O processo
administrativo disciplinar – PAD (lato
sensu) abrange a sindicância administrativa e o processo administrativo
disciplinar (stricto sensu), nos
termos do art. 143 da Lei n.º 8.112/90.
O PAD se desenvolve nas
seguintes fases (Lei n.º 8.112/90, art. 151, incs. I, II e III): instauração,
com a publicação do ato que constituir a comissão; inquérito administrativo,
que compreende instrução, defesa e relatório e julgamento.
Esse tipo de processo administrativo não tem por
finalidade apenas apurar a culpabilidade do servidor acusado de falta, mas,
também, oferecer-lhe oportunidade de provar sua inocência, corolário do direito
de ampla defesa.
A Formulação do DASP n.º
215 menciona que o processo administrativo disciplinar não visa apenas a
apurar infrações, mas também a oferecer oportunidade de defesa ao acusado.
O
princípio da garantia de defesa está assegurado no
inciso LV do art. 5º da Lex Mater, juntamente com a obrigatoriedade
do contraditório, como decorrência do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), que tem origem no due process of law do direito anglo-norte-americano, assevera Hely
Lopes Meirelles[i]. O
processo administrativo disciplinar obedecerá, também, ao princípio do
contraditório, assegurado ao acusado a ampla defesa, com a utilização dos meios
e recursos admitidos em direito (Constituição Federal, art. 5º, inc. LV e Lei
n.º 8.112/90, arts. 143 e 153).
Paulo
Tadeu Rodrigues Rosa assevera que “A Lei existe para ser cumprida e observada, e quando esta é
violada surge para o Estado o direito de punir o infrator, que poderá ter o seu
jus libertatis cerceado, ou ainda perder os bens que conquistou no decorrer da
vida. Mas, o direito de punir, jus puniendi, pressupõe o direito de defesa que
deve ser amplo e irrestrito. A Constituição Federal no art. 5.º, LV, assegura
aos acusados e ao litigantes em geral, em processo judicial ou administrativo,
o direito a ampla e contraditório, com todos os recursos a ela inerentes.
Apesar da clareza do Texto Constitucional, e da sua auto-aplicabilidade, norma
de eficácia plena, alguns administradores ainda insistem em não lhe dar
cumprimento. O Estado deve punir o infrator, pois age em defesa da sociedade,
que por meio de um contrato social concedeu a este certos poderes, que o
diferenciam das demais pessoa. Mas, o contrato que foi celebrado não autoriza a
presença do arbítrio, o uso da força desprovido de justificativa. O
contraditório tornou-se a partir de 1988 a regra e não a exceção. O funcionário
público tem o direito líquido e certo de exercer por meio de profissional
devidamente qualificado a sua ampla defesa.Ao administrador cabe cumprir a lei
e não questioná-la. Caso entenda que a lei possua algum vício deve provocar o
Poder Judiciário para que este se pronuncie a respeito da questão. Caso
contrário, a lei produz todos os efeitos, ou como ensinam os romanos, dura lex
sed lex, dura é a lei, mas é a lei”.[ii]
Alexandre
Moraes[iii]
preleciona que, embora no campo administrativo, não exista necessidade de
tipificação estrita que subsuma rigorosamente a conduta à norma, a capitulação
do ilícito administrativo não pode ser tão aberta a ponto de impossibilitar o
direito de defesa, pois nenhuma penalidade poderá ser imposta, tanto no campo
judicial, quanto nos campos administrativos
ou disciplinares, sem a necessária amplitude de defesa.
O Supremo
Tribunal Federal já se pronunciou sobre o instituto da ampla defesa quando
decidiu que:
“MANDADO DE SEGURANÇA – SANÇÃO DISCIPLINAR IMPOSTA
PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA – DEMISSÃO QUALIFICADA – ADMISSIBILIDADE DO
MANDADO DE SEGURANÇA – PRELIMINAR REJEITADA – PROCESSO ADMINISTRATIVO
DISCIPINAR – GARANTIA DO CONTRADITÓRIO E PLENITUDE DE DEFESA – INEXISTÊNCIA DE
SITUAÇÃO CONFIGURADORA DE ILEGALIDADE DO ATO PRESIDENCIAL – VALIDADE DO ATO
DEMISSÓRIO – SEGURANÇA DENEGADA.
