio da participação de todos os atores sociais, tanto públicos como privados, na construção de uma gestão ambiental local, nacional e global.


O Programa de Desenvolvimento Sócio-ambiental de Produção Familiar Rural (Proambiente) é um exemplo de incentivo, de âmbito federal, a comunidades de agricultores familiares que empregam práticas sustentáveis nas atividades rurais desenvolvidas.  Entretanto, ainda tem pontos a serem aperfeiçoados, como a forma de mensuração dos serviços prestados e a quais populações e regiões devem ser beneficiadas.


 


Referências

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 1999.

BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia uma nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998.

CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. Traduzido por Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 1996. Tradução de The web of life.

CATALAN, Marcos Jorge. Fontes Principiológicas do Direito Ambiental. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 10, n. 38, abril-junho de 2005. p. 161.

NEGRET. Fernando. Brasil – compensação dos serviços ambientais aos agricultores familiares e inclusão. ADITAL Agência de Informação Frei Tito para a América Latina, Fortaleza, Ceará. Disponível em www.adital.com.br. Acesso em 12 março 2008.

RIBEIRO, Maurício Andrés. O Princípio Protetor Recebedor para preservar um bem natural. Revista Eco 21. Disponível em: <http://www.ida.org.br/artigos/principioprotetor.html?ordem=1792> Acesso em 12 março 2008.

SACHS, I. Estratégias de transição para o século XXI: Desenvolvimento e meio ambiente. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Studio Nobel: Fundação do desenvolvimento administrativo, 1993.

VEIGA, Fernando. Reservas Legais e Mercado de Serviços Ambientais. Programa de Conservação da Floresta Atlântica. Conferência Internacional sobre Pagamentos por Serviços Ambientais. São Paulo, 2006. Disponível em: <http://www.katoombagroup.org/meetings/_ppt/KatoombaX/Day2/Panel1/P1_1Fernando%20Veiga.pdf> Acesso em 10 março 2008.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. v. 1.

WUNDER, Sven. Pagos por servicios ambientales: Principios básicos esenciales. Editorial CIFOR, Jacarta, Indonésia, 2006.


Nota:

[1] “O termo ‘serviços ambientais’, bastante disseminado nos últimos tempos, designa uma série de serviços providos pela natureza, decorrentes do funcionamento saudável dos ecossistemas – sejam estes naturais ou antrópicos. A produção de oxigênio pelas plantas, a capacidade de produção de água e o equilíbrio hidrológico, a fertilidade do solo e o equilíbrio climático são alguns exemplos.” (Gil, 2007, p. 1)

Informações Sobre os Autores

Elizangela Treméa Fell

Mestre em Ciências Sociais Aplicadas – Interdisciplinar pela UEPG, professora de Direito Civil, Argumentação Jurídica e Direito Agrário e Ambiental da UNIOESTE, orientadora de projetos do programa PIBIC/UNIOESTE/PRPPG, Campus Marechal Cândido Rondon. Professora de Direito Civil e Hermenêutica Jurídica da Escola da Magistratura do Paraná/Cascavel – PR. Linha de pesquisa Hermenêutica das Ciências e Soberania Nacional

Estela Maria Treméa

Acadêmica do 4º ano do Curso de Direito da UNIVEL, estagiária do Ministério Público do Paraná


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Equipe Âmbito Jurídico

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