Introdução
Diploma instrumental vigente no Brasil desde 1º de Janeiro de 1974, o Código de Processo Civil, Lei N. 5.869 de 11 de Janeiro de 1973 já vinha sofrendo inúmeras críticas por parte de seus operadores. Dissonante com a realidade atual e com os novos princípios orientadores do processo, o referido diploma passou por inúmeras pequenas reformas com o intuito de dar mais efetividade aos procedimentos por ele regidos.
Norteado pelos princípios da instrumentalidade e do acesso a justiça, o legislador de 1994 criou novos institutos e modernizou os já existentes. Inserido nesta reforma, mais especificamente na Lei n. 8.951/94 está o novo rito procedimental da ação de usucapião.
Transcorrido cinco anos desde então, tem-se por oportuno o momento para fazer uma breve análise das divergências evidenciadas na interpretação dos novos dispositivos. Partindo-se do exame de todo o procedimento, este é o intuito do presente estudo.
Sua finalidade era a de provar a posse prolongada e assim verificar se o pedido era juridicamente viável. Sua denegação acarretava na extinção do processo por falta de condição da ação. A necessidade desta audiência era bastante questionada, alegava-se que era inútil, principalmente por duas razões:
“… a primeira, uma constatação de ordem prática – eram raríssimas as ações de usucapião em que o autor não conseguia provar a ‘posse atual’, declarando então o juiz que tinha por justificada a posse, e prosseguindo o processo normalmente; a segunda, a certeza doutrinária e jurisprudencial quanto à possibilidade de se propor com sucesso a ação de usucapião, tendo sido perdida pelo demandante a posse do imóvel[1]”.
Além destas, dizia-se que não há motivo para a existência deste ato de cognição sumária visto inexistirem medidas liminares a serem tomadas, e porque posteriormente, na fase de instrução, novas investigações a respeito da posse seriam necessariamente feitas.
Com a nova redação do art. 942, omitiu-se a audiência de justificação prévia, de forma a aboli-la do procedimento em questão. Dessa forma, extinguiu-se o único ato que diferenciava este procedimento do ordinário. A conseqüência de tudo isto é que o procedimento de usucapião, apesar de estar previsto no Livro IV do CPC, referente aos Procedimentos Especiais, deve ser, para diversos autores, reconhecido como um procedimento ordinário.
Petição inicial
Para se ajuizar a ação de usucapião é necessário que, ao peticionar, o autor descreva, em todas as suas minúcias o imóvel usucapiendo (área, confrontações, nome dos confinantes, etc.). Deverá anexar planta do imóvel feita por engenheiro (não é suficiente simples croquis), bem como, a certidão de registro do imóvel (mesmo não sendo exigida por lei, sua demonstração é bastante usual).
Deverá mencionar o tempo de exercício da posse, bem como as características necessárias para o reconhecimento do usucapião (“animus domini”, posse mansa, pacífica e ininterrupta, etc.).
Por fim deverá requerer todas as citações e intimações que a lei exigir e que serão aqui explanadas em ocasião oportuna. Depois disto, seguirá a ação nos mesmos termos do procedimento ordinário.
Pessoas jurídicas também podem adquirir por usucapião, mesmo que sejam de direito publico. Quanto às sociedades de fato, leciona NASCIMENTO[2] que estas não podem usucapir, mas sim seus membros, formando um condomínio ordinário sobre o imóvel.
Para propor ação de usucapião, conforme o art. 10 do CPC, é necessário o consentimento do outro cônjuge, visto ser o domínio que se busca ver declarado um direito real imobiliário.
Foro Competente
Dúvida não existe sobre a questão: o foro competente para a ação de usucapião, por força do art. 95 do CPC é o da situação do imóvel.
Peculiaridade existe aqui, caso a União, autarquias ou empresas públicas federais sejam parte na demanda ou demonstrem interesse no imóvel. Por força de norma constitucional (art. 109, I), a competência não mais será da Justiça Estadual, mas sim da Justiça Federal.
Quanto à citação pessoal do réu, nenhuma reparação a fazer. É condição essencial para a ação de usucapião, sob pena de nulidade absoluta, a citação daquele em cujo nome estiver transcrito o imóvel. A jurisprudência e a doutrina são pacíficas neste sentido. Caso não seja citado, a sentença, em relação a ele, não terá força de coisa julgada, podendo reivindicar o imóvel por ação ordinária, sendo desnecessária a rescisória[3].
Nenhuma modificação também quanto à necessidade de citar os confinantes do imóvel. STF 391: O confinante certo deve ser citado, pessoalmente, para a ação de usucapião. Caso contrário haverá nulidade no processo[4].
A referência à citação por edital, dos réus em lugar incerto é desnecessária. Aqui os réus são certos, eles existem e estão perfeitamente individualizados. O que não se sabe é o lugar onde encontrá-los. Mesmo sem tal dispositivo a citação por edital destes seria efetivada como normalmente se faz no procedimento ordinário para o réu que não se souber o paradeiro.