A Constituição Brasileira de 1988 prestigiou os
instrumentos de tutela jurisdicional das liberdades individuais ou coletivas e
submeteu o exercício do Poder Estatal – como convém a uma sociedade democrática
e livre – ao controle do Poder Judiciário inobstante estruturalmente desiguais,
as relações entre o Estado e os indivíduos processam-se, no plano de nossa
organização constitucional, sob o império estrito da lei. A rule of law, mais
do que um simples legado histórico-cultural, constitui, no âmbito do sistema
jurídico vigente no Brasil, pressuposto conceitual do Estado Democrático de
Direito e fator de contenção do arbítrio daqueles que exercem o poder.
É preciso evoluir, cada vez mais, no sentido da
completa justibilidade da atividade estatal e fortalecer o postulado da inafastabilidade
de toda e qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação
dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito
consequencial, a interdição de seu exercício abusivo.
O mandado de segurança desempenha, nesse contexto,
uma função instrumental do maior relevo. A impugnação judicial de ato
disciplinar, mediante utilização desse Writ constitucional, legitima-se em face
de três situações possíveis, decorrentes (1) incompetência da autoridade, (2)
da inobservância das formalidades essenciais e (3) da ilegalidade da sanção
disciplinar. A pertinência jurídica do mandado de segurança, em tais hipóteses,
justifica a admissibilidade do controle jurisdicional sobre a legalidade dos
atos punitivos emanados da Administração Pública no concreto exercício do seu
poder disciplinar no que os Juizes e Tribunais somente não podem examinar nesse
tema, até mesmo como natural decorrência do Princípio da separação de Poderes ,
são a conveniência, a utilidade, a oportunidade e a necessidade da punição
disciplinar. Isso não significa, porém, a impossibilidade de o Judiciário
verificar se existe, ou não, causa legítima que autorize a imposição da sanção
disciplinar. O que se lhe veda, nesse âmbito, e, tão-somente, o exame do mérito
da decisão administrativa, por tratar-se de elemento temático inerente ao Poder
Discricionário da Administração Pública.
2. A nova Constituição do Brasil instituiu, em favor dos indiciados em
processo administrativo, a garantia do contraditório e da plenitude de defesa,
com os meios a ela inerentes – art. 5º, LV. O legislador constituinte
consagrou, em norma fundamental, um direito do servidor público, oponível ao
poder estatal. A explícita constitucionalização dessa garantia de ordem
jurídica, na esfera do procedimento administrativo-disciplinar, representa um
fator de clara limitação dos poderes da Administração Pública e da
correspondente intensificação do grau de proteção jurisdicional dispensada aos
direitos dos agentes públicos”.[iv]
O
processo administrativo disciplinar será conduzido por comissão disciplinar
composta de 03 (três) servidores estáveis, designados pela autoridade competente
instauradora, que indicará dentre eles, o seu Presidente, que deverá ser
ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de
escolaridade igual ou superior ao do indiciado.(Lei n.º 8.112/90, art. 149). O
parágrafo 1º desse artigo acrescenta que a comissão processante terá como
Secretário servidor público designado pelo seu Presidente, podendo a indicação
recair em um dos seus membros.
Não poderá participar de
comissão de sindicância administrativa ou de processo administrativo
disciplinar, cônjuge, companheiro ou parente do acusado, consangüíneo ou afim,
em linha reta ou colateral, até o terceiro grau (Lei n.º 8.112/90, art. 149, §
2º).
A designação de agente
público para integrar comissão de processo administrativo disciplinar constitui
encargo de natureza obrigatória, exceto nos casos de suspeições e impedimentos
legalmente admitidos no Código de Processo Penal – CPP.