A inovação neste dispositivo ocorreu no art. 942, in fine. Agora não se exige mais a citação dos réus ausentes, incertos ou desconhecidos, mas sim em eventuais interessados[5]. Há quem diga que os eventuais interessados são terceiros identificados como interessados, como o possuidor atual que tenha praticado esbulho contra o usucapiente. Outros falam ainda que a nova redação do dispositivo dispensou a citação por edital, salvo dos réus certos que estiverem em local incerto[6]. No entanto a maioria da doutrina diz que esta modificação é apenas terminológica de maneira que os eventuais interessados poderiam ser quaisquer outras pessoas que tenham interesse no litígio, como se fosse uma intimação geral, tendo em vista o caráter universal da demanda.
Um detalhe importante a ser citado aqui já estava consagrado na jurisprudência: caso nenhum “réu” ausente, incerto ou desconhecido aparecer – ou eventual interessado atualmente – não há necessidade da nomeação de um curador especial. Isto pois é impossível defender os interesses de alguém que nem ao menos se pode identificar.
Conforme o inciso I do § 1º do art. 10 do CPC, é necessário ainda a citação dos cônjuges dos réus. Isto porque o usucapião trata de direitos reais imobiliários.
Dessa forma, se contestada a ação, deve o juiz designar a audiência com o intuito de promover a conciliação entre as partes. Sendo esta infrutífera, deverá fixar os pontos controvertidos e designar a audiência de instrução e julgamento. Apenas se incontestada a ação é que este ato não será considerado necessário ao processo.
NILTON DA SILVA[8] entende ser ele perfeitamente cabível, tendo em vista as seguintes razões: a) o procedimento da ação de usucapião é o ordinário; b) trata-se de matéria de natureza patrimonial, portanto, disponível; c) cabe aplicação, por analogia, da tutela antecipada, isto é, existindo prova inequívoca da alegação.
Já BELMIRO WELTER procura contradizer todos estes argumentos, não aceitando então o julgamento antecipado. Fundamenta-se basicamente na provável falta de prova do direito material alegado pela inexistência da audiência preliminar.
A conclusão a que se chega é de que, embora cabível, é de difícil ocorrência o julgamento antecipado, já que a prova inequívoca que se exige não será obtida na maioria dos casos antes da fase de instrução do pleito. No entanto, estando esta presente, como nos casos em que o mérito da questão já fora julgado em outro processo, é de se admitir o julgamento antecipado.
No procedimento anterior, o início do prazo se dava com a intimação de decisão que declarasse justificada a posse. Com o fim da audiência preliminar e diante do silêncio da norma instrumental, entende-se que o prazo para contestar começa a correr da data da juntada aos autos do último mandado citatório cumprido, inclusive o dos confinantes. Discute-se ainda isto não deve ocorrer apenas quando findo o prazo do edital para os eventuais interessados se manifestarem. DINAMARCO[9] é desta opinião, salientando a necessidade de se preservar o direito de defesa.
Neste caso, desempenha o referido órgão a função de custo legis. Conforme o art. 83, terá vista aos auto depois das partes, sendo intimado de todos os atos do processo. A falta da intimação do Ministério Público acarreta nulidade do processo.
Questão interessante a saber é o que ocorre se o mesmo, embora intimado, não comparecer. Como não há meios de coerção para o fazê-lo agir, o processo não será considerado viciado. O que podem ocorrer são apenas eventuais punições de ordem administrativa por não ter cumprido com o seu dever.
Com o trânsito em julgado da sentença o juiz expede o mandado de registro do domínio. O fundamento desta para LENINE NEQUETI[11] é o seguinte:
… patentear o direito do adquirente e constituir um título hábil para a transcrição; e esta, à sua vez, é necessária apenas: a) para conferir ao usucapiente o direito de dispor da coisa, em relação à terceiros; b) para publicar a aquisição do domínio, de modo a assegurar a boa-fé de terceiros; e c) para assegurar a continuidade do registro.
Quanto ao recurso cabível, a sentença de usucapião é apelável e este recurso terá efeito tanto devolutivo como suspensivo, por não estar previsto nos casos do art. 520 em que se estipula apenas o efeito devolutivo.
A conclusão a que se chega é que o legislador cometeu um erro ao condicionar a transcrição do direito ao pagamento das obrigações fiscais[13].
Considerações finais
Decorridos cinco anos da reforma do procedimento da ação de usucapião, a prática mostrou que as modificações foram positivas.
A extinção da audiência preliminar de justificação de posse proporcionou um processo mais célere e compatível com os princípios modernos do processo civil. Os inúmeros reparos terminológicos feitos solucionaram antigas divergências doutrinárias e jurisprudenciais, tanto no caso da referência à citação de eventuais interessados do art. 942 quanto na referência à intimação da Fazenda Publica.
Diante disso, devem ser aplaudidas as inovações introduzidas e o propósito do legislador de buscar um procedimento mais efetivo.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria
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