A comissão disciplinar
deverá exercer suas atividades apuratórias com independência e imparcialidade,
assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse
da Administração Pública, conforme determina o art. 150 da Lei n.º 8.112/90.
A portaria instauradora
do processo administrativo disciplinar conterá o nome, cargo e matrícula do servidor
público e especificará, de forma resumida e objetiva, as irregularidades a
serem apuradas, bem como determinará a apuração de outras infrações conexas que
emergirem no decorrer do apuratório.
Não constitui nulidade
do processo a falta de indicação, na portaria de designação da comissão, dos
ilícitos administrativos e correspondentes dispositivos legais e dos possíveis
autores, o que se não recomenda inclusive para obstar influências do trabalho
da comissão de disciplina ou alegação de presunção de culpabilidade.[v]
A portaria instauradora
delimita o alcance das acusações, devendo a comissão processante ater-se aos
fatos ali descritos, podendo, entretanto, alcançar outros fatos quando
vinculados com as irregularidades administrativas nela discriminadas.
Ressalta-se que no
Direito Administrativo Disciplinar, desde a publicação da portaria instauradora
do processo disciplinar, o servidor público a quem se atribui as
irregularidades funcionais é denominado acusado ou imputado, vindo a ter a
denominação de indiciado somente quando a comissão de disciplina, ao encerrar a
instrução processual, concluir, com base nas provas constantes dos autos, pela
responsabilização do acusado, enquadrando-o num determinado tipo disciplinar.[vi]
O Professor José Armando
da Costa pontifica que “no processo
disciplinar, o acusado encontra-se em relação ao indiciado na mesma situação em
que, no processo criminal, o acusado está para o pronunciado”.[vii]
O art. 152 da Lei
8.112/90 fixa o prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar
que não excederá 60 (sessenta dias), contados da data da publicação da portaria
de constituição da comissão de disciplina, admitida a sua prorrogação por igual
prazo, quando as circunstâncias o exigirem
Por outro lado se forem
esgotados os 120 (cento e vinte dias) a que alude o art. 152 da Lei n.º
8.112/90, sem que o processo administrativo disciplinar tenha sido concluído, a
autoridade instauradora deverá designar um novo trio processante para refazê-lo
ou ultimá-lo, a qual poderá ser integrada pelos mesmos ou por outros
servidores, nos termos da Formulação do DASP n.º 216.
“Importa dizer, portanto, que se verificando a
superação dos prazos previstos para o encerramento dos procedimentos disciplinares
em lei regulados,
ter-se-á necessariamente que
concluir pela imprestabilidade do
trabalho realizado, surgindo daí a necessidade de designar-se nova comissão –
a ser integrada
pelos mesmos ou
por outros membros
– a fim de
que seja reiniciada toda a atividade de apuração administrativa”[viii].
Notas:
[i] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro (n. 05), p. 618.
[ii]ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Princípio do contraditório na
sindicância. http://www.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=400, 27/05/2000.
[iii] MORAES,
Alexandre de. Direito constitucional. São
Paulo: Atlas, 2001, pp. 117/118.
[iv] STF, Ac. Unânime Sessão Plenária DJ 25/05/90 –
ADCOAS n° 9.365.
[v] Pareceres da Advocacia Geral da União – AGU GQ-12,
de 07/02/94, item 16 – DOU de 08/02/94 e GQ-35, de 30/10/94, item 15 e 22,
letra “e” – DOU de 16/11/94.
[vi] Parecer da Advocacia Geral da União
– AGU GQ-35, de 30/10/94, item 13 – DOU de 16/11/94.
[vii]
COSTA, José Armando da. Teoria e prática do processo
administrativo disciplinar. Brasília:
Brasília Jurídica, 1999, p. 127.
[viii] NÓBREGA, Airton Rocha. Excesso de prazo no
processo disciplinar. http://www.jus.com.br/doutrina/excepra.html,
20/04/2001.
Auditor-Fiscal da Receita Federal, parecerista do Escritório de Corregedoria-Geral da Secretaria da Receita Federal em Recife – PE E pós-graduando em Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Recife da UFPE.
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